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O papel da arte contemporânea no museu de belas artes [íntegra]

por Corinne Diserens, diretora do Musée des Beaux Arts de Nantes

 

Transcrição completa da palestra:

Corinne Diserens:

· ... o papel do museu é dificilmente compatível no momento que se torna exclusivamente produtor. É muito difícil assegurar fundos públicos dizendo que somos co-produtores da obra de um artista X, que custa 300.000 euros, e que nós damos 80.000 euros como dinheiro de produção nesta obra e que o museu não recebe coisa alguma em troca nas suas coleções. É uma questão extremamente difícil com os poderes públicos. Eu defendo que, não é porque o museu produz uma obra, que esta obra pertence ao museu. Digo isto, pois ainda hoje existem fortes mal-entendidos a respeito. Mesmo se a obra custa caro, esta não pertence ao museu por ser ele o produtor. Há um segundo passo, que é a questão da aquisição, e esta pode, obviamente, ser negociada em seguida, em função do compromisso tido na produção. Assim, questões complicadas de direitos sobrevêm. Ou seja, se somos co-produtores de uma obra, Não é tão simples assim propor que essa obra entre nas nossas coleções, nas aquisições. Creio que hoje a natureza de muitos sistemas de produção, de trabalho de artistas, também a questão do coletivo --trabalhamos muito o coletivo -- colocam novas questões ao museu, que não lhe são fáceis de responder, visto a tradição da administração museológica na França -- aí eu falo especificamente da França. Rapidamente estamos num beco sem saída e nos encontramos em situações onde não podemos mais responder às necessidades dos artistas. É daí, eu creio, que muitos museus se desvincularam dessa questão da co-produção com os artistas. Acho que deve-se remeter novamente esta questão ao centro da discussão do museu. Não quer dizer que não possamos delegar e não possamos ser parceiros de outros tipos de organismos mais maleáveis, mas acho que não podemos evacuar esta questão, dizendo que o museu não pode ser um agente produtor.
· Gostaria de falar de uma pequena experiência, que me ensinou muito. Trabalhei com Dieter Roth, um artista alemão bastante importante, morto há vários anos, que viveu vários anos na Islândia e que tinha um modo de produção bastante peculiar, e que nas últimas décadas de sua vida -- morreu com cerca de 70 anos -- colaborou com pouquíssimos museus. Ele até havia abandonado a idéia de trabalhar com museus, pois não podia mais funcionar dentro do quadro de uma instituição e de sua administração. Porque? Pois, na prática, ele, ao desenvolver um projeto, o fazia em relação a certa duração mais prolongada. Em seguida ele vinha se instalar dentro do museu, e este se tornava um local, não só de afixação e de instalação de uma obra pré-concebida e pré-selecionada, mas ele vinha viver neste local com seus assistentes para, pouco a pouco, construir seu projeto, que, obviamente, não excluía obras antigas. Havia um vínculo muito forte entre a reutilização de obras já existentes, mas dentro de uma reativação muito refletida do momento onde estava e a produção de novas coisas. Tudo isto, para ele, só podia se conceber num investimento muito forte no local onde estivesse. Não há nada a ver com um site específico, ele absolutamente não era um artista que fazia sites específicos, mas era um artista que se comprometia de forma muito forte com o seu modus de produzir a exposição. Nós iniciamos um diálogo quando eu estava em Valência e nós trocamos idéias durante cerca de oito anos. Lógico, eu mudei de local durante essa discussão -- e isso é um outro aspecto, os projetos com artistas são freqüentemente sustentados por uma relação entre pessoas que por uma relação com um local, uma instituição. Logo, quando chegamos ao ponto em que estávamos prontos para desenvolver o projeto, eu estava então no Museu de Marselha, Dieter veio e achei uma casa onde ele pudesse morar. E cada vez mais pessoas chegavam, por causa dele, da Islândia.  Foi, então, preciso encontrar moradia para toda essa gente. A seguir, coisas começaram a chegar. Um, dóis, oito containers ... Inchaço de objetos, pode-se dizer. Logo na primeira semana de sua chegada, pediu-me que fosse com ele a um supermercado e comprou uma máquina de lavar.

Falei :
· - Bem, mas é para coloca-la aonde?
· Ao que ele retrucou;
· Uma vez que estou me instalando no museu, preciso de uma máquina de lavar roupas. É fundamental ...

Ou seja coisinhas, mas coisinhas terríveis para um museu. Afinal, para ligar uma máquina, é preciso encanamentos... Para obter encanamentos, isto não é compatível com regras básicas, mínimas, das condições de exposição de obras de arte ...
Bem, instalamos sua máquina, em seguida montou seu escritório. Arquivos que lhe pertenciam chegaram de Balles, pois durante a Guerra, fora à Suíça. Com o bar, foi a vez do álcool adentrar o museu, em seguida, as pessoas que vinham visita-lo, ... As pessoas vinham beber um trago com ele, às vezes passavam o dia inteiro no museu com ele ... E assim é que todos os princípios ligados à " boa conservação" foram virados de cabeça para baixo. Havia convencido-o a me permitir integrar algumas de suas obras, que me interessavam, no projeto geral do museu, obras que estavam em Stuttgard, e isto imediatamente levantou outra questão, pois Dieter não queria que suas produções de exposição servissem a alimentar o mercado de seguros do mundo das artes, porque as cifras eram aviltantes. Então ele me pediu que, ao invés de seguro, pagasse melhores salários aos assistentes ... Ou seja, que melhorássemos os valores dos estudantes de Belas Artes. Este exemplo me interessa porque fala das condições de trabalho com o artista, dos processos de criação, e  os museus. Muitas vezes, os museus ficam acossados e a tendência é se tornarem impermeáveis a estas exig6encias, que colocam em questão a estrutura econômica dos projetos. E isto me interessa, uma seara aberta, viva, enquanto diretriz de museu, trato de proteger este campo. E isto não é contraditório com relação à conservação, divulgação, pedagogia museológica, parcerias com colégios, etc. Sentimos que na administração, ninguém quer que seus hábitos sejam mudados. As pessoas são cristalizadas e transformá-las é difícil, mas precisamos continuar a questionar as instituições.
Passo a palavra.

Marcelo Araújo:

AS QUESTÕES QUE A CORINNE LEVANTOU ESSA NOITE SÃO EXTREMAMENTE INSTINGANTES SE PENSARMOS NUM PARALELO COM A SITUAÇÀO BRASILEIRA E O PANORAMA A SER VISTO. É IMPORTANTE SALIENTAR O QUE ELA DEIXOU JÁ EXPLÍCITO: O PAPEL DO ESTADO NA FORMAÇÃO FO MUSEU.

A Fundação do museu em 1821 foi uma iniciativa do Governo Federal, além da região de Nantes, . Qual seja, como o Estado, nos últimos 200  anos, tem estado à frente destas questões lá na França. Assim, estes exemplos históricos e contemporâneos como parâmetros comparativos são fundamentais, para nós, no Brasil. Diante desta condição, de um museu cujas ações se articulam a partir de orçamentos governamentais... O fortalecimento da cultura européia, visto a influência do Mercado Comum Europeu, enfim, a parte dos artistas francês em relação aos artistas de outros países do mundo, queria saber como é a relação deles com os artistas franceses. Como se desenvolve esta estratégia e articulação, o equilíbrio quanto ao aporte de obras.
...

Outra questão sobre a qual fiquei curioso é saber como neste panorama que ela ressaltou é sobre a relação às políticas de aquisição e produção entre os diferentes museus. Finalmente, gostaria que ela falasse mais um pouco sobre as estratégias que ela pensa de articulação entre a questão de incentivo à produção contemporânea e os acervos históricos, patrimoniais, dos museus.  Como é a situação no Museu de Nantes? Ao ter citado os museus alemães, acho que ela citou uma das questões mais importantes quanto à museologia contemporânea quanto às Artes Visuais: a separação entre prod. Contemporânea e produção histórica, dos casos mais radicais (certa obra só entra no museu se tiver determinada idade, por exemplo), até outra posição, que é a dela, e com a qual concordo: um museu de arte que tem um acervo fechado, datado, tem que se debruçar sobre a produção Contemporânea para construir seu acervo simbólico e suas próprias coleções. Incentivar a produção contemporânea não significa que o museu seja dono desta obra. A aquisição vem num segundo momento. O fato do museu encomendar uma obra a um artista gera uma certa expectativa quanto à sua pertença ao acervo de tal museu. Isto é quase que decorrente. Gostaria de ouvi-la falar mais sobre isto.

Corinne Diserens:

Na França, há museus nacionais, municipais ... diferentes entre si. Nantes é de alçada municipal. Nossas decisões e orçamentos são independentes do Ministério. Pedimos subvenções anualmente ao Governo; há parcerias estatais e estaduais, também, mas não somos um museu nacional. Convém dizer que toda vez que sou convidada a falar ressalto que a questão dos museus nacionais na França é complicada, porque há um aspecto negativo: o de fechar as portas aos conservadores estrangeiros. Isto está, felizmente, mudando, porque estamos lutando por isto e graças à nova legislação européia, que atualmente nos dá apoio. Se há um cargo vago, cumprimos esta nova lei. Há pouquíssimos conservadores estrangeiros na grande maioria. O Museu nacional de Arte Moderna, do Centro Pompidou, em Paris, é uma exceção, porque foi um dos primeiros museus-estabelecimento público, com estrutura independe dos governos municipal, estadual ou  nacional.. A Direção nacional dos Museus na França não está muito aberta quanto a oferecer certos cargos a pessoas que não estudaram na Escola de Patrimônio Francesa, é protecionismo quanto a conservadores e diretores de museu. Isto tem a ver com a estrutura mesmo que, na França, acabou envenenada por não aceitar abrir as portas a outros. Quanto às políticas de aquisição ... há os artistas franceses e os de fora. TEMA DELICADO. Qualquer um que trabalhe em museu faz face a este difícil equilíbrio. Volto a falar da relação com o artista. Comprar suas telas não é o mesmo que engajar-se em montar uma exposição de um artista, fazer um catálogo, engajar-se com seu processo artístico; artista vivo, ou seja, ter no museu um conjunto de obras de vários períodos de um mesmo artista. Eu me recuso, isto é uma postura minha, a ter atitudes diferentes para uns que para outros. Minha posição, porque para mim tanto faz se é um artista franc6es ou de fora. Ressalto isto porque nem sempre esta postura é compartilhada na França. Tendem a achatar os preços das obras dos estrangeiros. Não gosto disso. O mesmo ocorre quanto às exposições. Quem me conhece, sabe. Faremos um projeto de uma pequena sala de exposição para artistas locais com orçamentos menores, às vezes sem catálogo, se comparados aos convidados estrangeiros. Eu prefiro dizer abertamente que se trabalho com um artista local, dá-se o mesmo com um de Shangai. Acho que assim respeito a tipologia de compromisso com o trabalho. Resta dizer como pode o museus estimular as trocas no território em que se encontra. Com base na minha experiência na Espanha, anos 80, primeiros museus de arte contemporânea abrindo as portas, como no caso de Valencia (Rainha Sofia estava em pleno desenvolvimento, em Madrid), pos não havia museu de arte moderna, contemporânea, na cidade, antes

FIM DESTE LADO DA FITA.

FIM DA FITA 1.



Corinne Diserens
· ... e que nosso poder de conexão internacional possa gerar relações na cidade, na região e, em seguida, que essas estruturas criem seu desenvolvimento de entrelaçamento. Por exemplo, em Nantes, uma cidade muito engajada do ponto de vista cultural, temos sorte de ter uma cidade que tem uma compreensão real e um engajamento cultural para uma política de uma sociedade que suporta diferentes tipos de arte, seja numa relação patrimonial, seja na dança, na música, na música contemporânea, etc, mas, em contrapartida tem uma verdadeira fraqueza, que analisei desde minha chegada, há um mês, creio que há muito poucas propostas de troca de residência para os artistas que vivem na região. Logo, não há uma rede com outras cidades do mundo para acolher artistas internacionais e propor cargos no exterior a artistas de Nantes. E, francamente, creio que posso ser muito mais útil hoje em dia aos artistas de Nantes, mesmo com esse trabalho que eu faço com os artistas, sejam de lá ou não, mas creio que aí há uma necessidade. Assim, penso que a resposta não é uniforme, e que depende também de onde estejamos e como esteja situado o tecido artístico em que estamos. Atualmente, em Nantes, há uma necessidade nesse sentido e eu prefiro dispender minhas energias, dizendo à cidade que é absolutamente necessário ativar uma rede de cargos internacinais, para que possamos conseguir que os artistas da região possam ir um ano, com bolsa, com intercâmbios, com programas europeus ou extra-europeus, criar uma rede de cargos. E, se puder suportar os artistas de Nantes desta forma, creio que hoje eu respondo a uma necessidade que é dizer que é necessário gerar uma política sistemática de aquisição e exposição de artistas locais. Não significa que não tenhamos projetos com artistas locais, mas sob esses critérios que eu mencionei que estão na mesma metodologia que de outros artistas. Também, outro modo que eu imagino para suportar esta relação com esses artistas locais, franceses é nas nossas práticas de co-produção e, respondendo também à outra questão, é nosso intercâmbio com os outros museus. Trabalhamos muito a co-produção, mas creio que isso ocorre hoje com a maioria dos museus, caso contrário não podemos enfrentar a realidade orçamentária, mas também a co-produção permite trabalhar com diferentes pessoas diferentes. Quando co-produzimos, pomos nossas equipes juntas, construímos o projeto científico juntos. Assim, penso que isso é um aspecto extremamente importante  da co-produção que é raramente mencionado, que é como as pessoas que trabalham nos museus têm a possibilidade de ter experiências distintas, estando engajados com outras equipes, em outros museus, outros países. Essas co-produções também permitem, às pessoas com quem trabalhamos,  promover encontros com outros artistas e abrir diálogos com outras estruturas de fora, através desses intercâmbios, e portanto, da vinda dessas pessoas a Nantes. Portanto, creio que esse é um papel muito, muito importante para o território onde estamos inscritos.
Pessoa não identificada
· Há uma política para a produção, com determinados interesses. Há uma outra política para a aquisição, com outros interesses. Como relacionar esses interesses?

Corinne Diserens
· Primeiro responderei sobre a questão da"obra reconhecida", que é uma questão que sempre volta à baila nas comissões de aquisição em relação aos poderes públicos e dos pedidos de subsídios. Há, ainda, a pressão constante para a aquisição de obras dos ditos artistas reconhecidos. No entanto, para um museu, o compromisso de adquirir obras de artistas pouco conhecidos continua sendo uma questão que deve ser defendida continuamente. Ao mesmo tempo, temos tantos exemplos, atualmente, da formação de coleções muito fortes, cuja política foi a de risco na escolha de artistas pouco conhecidos -- mencionarei apenas duas: uma é Balles, com a estratégia de aquisição desde 1920 com muito risco, estando sempre muito atenta a tudo que se produzia, as apostas na contemporaneidade do momento, e de ter tido um olho e decisões extremamente subjetivas, mas coerentes, fazendo uma coleção excepcional. Excepcional porque não nivelada, porque diferente de outras, sobre a questão da Europa, da América do Norte e, em menor grau, sobre a questão da Rússia. O outro exemplo, a coleção do museu <<<nome não reconhecido>>>, foi fértil, pois permitiu adquirir conjuntos de obras de artistas que não eram necessariamente conhecidos e que tem uma coerência excepcional. Falo aqui do ponto de vista de um museu na França, e há um aspecto muito negativo, desde há 25 anos, que está sendo questionado e mudado, que é o fato de muitos museus na Europa do Norte, na América do Norte têm o mesmo rol de artistas. Se olharmos as aquisições dos museus alemães, franceses, ingleses e os grandes museus da América do Norte, não é exatamente a mesma lista, mas há, ainda assim, uma uniformidade da geografia de interesse artístico que é problemática. Creio que há uma conscientização sobre isso e que, hoje, fala-se muito disto, mas só tomando o exemplo do Brasil, que tem uma história extraordinária, vejam a quantidade de obras brasileiras nas coleções francesas, não há muitas. É uma questão que foi colocada, e sei que hoje o Centre Pompidou e o Museu Nacional de Arte Moderna estão em plena atividade para analisar esta questão, todas essas coleções. O Museu Nacional de Arte Moderna é, ainda, a maior coleção da Europa, juntamente com a Tate Gallery, uma das maiores coleções mundiais. Agora, analisar as geografias das coleções do Museu Nacional de Arte Moderna é verdadeiramente muito interessante. Resumindo, há aí um importante questionamento, a niformidade nos museus europeus e americanos nos últimos 25 anos.

Voltando agora à questão da produção e aquisição, é complicado. Se partirmos do princípio, evidente, que produzir não é comprar, produzir é sustentar, construir um projeto artístico com um artista e não dá direito algum à aquisição dessa obra diretamente, não impede de modo algum construir um diálogo com o artista para que este trabalho se inscreva nas coleções. Ao contrário, penso que temos todo interesse. A coleção é a memória das exposições, é a memória dos engajamentos, é a memória do trabalho efetuado com artistas. Assim, videntemente é necessário que as coleções se enriqueçam desse trabalho feito com os artistas. Freqüentemente, os museus acreditavam que a produção lhes concedia o direito de incluir a obra nas coleções, mas hoje creio que as coisas estão mais claras e que fala-se mais claramente de tempo e custos da produção, da divisão do seu engajamento, e, também, a encontrar o modo com que, com um orçamento complementar, inseri-la. Falando especificamente da França, há ainda outros meios. Por exemplo, se você desenvolver um projeto com a instituição pública, a Direção das Artes Plásticas, e solicitar um financiamento público para esse projeto, criam-se passarelas. De fato, pode-se pedir em seguida que a FNAC compre essa obra para as coleções do FNAC e você, no papel de museu, como o projeto foi desenvolvido com o seu auxílio, pede que a obra seja cedida em consignação nas suas coleções. Isso não responde à questão de modo geral. São soluções, sistemas inventados. Deve-se inventar pontes com as fundações. Com a Caixa Econômica, estamos estudando formas para que a coleção seja posta nos museus, mas que ao invés de ser simplesmente um depósito de todas as obras num museu, de ver como ser muito específico na escolha das obras que entrem num museu, o museu X, e que o trabalho continue posteriormente, sob a forma de produção, com a liderança do departamento de produção da Caixa Econômica, a sustentar um compromisso junto a certos artistas. Logo, não há respostas prontas, tentamos inventar, ver o que pode ser feito com nossos meios, mas é certo que nós nos museus nos conscientizamos que é preciso praticar a parceria.


Martin Grossmann

Existe ainda a questão que o Marcelo colocou, sobre a relação histórica e contemporânea.

Corinne Diserens
Sobre a questão histórica, penso que é uma grande sorte. Ainda existe esse debate, ser um museu de belas artes pode ser um museu de arte contemporânea. Será que não se deve criar um museu de arte moderna e ter no museu de belas artes coleções até final do século XIX, início do XX. Creio que a resposta foi a generalização em várias cidades de vários países da Europa, da separação das coleções, principalmente na Alemanha. Eu não tenho tanta certeza, pois creio que resta uma experiência extraordinária e tão rica a de poder passar de um forte século XVIII a uma vivência contemporânea, caso queiramos faze-lo. Quero dizer que há públicos diversos, os que vêm exclusivamente para ver arte moderna e contemporânea e outros para ver as do século XVI ou similar. Logo, os públicos também têm sua escolha. Não se deve esquecer que, e às vezes o fazemos, que há uma liberdade de escolha contínua nesses museus que cobrem vários séculos. A mim me agrada muito essa coabitação, acho-a muito fértil. Temos desenvolvido tanto um discurso sobre uma arte contemporânea que seria destacada que, por sua vez, rendeu-lhe um desserviço, pois produz uma imagem de arte de difícil acesso, e cortada de uma realidade artística muito mais ampla, e creio que trabalhar num museu de belas artes onde coexistam coleções contemporâneas juntamente com coleções do século XIII permite restabelecer essa coabitação, esta troca de experiências. Hoje em dia temos experiências deste tipo e é absolutamente formidável poder criar esses vínculos. Assim, penso que essas relações são bastante naturais. Houve uma construção da separação que eu não endosso.

Martin Grossmann


Agradeço as colocações de Corinne Desirée e Marcelo Araújo. Achei interessante que a Corinne disse que iria fazer uma interferência crítica em relação a situações idiossincráticas da política cultural de museus franceses, que eu acredito devam existir em função da sua larga tradição e história. Para nós, no Brasil, ela é de certa maneira modelar, temos uma influência muito grande da tradição francesa. Indiretamente, ao provocar esta estrutura na França, provoca-se a estrutura no Brasil, que é muito mais amorfa e ainda tenta se estruturar. Os casos de São Paulo e Rio são mais claros. No Rio a situação é mais clara que em São Paulo, existe o Museu de Arte Moderna e o Museu de Belas Artes, mas que acredito que isso agora vai mudar, com a presença de Paulo Herkenhoff no museu de Belas Artes, pela sua experiência, tanto nacional como internacional. Em São Paulo, também parece haver uma definição, mas não tão clara. Existe a querela entre o MAC e o MAM, como em tempos recentes o MAM tomou para si o papel de atualização, de uma relação mais dinâmica com a arte contemporânea sendo hoje mais representativo desta. Mas creio que esta é uma situação internacional, este questionamento de uma denominação dada pela história e que hoje há toda uma tendência de esclarecimento e também adequação. Não acho que seria o caso de mudar o nome do museu. No caso do museu de Nantes, a importância dele ser um museu de belas artes é imprescindível para qualquer política cultural. Esta provocação indireta de Corinne é muito benvinda, pois nos ajuda a pensar mais nas nossas estruturas. Só gostaria de deixar claro ao público a distinção entre Kunsthalle e museu de arte. Temos aqui em São Paulo o Paço das Artes ou o Paço Imperial no Rio, mas ainda não fazemos esta distinção no Brasil. No entanto, esta distinção, conforme lembrou a Corinne, é muito importante em países de cultura germânica. Então, no Brasil a influência das exposições de arte moderna em museus ainda é muito pequena. Por outro lado, o museu tem tido, ultimamente, um papel importante na arte contemporânea. São exemplos disso, a Pinacoteca e o MAM, e até o MAC. O que eu quero ressaltar, e o foco principal que Corinne colocou aqui, foi a relação artista-museu. Mais do que a arte contemporânea, como é que esse artista se relaciona com um espaço que, simbolicamente, muitas vezes representa o artista só depois que ele morre? Essa posição bastante clara e arrojada de Corinne em relação à necessidade e importância do artista dentro do museu se deve, em boa parte, a experiência internacional dela.

Outro ponto que ela ressaltou é da importância hoje que o museu seja um espaço internacional, um espaço aberto a influências não só da sua localidade, mas que ele seja também um espaço de representação com e do mundo. Isto é outro fato que aos poucos começa a acontecer no Brasil. Hoje nós temos um curador alemão na Bienal, como temos um regente estrangeiro na Sala São Paulo. Então, nós também estamos em fase de mudanças. Mas isto, para nós assim como para os franceses, é muito difícil. É um exercício que estamos praticando ao conta-gotas. · Assim, creio que esses são caminhos que ela nos traz, muito interessantes. Ainda mais, considerando a platéia, onde temos desde pessoas que trabalham em museus, diretores, pessoas ativas no circuito, mas também muitos artistas. Então, acho que vem bem a calhar esse olhar de Corinne sobre a relação do artista com o museu, com o espaço institucionalizado. Agora, se a mesa permitir, abro para as perguntas.

Corinne Diserens
·Antes, gostaria de acrescentar uma coisa que eu penso importante que discutamos, algo que eu não mencionei sobre a questão da coleção e da produção histórico-contemporânea. Penso que o museu tem ainda outro papel no que se refere ao patrimônio. É a salvaguarda deste, mas não só a restauração de um patrimônio dito antigo, mas a salvaguarda de um patrimônio recente. E no Museu de Nantes, eu tomei partido para, uma vez ao ano, ter um grande projeto de exposição que inclua um compromisso muito forte de salvaguarda de obra. Como exemplo, hoje trabalhamos com Vito Aconcci, sobre uma leitura de sua obra que, creio, ainda não foi suficientemente realizada. Isto é, ele é, primeiramente, um poeta que publica, que está na antologia dos poetas nos Estados Unidos, que é editor de uma revista, Zero To Nine , e que está totalmente dentro do mundo da poesia, que estudou literatura. Em seguida ele sai do espaço da página e vai para a rua com suas primeiras atividades com a câmera e suas performances, de cara trabalha com peças sonoras. O som, na sua relação com a escrita, é muito importante e, ao longo de 15 anos, produziu peças sonoras e, simultaneamente, filmes. Conhece-se melhor os filmes, que pouco a pouco foram restaurados, mas quase não se conhece esses 15 anos de produção de peças sonoras. Logo, somos, nesse trabalho que estamos realizando sobre essa relação da escrita, performance e peça sonora... <<<Fim da Fita>>>



Como eu dizia, a natureza da obra define os parâmetros dos acordos. Não há modelo-padrão. Os dispositivos das obras são muito diferentes entre si. É preciso ter metodologias de trabalho. Se não respondi à sua pergunta é porque não há modelo padrão.

BOA NOITE. Meu nome é Joana Baraúna, sou funcionária da Pinacoteca e gostaria de saber se há  por parte do artista a possibilidade de que faça uma doação espontânea? Como se dá isto na França?

Corinne Diserens

Bem, não sei como é no caso do Brasil. Na França é relativamente simples.O diretor de Museu se reserva o direito de não aceitar determinada doação, mesmo que isto doa aos teus ouvidos... Porque nem todas tem a ver com o projeto museológico com o qual trabalhamos. Se não saberíamos como contextualiza-las ou dar-lhes vida, às obras, é preferível não aceita-las. Encaminhamos o artista a outra instituição, mais adequada, às vezes. Se, porém, a obra for aceita, é preciso ouvir o Comitê Científico antes de investir (que é estatal). Mesmo  que o Comitê rechace  a compra, isto não impede que o Museu desembolse o que bem entender. Temos que ser transparentes. Ou seja, é o mesmo processo que para aquisição de obras ... com a grande diferença que não há somas vultosas envolvidas.


Marco Aurélio: comerciante de artes, em SP:
Seu museu faz parceiras com os marchands? . Não estou falando do governo. Havendo este desejo, o que você ofereceria a tal parceiro para atraí-lo e que trabalhassem em conjunto? Como você atrai a iniciativa privada ao seu Museu?

Corinne:

a iniciativa privada é muito amplo .... abrangente, tal terminologia. Se entendi bem, o senhor é dono de galeria?

Marco Aurélio:
SIM

Corinne:
OK. Houve casos em que fizemos co-produções com galerias, seguindo os princípios que mencionei antes, e até com o apoio do Depto. Artes Plásticas que citei antes, de nível federal ... Analisamos as relações econômicas de co-produção. É raro que uma galeria que não abrasasse a obra de um determinado artista venha nos oferecer apoio se o mesmo não estiver envolvido ... Nada há como empecilhos legais ou jurídicos porém, se for preciso assinar contratos, etc. Há parceria forte quanto a restauro com o banco BNP, pro um projeto de restauração de iniciativa privada ... e há certamente muito a inventar. Fundamentalmente, é matéria de Direito. Na França o ponto delicado é determinar o campo de competência das associações e das instituições públicas. Houve casos dolorosos ... parcerias às vezes desempenhariam o papel das inst. Governamentais mas, por lei, isto é proibido , na França. Assim, a alçada de cada parte de vê prever que não se trate de iniciativa privada substituindo a iniciativa governamental quanto a desembolsar dinheiro. Exemplo: Se uma associação subsidiar um projeto de conferencia pedagógica inserido no projeto de museus ... isto é ilegal, na França. Mecenato de projetos pedagógicos não é impossível mas a denominação do campo de cada um não pode substituir o rol, o papel da inst. Pública. Nem pensar ...


Martin:

Última pergunta; estamos avançando no tempo.

Boa noite. Meu nome é Roger, sou artista plástico. É comum, na França, como o é aqui, a inscrição de artistas e Programas, que se faça avaliação de projetos e não da aquisição de produção que já perdura há anos, na vida do artista. Como é a provação dos projetos ; depende do espaço físico do museu? Deveria ser o inverso, quando as comissões têm que aprovar escolhas.


Corinne:

Sua pergunta é múltipla. As comissões seguem critérios, mesmo que questionáveis,: o que é o espaço público hoje em dia? Um verdadeiro labirinto. Nada impede, porém, que o artista dirija-se imediatamente à D.A.P. As comissões existem para levantar financiamento  público. Para isto, é preciso que haja um sistema. Comissões rejeitam obras ... São sistemas imperfeitos. Não existe sistema perfeito. A politização desta comissões é altamente questionável, amas como distribuir as verbas. É preciso articular, acho bom termos que formular projetos. Isto caso queiramos ter acesso a verbas públicas.  Mas mitos artistas literalmente estão pouco se importando com tais comissões .... São escolhas éticas. Cada artista pode recusar o olhar que tal comissão jogue à sua obra. Mas, políticas culturais tem que se basear em algo, e a fragilidade das relações existe. O próprio dossi6e pode ser traidor porque tem gente que não nasceu para redigir papelada .... Além disso, sempre , se somos famosos, e aparecemos com uma página de currículo, a relação de poder não e a mesma que um caso de um currículo de uma página para quem é ainda pouco conhecido .... O artista tem sua responsabilidade perante o mundo; ele é livre de se submeter aos sistemas imperfeitos e é preciso estar consciente das relações de poder ...as vezes insanos ou que causam má- saúde ao artista.

Martin:

Corinne, last word? As questões entre Brasil e França encontram pontos convergente e divergentes. Agradeço ao Marcelo duplamente: por nos alojar e estar presente à mesa. Agradecimentos ao Goethe, ao Consulado da França e aos voluntários que trabalharam para colocar no ar o site www.forumpermanente.org.
Amanhã nos veremos às 14h30, no Maria Antonia.

Corinne: agradeço à tradutora.