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Berço de manifestações populares da metrópole, o coração de São Paulo ganha nova vida com iniciativas sociais, culturais e educativas

#OCUPEOCENTRO

 

 

 

Conhecido como centro novo, o espaço que abrange as ruas entre o Vale do Anhangabaú e a Praça da República, e entre a Rua Xavier de Toledo e a Avenida São João, toma de volta para si características que foram marcantes entre os anos 1920 e 1960: o convívio social e as práticas culturais. Somente nas últimas décadas, essa mudança tornou-se realidade. Edifícios históricos antes abandonados, praças depauperadas e outros vértices dessa angulosa região ganharam nova vida. Aos poucos, esses espaços estão sendo ocupados por coletivos artísticos, instituições e empreendimentos afinados com a vocação socioeducativa e cultural do centro. Ações que passam a ressignificar um espaço da capital paulista tão heterogêneo quanto criativo.

Neste mês, a unidade do Sesc 24 de Maio será inaugurada no centro novo, somando-se às instalações do Carmo, Florêncio de Abreu, Parque Dom Pedro II e Bom Retiro como polo de iniciativas que atendem à vocação dessa região da cidade. O antigo prédio da Mesbla, requalificado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, terá um teatro com 245 lugares, café, biblioteca, uma piscina (no topo do prédio), entre outros equipamentos voltados para atendimento à saúde, esporte, educação e lazer.

Para o diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, “a importância de uma unidade do Sesc no centro da capital paulista está na necessidade de ampliar nossa capacidade de atendimento para oferecer à população mais opções de programas de lazer, cultura e a educação permanente, em um espaço propício”. Dessa forma e “por meio dos programas institucionais, [a 24 de Maio] estimula o aprimoramento humano e constitui um diálogo com as pluralidades existentes”, acrescenta.

MEMÓRIA PRESERVADA
Em São Paulo, o centro novo ocupa menos de 0,37% do território do município, por onde circulam mais de 700 mil pessoas diariamente. Nessa região, concentram-se 17% dos museus e, aproximadamente, 15% dos teatros, segundo dados do ensaio Eterno Centro Novo – A História do “Lado de Lá” do Vale do Chá, de autoria da historiadora Solange Ferraz de Lima, professora do Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de História da Universidade São Paulo (USP) e diretora do Museu Paulista da USP.


Segundo a pesquisadora, essa região da cidade caracteriza-se como um lugar de formação da cultura metropolitana. Conceito explicado pela combinação de alguns fatores: a atuação do setor terciário (comércio e prestação de serviços); a presença (desde fins do século 19) de imigrantes e migrantes; e uma arquitetura verticalizada que cria espaços para estimular o convívio social e o fomento de práticas culturais.

“Ao longo da primeira metade do século 20 essa região foi se transformando em um polo cultural. O levantamento que realizamos revelou um número expressivo de cinemas ou cineteatros, que se estabeleceu nessa região já na virada do século 20, e que aumentou consideravelmente ao longo das décadas de 1910, 1920 até a década de 1950”, descreve a historiadora.

Além dos cinemas, o centro novo abrigou emissoras de rádio – a exemplo da Nacional, Tupi e Record – e seus programas musicais de auditório. Nele também se estabeleceram importantes livrarias, bem como ateliês, instalados (muitos deles) nas galerias comerciais dos edifícios modernos erguidos entre as décadas de 1940 e 1950.
Reduto de intelectuais e artistas, como os escritores Oswald e Mário de Andrade – que ilustraram a vida no centro em suas obras –, esse pedaço da cidade teve seu declínio anunciado no final dos anos 1960. Período apontado por estudiosos como o início de um processo de transformação. Nessa época, a sede do governo se mudou dos Campos Elíseos para o Morumbi. Também começou a migração de parte do comércio e serviços destinados às classes média e alta para shoppings e espaços de entretenimento.

Como resultado, diminuiu o número de cinemas, livrarias, espaços de arte e teatros, mas não os ambientes de sociabilidade, cuja função foi assumida pelas galerias. “Especialmente aquelas localizadas na Rua 24 de Maio, onde a presença imigrante e jovem é evidente. Portanto, a criação de novos locais dedicados a práticas culturais irá atender a uma demanda existente e se somará a uma cultura de rua que é característica dessa região hoje”, complementa Solange.

O NOVO CENTRO NOVO
Se, por um lado, o centro acompanhou o esvaziamento de prédios históricos, por outro, a desvalorização dos imóveis transformou-se em um atrativo para grupos e artistas fazerem desse espaço seus estúdios de trabalho e residência. “Houve uma mudança pela apropriação cultural. E a presença dos coletivos vitaliza o centro”, destaca o antropólogo José Guilherme Magnani, professor do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Um dos exemplos é o edifício Farol, inaugurado, oficialmente, no segundo semestre de 2014, em uma das pontas do Vale do Anhangabaú. No prédio, construído há 70 anos, funcionam: galeria de artes visuais, estúdio de design, espaço de encontros e festas, além de outros projetos voltados para a educação, caso do Eduqativo – organização social sem fins lucrativos que busca encurtar a distância entre as artes e as novas gerações a partir de cursos e acompanhamento para educadores, escolas e outros espaços educativos.

Braço do Instituto Choque Cultural, projeto artístico do arquiteto e curador Baixo Ribeiro, o Eduqativo funciona no primeiro andar do Farol. É lá que se trabalha a formação de alunos e professores tendo como ferramentas novas linguagens artísticas, partindo do conceito de que escola e cidade se complementam. “O centro é um lugar que inspira a produção criativa e cultural. Ele reúne uma diversidade muito grande de pessoas, mais do que em qualquer outra parte da cidade. Seu estilo, força arquitetônica e urbanística inspiram encontros e mostram potencial para se tornar hub de negócios criativos”, aposta Baixo Ribeiro, um dos diretores da organização.

Quem também optou por abrir “as cortinas” no centro foi a Cia. Mungunzá de Teatro. Em março, a companhia inaugurou o Teatro de Contêiner em uma praça que estava abandonada, próxima à Estação da Luz. Esse novo espaço cultural, constituído por contêineres marítimos que assumiram o papel de palco e camarim, ainda funciona como área de convivência. Nele, visitantes, moradores, comerciantes, além de homens e mulheres em situação de rua, e outros atores sociais, podem dialogar de maneira horizontal, segundo o artista Lucas Beda, integrante do grupo.

“O centro é um espaço de passagem e de muitas etnias. É onde, de fato, acabamos nos integrando e nos relacionando com outras pessoas e linguagens. Tanto que os espaços culturais e coletivos que ocupam essa região, para além da sua arte, apresentam esse olhar social e fazem um trabalho que reverbera também como ação educativa”, observa Lucas Beda.

 

Resgate de uma vocação

Espaço de lazer, cultura, esporte e educação não formal abre as portas no centro de São Paulo

 

 

 

Ao lado de ícones históricos como o Theatro Municipal, a Praça das Artes, a Galeria Olido e a Galeria do Rock, o Sesc 24 de Maio abre as portas ao público no dia 19 de agosto. Antigo prédio da Mesbla, fechado em 1998, a unidade conta com 13 andares costurados por rampas que integram e comunicam cada pavimento. Longe de ser uma caixa fechada, a 24 de Maio ganha aberturas na estrutura, que permitem a entrada de luz e ventilação natural.

Enquanto um andar inteiro será ocupado pela Área de Convivência, onde os frequentadores poderão descansar em uma das “conversadeiras”, desenhadas pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, outro espaço que promete ser ponto de encontro do público é o Café, no 11º andar. De lá, tem-se uma visão diferente da cidade, refletida em um espelho d’água. Já na cobertura, o destaque fica por conta da piscina de 500 metros quadrados, com capacidade para 400 pessoas. Nesse local, é possível contemplar uma vista panorâmica do centro.

Além de atividades realizadas nas “alturas”, o térreo foi concebido para estimular a convivência. O acesso pode ser feito por uma das duas entradas da unidade – uma na rua 24 de Maio e outra na Dom José de Barros. A ideia é que ele funcione como um espaço transitório, uma extensão da rua, aberta aos pedestres da região.

“Entendemos que um legado material, com construções bem-feitas, bem trabalhadas, se forma também a partir de um espaço convidativo para a prática da cidadania”, destaca o diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda.