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Práticas artísticas e instituições culturais: outras perspectivas [resumo]

palestra de Catherine David, curadora-chefe dos Museus Nacionais da França e diretora do Witte de With - Center for Contemporary Art, em Roterdã, com a participação de Laymert Garcia dos Santos como debatedor

Palestra de Catharine David com a participação de Laymert dos Santos Garcia

Catherine David & Laymert Garcia dos Santos

A palestra de Catherine David no Fórum Permanente discutiu a necessidade de novas práticas institucionais para novos formatos de produção artística, como é o caso dos dois projetos apresentados na palestra: a obra de Lukas Einsele e as Representações Árabes Contemporâneas. Em ambos os casos a instituição que se torna parceira dos artistas precisa adaptar-se a novas noções de tempo, espaço e narrativa. Cada um desses projetos exige um comprometimento da instituição por um longo período de tempo, sem o clássico produto a ser exposto – ao contrário, muitas vezes a melhor forma de exibir estas obras é fora da instituição, em locais considerados inacessíveis e visando um público distinto daquele que é geralmente o foco de uma instituição.

A obra “One Step Beyond” de Einsele exemplifica bem este novo papel da instituição de arte. É até mesmo difícil escolher o verbo que descreva propriamente a ação de Einsele. Por enquanto, digamos que ele “lida” com a questão dos territórios minados. Os resquícios visuais desta ação são muitos: uma série de retratos que , enquanto falam diretamente do sujeito retratado ao enquadrar apenas um rosto e enfatizar o olhar que confronta firme mas serenamente a câmera, omitem o corpo mutilado pelas minas; retratos de grupos de pessoas mutiladas em suas casas, grupos sociais, com suas vestes tão características de um lugar  que está, como diz o título da obra, one step beyond – a um passo além de nosso olhar, a um passo de uma mina mutiladora, a um passo além daquilo que é visível nas práticas clássicas de exposição. Exibir estas fotografias feitas no Afeganistão, Bósnia, Cambodja e Angola numa sala de museu seria truncar a obra. Reduzí-la a um belo livro de fotos – como o que foi feito com a obra de Sebastião Salgado – também seria uma traição a um projeto tão transdisciplinar. Catherine David deixa claro que não se trata de uma obra de foto-jornalismo, nem de sociologia, e que trazê-la a público exige um esforço institucional de trabalho e pensamento dentro de um novo paradigma. É preciso que a instituição convença patrocinadores a pagar por maravilhosas fotografias impressas com uma técnica sofisticada e cara que não serão expostas em um prédio da instituição de arte mas sim, como definido pelo artista, nos centros de recuperação para vítimas de minas nos próprios países minados. Há desenhos feitos pelas vítimas das minas, que Lukas Einsele coleta durante sua ação, que não teriam a legibilidade esperada por um público de museu se expostos sem o discurso adequado, o discurso alheio, daquele sujeito de uma localidade longínqua, assim como há mapas que contabilizam as vítimas de minas em pontos marcados de um território, em suma, um material que nas palavras de Catherine, faz com que “escutemos a vida de forma diferente” e é essa a experiência estética que precisa ser divulgada pela instituição. Uma maneira de dar legibilidade a um projeto como o de Einsele é uma publicação transdisciplinar, envolvendo artistas, médicos, filósofos, militares, sempre com a preocupação de não mutilar o projeto, não reduzí-lo a um catálogo de fotografias.

Ao discorrer sobre a questão de como expor o público a uma experiência estética desta natureza, Laymert Garcia dos Santos enfatizou a impossibilidade de uma solução universal: cada projeto exigirá uma estratégia de exposição. Assim, a discussão sobre a reforma da instituição, a crítica da instituição torna-se obsoleta. Cada projeto é único e a única questão relevante é essa consciência de que a cada vez será preciso encontrar um público novo, uma forma de representação nova para uma experiência que está além do mero consumo estético. É claro, esclareceu Laymert, que este novo paradigma de exposição é uma questão da instituição de arte européia pois no Brasil há ainda uma timidez institucional, decorrente da necessidade de reconhecimento no circuito artístico, que barra projetos mais ousados que transformem a experiência estética numa experimentação e não num consumo.

Catherine David concordou com esta idéia de impor na instituição um tempo, um ritmo distinto daquele da indústria cultural. Um projeto como o de Lukas Einsele exige anos de comprometimento da instituição que assume a missão de difundir experiências estéticas contemporâneas. E ressaltou que não se deve exigir que todas as instituições – museus de arte contemporânea e museus de belas artes, por exemplo -- trabalhem desta forma, pois não se pode ter sempre a mesma resposta a produções diferentes. Os centros de arte contemporânea é que precisam buscar respostas novas àquilo que é novo.

A curadora do Witte de With continuou sua apresentação falando sobre outro projeto de longa duração, as Representações Árabes Contemporâneas e sobre a publicação Tamáss (http://www.wdw.nl/ENG/text/projects/arab/) que almeja uma troca entre centros culturais ocidentais e centros do Líbano e Oriente Médio, regiões fundamentais para o entendimento da cultura contemporânea. Há grandes desafios, como o de trabalhar em países muito diferentes entre si, organizando exposições, palestras, lançamentos de livros e filmes em cada país, lidando com situações sociais frágeis, e tentando ao máximo assegurar a continuidade desses projetos mesmo quando sua equipe deixa o país. Mas Catherine vê as Representações Árabes Contemporâneas como um rizoma que vai crescendo e aliando novos parceiros muito variados, acreditando que projetos dessa natureza são necessários e principalmente possíveis.

(por Paula Braga)