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Um Grande Museu para São Paulo, por Aracy Amaral

Aracy Amaral contextualiza sua proposta de unificação dos museus de São Paulo, pensada no intuito de oferecer condições de maior projeção para nosso patrimônio artístico. Texto publicado na Folha de São Paulo, 1989.

Pensemos grande. As coleções de arte de São Paulo justificariam a implantação de um grande museu com base na potencialidade econômica do Estado. Certas idéias crescem lentamente, emergindo naqueles preocupados com a preservação, correta apresentação museográfica e divulgação de nosso patrimônio. Por volta de 1984, em debate com a presença dos diretores dos principais museus da capital, levantamos a idéia de unirem-se as coleções de arte moderna e contemporânea de São Paulo. No momento, causou espécie a sugestão. Pouco depois, seria a nossa vez de ficarmos chocados quando após audiência com o governador, acompanhados pelo empresário José Mindlin e pelo reitor Goldemberg (para mim maisuma tentativa de sensibilizar o governo para a construção do MAC na Cidade Universitária), o então secretário Bresser Pereira disse-nos à maneira de reserva em relação ao projeto: "Há tantos museus em São Paulo, o importante não é mais um, mas seria existir um, grande". Ao que rapidamente contra-argumentei mencionando a especificidade de cada museu. Depois que nos demitimos do MAC-USP diante da indiferença da universidade por seu patrimônio museológico ao longo do tempo, observamos a pertinência daquele parecer diante da pulverização dessas coleções em tantos museus de médio porte, sempre em dificuldades. Chegamos a elaborar esboço de projeto de um grande Museu do Estado de São Paulo,utilizando-nos das coleções estatais (do Estado e da Universidade). Essas coleções funcionariam como departamentos de arqueologia, etnologia, arte colonial, século 19 e 20 da entidade. Bem conceituado, o setor internacional poderia se desenvolver, isto previsto nos estatutos do futuro museu. Imaginamos então um edifício de imponente arquitetura contemporânea, construído com base nos programas dos diversos setores. A idéia seria o acervo de arqueologia vir do Museu Paulista, MAE-USP e Museu Plinio Ayrosa; preservado o Museu de Arte Sacra pela própria ambiência que o abriga, o Convento da Luz, há peças, contudo, que poderiam proceder da reserva técnica desse museu, da coleção Mário de Andrade e de doações que seriam obtidas de coleções privadas e através do sistema "on loan". O século 19 seria constituído basicamente por peças da Pinacoteca do Estado e Museu Paulista, tentando-se através de coleções privadas obter um significativo acervo desse século através de cessões temporárias e por aquisições. O século 20, Brasil e exterior, em setores diferentes, com conservadores paralelos, poderia igualmente contar com as coleções do MAC-USP, Pinacoteca do Estado, Coleção Governo do Estado, Instituto de Estudo Brasileiros da USP, além de possível participação de coleções privadas. Não descartamos a idéia de serem incorporados a museu deste porte setores de mobiliário, design e fotografia (Brasil e exterior), pelas óbvias possibilidades que se abririam. Com o organograma inspirado nos mais avançados museus do mundo e adequado `a nossa realidade, temos a certeza de SãoPaulo já possuir profissionais de elevado nível para responder pelas diversas curadorias dos setores citados para iniciativa como esta. Claro que não se trata de projeto factível da noitepara o dia, pressupondo-se etapas para unificação das coleções e preservando-se a pesquisa na USP nessas áreas. Haveria resistências difíceis a vencer, problemas de natureza jurídica e trabalhista a serem abordados, sensibilidades de grupos, etc. Porém, diante de um projeto física e conceitualmente respeitável, os estudiosos de nosso patrimônio certamente se tornariam entusiastas em dar sua colaboração.

Qual o estatuto para tal empreendimento? Debate aberto, embora uma fundação dotada de recursos próprios poderia manter e desenvolver a grande entidade museológica. Outra alternativa seria buscar um grupo de magnatas como Mellon, que presidiu a implantação do Metopolitan, de Nova York, mantidas as proporções. A menos que o Estado, como na Europa, garantisse a empreitada, acenando com um interesse até agora irrevelado.

Quando há um ano e meio redigimos o esboço deste museu "grande" para São Paulo, apresentado a dois colegas da USP, o comentário de ambos foi positivo. Recomendaram entretanto que não o divulgasse pois seria crucificada por sua utopia irrealiz·vel. Mas hoje parece estar no ar um projeto de união de coleções estatais de São Paulo. Qual a sua abrangência? Pensemos grande e para o futuro. A USP não mais apresenta os anseios humanisticos de inicios dos anos 60, periodo em que foram criados seus museus. Por que não reformular projetos que poderiam se desenvolver melhor de outra forma? Por outro lado, reunir as coleções estatais significa um início de idéias. Às vezes o realismo pode levar a soluções que beneficiem a coletividade, oferecendo condições de maior projeção para aquilo que desejamos colocar ao alcance da fruição da comunidade: nosso patrimônio artístico.

 

Contraposição ou complementaridade? Tanto a fragmentação do caos quanto a previsibilidade do planejamento não produzem instituições museológicas que os representem? Valerie Fraser traz a discussão em Brasília: Uma Capital Nacional sem um Museu Nacional, artigo do qual Carola Barrios parte em Transcrições arquitetônicas: Niemeyer e Villanueva em diálogo museal.