Você está aqui: Página Inicial / Linha Editorial / Idéias / “Las Bienales como propuesta de vivir juntos”

“Las Bienales como propuesta de vivir juntos”

Relato da Palestra de Rosa Martínez na FAAP (9-3-06)

Como inventar modelos para dialogar e viver juntos em um mundo repleto de guerras, tensões e conflitos? O título da 27ª Bienal Internacional de São Paulo, “Como viver juntos”, uma referêcia aos cursos de Roland Barthes no Collège de France, foi o ponto de partida para uma noite de reflexões e debates sobre o problema da coexistência pacífica e o papel das Bienais na atualidade. Rosa Martínez, curadora de Bienais em cidades do mundo todo, fundamentou o seu discurso na sua experiência profissional, apresentado conceitos e seleções curatoriais extraídos da 5ª Bienal Internacional de Istambul (Turquia, 1997), da 3ª Bienal Internacional SITE Santa Fé (U.S.A., 1999) e da 51ª Bienal de Veneza (Itália, 2005), dialogando com a proposta da edição atual da Bienal de São Paulo, na qual é co-curadora, e assinalando o lado pessoal dessas experiências como caminhos para a construção de si mesma, definindo a própria identidade no aprendizado da identidade do outro.


“On Life, Beauty, Translations and Other Difficulties”. A proposta curatorial de Rosa Martínez para a Bienal de Istambul estava ligada à idéia da arte como “tradução”, ou seja, um “veículo para reinterpretar e criar novos meios de perceber e transformar o mundo”. Nesse contexto, os artistas foram convidados a interpretar a cidade de Istambul, entendida como um lugar de convergência internacional, e propor trabalhos a partir de suas traduções das especificidades do local. A relação dos artistas com a cidade ficou evidente no “local específico” das obras; construções históricas como o jardim do Palácio Topkapi, a Igreja de Hagia Eirene, as Cisternas de Yerebatan, entre outras, dividiram o papel de espaço expositivo com os principais portões de entrada e saída da cidade como o Aeroporto Internacional de Ataturk e as estações de trem Sirckeci e Haydarpasa. Estes últimos, evidenciam a abordagem feita por Martínez de temas como globalização, identidade cultural, fronteiras, relações entre ocidente e oriente e a própria idéia de nacionalidade. Ver as obras de arte e a própria cidade como “terminais”, pontos de encontro e diálogo entre diferentes culturas, é uma perspectiva de vai de encontro à tradição de uma Bienal que historicamente recusou o formato de representações nacionais.


“Looking for a place”. Ainda que desejasse trabalhar no continente asiático, o que aconteceria um ano mais tarde na Coréia, Rosa Martínez foi convidada para curar uma Bienal nos Estados Unidos, onde conheceu uma “imigração inversa”, das cidade do México em direção ao interior norte-americano. Apesar da Bienal de Santa Fé também ter sido sediada em uma região de fronteira, notamos um nova abordagem na relação das obras com o seu entorno. O contraste com a Bienal de Istambul fica evidente quando comparamos duas imagens apresentadas pela curadora: a escultura “Spider” de Louise Bourgeois na Igreja de Hagia Eirene e o “Campo de relâmpagos” de Walter de Maria no deserto do Novo México (http://www.lightningfield.org). Notamos que o “local” da obra não é mais a história, mas o mundo (land). Entretanto, não devemos nos equivocar pensando que Martínez propõe qualquer espécie de fuga romântica rumo à natureza. Uma vez que os desertos americanos foram campo de testes para a bomba atômica, a seleção e apresentação de obras de landart passa a ter também uma conotação política, adensada na participação da organização Greenpeace na mostra, ocupando um local privilegiado do espaço expositivo, com uma fotografia documentando uma ação contra o USS Eisenhower, na Espanha, em 1998, cuja analogia com a batalha bíblica de “David e Golias” foi assinalada pela palestrante.


“Always a little further”. Na apresentação de sua participação na Bienal de Veneza, a curadora espanhola evidenciou ainda mais os aspectos ideológicos de suas seleções curatorias, afirmando que ela e María de Corral, como as primeiras mulheres da história convidadas para curar a bienal mais antiga do mundo, deveriam tomar uma posição política diante desse fato. Compreendendo o feminismo como uma das questões da arte contemporânea, Rosa Martínez convidou um grupo de a(r)tivistas dos anos 70 para desenvolver um projeto de grande destaque dentro da exposição. As “Guerrilla Girls” apresentaram cartazes com estatísticas da participação de mulheres nas edições anteriores da Bienal de Veneza e frases irônicas como: “Onde estão as artistas de Veneza?” ou “Bem-vindos à Bienal Feminista!”. Nessa abordagem feminista, Martínez também destacou a obra “A Noiva” de Joana Vasconcelos, uma grande luminária feita com absoreventes internos. Contudo, a abordagem de questões políticas dentro da proposta curatorial ou a seleção de obras com temáticas e críticas sociais muitas vezes criam tensões e impasses com as instituições e seus patrocinadores. A censura do projeto de Gregor Shneider, que propunha a construção de um grande cubo na Praça de São Marcos, foi citada como um exemplo das dificuldades de equacionar a posição política do curador e dos artistas com os interesses políticos e econômicos das instituições e cidades que sediam Bienais. Entretanto, se existem “poderes” envolvidos na relação curador-instituição, qual a hierarquia envolvida na relação curador-artista? Martínez, reconhecendo o poder do curador, tanto na seleção quanto na interferência na realização do  trabalho, definiu essa relação como “materna” (proteção), “ditatorial” (imposição) e “psicanalítica” (cura/cuidado), mas destacou também os aspectos técnicos da curadoria (montagem, iluminação, confecção de catálogos e materiais educativos voltados ao público, etc.) definindo o curador como, antes de mais nada, um editor, responsável pela articulação de vários discursos e elementos. Ela declarou também o seu interesse por artistas inovadores, que apresentam uma certa integridade e honestidade na sua trajetória artística.


Qual o papel do artista e do curador na sociedade contemporânea? Essa foi a questão que pairou no ar quando Rosa Martínez completou o seu percurso discursivo. Segundo a curadora, o entendimento das Bienais como pontos de encontro, onde os artistas e o curador criam conexões efêmeras, ajudaria a compreender que a arte contemporânea, operando em “micro-níveis” e criando “novas maneiras de compreender a realidade” pode produzir grandes transformações no mundo.


(por Vinicius Spricigo)