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Museu de Arte Naïf, no Rio, tem 6.000 obras sem destino após venda de sede

Peças estão em guarda-móveis, sem refrigeração ou controle de umidade, e muitas devem deixar o Brasil
Museu de Arte Naïf, no Rio, tem 6.000 obras sem destino após venda de sede

Acervo do Museu Internacional de Arte Naif - Jacqueline Finkelstein / Acervo Pessoal

Por Gustavo Zeitel para a F. de São Paulo

Link para a matéria: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/01/museu-de-arte-naif-no-rio-tem-6000-obras-sem-destino-apos-venda-de-sede.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift

 

Há cinco anos funcionários do trenzinho do Corcovado escutam diariamente turistas perguntarem em diferentes idiomas onde fica o Museu Internacional de Arte Naïf, o Mian. Ao que respondem, às vezes com alguma mímica, que o museu está fechado. A pintura gasta da fachada, os vidros sujos e o jardim por aparar indicam que o casarão do século 19 já não é visitado há algum tempo. Da calçada, é possível ver a penumbra no interior do prédio bem ao estilo neoclássico, tão comum no Cosme Velho, na zona sul do Rio de Janeiro. Desde a semana passada, a maior coleção de arte naïf do mundo não está mais no imóvel. O casarão foi finalmente vendido por R$ 4 milhões, inaugurando um novo capítulo na novela do Mian.

As 6.000 obras de artistas de 120 países estão sem destino e foram parar num guarda-móveis, sem refrigeração ou controle de umidade. Ex-proprietária e diretora do museu, Jacqueline Finkelstein conta que ficou sem escolhas, vendo seu patrimônio diminuir durante os cinco anos em que o casarão esteve à venda. Fechado, o imóvel tinha um custo médio de R$ 6.000 para manutenção. Ela não revela a identidade do comprador, que pediu anonimato, mas diz ser uma empresa. Até o momento, nenhuma obra foi iniciada no local. Nos últimos tempos, os esforços para a manutenção da casa, com o interior já deteriorado, impediam que Finkelstein tomasse uma decisão sobre o futuro do acervo. Desde 2016, pinturas de Heitor dos Prazeres e Lia Mittarakis estavam numa sala, sem as condições necessárias à preservação das telas. Finkelstein deseja vender o acervo – ou mesmo ceder em comodato – para alguma instituição pública ou privada. Acervo do Museu Internacional de Arte Naïf do Rio de Janeiro.

O sonho de manter toda a coleção na cidade está cada vez mais distante. O Museu de Arte do Rio, o MAR, foi procurado, mas não houve interesse na compra. "Aqui no Rio as pessoas estão com medo de receber qualquer coisa, porque isso demanda ter mão de obra. O pessoal está com dificuldade de manter o próprio acervo", ela diz.

 

A prefeitura interrompera o financiamento de R$ 16 mil por mês, que ajudava a cobrir os custos do casarão. Sem a verba, o Mian fechou as portas pela primeira

vez. Em 2011, Tatiana Levy, filha de Finkelstein, assumiu a gestão do museu, integrando as exposições a programas educativos, o que provocou um aumento de público. Nessa época, a família chegou a comprar o casarão ao lado, visando a inauguração de uma biblioteca sobre arte naïf, que teria entrada pela praça do trem do Corcovado. A prefeitura não liberou o projeto, alegando que a obra descaracterizaria o imóvel do século 19. Com o tempo, a estrutura do prédio cedeu e hoje está em ruínas. O imóvel foi vendido pelo valor de R$ 2 milhões também no fim do ano passado.

Por diversas vezes, a família buscou apoio do poder público – nas esferas municipal e estadual – e da iniciativa privada, mas durante oito anos nenhum patrocinador se sensibilizou pelo museu. A última exposição do acervo ocorreu em 2019, em parceria com a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Naquele ano, o Museu do Pontal havia sido inundado e o Museu Nacional, consumido pelo fogo.
"Arte Naïf - Nenhum Museu a Menos" surgia nesse contexto, apresentando a coleção Finkelstein ao lado de obras de Erika Verzutti e Dalton Paula. Apesar do sucesso de público, não houve verba para promover uma exposição itinerante. Ulisses Carrilho, organizador da mostra, lembra que as obras do Mian já não estavam bem conservadas. Carrilho ressalta a importância da coleção, rejeitando o termo naïf, que ele considera pejorativo. "Os campos cromáticos explorados são muito interessantes. Dentro da representação, esses artistas ousavam mais no uso de cores calorosas."
Segundo ele, saber que parte da coleção está prestes a deixar o Brasil é motivo de tristeza. "Na arte dita naïf, o Brasil pode se ver. Lastimo muito, mas sei que há um desejo internacional por esse tipo de produção."

 

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