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Novos espaços? Mas que conversa é essa?

Por Aracy Amaral para O Estado de S. Paulo em 25/04/2007.

O ESTADO DE S. PAULO

25 de abril de 2007

CADERNO 2

Fonte: AMARAL, A. Novos espaços? Mas que conversa é essa?. O Estado de S. Paulo. Cad. Caderno 2. 25/04/2007.


 

Novos espaços? Mas que conversa é essa?

ARACY AMARAL

A idéia é excelente, mas será que os já existentes têm sedes condignas ao acervo e conseguem explorar todo o seu potencial?

 

 

 

 

 

 

Excelentes e preocupantes as notícias veiculadas na semana passada sobre espaços culturais na cidade, alterações de endereços de entidades, digo, de museus, porém ao mesmo tempo uma vaga enorme de interrogações nos vem à mente. Parece que vivemos em época de modorra, época em que as idéias são raras, a vontade dos intelectuais de fazer é pouca, e poucos os profissionais na área da cultura nesta megalópole. Então as autoridades manifestam aberturas. Aberturas? Que conversa é essa?

Há muito que o Museu de Arte Contemporânea ambiciona uma sede condigna, posto que pertence a uma Universidade que não assumiu nunca suas responsabilidades de construir um espaço museológico específico para essa rica coleção generosamente doada por Francisco Matarazzo Sobrinho e Yolanda Penteado, que destinaram igualmente a coleção do ex-MAM-SP à Universidade. Porém, perguntamos: seria o espaço do Detran, que está fora do Parque, o mais aconselhável para o MAC? Não teria sido melhor o pavilhão Manoel da Nóbrega, que abriga hoje o Museu Afro Brasil? E por que não se cogitou repensar o espaço da Prodam? (Ou se está cogitando oferecer esse pavilhão a qual entidade?)

E por que não há uma destinação mencionada para a coleção do MAM-SP dentro do recinto do Parque do Ibirapuera?

Na verdade, como se sabe, há três entidades que nasceram sob a égide de Francisco Matarazzo Sobrinho: o MAM-SP, a Fundação Bienal e o MAC, hoje na USP. Logo, por que não manter as três entidades num mesmo espaço urbanístico, já destinado à projeção da cultura na área de artes visuais? E a hoje denominada OCA?

Na verdade, antes de pensar em reformas (que as adaptações deverão ser pesadas em termos de orçamentos), pois os edifícios mencionados, seja o Detran como a Prodam, vão requerer projetos criativos para sua adaptação para espaço museológico contemporâneo, assim como o Pavilhão Manoel da Nóbrega, que, improvisado, ainda decerto está à espera de um projeto de fato. Então, vem-nos a pergunta: e quem arcará com o custo dessas reformas?

Excelente se o Estado e Município de pronto se conscientizaram de que esses museus (o MAM-SP, o MAC-USP, o Museu Afro Brasil) devem ser devidamente reestruturados em seus espaços para uma mais digna apresentação de suas coleções e exposições temporárias. Mas, cogitou-se também de conceber planos de carreira, assim como contratações para atrair e manter suas equipes profissionais? Ou: de que vive e se nutre um museu?

Foi acaso cogitado, paralelamente às mudanças de endereços, sobre o lado pragmático de nossas entidades ao lado da excelente a idéia de questionar a existência do MuBE, entidade que até hoje não se sabe a que veio senão para satisfazer às vaidades de uma dama de sociedade que obteve um terreno e auxilio para edificação de um 'museu' desprovido de projeto, em área nobre da cidade?

Há que rever inclusive outros espaços 'museológicos' da cidade: o MIS, por exemplo, igualmente situado em espaço e área privilegiados, não tem parecido um espaço ocioso?

O que lhe falta? Diretores com garra, apoio estatal, projeto de ação? Está distante de ser hoje o que era 20 anos atrás. O que ocorreu? Perdeu sentido um Museu da Imagem e do Som? Esgotou-se seu potencial ou requer uma adequação?

Ótimo retomar para a cidade a Galeria Prestes Maia, que pode estimular as autoridades ou quem de direito a pensar atividades que de fato veiculem idéias e possam garantir informação em terreno com segurança num centro que as autoridades insistem em tentar recuperar.

Mas que modorra! Os poderes estaduais e municipais parecem acenar com possibilidades de espaços, mas como animá-los?

Será que às autoridades parece fácil dizer que será oferecida à Pinacoteca do Estado o edifício do Colégio Prudente de Morais, ao lado de seu edifício, como se fosse um presente dos deuses? Quando para ativar, animar e pensar numa programação de nível que se mantenha sem excessivos altos e baixos seria necessário uma equipe nova, curadores competentes, ou seja, um projeto cultural paralelo ao já existente. Acaso existe essa infra-estrutura?

Além disso, com esses inúmeros museus mencionados, até parece que o Estado, o Município e a iniciativa privada possuem uma política de aquisição de obras, de concursos para projetos de arquitetura de museus de nível internacional (e não apenas com a prata da casa, abramos as janelas, gente!), de contratação de curadores internacionais, de formação permanente de equipes técnicas para nossos museus.

A melancólica verdade é que possuímos muito pouca gente competente e com projetos (e mesmo assim para outros Estados, ainda parecemos em bom nível... Mas me refiro à estabilidade observada em museus de outros países). Há poucos curadores jovens, os poucos profissionais qualificados se evadem regularmente das entidades por falta de estímulo e passam a trabalhar como free lancers, e a iniciativa privada se omite.

São Paulo possui grandes fortunas, em nível municipal e estadual. Ao lado de muitas delas, o poderio financeiro de um Costantini, do Malba, de Buenos Aires, deve parecer modesto. No entanto, quais as fortunas daqui são colocadas à disposição de entidades museológicas como as mencionadas (e mais o Masp, além do MAM-SP, MAC-USP, Pinacoteca, Bienal, etc.)? Acaso mantêm uma política de anualmente subsidiar a atualização de acervos de nossos museus, animação cultural, e aquisição de obras internacionais para esses museus numa cidade que hoje mais atrai turistas no País? O que nossos grandes financistas podem fazer além de abrir seus próprios institutos e fundações que movimentam a partir da Lei Rouanet? Como forçá-los a uma ação mais comunitária e menos em beneficio pessoal? Isso também não seria trabalhar para diminuir a violência da desigualdade social?

Aracy Amaral é crítica e historiadora de arte

 

 


 

Fonte: AMARAL, A. Novos espaços? Mas que conversa é essa?. O Estado de S. Paulo. Cad. Caderno 2. 25/04/2007.