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Guggenheim às avessas

Transcrição do artigo publicado em 11 de abril de 2005 no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo

FABIO CYPRIANO
Enviado especial a León

Depois de tornar o modelo Guggenheim, com sua sede em Bilbao, a referência museológica mais comentada no fim do século 20, a Espanha inaugura, agora, em León (na Galícia, norte do país), um antídoto contra o espetacular na arte, característica inerente às filiais do museu nova-iorquino.

Aberto em 1997, o museu Guggenheim de Bilbao consolidou um modelo institucional que transformou os espaços da arte em objeto de adoração: atraiu mais de 1,3 milhão de pessoas para visitar a majestosa construção de Frank O. Gehry em apenas um ano de funcionamento. O que estava dentro nem importava tanto, o que valia a pena era ver a arquitetura espetacular.

O Guggenheim anunciou novas filiais em Viena, na Áustria, em Lyon, na França, e no Rio de Janeiro, mas a bolha durou pouco. Viena e Lyon descartaram o projeto e apenas o Rio segue com a proposta, pelos esforços do prefeito César Maia, que ainda acredita que pode construir a filial, enquanto o próprio presidente do Guggenheim, Thomas Krens, já não crê mais em sua viabilidade, como tem dito em entrevistas.

Surge, então, uma outra visão com o Museu de Arte Contemporânea de Castilla e León (Musac), bem mais modesto que o Guggenheim, em Bilbao, a 359 km de distância, mas que centra na produção artística seu foco. "Este é um museu do presente, que pretende não só expor uma coleção, mas ser uma ferramenta ativa da produção atual", disse Rafael Doctor Roncero, diretor do Musac, à Folha, no último dia 2, quando a instituição abria suas portas ao público.

Roncero acredita que o novo museu seja, de fato, um contraponto ao Guggenheim: "Eles são uma empresa capitalista, enquanto nossos parâmetros são outros. O Musac é um museu público, com entrada gratuita, e que está profundamente vinculado com León, uma cidade muita antiga e que precisa de uma ativação contemporânea".

O que de fato significa tais vínculos com a cidade? "Em primeiro lugar, aceitar que León é uma cidade periférica. A intenção é levantar muitas interrogações e expor contradições. Por isso, estamos oferecendo várias bolsas a artistas que aqui queiram trabalhar",afirma.
Um exemplo citado por Roncero é o "Canal Gitano", do espanhol Antoni Abad, um dos projetos inaugurais do museu. Vinte jovens ciganos, comunidade marginalizada em León, irão percorrer a cidade com celulares com câmera, documentando a expedição, com comentários. O resultado estará disponível no site www.zexe.net/gitano.

Outra diferença com o Guggenheim é realizar apostas e não apresentar apenas o consagrado. "É irônico abrir um museu que se pretende do presente, quando o sistema artístico nos últimos 15 anos ainda está em reestruturação. Mas preferimos estar inseridos entre os que valorizam o mais radical no momento do qual fazemos parte", diz.
Com 3.580 m2, o Musac foi projetado pelos arquitetos espanhóis Emilio Tunõn e Luis Moreno Mansilla, a um custo de 33 milhões (cerca de R$ 110 milhões), contra os 11 mil m2 de Bilbao, que custaram, há dez anos, US$ 150 milhões (em torno de R$ 400 milhões).

Abre suas portas com uma coleção de 900 obras, cuja peça mais antiga é de 1992. Duas brasileiras estão presentes em seu acervo -as mineiras Rivane Neuenschwander e Rosângela Rennó, além de nomes consagrados como Matthew Barney, Andreas Gurscky e Rineke Dijkstra.

A arquitetura do novo edifício utiliza centenas de estruturas retangulares coloridas, inspiradas em um dos mosaicos da catedral gótica da cidade. Dentro, rompe-se com a idéia do "cubo branco", forma neutra de espaço expositivo lançada pelo MoMA, de Nova York, em 1929. As paredes são multifuncionais, mais adequadas à produção contemporânea. Tampouco há uma ordem seqüencial -existem vários caminhos possíveis, em uma espécie de labirinto, o que se aproxima de outro museu aberto recentemente, o Museu de Arte Contemporânea do Século 21, no Japão.

Seja no acervo, seja na mostra inaugural, o Musac apresenta um viés fortemente político (leia texto ao lado). "Emergência" (2000), do chileno Alfredo Jaar, é a referência da primeira mostra, que, inclusive, leva o título da obra. Público, inserido em seu contexto e político, o novo museu desafia a globalização no sistema da arte.


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