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Inocentado, Bernardo Paz vê ‘a luz no fim do túnel’

Entrevista por Sonia Racy para O Estado de S. Paulo em 13 de fevereiro de 2020.

BERNARDO PAZ. FOTO: ESTADÃO

Feliz com o resultado do julgamento da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal, conforme antecipou ontem o blog da coluna, Bernardo Paz comemora estar livre para andar nas ruas. “Depois de dois anos de depressão, com vergonha de sair de casa, vejo a luz no fim do túnel” afirmou ontem, nesta conversa exclusiva, o idealizador e criador de Inhotim – chamado por muitos e por longos anos de “sonhador inveterado”. Entretanto, seu lado visionário se tornou realidade e tornou Inhotim uma “obra de arte” de reconhecimento internacional. A pergunta: vai voltar a dirigir o complexo artístico? “Muito cedo para dizer qualquer coisa”, respondeu emocionado. Aqui vão os principais trechos da entrevista.

Você acaba vencer na 2ª Instância. A justiça foi feita?
Sim, apesar de respeitar o MPF acredito que eles interpretaram diferente e isso foi arrumado agora. Fico feliz por estar livre e poder voltar às minhas atividades. Sofri muito, minha família também sofreu. Tive uma depressão profunda e agora vejo luz no fim do túnel.

Como conseguiu imaginar e criar o Inhotim?
Eu construí 40 empresas, mas aí aconteceu um problema com as exportações. Depois, veio o Plano Real e o governo começou a jogar dólar no mercado. O que aconteceu? O real se valorizou e isso inviabilizou todas as minhas empresas exportadoras. Tive que me endividar. E comecei a viajar para a China, para Chicago, Nova York… e a ter algumas ideias.

Você tem facilidade em fazer contas?
Não. Eu não sei negociar, mas eu sei convencer. E fazia isso com muita facilidade porque sou muito franco, correto. Depois de 25 anos, coloquei um executivo para tocar as empresas e diretoria toda profissional. Aí falei: vou fazer o que aprendi com meus pais na infância: criar a beleza. Para você ter uma ideia, eu mesmo rolava a grama em Inhotim, junto com os jardineiros. Fiz esses caminhos todos por aí, aproveitei prédios antigos, reconstruí todos. Foi ficando bonito, começou a aparecer estrangeiro adoidado, e o parque virou o que virou.

Qual sua afinidade com a arte?
Muitas vezes eu ouvia música clássica por aqui, quando ainda era uma fazenda, e ficava pensando no que eu poderia fazer a mais. Os artistas me adoravam na época e eu viajei pra buscar obras de arte de estrangeiras. Hoje tenho em Inhotim os maiores artistas do mundo. Eu fui o primeiro a dar valor à arte mundial e trazê-la para o Brasil, botar pro povo ver. Pra uns, o dinheiro dá prazer, pra outros, como eu, é a arte que dá prazer.

Como fazia para administrar tudo isso, essa atividade toda?
Bom, eu comecei a beber demais quando trabalhava nas empresas porque eu recebia os estrangeiros, saía com eles pra boates. A arte criou uma nova motivação para mim. Parei de beber há 20 anos, mesmo porque, do jeito que ia, eu acabaria virando um alcoólatra.

E os negócios, de que forma conseguia conciliar tudo?
Era um negócio, viraram 40 empresas com 20 mil pessoas, Depois do Plano real, fechei 39 e fiquei com uma. Fiquei devendo muita coisa porque fechar 39 empresas não é brincadeira. E fiquei devendo. E aí fui pagando, até chegar nos dias de hoje, que eu, enfim, consegui pagar quase tudo.

E essa acusação de lavagem de dinheiro? Como se deu?
Eu trouxe dinheiro de fora do País, via Banco Central. Tá tudo lá comprovado. Direitinho. Venci a ação, esta semana, por 3 a zero. Acredito que o tribunal compreendeu a operação.

Mas se entrou legalmente, qual era o problema?
Eu trouxe todo o dinheiro pra cá, fui correto. Eu podia ter deixado US$ 200 milhões lá e viver o resto da vida sem me preocupar com nada. Peguei o dinheiro todo, trouxe pra cá. Perguntei aos meus contadores, ‘isso tá errado?’. Eles me falaram: ‘Pode fazer que não tem problema’. Eu disse que não queria nada errado. Fiz tudo o que eles mandaram fazer. Porque não era a minha área, entende?

Você cria muita confusão porque fala sempre tudo que pensa. Não tem medo de um dia essa boca te matar?
Mas eu não me importo com isso não, porque eu estou falando a verdade. No contexto final, quando eu morrer, as pessoas vão ver como eu vivi e o que era verdade e o que era mentira. Então eu não olho pra hoje, olho pra daqui a 10 anos e vão ver que a confusão foi injusta. Eu era foco de inveja, eu era o único em Belo Horizonte com importância nacional e internacional. Tiveram que criar um exemplo em Minas Gerais, bode expiatório, e o exemplo fui eu.

Como se deu a condenação?
Um dia o meu advogado me telefonou e avisou: ‘Bernardo, eu tenho uma notícia ruim pra te dar. Você foi condenado’. Eu falei: ‘o quê? Condenado como?’ E ele me disse: ‘Viram uma cobrança de INSS de R$ 200 mil de uma empresa sua em Montes Claros e condenaram por ter lavado esses 200 mil aqui em Inhotim’. E eu sempre dei ordem: com INSS não se brinca. Bom, nós pagamos. Eles analisaram tudo, não viram lavagem de dinheiro nisso. Não havia motivo para me prender.

E depois?
O Ministério Público estava começando a ‘comandar’ o País. Você vê hoje pelo The Intercept o que aconteceu, esses caras estavam voando alto, e eram comandados pelo Moro e pelo MP do Paraná. Aí quiseram ficar famosos aqui (Minas), queriam ser o Sérgio Moro local. A primeira ação que pegaram na vida foi a minha. E me condenaram a nove anos.

De que forma enfrentou isso?
Eu me reservei. Fui ao governador, entreguei minha carta de demissão do Inhotim. Era o Pimentel (ex-governador de Minas, Fernando Pimentel, do PT). E convidei o Ricardo Gazel, que preside hoje Inhotim. Ele foi diretor do Banco Mundial na África. Aí eu contratei aquele advogados mas tive que pedir pelo amor de Deus pra que julgassem (o processo). Demorou quase dois anos para tanto.

E como você se sentia?
Eu poderia ter saído na rua como todo mundo sai. Mas me tranquei dentro de casa. Nem meus maiores amigos eu recebia. Estava em depressão. A minha mulher foi quem me suportou.

Agora, acha que essa sentença é uma sentença final?
Não, não, não. Eles ainda podem recorrer. Mas como a decisão do julgamento na turma foi unânime, três a zero, acho difícil mudar. Normalmente, pelo que se sabe, julgamentos de Segunda Instância são mantidos até o final.

Fonte: https://cultura.estadao.com.br/blogs/direto-da-fonte/inocentado-bernardo-paz-ve-a-luz-no-fim-do-tunel/