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Inhotim, maior centro de arte contemporânea do Brasil, transformou a cidade de Brumadinho (MG)

Correio Braziliense, 20 de setembro de 2009, Sérgio Rodrigo Reis.
O supervisor de operações Lucimar Geraldo Pinto, o Lúcio, como é conhecido entre os amigos, há 25 anos viu sua vida mudar quando começou a trabalhar em Inhotim, na zona rural de Brumadinho (MG). O lugar até então funcionava como a fazenda do empresário do ramo de minerações Bernardo Paz. Há três anos, ele deu uma reviravolta no espaço, transformando-o na principal instituição de arte contemporânea do país. A família de Lúcio está toda envolvida no projeto. São 513 moradores da cidade, que depois que começaram a trabalhar na instituição mudaram o destino profissional e pessoal. Hoje, em vez da realidade da atividade mineradora, vocação da região, eles trabalham para manter o enorme parque que abriga algumas das principais manifestações estéticas da atualidade.

A transformação para Everton dos Santos Silva foi parecida com a de Lucimar. Natural de uma comunidade originada de quilombo, a 50 quilômetros de Inhotim, começou a trabalhar tratando os animais. Hoje faz a mediação ambiental de grupos de estudantes, emprego que lhe deu condições de fazer o curso de história. “Morava na roça, não sabia sobre arte contemporânea e, hoje, já entendo”, conta o jovem, que se tornou fã do trabalho de Hélio Oiticica.

A população do entorno de Inhotim, até a abertura da instituição, não tinha qualquer ligação com a realidade, a linguagem e a estética propulsoras da arte contemporânea. A situação atual é outra. Não é difícil encontrar gente de todas as idades e classes sociais dando aula sobre obra de brasileiros que ali ganharam pavilhões, como Cildo Meirelles, Tunga e Hélio Oiticica. Artistas internacionais como a canadense Janet Cardiftt, responsável por uma impactante instalação sonora, e a colombiana Doris Salcedo, que também ocupa um pavilhão, estão na boca do povo.

A impressão não é só empírica. Uma pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi, entre 27 e 30 de junho, com 500 moradores do município, maiores de 16 anos, veio a confirmar as suposições. Segundo os dados, 57,8 % da população local conhece o instituto. A grande maioria, em torno de 94%, o avaliou positivamente, sobretudo pelo caráter de geração de empregos, desenvolvimento turístico local, projetos sociais, cursos, acervo botânico e obras de arte.

Os bons resultados da pesquisa são fruto de ação educativa iniciada antes mesmo da abertura de Inhotim. A equatoriana Maria Eugenia Salcedo desenvolve desde 2005 um programa educativo voltado para a comunidade da região. Para envolver a população no projeto, ela criou ações baseadas nas mesmas estratégias usadas pelos artistas contemporâneos em seus projetos artísticos. Ou seja, propôs atividades diversificadas, de acordo com o tipo de público, com intenção de aguçar crítica e poeticamente a percepção do espectador. Tem dado certo. Além dos resultados apontados pela pesquisa, a ação foi premiada, ano passado, pelo programa Rumos – Educação, Cultura e Arte, do Itaú Cultural.

Inhotim percebeu cedo também que não basta propor atividades de dentro para fora, sem levar em conta os problemas da região e a distância entre a sua realidade e a do município de Brumadinho.

Por causa da vocação musical, os 10 municípios em torno de Inhotim estão recebendo programas de valorização e recuperação desta tradição. Hoje, 210 jovens estudam iniciação musical e, em dois anos, a intenção é que a ação dê origem a uma orquestra regional. “O objetivo é que a população tenha acesso à cultura, em todas as formas de expressão, e amplie seus horizontes e repertórios”, explica a diretora de inclusão e cidadania, Roseni Sena. A proposta é mais ampla. “Nós queremos fazer parte de Brumadinho e não permanecer à margem da cidade.”

Horizontes abertos
Inhotim chega ao terceiro ano de atividade envolto em números expressivos. Até o momento, segundo dados da direção, foram investidos pelo empresário em torno de US$ 200 milhões, entre compra de obras de arte, acervo botânico e construção de pavilhões. Do custo mensal de R$ 2 milhões, cerca de 72% ainda vêm de recursos do empreendedor. A meta é tornar-se autossuficiente em três anos e superar os 210 mil visitantes anuais (número que deve ser alcançado até dezembro). Para tanto, estão acelerados os ajustes finais dos cinco novos pavilhões e quatro grandes instalações em espaços abertos que, a partir de 1º de outubro, quase duplicarão a atual área de visitação.

A nova fase de Inhotim privilegiará obras inseridas na mata nativa em espaços isolados e distantes, que poderão ser apreciados em carros elétricos à disposição do público. Entre os pavilhões está um dedicado ao trabalho do americano Doug Aitken, que projetou uma construção circular no alto de um morro para potencializar o som de dentro da terra. Os canadenses Janet Cardiff e George Bures Miller ganharam um pavilhão para um ambiente sonoro inspirado em O sono da razão produz monstros, gravura de 1799 do pintor e gravador espanhol Goya. O americano

Matthew Barney (marido da cantora Bjork) ganhará uma estrutura gigante em formato de bolhas translúcidas no meio da mata para abrigar uma obra.

A artista plástica mineira Rivane Neuenschwander vai realizar um site specfic numa pequena casa de fazenda, de 1874. Valeska Soares, também mineira, radicada nos Estados Unidos, terá um pavilhão em formato octogonal de paredes externas e internas espelhadas. 

Internamente será exibido um vídeo. A expansão se completa com obras ao ar livre do paulista Edgard de Souza, que utilizou o próprio corpo como inspiração para três esculturas em poses abstratas em um jardim; do americano Chris Burden, que criou uma instalação gigante com vigas de aço; e da japonesa Yayoi Kusama. Ela espalhou 500 esferas brilhantes de aço inoxidável nos espelhos d’água na cobertura do Centro Educativo Burle Marx.

Convenções
Além das artes contemporâneas e do acervo botânico, Inhotim vai ganhar outro atrativo nos próximos anos, com a inauguração de um centro de convenções. O novo espaço, com capacidade de 1,5 mil pessoas, construído no terreno ao lado doado pelo empresário Bernardo Paz ao estado, terá a missão de potencializar ainda mais os atrativos turísticos regionais. A criação de grandes centros próximos a atrativos culturais, funcionando como âncora, é uma tendência internacional. Vários estão sendo realizados, como o de Juiz de Fora, onde o governo investiu R$ 50 milhões, e a ampliação do Expominas, em BH, onde estão sendo aplicados R$ 150 milhões. Em Inhotim, o estado contribuirá com R$ 5 milhões, adianta Ana Lúcia Gazzola, a diretora executiva. Os R$ 14,62 milhões restantes para a conclusão da obra virão do Ministério do Turismo, por meio de emenda da bancada mineira.

INHOTIM
Inauguração de obras permanentes. O público poderá visitar as novas atrações a partir de 1º de outubro. Informações: www.inhotim.org.br

» Três perguntas - Bernardo Paz
Um trabalho sem limites

 - (Inhotim/Divulgação)
O empresário Bernardo Paz (foto) preferiu, desde que Inhotim foi aberto ao público, se retirar do foco da mídia. Evita entrevistas, dá poucas declarações sobre o seu empreendimento em Brumadinho, o maior de arte contemporânea do país. Às vésperas de inaugurar outra expansão no instituto cultural, fez uma concessão: na entrevista a seguir, fala sobre o que pensa da arte, o balanço sobre os impactos do lugar na região, o papel de Inhotim e aonde deseja chegar.

A obra de arte pode ser um agente de transformação?
É preciso rememorar o antigo Egito, a Grécia, o Renascimento, o movimento modernista e agora o movimento da arte contemporânea. Na minha modesta opinião, esses movimentos, desde a Grécia antiga até hoje, respondem a esta questão: a arte transforma o mundo. Ela possibilita a interação entre as pessoas, ajuda na interpretação do mundo, cria a oportunidade de novos raciocínios e de novos paradigmas. Isso é fundamental para transformar o pensamento de uma pessoa. E uma observação: alguém que tenha vivido quase 60 anos, percebendo as contradições absurdas de nosso país, as suas diferenças sociais inaceitáveis, se ela consegue enxergar isso, ela tem a obrigação de trabalhar, de fazer alguma coisa, dentro de suas possibilidades, no sentido de melhorar a vida das pessoas na nossa sociedade. Aqui em Inhotim, somos mais do que um museu: como vanguarda no campo da arte, discutimos a realidade do mundo e temos a esperança de transformá-lo, torná-lo melhor.

Qual o balanço que você faz desse período, antes e depois da abertura do Inhotim, para a cidade de Brumadinho e entorno?
Temos atuado ativamente na tentativa de cooperar para o engrandecimento das pessoas desta e de outras regiões. A compreensão deste trabalho já está sendo sentida, mas é preciso lembrar que esta é uma tarefa para a posteridade. Não será nunca mensurável em termos pontuais, ainda que possamos apontar o trabalho com a terceira idade, com os quatro corais, com as bandas de música, com os quilombolas, a oferta de emprego de qualidade. Em recente pesquisa feita pela Vox Populi, mais de 90% dos entrevistados têm uma avaliação extremamente positiva do papel do Inhotim como vetor de desenvolvimento de Brumadinho e região. Temos ainda a presença de escolares, nas visitas a Inhotim, o que também é avaliado muito favoravelmente. Também desenvolvemos projetos junto aos artesãos e empresários de Brumadinho com objetivo de promover o potencial turístico da cidade e dos distritos do município.

Como você imagina o papel do Inhotim no futuro? Aonde quer chegar?
É uma pergunta muito difícil de responder, agora, no presente, pelas interpretações maliciosas, equivocadas errôneas que um empreendimento como este provoca. Dito isso, ressalto que Inhotim não foi planejado. Nasceu de um embrião de jardim para dar prazer a quem aqui vivesse. O Inhotim surgiu a partir de um ideal empírico. Nos últimos anos, ele vem se transformando, pois este é um espaço de criação. Creio que esse é um trabalho que não tem limite. Como é do meu espírito, da minha inquietude: nunca parar. Neste sentido, eu ultrapassei os meus próprios limites. Coloquei todas as minhas energias e muito dos meus recursos neste projeto: um projeto a serviço do interesse público. Interpretando como o máximo da minha contribuição, ainda que possa parecer pequeno.