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Desafios para Museus de Arte no Brasil no sec. 21 [transcrição integral]

Mesa-redonda realizada no Instituto Goethe em 02 de setembro de 2004 com Paulo Sérgio Duarte (Fundação Iberê Camargo), Paulo Herkenhoff (Museu Nacional de Belas Artes), Moacir dos Anjos (Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães) e Marcelo Araújo (Pinacoteca do Estado de S. Paulo), mediada por Martin Grossmann (USP).

[relato da mesa-redonda]

publicado no livro: Museu Arte Hoje


Paulo Sérgio Duarte, Paulo Herkenhoff, Martin Grossmann, Moacir dos Anjos e Marcelo Araújo

Muito bem-vindos ao Instituto Goethe, muito bem-vindos ao Fórum Permanente. Meu nome é Joachin Bernauer, sou diretor da programação cultural do Instituto, e em nome de nosso diretor, Bruno Fischli e de Gina Machado, da Fundação Vitae, quero dar as boas-vindas a vocês todos. Estou muito contente por ter essa mesa de peso, este público ainda de mais peso em nosso auditório. O Fórum Permanente é um fórum de parceria, é um fórum internacional, uma iniciativa do Instituto Goethe, juntamente com os Consulados Francês, Holandês e o British Council. É um fórum nacional, como se vê, com representação nacional, e é um fórum estadual, que tem agora o apoio da Secretaria da Cultura, da DEMA, que fechou um convênio com o Fórum para manter o site. É um fórum local, que já envolve muitas instituições aqui em São Paulo, com os museus e outros parceiros. Este é um fórum virtual, com um site que vai ser lançado hoje, já experimentamos com um site que estava no servidor do Goethe, e hoje é o grande dia de festa, com o lançamento do site com parceria com o Tidia e com a FAPESP, e depois vocês vão ver aqui no telão o que vai ser lançado. O site ficou muito bonito e muito efetivo, já com muito conteúdo e com muitas palestras transcritas, e também para manter o debate do Fórum on-line. Então, este é um fórum de diálogo on-line, de diálogo virtual, que vai ser possível a partir de agora através do novo site, e é um fórum de diálogo vivo. É isso que nós queremos incentivar, estimular: o diálogo vivo internacional, nacional e local. Então, esta mesa hoje é o melhor exemplo desse diálogo. Eu gostaria de agradecer ao Martin, nosso orador, curador e coordenador do fórum, quero agradecer à toda equipe do site, à Paula e ao Durval, e quero agradecer à toda equipe do Goethe, que faz um trabalho impecável, porque organizar tudo isto, dá sempre muito trabalho.  Sobretudo, quero dar as boas vindas a nossos convidados de hoje, e dou a palavra ao Martin. Obrigado.

-               Agradeço as palavras do Joachim, dando as boas-vindas à nossa mesa e a vocês, público presente. eu só queria dizer que o Joachim já lembrou que hoje já somos quase uma constelação de parceiros constituindo o Fórum. O Fórum não é uma entidade individual: ele funciona em rede.

E queria reforçar esse momento atual, que é bastante importante para nós, não só porque a Secretaria de Cultura do Estado, tendo à frente o DEMA, que é o Departamento de Museus e Arquivos, que vai possibilitar a manutenção da equipe editorial do site, que até agora trabalhou voluntariamente. Para nós é um incentivo muito grande com o site a dar continuidade aos debates que acontecem presencialmente. A outra importância que quero reforçar ao que o Joachim disse, é o envolvimento da Vitae, porque desde o início, quando idealizamos o projeto em conjunto, nossa preocupação foi dar um âmbito internacional a essa discussão, mas fazendo com que ela nunca escapasse ao contexto nacional, à nossa condição de ser uma discussão realista, local. Isso tem sido mantido, com a presença constante nas discussões, debates e nos eventos que nós estamos organizando de pensadores, os diretores de museus presentes à mesa. Então, o Marcelo já participou de algumas edições do Fórum, o Moacir também, da primeira mesa redonda que foi realizada por ocasião da exposição da Tate Gallery em 2003, e fico muito feliz com essa contribuição de pensadores da nossa criatividade que estão presentes também, e se expandindo agora, com a presença do Paulo Herkenhoff e do Paulo Sérgio, que se inserem agora no nosso Fórum, e espero que essa seja a primeira contribuição de uma longa série de encontros. A Vitae se sensibilizou com a necessidade de um encontro, e nos apoiou, embora a Vitae, infelizmente, esteja fechando as portas, mas espero que outras instituições mantenham o que a Vitae tem feito até agora pela instituição cultural no Brasil. Nós não conseguimos imaginar museus sem a Vitae. E minha preocupação é que isso tenha continuidade de alguma forma, seja na esfera pública, seja na privada. Sem maiores delongas, vamos abrir nossa mesa, e eu só queria citar o Mário Pedrosa, porque eu acho que fora o Mário de Andrade e outras pessoas do nosso Modernismo, o Mário Pedrosa foi um pensador importante na configuração de nosso sistema cultural. E comentando com o Paulo Sérgio, ele fez um comentário sobre a crise nos museus. Parece que nossa crise é perpétua e infindável. Mas acho que dentro dessa crise, sempre há soluções criativas e idéias, no mínimo originais. Então, só vou citar rapidamente um trecho de um artigo da década de 60 que o Mário publicou, em relação à importância do museu no core do coração universitário.

“Por suas funções precípuas, a instituição museu é, em si mesma, sobretudo quando de arte, e pelo próprio âmbito de suas atividades, o maior centro de experiência, pesquisas culturais e artísticas que se conhece na civilização contemporânea”. Acho que tendo isso como framework, como um toque de abertura, eu gostaria de passar a palavra ao Moacir, para que ele dê inicio à nossa tarde de contribuições e debates. Obrigado.

- Boa-tarde. Quero agradecer ao convite do Fórum e do Instituto Goethe por estar aqui hoje, mais uma vez discutindo essa questão tão importante, que é o papel que os museus desempenham em nossa sociedade, e as crises pelas quais eles atravessam e têm atravessado nos últimos anos. Eu vou apresentar para vocês uma comunicação que preparei, para que a partir daí, nós possamos estabelecer um diálogo, juntamente com meus colegas de mesa. Vou começar falando um pouco sobre o próprio Fórum, porque eu acho que a importância maior deste Fórum, na qual este debate está inserido, é a de permitir que os vários protagonistas envolvidos na gestão de museus, principalmente como estamos tratando aqui dos museus de arte no Brasil, uma discussão mais específica de confrontar seus pontos de vista e chegar a um acordo mínimo sobre a natureza dos problemas que enfrentam, de modo a poder formular um diagnóstico sobre a situação, e idealmente também formular saídas, estratégias para superar esses problema. Então, nessa perspectiva, tenho aqui, menos a pretensão de ser original no que vou abordar, mas mais à vontade para articular algumas velhas questões e outras que são mais recentes, de uma maneira que contribua para que se chegue a esse acordo sobre essa pauta, esse elenco de questões que devem ser abordadas por nós e tratadas de alguma maneira. Além disso, caberiam duas formas possíveis de fazer essa discussão hoje. Uma delas, seria me deter nos rebatimentos, aqui no Brasil, de desafios que são hoje postos para as instituições museológicas do mundo inteiro, pela própria arte contemporânea. Desafios que dizem respeito às necessidades de produção dos artistas, de exibição, de guarda, de restauro, catalogação, etc., enfim, como o museu deve, de alguma maneira, se adequar para acolher e lidar com a arte que tem sido feita hoje.

Isso é um desafio para todos os museus, e isso põe em questão muitas das premissas que hoje são assumidas como convenções pelas instituições museológicas. Mas embora eu ache que sejam temas de muita relevância e interesse, vou preferir percorrer outro caminho hoje, para me situar na discussão, muito mais ligado à necessidade de estabelecermos politicamente o lugar que a instituição museu tem ocupado no país, e qual o lugar que ele deveria ocupar na complexa, mas ainda rarefeita malha cultural do Brasil. Eu acho que essa é uma discussão que nós deveríamos enfrentar: qual o papel que o museu desempenha hoje, qual é sua importância e qual ela deveria ser. E para fazer essa discussão, acho que é preciso entrar no debate sobre a crise dos museus brasileiros, muito comentada recentemente por diversos protagonistas do país, inclusive aqui em São Paulo. Para isso, é preciso discutir primeiro em que consiste essa crise, afinal? Porque, do contrário, corremos o risco de estabelecer aqui um diálogo surdo, cada um falando de uma coisa, se referindo à crise como sendo uma coisa diferente. Em primeiro lugar, acho que é preciso deixar claro que quando falo aqui em crise de museus, não vou estar me referindo a necessidade, a crises gerenciais de museu Albe (?), a não ser quando elas sejam indicativas de questões mais abrangentes, mais sistêmicas, tais como a recorrente falta de projetos institucionais nas instituições brasileiras, a recorrente falta de continuidade de projetos institucionais que existe. O que mais me interessa discutir aqui, já antecipando uma questão que vou falar mais adiante, são justamente as razões que levam nossos museus, e alguns bem conhecidos, a não possuir projetos consistentes de gestão. Em segundo lugar, acho que é preciso contextualizar essa discussão da crise diante de transformações pelas quais o sistema de arte passou nos últimos 15 anos. Porque, em vários sentidos, esse sistema se desenvolveu muito nesse período, e fica até engraçado falarmos de crise, quando vemos que houve uma expansão muito grande no sistema de arte brasileira nos últimos 15 anos. Por exemplo, existem hoje muito mais museus e centros culturais espalhados por todo país, vários deles pelo menos razoavelmente adequados e aparelhados em termos museológicos. Além disso, um montante de recursos financeiros inéditos foi investido em exposições temporárias itinerantes nos últimos anos no país, coisa que não existia até os anos 80. E muitas dessas exposições realizadas nesses museus atraíram também um público inédito para o setor.

Então, quando falamos em crise, para entender o sentido da crise, é preciso sair um pouco do que ocorre nessa face mais aparente e repleta de êxito do sistema de artes, e buscar, ao contrário, esclarecer os sentidos menos aparentes dessa sua expansão quantitativa dos últimos anos.  Então, começaria por discutir as razões, que a meu ver, levaram à expansão quantitativa e territorial do sistema de artes no Brasil. Ele se expandiu territorialmente também, se ramificou simultaneamente ao crescimento do volume que passou a circular nesse sistema. Eu acho que nessa história de aparente sucesso, está também a causa de alguns dos problemas que enfrentamos, e que justifica falar de uma crise de museus, de uma crise no sistema brasileiro de artes. Para me fazer entender, é preciso lembrar que foi o modelo de financiamento de cultura adotado no país desde o início dos anos 90, ancorado quase que exclusivamente na renúncia fiscal das empresas que participam desse sistema que indiretamente estimulou a criação ou a re-qualificação de vários museus no país. Eu poderia citar o Dragão do Mar em Fortaleza, o MAMAM no Recife, a re-qualificação do MAM da Bahia, a criação do Museu Ferroviário em Vila Velha no Espírito Santo, dentre várias outras instituições. Então, essas transformações vieram trazidas no bojo através desse modelo de financiamento, que de uma certa maneira impulsionou a criação e a consolidação dessas instituições. Desse modo, elas puderam se inserir em um circuito de exposições temporárias em expansão, o qual foi promovido quase em sua totalidade por empresas privadas de produção e captação de recursos. Esse circuito, por sua vez, teve alcance nacional pela necessidade, primeiro, de amortizar o custo dessas exposições; fazendo esse circuito, era possível amortizar o custo dessas exposições, de obter o máximo de benefícios concedidos pela Lei Rouanet, que era reservada apenas a mostras itinerantes, e de veicular em várias capitais do país as marcas das empresas patrocinadoras desses eventos, participantes desse sistema de isenção fiscal. Eu acho que aí são muitas as implicações da constituição dessa rede de interesses. Eu acho que de um ponto de vista restrito, há até uma confluência virtuosa de interesses nisso tudo, porque tem permitido, ao menos no melhor dos casos, uma ampliação do repertório visual que é posto à disposição das comunidades que freqüentam essas instituições no Brasil inteiro. Essas exposições têm permitido a ampliação, um enriquecimento do repertório visual que as populações dessas cidades têm à sua disposição.

O problema, para ir direto ao ponto, é que esse modelo, muito freqüentemente, compromete a liberdade dos museus se estabelecerem como lugares de anunciação de um discurso crítico e educativo, onde, idealmente, as exposições que os museus fazem, expõem e suas outras ações, se articulariam para confrontar e desafiar o olhar e a inteligência do público, e não apenas para mostrar aquilo que já é conhecido, estabelecido, o que é convencional, o que é fácil de ser entendido. Então, eu acho que esse sistema do Rouanet estimula esse repertório, mas ao mesmo tempo constrange, porque limita a capacidade dos museus, ou faz os museus se acomodarem com essa oferta de exposições já com financiamento garantido. Então, muitas dessas instituições acomodaram-se em maior ou menor grau, em diferentes graus, com relativa facilidade com que passaram já a programar exposições já organizadas por terceiros, seja por autores privados, seja por outras instituições, seja por organizações internacionais com patrocínio já garantido por empresas de captação, terceirizando também essa necessidade de recursos, eximindo-se da responsabilidade de tornarem-se elas mesmas essas instituições enunciadoras de um discurso crítico em relação ao que fazem, em relação ao que expõem, em relação às suas atividades. Mas, para que os museus pudessem desempenhar um papel ativo nesse sistema, seria fundamental que eles adquirissem capacidade de formular um projeto institucional, ou que recuperassem essa capacidade de formular um projeto institucional. E aí, o fato é que se os museus brasileiros sempre foram frágeis, nunca se consolidaram, nunca se constituíram, nunca chegaram à sua fase adulta. Na maior parte dos casos, me parece que eles enfraqueceram ainda mais sua capacidade de formular um projeto institucional nos últimos 10 anos. E entre outras razões, paradoxalmente por causa do desenvolvimento de um modelo de financiamento de exposições que tem permitido a realização de grandes mostras temporárias que eles abrigam, e que aparentemente desobrigam as instituições de possuir um projeto. Então, ao mesmo tempo em que o projeto estimula, ele constrange os museus a se profissionalizar e recuperar essa capacidade de instituir um projeto. Enfraquece as instituições do ponto de vista da sua capacidade de formular e desenvolver um projeto. Eu acho que o fato de conceber e exercitar um projeto independente é claro que implica em custos elevados, e que eventualmente são maiores dos que os decorrentes da submissão do museu ao cardápio de exposições oferecidas por terceiros.

Mas isso não exime as instituições da responsabilidade de formar a cultura visual das pessoas que as freqüentam. Para que eu não seja mal entendido, acho que não há mal algum em acolher exposições temporárias já formatadas por terceiros, seja por outros museus, por entidades privadas, principalmente com patrocínio garantido. Eu acho que não é essa a questão. O problema, eu não estou pregando nenhum isolacionismo, que o museu tem que fazer tudo sozinho, nem estou pregando uma política de precariedade, que ele tem que fazer com poucos recursos. Eu acho que o problema é mais embaixo. Eu acho que as ações dos museus, não só as exposições, que são apenas sua face mais aparente, devem sempre ser submetidas a um projeto de formação de olhar do público. Deve ter sempre uma concepção do que é que se quer fazer com a instituição, para o que a instituição serve, para o que serve o museu. E isso é tão mais importante quando muitas das instituições de que eu falei aqui, e de outras que poderíamos citar, ficam em cidades cujas populações só têm acesso a um acervo de arte minimamente abrangente, minimamente significativo do que se fez e do que se faz em arte no país. Então, as exposições temporárias são importantes na formação visual da população dessas cidades, e por isso tem-se que pensar muito seriamente, com muito cuidado o que é exposto, o que é que se oferece a essas populações. E essa responsabilidade cabe não só aos museus, mas também aos centros culturais dos bancos, por exemplo, porque num país tão rarefeito institucionalmente, esses centros culturais têm sua importância formadora, e devem ter responsabilidade sobre o que estão expondo nas suas instituições, e como estão expondo. No fundo, o que estou querendo dizer é que essas instituições deveriam se posicionar criticamente em relação ao que fazem. E como fazer isso, dentro do contexto em que estamos vivendo? Acho que uma das maneiras mais óbvias seria que as próprias instituições, os próprios museus organizassem uma parte significativa de suas atividades, das exposições, das ações educativas, de seus simpósios, de suas publicações. Ou ao menos definir com seus parceiros suas reais necessidades políticas, sociais e estéticas de programação. Não é desejável e nem admissível que os museus fiquem reféns absolutos de projetos que levem em conta somente ou em primeiro lugar os interesses de patrocinadores, e não as necessidades daqueles a quem eles devem servir, que é a população que freqüenta o museu.

É claro que assumindo esse compromisso, as dificuldades enfrentadas pelas instituições só tendem a aumentar, porque é preciso fazer mais com os mesmos orçamentos, geralmente pequenos, e conseguir patrocínio para exposições certamente ou possivelmente menos glamourosas do que aquelas que os patrocinadores gostariam de apoiar, mesmo quando se valem dos recursos obtidos através da Lei Rouanet, ao menos no modelo ainda vigente da Lei Rouanet, mas que, contudo, ainda podem ser muito mais importantes na formação do corpo do museu. Para que essa mudança aconteça, para que os museus adquiram essa capacidade de formular suas próprias ações, é preciso pensar em estratégias voltadas à profissionalização das instituições, pois sem profissionais competentes nas áreas de curadoria, museologia, educação, captação de recursos, montagem, enfim, de toda gama de profissionais que trabalham em museus, dificilmente as instituições vão poder escapar desse circuito de exposições imposto pelos patrocinadores, e poder assumir isso como espaço, não só de entretenimento, mas também como espaço de pesquisa, reflexão, formação de um olhar. E esse talvez seja um campo onde há mais urgência de atuação das políticas públicas brasileiras nos museus. Uma atuação que pode vir a acontecer ao menos de 2 formas, e aí, já fazendo algumas sugestões para discussão: o primeiro campo de atuação de política pública nos museus seria fazer com que os mecanismos de financiamento público de exposições temporárias nos museus brasileiros, que tem sido crucial para o dinamismo que esse circuito experimentou nos últimos anos, deixe de ser episódico, pontual e eventual em relação aos museus, para se tornar orgânico, sistêmico e extenso. Ou seja, que deixe de privilegiar os intermediários que captam recursos junto ao Estado, e aqui nunca é demais lembrar que os recursos das leis de incentivo federal, estadual e municipal são recursos públicos que deixam de ser recolhidos junto ao Tesouro, para financiar eventos culturais, que deixem de privilegiar intermediários que captam esses recursos junto ao Estado para realizar exposições em museus, por mais legítimas e relevantes que sejam as atividades desses intermediários, mas passando também a financiar diretamente a programação conseguida pelos museus de uma forma continuada, sistêmica e organizada.

Essa mudança permitiria que os museus brasileiros pudessem desenvolver séries articuladas de exposições com seus acervos e também com acervos de terceiros, acervos de outros museus, acervos particulares, onde pudesse ser estabelecida e privilegiada uma certa leitura ou foco, desse modo fortalecendo o papel educador do museu, ao mesmo tempo em que estimularia sua profissionalização. Simultaneamente à criação desse sistema de financiamento, poderiam e deveriam ser estabelecidos critérios de avaliação sobre o desempenho desses museus, de modo que os mesmos pudessem se credenciar ou não a continuar se beneficiando dos recursos públicos neles alocados. Com isso, poder-se-ia estabelecer ao longo do tempo uma rede de instituições de referência no país, conseqüentemente fortalecendo o setor de artes visuais. Um setor que pudesse pensar suas ações a médio e longo prazo, que pudesse ter financiamento garantido para isso, pudesse se profissionalizar ao fazer essas ações, e que pudesse, ao longo do tempo, criar uma rede de instituições fortes de referência no país, fortalecendo o setor. Uma segunda forma de atuação pública no setor, embora ligada à primeira também, seria justamente estabelecer um programa emergencial de capacitação física e pessoal dos museus, dotando das condições estruturais adequadas ou minimamente adequadas para desenvolver suas atividades, incluindo a formatação de projeto articulados de exposições. Ou seja, a primeira ação de que falei, esse projeto de articular as exposições, tem que ser necessariamente acompanhado de um outro tipo de apoio, que é o de formar, profissionalizar, capacitar os museus física e estruturalmente, para que eles possam desenvolver esses projetos. Eu acho que a Fundação Vitae, já citada, desenvolveu bravamente esse papel quase sozinha, ao longo de vários anos, através de seu programa de apoio aos museus e a projetos particulares. Enfim, além desse programa de apoio, áreas de projeto específicos e pontuais. E aqui aproveito para celebrar seu papel, e lamentar que a partir do próximo ano não tenhamos mais essa participação, esse apoio da Vitae nos nossos museus. Há, por outro lado, uma sinalização do atual governo federal, nesse sentido, com a recente publicação do edital de museus, por meio do qual as instituições museológicas irão poder propor projetos para modernização de suas estruturas, desde informatização, reserva técnica, segurança, controle ambiental, enfim, de uma série de questões que podem ser agora propostas em um projeto a partir desse edital dos museus.

É claro que o montante anunciado este ano para o orçamento ainda é de R$ 1 milhão para atender aos museus públicos, não federais e privados. Ainda é um orçamento muito pequeno, de apenas R$ 1 milhão frente às necessidades que os museus enfrentam, mas é uma sinalização clara de que há um compromisso de que essa preocupação existe, e eu acho que os próprios museus devem cobrar a continuação e o aprofundamento dessa sinalização. Mas além de mais recursos alocados ao setor, também é preciso buscar uma maior integração entre diferentes instituições no país, proporcionando a troca de experiências e informações, e, não menos importante, criando as bases para a efetiva colaboração de troca de acervos e projetos de exposições temporárias. Eu acho que essa articulação hoje em dia existe de uma forma muito pontual, muito em cima de projetos específicos, e na maior parte das vezes, se estanca com o fim desses projetos. Eu acho que parte é culpa das próprias instituições, que nunca conseguem estabelecer um fórum, criar um organismo de contato que permaneça e propicie essa articulação ao longo do tempo, de maneira continuada. Acho ainda que é preciso pensar simultaneamente nessas mudanças, num modelo de formação visual que não dependa apenas de exposições temporárias. Mesmo que formatadas a partir dos museus e com o olhar voltado para as necessidades das comunidades que freqüentam os museus. É preciso pensar seriamente na ausência de coleções minimamente representativas do que foi e é feito em nosso país nos acervos de nossos museus, principalmente quando pensamos no Brasil como um todo, e não apenas nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo. Portanto, é preciso pensar na necessidade urgente de formar acervos nacionais e regionalizá-los, atendendo uma parcela mais ampla da população brasileira. Porque, afinal, moramos num país muito grande, onde os transportes são muito caros, onde a distribuição de renda é absurdamente concentrada, e, portanto, fazer turismo cultural neste país é uma coisa absolutamente impossível. É preciso pensar na questão da regionalização dos acervos de arte no país. Não sei qual é o modelo ideal para isso; existem modelos internacionais que podem ser estudados na França, Inglaterra, Alemanha, mas eu acho que é preciso pensar e encarar essa questão, pois é uma das questões que as instituições (...).

Fim do lado A da Fita 1

Lado B – fita 1

... as exposições temporárias não podem ser tomadas como um modelo permanente de atuação dessas instituições. Talvez se poderia dizer que as exposições temporárias são um mal extremamente necessário hoje no país, já que não temos, como eu disse, acervos permanentes à altura da necessidade de formação do público. Ouvindo de outra forma, eu acho que nós não temos instituições à altura da arte que é feita hoje no país, porque as instituições não estão dando conta de colecionar e preservar, mostrar e pesquisar a grande qualidade da arte que tem sido feita no país nas últimas décadas. Acho que essa é uma questão fundamental. Mas, paralelamente à criação de um sistema mais adequado de apoio à realização dessas exposições temporárias, é necessário que o Estado, principalmente na esfera federal, porque acho que essa é uma responsabilidade principalmente da esfera federal e também os setores privados que ao menos proclamam ter espírito público, desenvolvam um esforço para a médio e longo prazo formar acervos públicos abrangentes e continuamente atualizados de arte moderna contemporânea neste país. Ou seja, para que a médio e longo prazo, as exposições temporárias que hoje são tão importantes, deixem de ocupar um lugar formativo de destaque na programação dos museus brasileiros. E, no melhor dos casos, que voltem a desempenhar um papel mais especulativo ou de releitura de teses ou juízos já assentados a partir de coleções. Acho que é preciso redimensionar a importância que as exposições temporárias possuem hoje no país. Por fim, gostaria de fazer um comentário sobre o impacto do sistema de financiamento de exposições. Esse sistema de financiamento que tem sido adotado no país nos últimos anos teve na expectativa do público em relação às artes visuais. Eu acho que é claro para qualquer pessoa envolvida no meio que, ao mesmo tempo em que o aumento dos recursos usados para financiar exposições via leis de incentivo fiscal permitiu o aprimoramento técnico das exposições, das mostras, seja em termos de montagem, cenografia, iluminação, tecnologia utilizada para montagem dessas exposições, também privilegiou excessivamente a atratividade das exposições, ou seja, seu potencial de atrair um público cada vez maior, em detrimento, muitas vezes, dos requerimentos e das especificidades do que estava sendo exposto naquelas exposições.

Talvez a necessidade de atrair público a todo custo, muitas vezes fazia com que o próprio objeto que era exibido ficasse em segundo plano. E aqui eu gostaria de ser claro mais uma vez que eu não estou querendo passar a idéia aqui de que eu estou formulando um discurso informado pela frustração de trabalhar numa instituições pública e de ser preocupado com questões de má informação, que preza o potencial educativo dos museus. Isso estaria gradualmente perdendo lugar para exposições de apelo mais popular, que atraíssem mais o público, etc. Acho que eu não tenho nada contra a grande afluência do público nas exposições, muitíssimo pelo contrário, ninguém que trabalha em museus pensa assim, o que eu acho que não é possível admitir é a transformação do museu em algo que às vezes parece até um playground, um parque de diversões, em que a reflexão sobre o que se exibe é muito pequena. A reflexão sobre o que se exibe é quase nenhuma, e onde muitas vezes se é levado muito mais a se prestar atenção no entorno da exposição, no entorno da obra de arte, no merchandising, na cenografia, seja lá o que for, na tecnologia usada para montar a exposição, do que no próprio potencial cognitivo de encantamento que as obras possuem. Eu acho que há um desequilíbrio claro hoje, estimulado por essa facilidade de fazer essas grandes mostras que têm causado esse desequilíbrio, e que é preciso também de alguma forma ser questionado e enfrentado. Então, eu acredito, na verdade, na necessidade de uma batalha política para mudarmos os termos do debate. Acho que nós, gestores de museus e pessoas envolvidas de alguma maneira no circuito das artes, no sistema de artes, temos que nos recusar a discutir o papel dos museus somente a partir de expectativas e de critérios próprio ao circuito de produção e circulação massificada dos bens culturais. Porque não é possível pensar nos museus a partir desses critérios. Porque se formos discutir a relevância dos museus apenas em termos de mercado e sua obsessão com números, quantitativamente, já começamos a discussão derrotados, porque vamos estar sacrificando tudo por apenas cifras de público e de inserções de mídia, e destinados, cedo ou tarde, a perder recurso para outras áreas de produção cultural, a outros segmentos de inserção cultural, ou mesmo alheios à cultura, que são muito mais potencialmente rentáveis para os patrocinadores privados ou públicos, do que as artes visuais. Então, essa obsessão por atrair mais e mais público vai chegar a um limite com o qual nós nunca vamos poder competir, como por exemplo, nada contra a música ou cinema; absolutamente nada.

Mas não é possível competir em termos de público de artes visuais com a exibição de cinema ou com a indústria fonográfica. Então, essa obsessão por lucratividade quantitativa precisa ser redimensionada. É preciso pensar em outros critérios de sucesso, outros critérios de êxito no meio das artes visuais, para saber se alguma coisa está dando certo ou não. Então, eu acho que os que se importam com o destino dos museus brasileiros e com a efetiva inserção das artes visuais no corpo dos interesses culturais da sociedade têm que achar os meios políticos de restabelecer e de ampliar em termos menos defensivos. Eu acho que muitas vezes nós somos muito defensivos, temos que apresentar mais propostas, temos que ser mais firmes e claros em relação a isso, temos que achar os meios de restabelecer e ampliar o debate sobre porque os museus, afinal de contas, são importantes. Só assim será possível fazer com que a médio e longo prazo, os museus assumam seu papel formativo de forma conseqüente e continuada. Obrigado.

-               Agradeço ao Moacir por dar início à nossa tarde, e realmente a escolha não foi casual; ela poderia ser alfabética, porque ele é o Moacir dos Anjos, não é? Mas tem um fator que eu acho que é bastante importante aí, porque o Moacir é economista de formação, e com essa fala, ele esboça um plano-diretor, algo assim, e também delimita um pouco nosso debate. É claro que a situação dos museus no Brasil, como eu já havia dito antes, é de permanente crise, mas existe no sistema de arte no Brasil, uma etapa que ainda estamos vivendo, e é a essa etapa que ele chama atenção, quando as leis de incentivo à cultura foram esboçadas e implementadas. Então, a partir deste momento, há um outro regime, um outro contexto. E como bem lembrou o Moacir, nos trouxe um crescimento cultural que é evidente, e há, então, uma contradição muito grande entre um panorama progressista de gestão da cultura, mas que ao mesmo tempo nos trouxe vários problemas e paradoxos, a serem pelo menos tratados e vistos criticamente. Tem um outro fator que eu acho interessante na fala do Moacir, de iniciar a contribuição da tarde com o Moacir: é que ele está no Recife. Esta mesa é composta basicamente por pessoas ainda no centro do cenário cultural. Nós, que ainda estamos no centro, temos dificuldade em lidar com situações que poderíamos chamar de regionais. Então, esse olhar, não é que o Moacir esteja distante; pelo contrário.

O Moacir é uma pessoa presente no cenário cultural brasileiro de Norte a Sul, mas é uma visão interessante, de quem está em Recife e consegue enxergar o Brasil de uma outra forma. Não foi por acaso que nós decidimos convidar o Moacir e o próprio Paulo Sérgio, representando hoje a visão do Iberê Camargo. Então, existe uma relação de outros lugares onde a cultura tem crescido muito também, e com o Marcelo e o Paulo Herkenhoff, uma visão mais do eixo Rio-São Paulo. Então, com essa visão mais objetiva e propositiva, em que o Moacir já relacionou uma série de pontos que poderiam ser tratados a partir deste momento, eu gostaria de receber da mesa algumas contribuições nesse sentido, e pensar mesmo nas leis e como esse quadro da cultura no Brasil se modificou a partir das leis, e se é possível interceder nesse sistema, e de que formas nós poderíamos agir no sistema cultural atual de já fazer uso dessas leis e de que forma, para resgatar o papel do museu dentro do sistema. Porque o que vemos mesmo, é que com as leis de incentivo, são os centros culturais de grandes bancos e grandes corporações que ajudaram bastante o crescimento. Mas os museus continuaram numa situação de míngua, precária, onde não receberam uma distinção, e as leis não privilegiaram esses ainda condutores de um patrimônio cultural. Eu queria abrir, não sei se o Paulo Sérgio gostaria de...

-               Eu gostaria de falar um pouco sobre a questão da Fundação Iberê Camargo, que eu estou aqui representando. A Fundação Iberê Camargo não tem um curador-chefe. Ela tem um Conselho de Curadores, e no atual momento participam desse Conselho como curadores eu, o Paulo Sérgio Duarte, a Sonia Salztein e a Mônica Zielinsky, que é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, formada em História da Arte com Doutorado em Paris sobre a crítica de arte contemporânea no Brasil, e atualmente ela também é responsável pela direção do projeto do Catalogue Raisonné de Iberê Camargo. A Instituição Iberê Camargo é um projeto em construção; ela nasce a partir do acervo deixado por Iberê Camargo, que Maria Coussirat Camargo, sua viúva, doou à Fundação, e o Grupo Gerdau comprou a outra metade da única herdeira. Então, esse acervo tem atualmente em torno de 5.000 obras, incluindo gravuras e desenhos, sendo 236 óleos de Iberê Camargo. Os números são em torno desses.

O museu está em construção; é um projeto que eu acho muito feliz do Álvaro Siza, que dos arquitetos contemporâneos é um arquiteto com uma consistência muito grande, com um trabalho já desenvolvido na área museológica, que eu me lembre aqui da Fundação Serralves, no Porto e do Museu de Arte Contemporânea de Santiago de Compostela. Eu relevo o Álvaro Siza, nessa arquitetura contemporânea como da maior importância, e outro arquiteto que eu relevo da maior importância seria o Tadauando (?), que apesar de existirem nesse mundo de espetacularidade progressiva e avassaladora, mantêm uma arquitetura formalmente e funcionalmente consistente, que não prima pelo espetacular, mas sim por uma manifestação discreta da importante herança moderna para o mundo contemporâneo. O projeto do museu está em construção em Porto Alegre, deve ser concluído no final de 2005, e deverá ser inaugurado provavelmente no primeiro ou no segundo trimestre de 2006. Então, vê-se já nessa experiência que eu tenho, que ela não é regra: ela é exceção. Primeiro, porque existe um acervo, para depois se pensar em construir o prédio. Aqui, em geral, se constrói o prédio, para depois ver o que vai fazer lá dentro. Isso é muito comum aqui no Brasil. Aliás, não se pode ver um prédio abandonado no centro do Rio de Janeiro que se pensa logo em fazer um centro cultural. Devia ser baixado um decreto federal, estadual e municipal assinado pelo Presidente da República, pelo Governador e pelo Prefeito da cidade, proibindo a abertura de novos centros culturais no Rio de Janeiro, porque os que existem, tirando o que é patrocinado por um grande banco estatal, o Banco do Brasil, todos vivem muito precariamente, recebendo exposições sem nenhuma possibilidade sequer de sonhar com um projeto alinhavado, e muito bem apontado antes de mim pelo Moacir dos Anjos. Então, o Museu Iberê Camargo já está desenvolvendo seu trabalho, sua sede provisória é na antiga casa-atelier de Serra Camargo, de Iberê Camargo (risos). Eu tenho na mais alta conta todos os grandes diretores de museus do Brasil, além do Moacir, que é meu amigo pessoal também, mas as duas maiores instituições de São Paulo, o Herkenhoff e o Marcelo Araújo são hoje duas das mais importantes instituições do país para a arte brasileira, sem dúvida alguma, o Museu Nacional de Belas-Artes em primeiro lugar, e logo depois a Pinacoteca do Estado de São Paulo, mas eu e o Paulo Herkenhoff temos algumas divergências quanto a certos enfoques e certos valores da arte brasileira.

Mas evidentemente, não poderia ter pessoa mais competente hoje no Museu Nacional de Belas-Artes, e escolheram uma pessoa residente no Rio de Janeiro, e o Paulo Herkenhoff vai dirigir esse projeto de uma verdadeira reconstrução, que está sendo realizada do Museu Nacional de Belas-Artes. Agora, salvo essa minha desculpa por esses atos falhos, nosso principal problema, se eu fosse resumir a fala muito abrangente e muito consistente do Moacir dos Anjos, que me antecedeu, depois dessa breve descrição do Museu Iberê Camargo, eu sintetizaria da seguinte forma: mais arte e menos marketing, não é? Ou seja, o grande problema hoje não é a questão da incidência do excesso de dinheiro drenado para a questão das exposições temporárias, porque eu também estou de acordo com isso; o grande e maior exemplo desse caso de uma exposição periódica que drenou recursos avassaladores do Tesouro através de renúncia fiscal foi a Exposição dos 500 Anos, onde gastou-se cerca de US$ 40 milhões, e esses US$ 40 milhões não adquiriram qualquer obra para qualquer acervo brasileiro. Eu acho que com US$ 5 milhões dá para fazer uma belíssima exposição, e adquirir-se-ia US$ 35 milhões em obras para tentar começar a suprir as lacunas dos museus brasileiros com esses recursos. No entanto, esses recursos foram todos drenados em coisas temporárias e provisórias. Isso é o paradigma, o sintoma maior do que ocorre cotidianamente com a falta de política com relação às exposições temporárias no Brasil. Do meu ponto de vista, a exposição temporária deveria ter um recurso alocado de um percentual alocado à verba para aquisição de obras para os acervos das cidades onde elas fossem executadas. Essa proposta já foi formulada por escrito e verbalmente para os responsáveis da República brasileira, da minha parte. Não foi somente essa proposta; existe uma outra proposta: se eu fizer uma exposição temporária em Belo Horizonte ou Fortaleza, por exemplo, eu tenho direito a 100% da renúncia fiscal, ou seja, o dinheiro aplicado, a empresa que aplicar nessas exposições que vão a Fortaleza e Belo Horizonte tem direito a 100% na renúncia fiscal no dinheiro descontado do imposto de renda dela. Agora, se eu estiver construindo um museu, surpreendentemente, se minha despesa for para a construção de um museu, eu não tenho direito a 100%. Vou ter direito à bem menos no desconto da renúncia. Então, a escala de prioridade está muito clara: são prioritários o temporário, o periódico, o efêmero, e o permanente, o que fica, não é prioritário. Está muito claro.

Basta eu investir na construção de um museu, para eu poder descontar somente 70, 80% da renúncia fiscal. E se eu fizer uma coisa temporária, eu tenho direito a 100%, desde que ela seja exposta em pelo menos duas cidades. Então está clara a prioridade! Mas a prioridade não está clara apenas aí. Porque, quando se fala em crise dos museus, pressupõe-se que eles não estavam em crise antes. Falar em crise dos museus pressupõe que houve um período em que os museus funcionavam muito bem, e que agora, de repente, nos últimos 10, 20 ou 30 anos eles entraram em crise. Não é verdade. Nós sabemos disso. Está dentro de uma escala de valores tanto da nossa burguesia de natureza investidora e empreendedora, quanto da nossa burguesia de Estado. Esse conceito não é novo, o Chico de Oliveira vem usando, mas eu aprendi com meu velho professor Charles Betheleim (?) que era um economista marxista da École Practique des Haute-Etudes, a burguesia de Estado tampouco tem esses valores na cabeça. Nós entramos na casa da maioria da alta burguesia brasileira, e você não deseja ter nem um cinzeiro que tem lá dentro, quanto mais o que está pendurado na parede! Mas na burguesia de Estado também se passa. Um noveau-arriveé, um recém-chegado nessa burguesia de Estado do atual governo, que está trabalhando na Petrobrás, foi ver a exposição de arte africana, aliás, belíssima, trazida de uma coleção alemã para o Centro Cultural do Banco do Brasil, e ao circular, disse para outro funcionário da Petrobrás: “Mas é nessas porcarias que nós gastamos dinheiro de patrocínio?” Isso é um exemplo, mas esses exemplos ocorrem diariamente, ou seja, não está instalada na cultura da elite brasileira a necessidade de diferenciar arte como investimento, de arte como despesa. Da mesma forma que ela não entende educação como investimento, ela pensa em educação como despesa. Porque gastar tanto em educação, porque gastar tanto em cultura. Porque não entende como investimento. Não passa na cabeça de um burguês americano comparar um show da Madonna com uma orquestra sinfônica. Mas na cabeça de um burguês brasileiro, ele compara. Um dá lucro e o outro não dá. A orquestra sinfônica dá despesa, não gera lucro, e o show da Madonna dá lucro. São duas coisas absolutamente diferentes e incomparáveis. Um está no universo do show business, da indústria cultural, que tem que visar lucro. O outro, é uma infra-estrutura de cultura formadora e cúmplice de formação de cidadania, que tem que ser necessariamente investimento sem visar lucro.

Então, a Orquestra Sinfônica de Cleveland nunca vai dar lucro! Mas ninguém pensa que aquilo deva dar lucro! Tampouco o Museu de Arte de Cleveland vai dar lucro. E ninguém em Cleveland pensa que aquilo vá dar lucro! E eles sabem fazer indústria cultural como ninguém, basta ver Hollywood. Então, eles sabem muito bem onde as coisas da cultura devem ser feitas para dar lucro, e as coisas da cultura que não têm que ser feitas para dar lucro, porque fazem parte não apenas de uma questão de prestígio, de uma questão de status, mas que faz parte da complementação indispensável à formação do cidadão no processo educativo mais abrangente do que simplesmente freqüentar escolas. Então, é por isso que os americanos investem decisivamente em acervos preciosos. Claro que eles produzem uma indústria cultural muito bem executada e muito bem realizada. Você tem aqui um show da Madonna, eu poderia citar aqui os filmes do Spielberg, etc. Agora, eles vendem aquilo, mas há uma parte daquele surplus, daquele excedente, ou daquela mais-valia que eles retiram em escala global, que é trocado por Cézannes e por Reimbrandts. Não é trocado por programas de televisão. Eles produzem televisão, têm lucro com televisão, produzem cinema, têm lucro com cinema, produzem um show business fantástico, uma indústria fonográfica fantástica e têm lucro com isso, mas investem uma parcela desse lucro, decisivamente, em coisas não lucrativas. Haja vista a qualidade de suas orquestras sinfônicas, a qualidade de suas óperas e a qualidade de seus museus. Em Cleveland, você faz a história da arte inteirinha no Museu de Cleveland. No Museu de Cleveland, você vai dos fenícios, dos egípcios e chega até a Grécia, a Roma e chega até Anselm Kiefer. E Cleveland, aqui entre nós, comparando o Museu de Cleveland com Chicago, Filadélfia, e, sobretudo, com os de Nova York, Cleveland é um museu modesto em relação aos padrões dos grandes museus americanos. No entanto, você conta a história da arte. Aonde eu, professor de História da Arte posso contar a história da arte do Brasil no Século XX? Em que cidade, reunindo o acervo de todos os museus existentes na cidade, seja em São Paulo, seja no Rio de Janeiro? E vamos reunir os acervos do Rio de Janeiro em exposição pública do Séc. XX, e os museus de exposição pública do Séc. XX brasileiro em São Paulo, e nem assim, viajando na ponte aérea com meus alunos, eu vou conseguir contar a história da arte do Brasil no Séc. XX com os acervos atualmente existentes. Então, é uma situação que não é de crise!

É de construção de um projeto, em cima de estratégias bem definidas, como o Moacir começou a tratar de uma forma não apenas consistente e elegante, mas muito clara em cima dessas questões, que eu acho que nós podemos definir que um dia, talvez não eu, talvez não minha filha, mas meus netos, que vierem a ser professores da História da Arte, possam pelo menos contar a História da Arte de seu próprio país com os museus atualmente existentes no país. E isso depende de uma estratégia a longo prazo, de um trabalho paciente da construção dessas estratégias, e isso implica evidentemente em eleição de prioridades. Mas trata-se, sobretudo, de instalar na consciência da elite, que ela passe por um processo educativo, que comece a diferenciar despesa de investimento nas áreas de cultura e educação. E quando ela começar a diferenciar despesa de investimento, diferenciar na cultura contemporânea o que é indústria cultural que deve visar necessariamente lucro, e aquilo que não é indústria cultural, e que não pode visar lucro, mas que faz parte da cultura contemporânea, como uma orquestra sinfônica, uma boa casa de ópera, um bom teatro de ópera e como um bom museu de arte. Em cima dessa estratégia educativa, que começa pela educação da elite dirigente, seja a que está fora do Estado, como a que está fora do Estado, tanto a burguesia de Estado como a burguesia que gerencia seu próprio capital, seu capital privado, é necessário traçar essas estratégias, porque senão, não vamos ter nem para meus netos! Como eu estava dizendo para o Martin Grossman, o que eu vou dizer aqui, eu estou com 58 anos de idade, eu digo seguramente há mais de 20 anos, já se passaram duas décadas. Quando o Paulo presidiu a Comissão Nacional de Artes Plásticas, eu tive a honra de ser membro da comissão de artes plásticas presidida por ele, a Renina também, e nossos debates eram mais ou menos os mesmos, as questões eram mais ou menos as mesmas. E isso foi em 1983, 1984, exatamente há vinte anos atrás. Se nós recuarmos para 73, 74, vamos ver que as coisas eram também exatamente as mesmas. Então, houve um avanço, sim, nesses últimos quinze anos, mas de que forma foi esse avanço que o Moacir detectou muito bem na fala dele, sobre o aparecimento das leis de incentivo fiscal? É um avanço que corresponde e coincide também a esse fenômeno da globalização, que nas suas práticas macro-econômicas veio a ser chamado de neoliberalismo. Eu não sei se é neoliberalismo ou não.

O que me interessa saber é que houve, evidentemente um momento na história recente do planeta, da humanidade, em que as questões de mercado, que antes passaram por um certo clima de pudor e por uma certa censura, passaram a se exibir, a se manifestar como um filme pornográfico de sexo explícito. Ou seja, a forma como o marketing é feito, a forma como as estratégias de mercado dominam diversas práticas, inclusive as práticas de atividades culturais, passaram a ser tão ostensivas que evidentemente os interesses ficam muito claros e evidentes. Ou seja, há catálogos produzidos no Brasil onde chove sem nenhum pudor o logotipo de diversos patrocinadores, antes que se entre objetivamente no assunto. Houve um livro que eu recebi em casa que tinha um verdadeiro encarte completo, encadernado juntamente com o livro, sobre a empresa que estava patrocinando o livro, dentro do livro. Se nós abrirmos qualquer catálogo do MoMa, que o Paulo conhece muito melhor do que eu, vamos ver que nenhum dos patrocinadores tem direito a reproduzir seus logotipos lá dentro. Menciona-se a razão social, e raramente, discretamente, pode-se ter o logotipo diminuto em preto e branco. É pudor protestante? Não. É respeito pelo produto que ele está patrocinando. E aqui não há qualquer respeito. Ele trata aquele catálogo como se estivesse tratando um outdoor, um painel publicitário que ele estivesse usando na rua. É porque não há qualquer relação na cabeça do indivíduo que trata da comunicação social dessas empresas que estão patrocinando, de um diferencial em relação a esses produtos. Ou seja, para ele, aquilo é um suporte tal qual um outdoor. No momento dessa questão dessa circulação mais rápida das coisas no mundo, e dentre essas coisas, da própria arte, nós verificamos no Brasil coincidir também com essa emergência da lei de incentivo fiscal reformulada no início da década de 90 durante o Governo Collor, e que Nossa Senhora, o Menino Jesus ou sei lá quem iluminou a cabeça de alguém, e virou, não Lei Collor, mas virou a Lei do Ministro da Cultura, Lei Rouanet, porque senão, teríamos que pronunciar todo dia esse palavrão: “estou sendo patrocinado pela Lei Collor”. Mas foi no Governo Collor que ela foi sancionada. Então, com essa Lei Rouanet, que sistematizou, melhorou e implementou a Lei Sarney, que era de 1986, com essa melhora no início dos anos 90 dessa lei de incentivo fiscal, ficaram muitos pontos capengas, que dizem respeito quando você vai localizar exatamente as questões permanentes, e não ao provisório.

Ou seja, tudo o que é provisório passou a ser privilegiado, tal qual um anúncio que se põe num outdoor, que não pode ficar tempo demais, porque perde a eficácia. Então, tem que ser necessariamente substituído, como estratégia do anúncio ao público. Mas para a cultura, privilegiou-se também o que é provisório, e não o que é permanente. Então, a principal inversão, a meu ver, a ser feita nessa contribuição, não é, evidentemente, cessar a importância das exposições temporárias, ou seja, a produção contemporânea, e certas produções mesmo não contemporâneas, mas que estão em acervos privados, só podem ser vistos muitas vezes através...

Fim da fita 1

Fita 2 - Lado A

... incorporar essa produção contemporânea nos acervos permanentes. Mas para se ver uma produção contemporânea, depende-se não somente das bienais, mas sobretudo, de exposições temporárias, então, ela deve permanecer, mas com a condição de que essas exposições provisórias e temporárias devessem obrigatoriamente alocar parte dos recursos investidos em seu patrocínio na aquisição de obras de arte que seriam incorporadas aos acervos dos museus no qual a exposição participa na cidade. Ou seja, se a exposição vai a São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, necessariamente no investimento feito para essa exposição, deveriam estar alocados recursos para aquisição de obras de arte da exposição, ou na impossibilidade de aquisição de obras de arte da exposição, a aquisição de obras de arte indicadas pela direção dos museus como lacunas efetivamente existentes, e assim, uma verba da exposição seria alocada para aquisição  dessas obras expostas. A outra questão, evidentemente, é que não se pode privilegiar o temporário em relação ao permanente. Portanto, a renúncia fiscal que é dada para a questão temporária deveria ser a mesma renúncia fiscal para investimentos permanentes, como a construção de um museu. Então, a construção de um museu tem o mesmo direito de se beneficiar do mesmo incentivo fiscal que uma exposição temporária. No momento, isso não existe na lei atual. Ou seja, a pessoa que investe na construção de um museu é castigada por construir um museu.

A pessoa que investe na restauração de um patrimônio cultural é castigada por investir na restauração de um patrimônio cultural, enquanto que aquele que investe no temporário, no provisório, é privilegiado e beneficiado pela atual lei. Não vou entrar em discussões sobre os percentuais, a forma como é feita, porque realmente aqui no Brasil é o único país do mundo, isso não forma mecenato, isso não forma uma consciência de patrocinadores efetivos da cultura, porque é só um “toma lá, dá cá”. Não sai dinheiro nenhum do bolso quando você tem 100% de renúncia fiscal, e no caso da Lei do Audiovisual, mais de 100% da renúncia fiscal; você recupera dinheiro por investir na cultura, você ganha dinheiro. Então, você não patrocina nada; o sujeito não tira um tostão da sua conta quando você tem 100% de dinheiro privado; é tudo dinheiro público. Portanto, quando o governo insinua traçar estratégias públicas e políticas sobre esses investimentos, logo vem uma turma que grita: “Censura! Estão querendo dirigir! É stalinismo, é dirigismo!” Ninguém quer censurar nada (eu não faço parte do Governo, vou logo avisando), absolutamente nada. Se o sujeito quiser tirar dinheiro de sua própria conta e fazer 55 filmes com a Cicciolina, o Governo não vai falar nada sobre esses 55 filmes que ele quer fazer. Agora, se ele quiser usar o dinheiro público de renúncia fiscal para construir escolas, para financiar universidade, para financiar hospitais, e usar esse dinheiro público para fazer o que ele bem entende, não pode! Mas está sendo assim, porque senão, vem um sujeito e diz que é patrulha ideológica, é censura. Mas, no entanto, ninguém quer censurar nada, ninguém quer patrulhar nada se o dinheiro for do próprio patrocinador, do próprio produtor, mas aquele dinheiro não é dele, mas sim dinheiro que iria para o Tesouro Nacional. Então, aquela aplicação tem que estar, sim, submetida a estratégias e prioridades públicas! Não pode ser esse laissez-faire que não existiu nem na Inglaterra do Séc. XIX! Nem no ápice do Liberalismo do Séc. XIX aconteceu esse tipo de laissez-faire que existe hoje no Brasil com dinheiro público! Então, eu acho que há muito que fazer nessas questões, e nos casos dos museus, é inverter a prioridade. Se o sujeito vai investir em um museu na aquisição de obras de arte, tal como está na lei, 100% de renúncia fiscal. Se ele vai investir numa coisa temporária, 80% de renúncia fiscal, e entra com 20% do bolso dele. Porque não reverter essa história que está deformada há tantos anos? É isso que eu tinha a dizer. Obrigado.

-       Ao complementar a fala do Moacir, o Paulo Sérgio, levantou alguns dados que eu acho que são bastante interessantes, os quais vamos depois retomar em outros momentos. Mas eu queria passar a palavra não sei se ao Marcelo ou ao Paulo, vamos deixar ao Paulo Herkenhoff, já que ele é do Rio e demorou mais tempo para chegar (risos).

-       Eu queria agradecer ao Fórum, ao Goethe e à Vitae a oportunidade de estar aqui, e a todos vocês por virem. Eu iniciaria essa fala, que vai ser muito prática e ao mesmo tempo pessoal, lendo uma frase da Kathy Halbreich do Walker Art Center, que eu reputo como uma diretora extraordinária de um museu fantástico, que é o museu em Minneapolis. Ela diz: “ (...) de um diretor de museu não é mais centrada na reflexão. Sinto uma profunda saudade da lentidão do tempo, mas acho que gasto meus dias me movendo rapidamente de um tópico ao outro, de uma maneira tópica, correndo para reuniões. Nem tenho certeza de qual seja o alvo, respondendo e falando por fragmentos de som, e curiosamente, para alguém que cresceu num campo habitado por coisas que são a incorporação física de idéias, vivendo vicariamente.” Essa saudade de um tempo melhor, em termos de condução museológica e vivendo numa cidade como o Rio de Janeiro, eu acho que os dois fundadores da idéia de um museu moderno no Brasil são Walter Zanini e Aracy Amaral. E a saudade de um tempo que eu tenho, é de dois momentos em Buenos Aires em 1990 num congresso do ICOM, primeiro de uma fala da Aracy, e segundo, depois nós nos reunimos num botequim em Buenos Aires, e ali eu tive a melhor lição do que deve ser a ação de um museu. Na fala pública, a Aracy disse mais ou menos o seguinte (talvez ela me corrija): só existe um museu no Brasil: o museu da Universidade de São Paulo. Não há outra instituição no Brasil que tenha acervo e um serviço de catalogação, cuidado, conservação do acervo, que tenha uma equipe para estudar esse acervo, que conduza políticas educacionais, políticas de exposição e de publicação. Ou seja, era verdade. Que outra instituição no Brasil (estamos falando no campo de artes plásticas) em 1990 atuava dessa forma? E nessa mesma noite, no botequim, ela dizia que estava exausta. Ou seja, que iria sair.

Você lembra disso, Aracy? Foi um dia memorável, e eu estava pensando no processo da segunda reconstrução do Museu de Arte Moderna depois do incêndio, e em 2004 ainda me deparo com a mesma situação, sentindo que o que faltava ao museu era justamente essa noção muito simples. Então, hoje de manhã, quando discutíamos o que seria esta tarde, nós, mais ou menos estabelecemos uma convenção, que não falaríamos de crises específicas, mas sim da questão mais geral, que pudesse ser um ponto de partida genérico para todos os museus. Ou seja, creio que as duas falas que me precederam são complementares, justamente porque são capazes de fazer um apanhado crítico bastante específico da situação concreta da dinâmica ou da paralisia dos museus hoje, e ao mesmo tempo refletir num plano teórico, crítico, mais alto. Eu não sei se concordo 100% com o Paulo Sérgio com relação à questão dos acervos. Eu acho que é muito importante também o reconhecimento dos esforços feitos sobre a construção de acervos. Ou seja, há um processo também de esquecimento da história dos museus na nossa sociedade. Partindo desse conjunto de itens, eu sinto que existe uma crise no processo de constituição de acervo no Brasil. Essa crise tem muitas razões políticas: havia uma desconfiança histórica nas instituições, mas os arranjos institucionais, como já começou aqui a ser lembrado, não ajudam. Não é que a burguesia americana seja necessariamente mais esclarecida do que a burguesia brasileira. Agora, há uma consciência de justiça fiscal diferente. Sem uma legislação fiscal que trate a arte como um presunto qualquer, como dizia Mário Pedrosa em relação ao mercado, as coisas não andam como poderiam andar com a mesma dinâmica. Quer dizer, é preciso acabar com o “caixa 2”. É preciso haver uma legislação sobre transmissão de riqueza de uma geração à outra. Ou seja, é preciso um arranjo da legislação tributária, porque minha experiência nos Estados Unidos indica que ao mesmo tempo em que se escolhe uma obra, também se pensa em sua existência contábil. Hoje, é muito comum um colecionador que goste de um certo artista comprar duas obras: uma para si e outra para o Leão daqui a 3, 4, 5 anos, porque há um processo permanente de atualização de valores. Curiosamente, isso também vale para o futebol do Rio de Janeiro. Talvez a maior doadora do museu de Cleveland seja a Guigant (?), que é proprietária do time de beisebol de Cleveland, ou seja, há um empresariado para quem não importa o tipo de ação econômica de sua empresa.

Nós falamos sempre de bancos. Porque? Talvez porque nesse período de governo neoliberal, os bancos tenham tido dentro da nossa economia, uma ação mais rentável e dinâmica, e aí nós podemos até já tirar uma conclusão: você mencionou a loucura que foi a comemoração dos 500 anos do Brasil, e em resumo, o Presidente da República renunciou à condução simbólica desses festejos, em nome do presidente de um banco. Ou seja, não estamos discutindo A, B ou C, estamos discutindo o modelo. E esse modelo não é totalmente inocente. Agora, como ausência de política de aquisição e formação de acervo, eu prometi que seria uma passagem mais empírica. A última aquisição no Museu Nacional de Belas-Artes foi no Governo Sarney. Ou seja, há um entendimento de que o Império colecionou melhor do que a República, a República Velha melhor do que a República desenvolvimentista, e paradoxalmente, as ditaduras melhor do que o período de democracia. Ou seja, as melhores aquisições no Museu Nacional de Belas-Artes nos últimos 50 anos foram durante a ditadura. Foi quando o museu comprou Tarsila, Volpi, etc. E isso também é um tema para reflexão. Numa prospecção sobre a formação dos acervos brasileiros e os museus no futuro, no Séc. XXI, eu acho que o que se coloca é uma questão semelhante ao nosso Modernismo: como projetar a modernidade deste país no futuro ao mesmo tempo em que se precisa recuperar o passado, o patrimônio. Ou seja, como formar acervos contemporâneos, tendo ainda que fazer, corrigir, complementar acervos históricos, como por exemplo, colecionar novas tecnologias ou abrigar os pequenos gestos de artistas por questões contemporâneas. Ou seja: estariam nossos museus preparados para as alterações que a história vivida resultará em termos de História da Arte, enfim, para as crises da arte? Quero falar ainda uma coisa sobre a formação de acervos: eu acho que hoje, o mercado de artes se internacionaliza. Ou seja, não há mais fronteiras. E possivelmente, certos artistas, o Valtércio há cinco anos atrás deve ter mudado para pior, para nós, na época eu acho que metade de suas obras eram vendidas no exterior. Chegará um momento em que o melhor da arte brasileira poderá já não estar mais estar aqui, ou de cada artista, enfim. Até porque os museus principalmente das grandes cidades do Norte têm políticas e recursos. Ou seja, há possibilidade de uma definição de alvo muito mais específica.

Com relação à questão de conservação, eu vou mencionar um fato, mas começando com uma pergunta, para trabalhar só uma questão: Paulo Sérgio, foi você quem disse que no Brasil, a pessoa tem direito a botar fogo em dois museus? É sua essa expressão? Eu busco o autor dessa frase extraordinária.

-       Não. O que eu disse é que cai para cima. Você bota fogo num museu e é nomeado para um museu mais importante depois. Então, você cai para cima. Você toca fogo num museu, e ao invés de cair, você vai para cima.

-       Você assume a autoria da frase, então? Quer dizer que posso agora lhe citar. Porque eu sempre achei que...

-       Mas deixa para lá esse... Vamos pensar no futuro.

-       É isso que eu quero dizer sobre conservação, ou seja: encontrei no Museu Nacional de Belas Artes todas as condições que resultaram no incidente do incêndio do MAM no Rio de Janeiro. Talvez eu seja uma das poucas pessoas que leram o laudo do Corpo de Bombeiros, de modo que eu tenho, não uma interpretação, uma transmissão de orelha, mas a leitura do documento. Ou seja, essa é uma questão que eu já falo do ponto de vista regionalista, quer dizer, essa é uma questão que o Rio de Janeiro não resolveu moralmente. A questão do incêndio do MAM não foi resolvida moralmente, e isso é bastante problemático, porque indica que a condução ligeira de um museu sem responsabilidade, não tem conseqüência. Por fim, eu falo agora do ponto de vista de um museu federal, mas sem falar especificamente do Museu Nacional de Belas-Artes, que eu acho que os museus federais, do modo como as estruturas estão hoje, não sei se é o caso do Museu Segall, mas são museus inviáveis. E entre os desafios dessas instituições, está desenvolver condições de viabilidade. Além de tudo o que se diz, que se tem como responsabilidade de um museu, eu acho que o ponto mais fundamental seria desenvolver as condições de viabilidade. E para concluir...

-       Posso dar um aparte? Eu omiti porque na minha fala estava assinalado como método de exposição que eu começasse por um item, e depois da fala muito abrangente e consistente do Moacir, eu preferi tocar mais nessa questão da superposição do marketing sobre as operações de conteúdo no campo da cultura propriamente ditas, e eu não falei de uma questão que acho importantíssima, que é a questão da profissionalização dos recursos humanos. Nas condições atuais, é impossível um sujeito ter um trabalho de dedicação exclusiva com as remunerações que são dadas. Então, os profissionais são obrigados a se dividir em inúmeras tarefas. É importantíssimo, para que não fiquemos nessa conversa fiada, e daqui a quinze anos estarmos repetindo a mesma mesa. Não vai ser eu, mas vai ser a minha filha ou meu neto, aqui neste mesmo lugar, ou quem sabe em outro lugar  repetindo as mesmas histórias; começa por aí! Ou seja, o sujeito tem que ser um profissional que possa viver, sustentar sua família e viajar, porque viajar é indispensável nessa função, nessa atividade, sem recorrer a 5.000 trabalhos diferentes durante o ano! Se não 5.000, mas pelo menos 50 missões diferentes para poder se sustentar e sustentar sua família. Porque não é questão de crise; nunca houve uma remuneração condizente com o estatuto profissional e a responsabilidade patrimonial de um diretor de museu! O diretor de museu tem uma responsabilidade patrimonial imensa, o acervo pelo qual ele é responsável tem um valor imenso, ele tem essa responsabilidade patrimonial, e tem que tomar decisões e estar atualizado, de uma maneira que com as remunerações atualmente existentes, é impossível! Então, não há crise. Vamos construir um sistema que incorpore, para começar, essa questão da profissionalização. Você desculpe esse aparte, Paulo, mas eu omiti isso, e como...

-       Eu não poderia falar disso.

-       Por isso que eu fiz questão. Porque eu sabia que você não iria poder falar, que eu fiz questão de falar.

-       Eu ia concluir com relação a Lei Rouanet, agregando mais um aspecto do caráter perverso da Lei Rouanet, que é exatamente essa ideologia do centro cultural, das exposições temporárias, da desqualificação do trabalho sério pelas quantidades e estatísticas, dizendo que no fundo, hoje, os museus se tornaram meras autarquias dos centros culturais. Ou seja, temos a responsabilidade de toda essa pauta de funções, é uma responsabilidade da instituições, mas também é uma responsabilidade de quem lá está, frente ao Ministério Público, e ao mesmo tempo, não podemos fazer aquilo que deveríamos estar fazendo, mas enfim, até acho que um museu nacional tem o dever de colocar seu acervo à disposição de todo país. Há um esforço nesse sentido, mas acho que eu sonho com o passado, que é o período em que estivemos juntos na Funarte. Que fosse apenas aquilo; não precisaria ser muito. Uma possibilidade mínima de potencializar as pessoas, de dar alguma potência às pessoas. É isso.

-       Bom, eu acho interessante o que o Paulo Sérgio mencionou da idéia da crise, de quando começou essa crise, e salientou que no fundo, ele não concorda muito com a questão da crise, porque de fato, se nós não estamos construindo, temos a necessidade de construir um sistema para museus. Um sistema que eu talvez ampliaria para a cultura, e eu acho interessante que com as lembranças do Paulo Herkenhoff, há gestões de fato marcantes aqui em São Paulo à frente de museus, e que são bastante oportunas, porque elas também lembram que essa construção não é recente; ela já tem um legado. Quer dizer, o que nós temos de museus hoje no Brasil, se deve também a importantes atuações em um passado não muito longínquo, bem recente. E com isso, eu passo a palavra ao Marcelo.

-       Boa-tarde. Também quero agradecer ao Fórum, ao Goethe e à Vitae pelo convite, pela possibilidade de estar aqui, participando de mais uma ação do Fórum, que eu acho que já está desenvolvendo uma reflexão bastante consistente e importante para nós, a respeito dos museus no Brasil. Eu acho que, talvez infelizmente para premoção do público, esta mesa de hoje é marcada por um certo consenso. Não esperem grandes divergências.

Fora, talvez, algumas pequenas discordâncias regionais, eu queria partir das três colocações que me precederam, para tentar aprofundar algumas questões específicas, e obviamente para podermos depois abrir o debate, que eu acho que é uma grande expectativa. Eu queria também, a exemplo do Paulo Sérgio e do Paulo Herkenhoff, começar um pouco pela realidade norte-americana, porque acho aquele país fascinante, que ao mesmo tempo que tem o Museu de Cleveland, também inventou o Guggenheim, com todos os pontos negativos e positivos que essas dualidades nos trazem, mas é, na realidade, recuperar dois levantamentos que os norte-americanos também adoram: cifras e pesquisas; eles são ótimos nisso, e que eu acho que são importantes para pegarmos essa questão, não sei se exatamente de crise, mas sem dúvida nenhuma, essa questão paradoxal dos museus de arte na nossa realidade. Primeiro, existe um levantamento que aponta para a existência de cerca de 3.000 museus de arte hoje em dia nos Estados Unidos, metade dos quais foi criado a partir da década de 80. Ou seja, uma vitalidade e uma presença, que eu acho que só esse número já indica. A outra, é uma pesquisa bem mais curiosa e na verdade para mim interessante, que é uma pesquisa feita há alguns anos atrás. Na verdade, já fiz essa minha observação antes de 2001, mas de qualquer maneira, acho que ela continua válida. É uma pesquisa feita a respeito da credibilidade das instituições públicas nos Estados Unidos. Então, foi identificada uma série de instituições: a Polícia, a Universidade, enfim, a representação, e foi feita uma pesquisa para se identificar quais as instituições que tinha o maior grau de credibilidade pública. Em segundo lugar ganhou o Corpo de bombeiros, e em primeiro lugar, disparadamente, os museus. As razões são muitas. Seria muito longo discorrermos, mas acho que sem dúvida nenhuma tem a ver com a natureza do trabalho que a instituição museológica historicamente desenvolveu baseado, na verdade, no esquema muito autoritário e dogmático de apresentação de verdades, talvez por trabalhar com objetos concretos, que teoricamente passam uma visão de verdade. Mas o fato é que os museus têm esse altíssimo índice de credibilidade, a qual, obviamente, deriva uma responsabilidade social muito grande.

Mas eu também acho que pelo menos na realidade americana, essa credibilidade tem muito a ver com uma expressão que é muito difícil de ser traduzida para o português, até porque, na verdade, ela é uma expressão jurídica que não encontra similar em nosso sistema jurídico, que é o que os norte-americanos chamam de public-trust. Ou seja, todos os museus nos Estados Unidos, apesar da grande maioria deles ser instituição privada do ponto de vista jurídico, eles agem em nome do public-trust, que é ao mesmo tempo uma figura jurídica, quer dizer, de um bem que apesar de ser uma propriedade privada, é gerido na perspectiva do interesse público, e é, ao mesmo tempo, esse índice de credibilidade pública que a instituição conquista que ela tem que seguir para poder desempenhar seu papel. E eu acho que essa questão da credibilidade é fundamental para os museus como um todo, talvez mais especificamente para os museus de arte, porque é a partir dela que o museu tem a condição mínima necessária para desenvolver seu projeto e sua relação com o público. Eu acho que esse é o grande patrimônio das instituições museológicas. É um patrimônio que custa muito ser adquirido, que é muito fácil de ser perdido, e acho que temos exemplos recentes aqui em São Paulo, infelizmente, de como é fácil a perda desse patrimônio da credibilidade pública e dos danos que a perda desse patrimônio traz para uma instituição. E na verdade, quando nós discutimos essa questão da credibilidade, o que está em jogo, no meu ponto de vista, ao contrário do que vem sendo apontado muitas vezes nessas últimas discussões, não é uma crise de gestão, mas é uma crise de projeto. Porque gestão é apenas um aspecto do projeto. Eu sempre brinco que acho que não existe nenhum administrador de empresa, por melhor que ele seja, que vai conseguir um bom projeto de gestão se ele não souber que a empresa para a qual ele foi nomeado diretor vai produzir pneu, cadeira ou comida. É, na verdade, muitas vezes, a indefinição em que nós vemos nossos museus se debatendo. Agora, eu acho que existe um outro aspecto importante também, que é a possibilidade da elaboração de um projeto, como eu disse, que no meu ponto de vista é a condição essencial para o sucesso e eficiência de uma instituição, e repousam sobre esse aspecto duas questões fundamentais, que o acervo, enfim, como também já foi ressaltado na fantástica colocação inicial que ele fez, deixou bastante claro.

Os dois pontos, para mim, são exatamente a profissionalização, ou seja, a necessidade de corpos técnicos com formação, e que seriam aqueles com condições e responsáveis pela formulação de um projeto, e a questão da autonomia. Essa questão da autonomia, que tem, obviamente, múltiplos pontos de vista, mas sem dúvida nenhuma, talvez a questão mais grave seja justamente essa relação com a atual política de financiamento, que como já foi apontado aqui diversas vezes, traz para os museus uma série de enfrentamentos, de desafios bastante grandes. Eu acho que uma das maneiras que nós temos, eu não acredito que exista qualquer fórmula mágica do ponto de vista institucional que garanta essa autonomia e essa profissionalização. Mesmo porque a realidade museológica brasileira é tão diversa, e as realidades institucionais são tão distintas, que seria impossível pensarmos num modelo único. Mas sem dúvida alguma, a existência de alguns mecanismos, como por exemplo, conselhos com representação da sociedade, que pudessem se constituir nas instâncias de definição das políticas...

Fim do Lado A – Fita 2

Lado B – Fita 2

-       ... eu acho que, inclusive nos foi solicitado, e eu acho que essa seria uma questão muito importante para a mesa de hoje à tarde, que nós pudéssemos pensar também do ponto de vista de estratégias e até de propostas em função da discussão que atualmente se faz de revisão da Lei Rouanet. Assim como o Paulo Sérgio também fez, eu já fiz algumas propostas que foram encaminhadas às autoridades, mas uma que eu acho que seria fundamental para ser pensada do ponto de vista de garantia, ou pelo menos também criar um pouco de condições mais adequadas para essa autonomia, é a seguinte: hoje em dia, todo mecanismo da Lei Rouanet está estruturado em cima de projetos. No início, eram projetos específicos; o projeto de uma exposição, do restauro de uma obra.

Com o passar do tempo, algumas instituições, principalmente instituições museológicas, até lograram uma conquista, que foi o reconhecimento, por parte do Ministério da Cultura, do seu plano anual de atividades, como um projeto que poderia se beneficiar da Lei Rouanet. Isso foi uma iniciativa, por exemplo, do Museu Lasar Segall, quando eu trabalhava no Museu já era implantado, e que permite ainda às instituições que elas possam receber verbas não só para um projeto de uma exposição específica, mas na verdade, a partir dessa possibilidade, elas busquem parcerias com organizações financeiras, empresas, e que possam receber verbas justamente para o desenvolvimento de seu projeto institucional, e não especificamente para uma iniciativa ou exposição. Só que isso tem um limite, que é muito complicador dentro dessa estrutura, que é o fato de que o Ministério só reconhece a possibilidade de apresentação de um projeto anual. Ou seja, esse projeto tem um limite de duração muito grande. Isso impede, por exemplo, que muitas vezes, vamos supor uma determinada situação, vocês sabem que pelo mecanismo da Lei Rouanet, ao final de um determinado projeto, da verba que a instituição conseguiu levantar, aquilo que eventualmente não tenha sido gasto tem que ser devolvido, é direcionado para o Fundo Nacional de Cultura. O que acontece, é que muitas vezes, nessa formulação de projetos anuais, as instituições obviamente buscam a utilização desses recursos, e poderiam até eventualmente chegar ao final do ano, ou ao final do projeto com uma determinada verba que ainda não tenha sido gasta. Pela atual formatação, essa verba excedente tem que ser devolvida. A proposta que foi encaminhada para mudança da Lei Rouanet é exatamente para que haja um reconhecimento, pelo menos para os museus, talvez isso pudesse ser estendido para outras instituições culturais, eu não saberia dizer, mas seguramente para os museus seria o caso, de que eles pudessem apresentar projetos que tivessem uma duração maior, e que ao final dessa duração, caso se constatasse ainda a existência de alguma verba que não tivesse sido gasta, que isso pudesse ser transferido para outro projeto da mesma natureza na mesma instituição. É claro que estamos sempre supondo e trabalhando com todos os mecanismos de controle social que existem hoje em dia, mas que seria importante, para poder permitir aquilo que é fundamental para uma instituição museológica, que é um planejamento a médio e longo prazo.

O que o mecanismo da Lei Rouanet hoje em dia impede de forma absoluta ou pelo menos não colabora para esse tipo de política, porque não tem nenhuma segurança de que vai haver verbas necessárias ou suficientes para meus projetos do ano que vem ou daqui a dois anos, que deveria ser a realidade das instituições museológicas. Eu acho também que uma questão importante para nós pensarmos, e aí eu volto para a questão que o Paulo Sérgio colocou da questão dos acervos, a veemência dele em negar a resistência desses acervos talvez seja um pouco radical, mas sem dúvida nenhuma, a preocupação é absolutamente fundamental e presente, mas eu acho que é importante pensarmos nessa perspectiva, e obviamente nos preocuparmos e batalharmos por isso, mas também na possibilidade de novas estratégias em termos de formação de acervo, que não significa unicamente aquisição. Nesse sentido, a Pinacoteca teve a felicidade de poder implantar pelo menos uma nova possibilidade de estratégia, que é justamente a articulação com fundações que detêm coleções bastante significativas, e com as quais foram celebrados contratos de comodato, para que essas coleções pudessem ser apresentadas na Pinacoteca, não só apresentadas, mas estabelecendo todo um processo de trabalho, articulação com essas coleções, com o próprio acervo da Pinacoteca, desenvolvimento de atividades de pesquisa educativa e de publicação. A primeira foi com a Coleção Brasiliana, que é a coleção adquirida pela Fundação Estudare, formada por obras de artistas viajantes que estiveram no Brasil no Séc. XIX, e a segunda, é a coleção Nemirovsky, que é uma das mais significativas coleções de arte moderna brasileira, cuja primeira exposição na Pinacoteca nós acabamos de inaugurar esta semana. Mas eu acho que os museus têm que buscar essas novas estratégias, para poder responder a esses desafios e diagnósticos tão complexos que foram traçados. Outra questão que eu queria também levantar e que eu acho que também é fundamental nesse universo, é voltar um pouco para o universo individual de cada um de nós. Acho que a discussão toda sobre museus se encontra, acho que o grande objetivo de um projeto museológico é, em última instância, a questão da formação da cidadania, mas eu vejo com muita felicidade este público tão representativo de tantas instituições, de tantas áreas da cultura, principalmente de São Paulo e de todo resto do Brasil, mas acho que muitas vezes nós nos esquecemos que também todos somos cidadãos.

E acho que a área da cultura, principalmente a área de museus, sofre ou não tem (talvez até já tenha tido historicamente) momentos muito mais ativos do ponto de vista de cidadania em termos de reivindicação. Eu não vejo como podemos prosseguir numa discussão a respeito de autonomia, profissionalização, projeto museológico sem registrar duas questões que para mim são fundamentais: primeiro, que os orçamentos públicos para a área da cultura, principalmente para a área museológica no Brasil são irrisórios, absolutamente insuficientes, isto em todas as instâncias. Se existem situações pontuais em um ou outro Estado ou na área federal em determinado momento, embora agora esteja sendo um pouco mais privilegiado em todas as áreas, em todas as instâncias, ela é absolutamente irrisória e continua em patamares absolutamente inaceitáveis. Eu não vejo, assumo individualmente minha parcela de responsabilidade nisso, uma reivindicação estruturada e significativa da área da cultura para o aumento dessas verbas. Isso existe, por exemplo, na área de cinema, teatro, são áreas que têm uma representação e peso político muito grande, talvez até algumas delas ligadas até à própria indústria cultural, mas eu acho que a área de museu carece dessa articulação e carece dessa reivindicação política, que para mim é fundamental, que é o aumento dos orçamentos públicos para os museus. E nós devemos lembrar que talvez 95% das instituições museológicas no Brasil são instituições estatais, e que mesmo as instituições privadas dependem em grande parte dos recursos públicos que recebem, ou algum dia receberam. A outra questão, continuando nessa mesma trilha da reivindicação como cidadão, voltando um pouco para a questão do public-trust americano e dessa questão da credibilidade, é que os museus são, por sua natureza, independentemente da sua natureza política de serem públicos ou privados, eles são e só se justificam, só existem em função do seu interesse público. O museu pode ter, obviamente, muitas dessas instituições têm uma natureza jurídica privada, mas a natureza da ação que eles desenvolvem é de natureza pública. E nesse, sentido, é devida uma prestação de contas para os Tribunais de Contas não só no seu aspecto formal, quando ela recebe verba pública, mas é devida também uma prestação de contas para o povo, para o público em geral.

E hoje em dia, esses mecanismos existem; em muitas cidades, as audiências públicas são absolutamente disseminadas, por exemplo, para discutir orçamentos ou para discutir políticas públicas em diversas áreas, e eu me pergunto se não é, na verdade, o momento de nós todos, como cidadãos, obviamente não estou falando aqui como representante de uma instituição, não reivindicarmos audiências públicas junto aos responsáveis pelas instituições museológicas, principalmente àquelas que atravessam momentos de crise muito aguda, para que se crie um fórum adequado, específico das políticas dessas instituições. Porque eu acho que talvez, pelo menos em alguns momentos, que nós ainda continuamos muito tímidos como partes de uma classe cultural, ou representantes ou atuantes nas nossas reivindicações, principalmente face à enormidade dos desafios que nossas instituições enfrentam. É isso, obrigado.

-       Com essa fala do Marcelo, eu acho que nós não finalizamos, mas iniciamos o debate, de fato, no nosso pré-encontro desta manhã. Algumas dessas questões foram debatidas entre nós, e, sem dúvida, o que se destaca na fala de boa parte da mesa é para que a credibilidade existente em algumas instituições permaneça e possa ser garantida. E quais os tipos de mecanismo necessários para que essa continuidade seja um fato, e não fique na teoria. O Marcelo foi bastante pontual em outras questões. Eu acho que ao enfatizar mais a crise de projeto do que a de gestão, existe um ponto muito interessante. Se formos analisar algumas gestões em andamento, e eu acho que o Marcelo disse isso hoje na parte da manhã sobre essa ampliação do fórum, o museu é um bem público. Quer dizer, não interessa se ele é da esfera privada ou de uma esfera mais restrita, como a universidade, mas no nosso cenário cultural, os museus são poucos se comparados à essa cifra que o Marcelo deu de 3.000 museus americanos, não é isso? Como nós vamos restringir o acesso aos museus se nós temos poucos museus? Eles são bens públicos, e devem ser tratados assim. E as pessoas que estão à frente dessas instituições devem ter gestões transparentes. E isso deve ser aferido de tempos em tempos, e a sociedade civil deve ter formas construtivas de cobrar a responsabilidade dessa gestão.

Eu só queria lembrar à mesa que outro ponto que poderia ser debatido, é a questão dos museus nacionais, que é algo que já está sendo revisto; eles estão em discussão em Brasília, mas eu lançaria aqui uma questão: qual seria o alcance desse Sistema Nacional de Museus? Ou melhor, qual seria o papel desse sistema? O que ele traria de positivo para a atual situação dos museus? E lançando essa pergunta, eu gostaria que fosse dado um tempo para que os demais membros da mesa pudessem se manifestar em relação às colocações que foram feitas no início, principalmente o Moacir, que foi o primeiro a falar, então, você deve ter algumas questões em relação à fala dos colegas. Então, abro um pequeno debate aqui na mesa.

-       Na verdade, vou falar algo em relação ao Sistema de Museus que você comentou. Há uma iniciativa do governo federal de propor um sistema nacional de museus, que integraria diversas instâncias de museus públicos, privados, federais, estaduais, municipais de uma forma articulada, para que se pudesse discutir, propor e acompanhar as atividades, e as políticas direcionadas a museus, mas eu vejo a constituição desse Sistema Nacional de Museus principalmente como uma instância que poderia estar articulada àquilo que eu falei no início, que seria a instância que poderia, a partir do estabelecimento de algumas normas e alguns critérios de avaliação, de acompanhamento das atividades dos museus que receberiam recursos públicos para desenvolver suas ações, formar uma rede de instituições de referência no país, de forma a fortalecer como um todo a malha de instituições audiovisuais no país, que ainda é muito rarefeita, muito instável e muito sujeita às intempéries políticas, enfim, às descontinuidades políticas que existem no país, e dessa forma dar mais consistência e densidade ao meio. Eu vejo nisso a importância maior do sistema nacional de museus.

-       Isso também não é uma tentativa para sair de crise, porque isso não é novidade. Em 1986, a Fundação Nacional Pró-Memória, atual IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a Fundação Nacional Pró-Memória, eu lembro a todos, foi extinta durante o Governo Collor, e foi criado um Sistema Nacional de Museus, coordenado por Lourdes Parreiras Horta, atual diretora do Museu Imperial de Petrópolis. Ou seja, estamos na mesma. Estamos recomeçando a reinventar roda. O Sistema Nacional de Museus existiu, e eu acho que há um problema muito sério nesse Sistema Nacional de Museus, porque vai-se somar beterraba com laranja. O Museu de Paleontologia nada tem a ver com o Museu de Arte, o Museu de História Natural nada tem a ver com o Museu de Arte, o Museu de Arqueologia nada tem a ver com o Museu de Arte, por exemplo. Se fosse criado um Sistema Nacional de Artes Audiovisuais, dirigido e encabeçado por um Instituto Nacional de Artes Visuais dentro do Museu Nacional de Belas-Artes, eu sei que você não quer. Você já me falou isso. Se o diretor do Instituto de Artes Visuais fosse o próprio diretor do Museu Nacional de Belas-Artes, eu acreditaria que isso poderia ser uma estratégia; agora, o Sistema Nacional de Museus, que tem o Museu do Automóvel de um lado, o Museu da Aeronáutica do outro, o Museu de Artes de outro, a Casa de Marechal Floriano, a Casa de Benjamin Constant, as memorabilias das pessoas... isso tudo junto, não vai dar em nada! Pode escrever: Paulo Sérgio disse no dia 2 de setembro no Instituto Goethe, que isso não vai dar em lugar algum, porque não é a primeira vez que isso foi criado. Isso não deu em lugar nenhum, e não vai dar de novo! Não houve mudança tão radical no mundo; o capitalismo não foi superado, nada do que aconteceu no mundo para o que aconteceu em 86, não deu certo em 86 e vai dar certo agora! Eu quero deixar registrada a minha intervenção, muito pessimista e crítica para alguns, cética para outros, de que o Sistema Nacional de Museus não se constrói misturando áreas inteiramente distintas num mesmo sistema, porque o que ela não vai ter, é a sistematicidade necessária para receber esse nome.

-       Você queria divergência na mesa, então, já surgiu. Dois pontos: primeiro: o Sistema Nacional que na verdade foi criado no começo dos anos 80, primeiro como Coordenadoria, e depois como Sistema Nacional de Museus, funcionou. Ele foi uma instância que teve um papel importante, e não foi um fracasso: ao contrário. Ele só teve suas atividades interrompidas no governo Collor, que desestruturou totalmente a área da cultura. Desculpa, mas aquela experiência, não foi absolutamente um fracasso. Foi uma experiência bastante interessante, que obteve esse tipo de instância de... não se constitui, não se forma de um dia para outro, mas ao longo dos anos de funcionamento, ele teve funcionamento e atividades bastante interessantes. Segundo, é claro que existem especificidades dentro da área de cada museu. Agora, todos os museus estão dentro da área de museologia, em que existem interesses comuns, e eu acho que se nós excluirmos o universo da arte de todo o restante do universo da cultura, além do risco do isolacionismo, existe uma questão conceitual, de como se entende o trabalho dos museus. Eu acho que existe, sim, uma possibilidade muito rica de se pensar num trabalho sistêmico dos museus como um todo, e dentro desse universo, também mais especificamente, dentro de áreas específicas. Mas, de maneira alguma, o sistema implica ou significa uma ignorância ou não-visão dessa diferença.

-       Eu queria agregar um pequeno fato a isso. Eu trabalhei no Gabinete da Biblioteca Nacional, onde funcionava o Instituto Nacional do Livro. Eu sinto que o presidente da Fundação Biblioteca Nacional poderia ter feito uma melhor gestão na Biblioteca Nacional se não tivesse que cuidar desse penduricalho de sistemas de bibliotecas estaduais, que por sua vez, são 5.000 municípios no Brasil. Quer dizer, você não conseguia resolver totalmente os problemas do livro ali na sua fuça, vai resolver em João Pessoa? Quer dizer, eu, particularmente, acho que é um suicídio. Agora, eu queria colocar duas questões práticas aqui: o museu, como bem público, que eu acho que é uma idéia muito interessante trazida pelo Marcelo, não abandona a idéia de que a formação do acervo se dá por renúncia fiscal ou por doações, que possam, de alguma forma, estar ligadas a imposto de transmissão.

Portanto, o fato de que eventualmente seja uma sociedade civil privada, não retira a função pública. Acho isso muito bom. Eu gostaria de propor que nós pensássemos também que as associações de amigos, pelos mesmos motivos, sejam englobadas nesse contexto. Que responsabilidades, que relação um membro de direção de uma associação de amigos teria com tudo isso? Ainda nessa direção, eu quero propor ao fórum, eventualmente trazer alguém dos Estados Unidos para esclarecer essa questão do trust. Eu próprio não conheço bem, mas sei que algum tipo de responsabilidade do trust não é bem gerido. Quer dizer, a palavra diz: é confiança desse bem público, e, portanto, o gestor tem responsabilidades. Eu só não sei se a responsabilidade é penal ou financeira, como existe toda aquela legislação americana, se não cuida corretamente do dano, porque eu sei que existe uma verdadeira neurose dentro dos museus americanos de definir responsabilidades e de demonstrar que se cumpriu essa responsabilidade, decorrente desse sistema vertical de responsabilidades. Com relação ao Guggenheim, eu queria colocar como um exemplo de diferença a figura específica do Thomas Krens. Thomas Krens é formado numa grande escola, estou tentando lembrar qual é a universidade dele. Agora, a gestão, que nós também podemos discutir, acho que o Guggenheim do qual se fala tanto hoje não é o Guggenheim dos anos 60, 70 e até início dos anos 80, quando lá estava o Thomas Messer e tinha curadores como a Margit Rowell, fazendo retrospectivas de artistas no meio da carreira, mas ele indica uma maneira como os museus americanos são conduzidos. Ou seja, a escolha de um diretor é um processo muito longo. E a saída de um diretor é igualmente longa. Sair em três meses é muito raro. E também um diretor não sai imediatamente porque errou, falhou, a exposição não saiu bem feita, houve críticas. Ou seja, o contrato é por um período. E nesse período, há essa possibilidade. Só sai antes, se houver um fato muito grave. Eu queria fazer esse esclarecimento, porque uma vez eu tive 24 horas para deixar minha mesa numa instituição, que foi o MAM do Rio de Janeiro, e a razão última é porque numa exposição chamada “Rio Hoje”, eu mantive a opinião do júri sobre os artistas selecionados.  Quatro meses depois, eu “fui saído”. Um processo de intrigas, intrigas, intrigas, e minha cabeça foi entregue. 24 horas.

Eu acho importante colocarmos também esse lado incivilizado. É uma burguesia que muitas vezes dá pouco, mas também trata o corpo dos museus privados como subalternidade. Então, se dando ao luxo, não se pode gerir um museu com afetividade, dessa forma, não é? Isso já nos museus privados especificamente.

-       Eu queria só falar uma coisa em relação a isso, Paulo, é que eu acho que volta um pouco ao que o Marcelo colocou, sobre um Conselho representativo, não só da corporação, da instituição que abriga esse museu, mas também uma representação da sociedade civil, que no caso do Brasil, quando se pensa em museu, não se pensa num museu dentro de sua especificidade, e que é um organismo gerador e mantenedor de cultura, que tem um outro tempo, e que não pode estar atrelado a períodos relacionados à mudança de governo. Quer dizer, quatro anos, para um museu, é muito pouco. Não há possibilidade de se desenvolver políticas sérias e que dê credibilidade aos museus em quatro anos. E de fato, no Brasil, estamos sempre à mercê de interferências externas ao museu. E acho que o caso que você citou agora é bem típico. Quer dizer, como é que um diretor de museu é expulso em 24 horas? Onde está o Conselho, onde estão os órgãos que poderiam regulamentar também os mantenedores desse museu?

-       Bom, vamos falar aqui dos controles superiores dos museus. Eu acho que existem alguns instrumentos, mas que não são eficazes. Nós temos o Ministério Público, que tem um papel constitucional de zelar, sobretudo ao que respeita àquilo que é especificamente bem da União, no caso, federal, mas o Ministério Público ainda está aprendendo a exercer esse zelo. Ainda é um processo de aprendizado, que acho que vai ser longo. Eu adotei a política de não esperar perguntas do Ministério Público, mas de perguntar ao Ministério Público todas as vezes que tenho uma questão que preocupa, desde a beleza africana até questões de política de gestão, etc.

-       Mais alguma coisa na mesa? Então, eu gostaria de abrir o debate com vocês, e pediria que as pessoas que levantassem a mão e fossem propor uma questão para a mesa se identificassem. Isso é importante porque o Fórum está gravando todos esses eventos, isto será transcrito, e vocês poderão achar no site, no mínimo, um resumo de cada encontro destes, e boa parte da inscrição integral das várias falas. Eu pediria uma certa objetividade no posicionamento, na colocação das perguntas.

-       Lílian Amaral, artista visual e pesquisadora; eu trabalho com essa interface da questão do museu e a cidade há bastante tempo. O Martim comentou uma questão que tem a ver com o Sistema Nacional de Museus, e eu lembro de acompanhar em 86. Quando eu estava na Secretaria de Cultura, integrava o Depto. de Museus e Arquivos. Eu acho uma perspectiva importante de capilaridade. Eu queria discutir, eu não sei se o Moacir estava tocando nisso, e aí algumas questões foram trazidas já mais para o final, mas a questão da circulação, da possibilidade de troca entre acervos, para que pudesse haver de fato essa perspectiva de capilaridade, circulação, de quebrar com a questão do eixo, mais exclusivamente. Então, o que está sendo pensado para o Sistema hoje, porque eu conheço as questões mais antigas, e não queria ter essa sensação, porque eu acho que não é o caso, de estar começando a inventar a roda novamente. Então, o que poderia estar sendo proposto em função desse quadro que nós conversamos hoje? Com o que o Sistema pode contribuir efetivamente?

-       Eu vou falar aqui em termos de Ministro Gilberto Gil. Há questão de duas semanas, ele esteve no museu, e declarou que o Ministério da Cultura deve ser visto como um Ministério dos Museus. Eu acho que essa é uma afirmação extremamente importante, ela estava contextualizada com a questão do cinema, mas vinha para dar continuidade para seu programa de apoio aos museus federais, e anunciar...

Fim da Fita 2.

Fita 3 – Lado A

... a Caixa Econômica vai abrir um edital, graças já a essa indução feita pelo Ministério da Cultura. Ou seja, me parece que esse papel de indução é muito interessante. Com relação ao Museu Nacional de Belas-Artes, que é uma coisa que sempre se conversa dentro do Ministério, é assumir esse papel nacional. Se eu não tivesse encontrado o prédio nas condições que encontrei, gostaria de já estar bem avançado na elaboração do plano-diretor. Mas ele requer antes uma estrutura de pessoal que não havia, que está sendo formada aos poucos, da maneira possível. Mas nesse período de maio a setembro, o Museu Nacional de Belas-Artes terá feito 14 mostras no total. Não são 14 cidades, porque muitas estarão recebendo duas vezes, mas mostras incluindo Belém, Curitiba, Brasília, Vitória e um circuito como SESC no interior do Estado do Rio, que está sendo feito inicialmente com o Estado do Rio, porque a idéia é fazer circular dentro de um sistema de responsabilidade. Circula-se aquilo que essas instituições podem receber, mas circula-se bem. A idéia, no caso, é uma exposição Goeldi e Oswaldo e seus alunos. A Renina está com a peça, mas é uma estratégia de circulação; e será no Estado do Rio, porque nós podemos mandar nossos técnicos aos lugares, para entender como se processa isso. E o futuro será a criação de circuitos interestaduais com o SESC e outros Estados. Possivelmente, nós viremos desenvolver um circuito Nordeste e região Norte com a Caixa Econômica. Era isso que eu queria dizer em termos pessoais. Eu acho que é uma forma de pensar. Uma das faces desse acervo no aspecto nacional é circular. E no futuro, já conversando com o Espírito Santo, a Curadoria da exposição que lá está, foi feita na pessoa no Rio de Janeiro. A próxima exposição será com a Curadoria de alguém do Espírito Santo, como uma forma também de apropriação intelectual do acervo.

-       Só para acrescentar, concordando com o que você falou, eu acho que era nesse sentido que eu estava pensando no Fórum como um instrumento institucional, para que os encontros entre dirigentes, estas reflexões possam mesmo ser feitas de uma forma mais orgânica e institucionalizada, e que possam resultar efetivamente em alguma coisa, e não simplesmente ficar como o Paulo Sérgio apontou aqui, com o risco de só ficar repetindo quando nos encontramos por iniciativa de terceiros para discutir sobre as questões.

Eu acho que é preciso ter organização nessa relação entre instituições, inclusive para essa troca de acervos.

-       Tem uma pergunta ali. Mas antes do microfone chegar, eu só queria saber uma coisa: o Sistema Nacional é só para museus federais, ou inclui todos?

-        Não. O sistema é para todos.

-       Meu nome é Silvia Antibas, sou atualmente diretora do Depto. de Museus e Arquivos da Secretaria da Cultura, e eu queria dizer que nós estamos agora repensando o Sistema Estadual de Museus. Estive em Brasília em algumas reuniões do Sistema Federal, e estamos repensando em outros termos menos burocráticos, acho que muito mais em termos de censo, que é uma coisa de que precisamos um pouco, e em termos de utilizar tudo o que temos direito de informática, tecnologia, para formar uma rede. Eu acho que, sobretudo, é circular informações, que nós estávamos pensando em reverter esse sistema que está um pouco esquecido, mas de uma nova maneira. Estamos agora numa discussão interna dentro do DEMA, para repensar as formas de utilização da tecnologia, circular informações, enfim, fazer toda essa rede, mais ou menos nesse sentido. Ainda estamos repensando junto com a Secretária, Marcel, todo mundo. Só para esclarecer.

-       Eu queria colocar aqui uma nota, como diretor do Museu Nacional de Belas-Artes, com relação à criação do Depto. de Museus. Do ponto de vista do nosso museu, foi extraordinário. Ou seja, o diálogo interno mudou muito, e o tipo de resultado, de conseqüência, o prosseguimento dos assuntos, é uma mudança muito interessante. Espero que isso possa ter continuidade, e que se organize de fato um sistema nacional que possa ser da maneira como já está-se dando. Há uma diferença radical em termos de relação interna dentro da instituição. É uma interlocução técnica concreta.

-       Desculpe. Vou só complementar o Paulo, isso é uma questão de informação. Talvez a presença do IPHAN do Ministério da Cultura em São Paulo, na verdade tem um peso muito menor do que no Rio de Janeiro. Eu só quis complementar, porque não sei se seu comentário é exatamente da compreensão do público, porque o departamento a que o Paulo se refere é um Departamento de Museus que acabou de ser criado recentemente dentro do IPHAN, que é o órgão ao qual o Museu Nacional de Belas-Artes, entre outros museus nacionais, está vinculado. Só para não confundirmos o Departamento de Museus da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.

-       Eu gostaria de fazer um comentário só sobre o caráter da minha intervenção, quando eu “forcei a barra” falando de beterrabas e laranjas. Eu sei muito bem que tanto o Museu da Aeronáutica, o Museu do Automóvel, o Museu do Vinho têm uma reserva técnica, têm um corpo de museólogos. Têm, não! Deveriam ter uma reserva técnica, deveriam ter um departamento de restauração, deveriam ter sempre suas equipes de recursos humanos. O que eu vejo como problema específico do estatuto da questão da visualidade no Brasil, particularmente na questão das artes visuais, das artes plásticas, é que ela não goza do mesmo estatuto de outras áreas da cultura. Ou seja, como uma tradição também, eu repito que digo isso há mais de vinte anos, trinta, quarenta, eu estou me remoçando muito quando digo há mais de vinte anos. Por uma questão cultural, intrínseca a nosso vetor colonizador principal, que foi o português, as artes visuais não gozam do mesmo estatuto de outras áreas da cultura, como a literatura, a poesia, e mesmo a música. Ou seja: você não tem um pintor à altura de Gil Vicente, não tem um pintor à altura de Camões na História de Portugal, não tem um pintor à altura de Eça de Queiroz, à altura de Camilo de Castelo Branco, e à altura de Fernando Pessoa, então, nem pensar! Então, essa tradição é literalmente cega. Nós temos, então, que instaurar a partir da nossa variante brasileira, que não é puramente lusitana, mas graças a Deus mesclada com todos os imigrantes, e, sobretudo, aos índios e africanos que vieram para cá, nós temos que instaurar uma tradição muito recente, que é a questão da visibilidade, da visualidade. Quando misturamos as coisas, acontece de perdermos uma das principais fontes de financiamento nas artes visuais, que era, por exemplo, o projeto “Petrobrás Artes Visuais”. Hoje, ele se chama “Petrobrás, Patrimônio Cultural”. Sou contra?

Não. Não só sou a favor, como participei da comissão de seleção, porque acho importantíssima a relevância dada pelo atual governo para o patrimônio imaterial, que é uma absoluta novidade a partir de uma lei que foi assinada por Fernando Henrique Cardoso e pelo Welfort em agosto de 2000. Essa lei ainda não tinha sido materializada e se institucionalizado. Hoje, ela está institucionalizada, e principalmente politicamente muito bem representada pelo presidente do IPHAN, que é um homem dessa área, o Arantes, que é o atual presidente do IPHAN, e como no Projeto Petrobrás, tem uma linha de financiamento muito forte para a questão do patrimônio imaterial. Agora, as artes visuais dançaram, seguindo a tradição da nossa elite, cuja tradição tem origem histórica. É isso que eu quero sublinhar. Essa tradição tem origem histórica; basta ler a História do principal colonizador deste país! Há raízes históricas para essa pauta de estatuto. E quando diluímos isso nos museus de arte, no Museu do Automóvel, no Museu da Aeronáutica, na Casa Benjamin Constant, na Casa de Deodoro, na Casa de Marechal Floriano, em 1983 eram 65 museus na cidade do Rio de Janeiro; hoje deve estar em 80. Lá não funciona, mas tudo bem. Eram 65. Quando diluímos nossa questão específica da arte nesse universo, a tendência é predominar a tradição, e enfraquecer o que é da visibilidade,  fortalecendo as diversas narrativas de discurso sobre a história do automóvel, história do avião, história disso, porque nossa tradição é fortalecer o literário e a narração, e eu só estou avisando que daqui a cinco anos, vai ter museólogos muito bem treinados no Brasil, no exterior, restauradores treinados aqui, na Itália, etc., mas a questão da visualidade, da visibilidade vai estar enfraquecida nessa mistura de arqueologia, tecnologia, história cultural com artes visuais.

-       Se comparar-se o que são as estruturas das instituições literárias e do livro no contexto do Ministério da Cultura e as instituições dos museus de arte, a diferença é brutal. No Rio há duas instituições: a Casa de Rui Barbosa e a Biblioteca Nacional, são fundações. Ou seja, o presidente da Biblioteca Nacional e o presidente da Casa de Rui Barbosa são clientes do advogado, do engenheiro. O diretor do Museu Nacional de Belas-Artes é pedinte; ele pede, e ai fazem ou não fazem, quando vai ser, etc. Eu acho que uma questão que foi colocada aqui hoje é que eu acho que o tempo é alienado. A condução desse tempo social institucional está alienada nesse processo.

Ou seja, um projeto não se dá dentro daquilo que é uma perspectiva de governo, ou numa perspectiva, sobretudo, que decorra organicamente (acho que você usou o termo orgânico, não é?) a partir do que é a vida de um museu. Eu concordo com você.

-       Isso porque nós estamos falando sobre o campo de museus. São museus de arte, mas antes da arte, tem o campo de museus. Eu acho que politicamente não consigo me lembrar de nenhum caso em que o alto isolamento de qualquer grupo social tenha tido resultado um benéfico dentro de um contexto ou dentro de uma situação de conflito.

-       Mas, Marcelo, você está insistindo numa questão. Eu sei que você, além de advogado, é museólogo também. Esse não é meu problema. Estou falando de uma política específica que não é isolamento. Pelo contrário! É uma política específica.

-       Você está ressaltando a importância de se criar uma linha divisória e de se pensar nesse campo isoladamente.

-       Eu acho que tem-se que pensar diferencialmente, e não isoladamente. Diferencialmente, o estatuto da arte na cultura brasileira, que é muito diferente do estatuto da literatura, e a partir disso, pensar-se numa política para a questão dos museus de arte. É isso que eu estou dizendo. Não é diferencialmente, isoladamente. Quem está produzindo e forçando, colocando a fórceps no meu discurso a palavra isolamento, é sua avaliação, da qual eu discordo. Eu estou pedindo uma diferenciação por causa de uma tradição histórica bem concreta e materializada na história do vetor colonial principal do Brasil, que é o estatuto da arte na cultura lusitana, e vermos que devemos a uma contribuição muito recente a instauração dessa questão da visibilidade no Brasil, devido a essa tradição. E a partir daí, eu peço uma diferenciação na especificação de uma política para museus de arte, que não pode estar diluída num museu de tecnologia, de história natural, do avião, etc. e mesmo as casas de memorabilia de figuras famosas da História do Brasil, como as Casas de Marechal Floriano, Benjamin Constant, Marechal Deodoro, etc.

-       Mas Paulo, nesse sentido, você está propondo uma complementação, um paralelismo. Não é um isolacionismo?

-       Absolutamente! Eu quero formular uma política específica para os museus de arte. Não me incomoda em nada existir um Sistema Nacional de Museus, como não me incomodou durante os anos 80! Agora, eu acho que deve-se formular uma política específica para a questão dos museus de arte, devido a um problema específico da cultura brasileira, e o estatuto da visibilidade, da visualidade, nessa cultura que é toda televisiva, não é nem cinematográfica.

-       Deixa eu abrir, porque tem duas pessoas querendo fazer perguntas.

-       Boa-tarde. Meu nome é Janaina Rocha, eu sou jornalista. Na verdade, as questões são nacionais, mas eu queria fazer uma pergunta um pouco mais específica, que é de que forma se articulam todas essas questões com o poder local? Então, há avanços em relação às gestões municipais, e não só em relação às leis federais? Eu não tenho informação sobre isso, eu gostaria de entender um pouco de que forma isso se dá, e se há algum avanço nesse sentido.

-       Você diz avanço na questão da gestão de museus?

-       Dos museus, das melhorias, enfim, de todas as questões que foram levantadas de profissionalização, dos acervos, o que compete a constituição de um museu melhor, de forma plena.

-       Acho que o Moacir pode responder, porque o MAMAM é municipal.

-       É. Eu sou representante municipal. O MAMAM e o Museu de Arte Moderna Aluisio Magalhães, do município do Recife, equipamento cultural do município, e em termos de financiamento municipal, ele tem um orçamento além da cobertura dos custos básicos de conservação de um museu, um orçamento para fazer parcela da programação, outra parcela tem que ser buscada junto a patrocinadores, e não podemos, claro, lançar mão da... existe uma lei de incentivo fiscal no Recife, mas como o museu é um equipamento da Prefeitura, ele não pode utilizar desses recursos; há um impedimento constitucional, legal em relação a isso, mas o grande problema que ainda persiste, não só do ponto de vista do município, mas que também afeta os museus federais e estaduais, é a questão da continuidade, porque os cargos de direção do museu são todos cargos comissionados, que podem ser alterados com mudança do prefeito e do secretário da Cultura. Então, os museus ainda são muito frágeis, muito pouco estruturados para suportar mudanças de orientação de política cultural. Isso tanto pode ser um dado positivo, como negativo. Pode promover o surgimento e a consolidação de um projeto que estava enfraquecido, como também pode desestruturar um projeto em vias de consolidação. Eu acho que esse é um problema que atinge todas as instâncias dos museus brasileiros.

-       Meu nome é Angélica de Moraes, curadora, crítica de arte, jornalista. Retornando àquela questão do Sistema Nacional de Museus. Se o Moacir bem recorda, há aproximadamente um ano atrás, nós estivemos num debate sobre museus na Pinacoteca do Estado, em que se falou sobre o Sistema Nacional de Museus, e se falou que isso seria uma grande solução, etc. Eu suponho que exista, de alguma maneira, alguns de vocês vêm acompanhando como esse debate está sendo organizado, se é que ele está sendo organizado de Brasília com os agentes culturais, especificamente diretores de museus. Porque nós, da chamada planície, não estamos vendo qualquer avanço objetivo em um ano inteiro. Não existe qualquer exteriorização desse debate.  Até agora, não existe qualquer resultado colocado publicamente. Então, eu pergunto: é uma discussão intramuros?

É uma questão a ser outorgada ou é uma questão a ser discutida amplamente com toda sociedade, com toda a comunidade cultural? Moacir.

-       Eu gostaria primeiro de passar a palavra ao Paulo, que é representante indireto do Ministério da Cultura e também ao Paulo. Eu confesso a você que estou acompanhando de longe.

-       No ano passado, no Dia do Museólogo, que é em maio, foi lançada a Política Nacional de Museus. Particularmente, eu acho que é uma política que só pode ser lançada porque foi conduzida na sua elaboração, e houve consulta antes, e-mail, etc., por quem já vinha fazendo política museológica, ou seja, Marcio Meira do Pará, e Nascimento Junior no Rio Grande do Sul, vinham trabalhando nisso. Não conheço, mas tenho a sensação de que o Rio Grande do Sul tem uma experiência importante em termos de sistemas de museus. Sempre foi intenção manifesta desse Ministério criar um Instituto Nacional de Museus. A diferença entre departamento e instituto é que o departamento fica dentro do IPHAN, e o instituto teria uma autonomia, ou seja, o campo “museal”, como alguns gostam de dizer, receberia um estatuto jurídico mais dinâmico, com maior elevação hierárquica. No entanto, essa discussão empacou dentro do museu. Houve um conflito no campo do Ministério entre o IPHAN e a pessoa que seria destinada a dirigir esse departamento, e finalmente este ano, com a mudança do presidente do IPHAN, o departamento foi criado quatro meses atrás. Então, o departamento que começou com duas pessoas, eu acho que tem hoje 5 ou 6. Ele ainda está em formação em termos de pessoal. Têm sido feitas algumas reuniões, e já existe alguma programação. Eu não estou aqui representando o Departamento de Museus, nem estou preparado para informar sobre os andamentos. Mas apenas insisto que se a responsabilidade mais imediata de choque era cuidar dos museus federais, isso começou, e mudou efetivamente o patamar. Agora, também sei que tem havido conversas desse departamento com alguns dos principais museus de arte do Brasil, principalmente aqueles que estão em crise.

-       Só para completar a pergunta da Angélica, como o Paulo já relatou que existe um trabalho que vem sendo desenvolvido institucionalmente, o sistema já foi criado, existe uma série de propostas, mas como nós vivemos num grande país, de distâncias oceânicas e a comunicação dentro de nosso país ainda é um problema. Acho que em São Paulo essa é uma questão que do ponto de vista da cultura ou da presença dos órgãos federais da área da cultura, historicamente sempre se ressentiu da presença institucional do Ministério da Cultura e do IPHAN de São Paulo ainda é muito pequena, principalmente quando se compara com o Rio de Janeiro ou Minas Gerais. Isso fez historicamente com que São Paulo não tivesse muito acesso às discussões. Eu, pessoalmente já fiz uma reivindicação aos dirigentes do Departamento de Museus e responsáveis pela proposta do Sistema Nacional, que essa discussão fosse trazida para São Paulo, porque o lançamento do sistema foi no Rio; já houve várias discussões em Brasília e discussões e outros atos no Rio de Janeiro, e em São Paulo houve uma participação e uma apresentação no congresso do CECA, que é o Comitê de Educação do ICOM, realizado na FAAP há cerca de três semanas atrás, mas ainda não houve, digamos, uma apresentação pública do Sistema Nacional de Museus aqui em São Paulo. Eu acho, inclusive, que isso poderia ficar como uma proposta para o Fórum, para que ele se dirigisse às autoridades do IPHAN e do Ministério da Cultura com essa solicitação, essa sugestão de realizar essa proposta aqui em São Paulo, que eu acho que seria bastante estimulante.

-           Eles já estão propondo esses fóruns, e nós só precisamos organizar e marcar a data, mas já está sendo proposto. Está sendo proposto também cursos, mas é no país todo, quer dizer, a discussão é no país todo, é muito grande. Eles estão trabalhando também em cima de censo, tentando mapear todo universo de museus aqui no Brasil. Estão começando agora, eu estou aqui defendendo, mas eu sou aqui do Estado também, e só queria dizer que também participei da reunião, e é mais ou menos nesse sentido que eles estão trabalhando, e está sendo proposto fóruns em todos os Estados.

-           Você pode me dar uma informação: mesmo que seja uma estimativa, quantos museus existem no Estado de São Paulo?

-       Eu acho que são 300 e poucos, porque eu também não tenho certeza.

-       Entenderam porque tem que ter uma política exclusiva para museus de arte?

-       Não, mas aqui em São Paulo é outro caso. Eu queria até esclarecer que em São Paulo há grandes reclamações dos museus históricos. Como nós não fomos Capital da República, não temos tantos museus históricos. Então, eles reclamam muito da nossa falta de atenção aos museus históricos, em comparação aos museus de arte.

-       Quero agregar uma informação: na minha época na Biblioteca Nacional, lá estava o Instituto Nacional do Livro, havia o problema de relacionamento com São Paulo no campo do livro, das bibliotecas, e São Paulo não tinha uma biblioteca estadual. Eu acho que ainda não tem, não é? Não tinha uma cabeça de sistema que pudesse articular o conjunto de bibliotecas. Eu acho que é o único Estado cuja biblioteca pública mais importante não é... E o Rio também, quer dizer, mas São Paulo, nesse caso, se configurava como único Estado sem uma cabeça de sistema importante.

-       Gostaria de retomar a questão do Sistema de Museus, e talvez, antes disso, a questão da crise dos museus. Eu tomo uma expressão muito boa do Paulo Sérgio, quando ele falou que herdamos uma cultura portuguesa cega, e acho que herdamos também uma cultura de esperar que o Governo Federal faça, esperar que seja outorgado a nós algo que eu imagino que deva ser uma conquista da articulação de um setor. Eu acho que o que está se sentindo falta hoje em dia em São Paulo, especificamente na crise dos museus, porque aqui existe crise de museus porque os museus eram melhores, especificamente, vamos dar nomes aos bois, o Museu de Arte de São Paulo, está realmente em crise porque já teve uma atuação importantíssima. Então, eu acho que agora, o momento não é tanto de discutir o ponto de vista mais teórico de todos os problemas que a mesa tão brilhantemente apresentou, mas acho que é importante tratar de decisões e estratégias objetivas de ação em cima dessas questões de crise dos museus de São Paulo. O que a mesa teria a sugerir em termos de estratégia objetiva nesse caso?

-               Hoje nós conversamos sobre isso, e há alguns museus em crise. Quer dizer, um ou outro museu está numa crise muito séria, como o Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, que tem a coleção arqueológica, etnográfica, etc. É muito sério. Lá, a questão é periclitante, imediata, urgente, etc. Do que eu entendi hoje, eu tirei duas questões básicas: uma, é uma compreensão mais objetiva dessa crise. Ou seja: qual o tamanho do buraco? Quais as possibilidades de alteração institucional? Objetivar, mesmo. Quanto é que se deve? Que tipo de dívidas são essas? Sem esse conhecimento, não se avança. E uma outra, é uma medida absolutamente urgente, imediata, estratégica e fundamental: propor ao IPHAN que não autorize nenhuma saída de obra do acervo do MASP enquanto houver dívidas no Exterior, ou seja, porque nada impede que um juiz de outro país, aplicando a legislação local, decida segurar uma peça de um acervo do MASP, para garantir o pagamento da dívida. Assim foi a prisão do Pinochet, assim são apreendidas algumas obras, aviões, etc. Portanto, para defender esse acervo, é preciso alertar ao presidente do IPHAN de que talvez deva impedir a saída de obras, ou ter garantias de alguma natureza, porque, do contrário, o problema pode vir a ser sério. E o que sai, é sempre impossível de ser reposto.

-                Alguém tem mais alguma coisa a dizer em relação à pergunta da Angélica de Moraes?

-               Angélica, você disse que não é o caso de esperarmos uma posição uma orientação de fora, federal, Brasília, e eu concordo plenamente. Agora, também não é simplesmente caso de perguntar para a mesa, entende? É aquela solicitação que eu fiz. Onde está a responsabilidade de todos nós, que estamos aqui, como cidadãos individuais em relação a esse patrimônio público chamado MASP? Que ação cada um de nós está propondo que seja feita? Porque a discussão, obviamente, não é nova; ela vem se adensando nos últimos meses, não é novidade, está atingindo, pelos relatos, uma situação bastante crítica, e que ação estamos tomando ou propondo, afora o fato de continuarmos discutindo?

-               Marcelo, me bateu aqui, agora, o advogado, tecnicamente: é para evitar o seqüestro dos bens, o seqüestro de um quadro, que se proíba a saída, possivelmente, porque é um bem tombado. Eu não sei se caberia uma ação popular nesse caso. Mas acho que tem que ser um advogado, porque se trata de um bem tombado. É direito administrativo.

-               Essa última colocação feita agora na mesa, me leva a pensar no que fiquei mastigando durante a fala de todos vocês. Quando eu vi anunciada a pauta da entrada dos museus no Séc. XXI e das estratégias, a primeira coisa que me veio à cabeça, que eu acho que talvez fosse importante nós tentarmos...

Fim do lado A da Fita 3

Lado B –

 

...na vida das cidadanias de um modo geral. Então, para mim, essa questão antecede as outras. Porque os museus, ao adentraram no Séc. XXI, perderam essa dimensão simbólica institucional que tinham, e porque não conseguem criar sinergia, a ponto de populações, cidadãos se mobilizarem em função de questões prementes, como é a do MASP, por exemplo. Essa é uma questão que me atormenta constantemente. As relações do museu com seu público e porque o museu, sabendo do papel cultural e dessa importância simbólica que ele tem que assumir dentro de uma condição de cidadania, porque ele ainda não conseguiu sequer se equiparar a outras manifestações de lazer e de entretenimento, que o Paulo chama de indústria cultural. Eu não concordo; eu acho que o termo se atualiza dentro dessa condição do lazer e do entretenimento, mas, de fato, quem compete com os museus de uma forma massiva, são as atividades de lazer e de entretenimento. Como essas atividades têm muito mais proximidade com as populações e elas pagam por isso somas muitas vezes muito maiores do que qualquer  ingresso pago para entrar em um museu, e como fazemos para envolver a sociedade civil e para resgatar essa dimensão simbólica das instituições como um todo? Me parece que essa é uma crise que antecede à do museu.

-               Daniela, você me permite só recordar um memorando? Acabamos de ouvir aqui que uma pesquisa feita nos Estados Unidos, apontou que a instituição de maior prestígio nos Estados Unidos é o museu, acima dos bombeiros. Muitos pontos acima dos bombeiros! Os bombeiros têm menos prestígio no imaginário americano do que o museu. Se você vai ao Bobourguer (?), o problema maior do Bobourguer (?) foi a hiper-visitação; por isso ele precisou ser restaurado muito antes da hora. A expectativa da Tate Modern de receber um milhão de visitantes em seu primeiro ano de funcionamento foi superada em 5.000%. Então, eu não vejo onde há perda de... Há um problema de uma indigência generalizada num país de periferia como o nosso!

-               Mas eu estou falando do nosso problema, porque conhecemos muito bem essa ironia. Porque hordas freqüentam os museus internacionais e que essa crise não existe lá fora, está certo? A crise acontece aqui.

-               Funcionou alguma vez muito bem?

-               Aqui, não.

-               Então, pronto. Então, não tem crise. Só pode ter crise se estava bem!

-               Que eu saiba, nós estamos tratando de um problema que é nosso, e não da Tate, não é, Paulo?

-               Exato. E porque crise? Para supor crise, eu insisto que teria que haver um momento de pico de ótimo funcionamento, que depois ficou péssimo. Então, sim, houve uma crise. O MASP é um caso de banditismo específico. Não vamos tratar o MASP e generalizar para o caso do Brasil. Ali o problema é de polícia.

-               É que você não é paulista. É que o MASP tinha adquirido um patamar de atuação muito importante para a cidade de São Paulo. O MASP era referência. Quando vinham estrangeiros, todos queriam ir ao MASP. Então, na verdade, a pergunta que eu faço é muito singela: eu sou dirigente cultural, e tenho uma experiência bem vasta no que tange a essa relação de uma instituição com seu público ou com vários públicos, e vou te dizer: não acho que qualquer uma das instituições culturais esteja atuando ao redor dessa dimensão simbólica. Mas ela se coloca ainda no circuito cultural e nos mapas, a partir de programações que tenham uma dimensão enorme. Por exemplo, nos lembramos muito bem, dentro do circuito paulistano, qual foi a exposição que colocou a Pinacoteca do Estado definitivamente no circuito. Todo mundo sabe qual foi? Rodin. E isso tem um significado. É isso que eu quero dizer, Paulo. É uma coisa a se pensar. Quando você chegou nessa mesa e falou em colocar questões que deveriam ser de ordem prática e que temos que discutir, ou nós tocamos nos pontos-chave, ou estaremos redundando ao redor de questões que estamos discutindo há vinte anos. A precariedade dos quadros nos museus é uma questão que, quando eu participava dos primeiros congressos do ICOM, isso há mais de 25 anos, essa questão já era colocada; os salários baixos eram uma questão. A relação dos museus com os setores educativos era uma questão. Isso avançou um pouco, mas avançou dentro de uma perspectiva de patrocínios, onde a responsabilidade social, o terceiro setor entraram muito em moda. Então, são questões que me parecem exteriores às questões internas dos museus propriamente ditos. E o que eu sinto pena nessa história toda, é que eu acho que os museus de arte, eles de fato não existem no âmbito de um Ministério da Cultura, de uma Petrobrás. E porque? Eu acho que a questão é um pouco diferente dessa que você coloca, porque a visualidade tem que ser tratada de uma forma diferenciada? Eu não sei se é por ai. É porque, de repente, o Museu do Automóvel pode ter mais sentido para um certo setor da sociedade civil do que um museu de arte.

-               Mas eu não tenho dúvida que um museu do futebol tem uma importância enorme no Brasil, que não tem um bom museu do futebol. Isso eu não tenho dúvida! Imagine se eu estou falando disso?! Eu estou falando de um problema específico dos museus de arte. Eu não sou nem treinador e nem jogador de futebol, e nem torcedor de futebol.

Eu me interesso por arte, e é por isso que eu estou defendendo a minha questão específica. Eu não tenho dúvida que um museu do futebol seria importantíssimo para o Brasil. Pelo amor de Deus, gente! Também, eu não sou tão toupeira assim!

-               Paulo, eu só queria lembrar, talvez a pergunta que a Daniela fez à mesa, me lembra uma situação que eu acho que nós temos que pensar na nossa culpa, no mea culpa, sobre qual é a culpa das pessoas que formam o sistema. Eu acho que no Brasil, nós falamos um pouco do lobby. Os artistas não têm mecanismos de pressão junto aos governos e mesmo junto à iniciativa privada, e nós, a classe de gestores culturais, também não temos essa união. Então, frente a crises que não são só do MASP, mas que são também de outros museus, vejo que falta uma articulação entre nós, e uma capacidade de entendimento. E é isso que eu acho sintomático, e é uma coisa que existe há muito tempo. Talvez na década de 70, nas gestões como as do Zanini, havia essa relação bastante profícua entre gestores e artistas. Talvez não houvesse essa distância, porque o próprio Paulo era um artista, não é? Não havia essas distinções. Eu acho que dentro do mundo profissional que nós vivemos hoje, falta ainda, eu não diria formação de associações, etc., mas eu acho que uma tentativa de se formar uma rede de pessoas que têm uma preocupação com o patrimônio. Mas eu vou passar, porque eu sou só o mediador.

-               Só completando a fala da Daniela, que me fez pensar uma coisa, como uma reflexão da discussão mesmo, não sei se é isso que ela tinha em mente. Quando o Marcelo falou da quantidade de confiança, de credibilidade que as pessoas têm nos Estados Unidos em relação aos museus, me fez lembrar que os museus de arte se estabeleceram institucionalmente nos Estados Unidos num momento, talvez, em que a questão do lazer, do entretenimento, da espetacularização da imagem não estivesse ainda tão exacerbada. Essa é uma hipótese. E no Brasil, nós temos o caso em que a instituição museu busca se estabelecer da maneira ideal, como estamos discutindo aqui, no momento em que há essa competição pela imagem de uma maneira muito exacerbada; o cinema, a propaganda, enfim, toda sociedade gira em torno da espetacularização da imagem, com o qual o museu não pode jamais competir.

Isso, talvez, dificulte essa consolidação do museu como instituição. O museu está tardiamente buscando entrar no rol de interesse da sociedade brasileira, em função, talvez, do que o Paulo Sérgio falou dessa cultura cega que nós temos. O museu nunca conseguiu se estabelecer, e talvez seja cada vez mais estabelecer essa competitividade com outros universos visuais, ao menos nos termos que estamos colocando hoje, em termos quantitativos, nos termos de atratibilidade que falei no início.

-               Vou colocar uma coisa: acho que no Séc. XIX, quando se formaram os museus nos Estados Unidos, eles tinham noção de tempo, e estava muito ligado ao saber e à educação, e o lazer entrava ai dentro, mas pegava a educação. Existe uma estatística sobre a qual eu tenho enorme desconfiança, que diz que na Exposição Geral de 1878, quando foram expostas pela primeira vez as duas grandes batalhas, encomendadas pelo Imperador, a galeria da Academia recebeu 300.000 visitantes. Que tenham sido 30.000, que tenha havido um erro de impressão. Evidentemente era uma guerra sobre a qual se havia poucas imagens, a imprensa não publicava imagens, só caricaturas, etc. Mas quando me foi dada a pauta, eu lembrei do Bispo do Rosário, quando ele diz que é um morto que precisamos enterrar. Eu tenho tentado saber que morto era esse do Museu Nacional de Belas-Artes. Ou seja, o que me retém no Séc. XX, ou em que Séc. XX eu ficarei retido, essa é uma questão. Agora, eu acho que essa qualificação ou desqualificação pelas estatísticas, é um problema grave, porque mesmo um museu como o Museu de Arte Moderna de Nova York, com uma visitação mensal que não é assim tão extraordinária, se pensarmos o que é Nova York e o que é o MoMa, indica que os nova-iorquinos não são os grandes freqüentadores do museu; são os turistas.

-               Eu queria deixar registrado um depoimento, você me desculpe, porque eu considero a Pinacoteca uma instituição hoje exemplar no Brasil, sob todos os pontos de vista. Outro dia eu estava lá no domingo, e tinha um restaurador de plantão! Um funcionário de plantão, restaurador. Minha experiência profissional com a Pinacoteca foi exemplar.

É lógico que há um conjunto; teve essa exposição do Rodin, teve o trabalho magnífico e absolutamente surpreende do Paulo Mendes da Rocha no projeto de restauração da Pinacoteca, e tem uma continuidade profissional na figura do Marcelo Araújo, que está aqui na mesa, que coloca: “Olha, existe como funcionar; mesmo no Brasil, existe uma instituição que funciona muito bem no Brasil”. O que eu estou generalizando é exatamente aquele negócio dos 65 museus do município do Rio de Janeiro em 1985, que eram 65, que são 80 hoje; eu estou falando do conjunto, e não das exceções, porque quando funciona como a Pinacoteca, é uma exceção.

-               Maria Hirszman, jornalista. Nós temos discutido muito a questão dessa incapacidade de articulação dos agentes envolvidos com os museus, artistas, museólogos, etc., e uma coisa que me intriga muito é a incapacidade de diálogo dos artistas plásticos com outras instâncias da cultura brasileira. Nós vemos no Projeto do ANCINAV, que os cineastas pulam, já estão em Brasília, existe alguma possibilidade de se pensar na cultura de uma maneira mais ampla e como se poderia fazer isso?

-               Maria, será que é o mercado, que está pulando lá muitas vezes? Não digo sempre, mas com relação ao ANCINAV, o mercado é muito próximo. E no sistema de artes brasileiro, talvez o mercado não esteja centrado nos museus. O mercado não depende tanto dos museus para se legitimar, para legitimar os artistas. Eu acho que há um afastamento aí, o modo de produzir, enfim.

-               Talvez pegando um exemplo um pouco... porque às vezes o protesto não é necessariamente para o bem; tem outras questões envolvidas aí, mas a classe teatral, por exemplo, é uma classe que se mobiliza muito. Volta e meia vê-se encontros, debates, coisas assim, e já me perguntaram algumas vezes como envolver a classe artística. Eu juro que eu não soube responder. Ficou essa pergunta me rondando a cabeça, talvez essa coisa de se fechar sobre si mesmo, e de buscar parcerias com outras instituições, para discutir problemas da cultura televisa, da espetacularização, que afeta não só as artes visuais, mas outros segmentos importantes.

-               Complementando um pouco o que você está dizendo, infelizmente, a produção do artista plástico se torna uma produção solitária. Nos dois casos que você cita, você tem o teatro, que é uma produção coletiva, e o cinema também. Acho que nós deveríamos nos deixar contaminar e transformar essa ação numa ação coletiva, porque trabalhamos todo o tempo individualmente. Quer dizer, não é bem a verdade, mas acaba sendo, em relação a outros artistas parceiros. Então, essa contribuição deveria ser repensada, porque agimos solitariamente, apesar de que quando estamos produzindo uma exposição ou algum trabalho, ele se dá coletivamente, mas ele é isolado do resto da comunidade artística. E essa mediação só se dá no momento da exposição. Então, é nesse momento que compartilhamos muito rapidamente, e cada um se volta a seu próprio universo. Então, eu acho que é um sintoma que está relacionado à própria condição dessa produção.

-               Eu queria complementar o que ela está falando, porque realmente a prática do artista é solitária, mas já houve época em que essa prática era coletiva. Não quero voltar os ponteiros da História, do passado, e nem achar que seja possível repetir o que acontecia quando grupos enormes se reuniam em torno de movimentos, como aconteceu no início do século passado. Agora, talvez, pela velocidade do mercado, do calendário de exposições, isso se torne difícil. Agora, eu sou a última das otimistas. Eu sinto que há possibilidade de se articular algum tipo de atuação coletiva, até porque estamos aqui num fórum. Este fórum não pode ser um caminho para isso? Pergunta para o Martim.

-               Você está me comprometendo, mas eu acho que vou passar a pergunta para outro. Temos ainda mais duas ou três perguntas. Isso é uma resposta?

-               Não. Eu só queria complementar, Angélica, eu concordo com você. Eu estou dizendo até infelizmente que ficou assim, porque eu acho que já tivemos muitas articulações de artistas, e artistas agentes, que atuaram lutando por espaços, principalmente no Brasil. Eu vi isso durante a minha formação, por exemplo. Eu acho que isso existe menos hoje, talvez em conseqüência de uma internacionalização da produção, ou de uma falta total de articulação.

Porque, por exemplo, se pensarmos hoje no público presente aqui hoje, nós não temos todos os segmentos deste sistema, e para todos nós, é importante que os museus funcionem. Então, ficamos indagando porque isso não acontece. Há uma fragmentação muito grande, e precisamos mudar isso de alguma maneira.

-               Meu nome é Rafael, sou estudante de Artes Plásticas. Falou-se bastante do museu como instituição que recebe o público. Eu queria saber como o museu se posiciona como formador. Eu sei um pouco da Pinacoteca, porque eu vejo isso na minha experiência como aluno, mesmo, que saindo do Depto. de Artes Plásticas. Eu estudo na ECA, as pessoas não conseguem diferenciar uma gravura de um desenho. Então, eu mesmo, quando entrei na Universidade, não conseguia diferenciar uma gravura de um desenho. Então, eu queria saber como um museu funciona como formador desse público que está tão despreparado, e pode ser tocado como boi pelos corredores do museu, sem estar sendo nenhum pouco influenciado por aquilo que está sendo visto. Em vista dessas últimas exposições com um número absurdo de visitantes, mas que não se sabe da qualidade dessa visitação. É isso que eu queria saber.

-               Para finalizar, porque os participantes da nossa mesa têm compromissos, eu acho interessante que as últimas perguntas fossem feitas em bloco, e aí responderemos como um todo. Vou conter um pouco as perguntas, porque estamos avançando na hora. Então, Rafael, Cauê e a Denise, tem alguém mais?

-               O meu é mais um comentário e uma propaganda também, para não comprometer o horário da palestra. Eu queria dizer que faço parte do grupo que está editando a revista Número, e que a número 5, que vai ser lançada agora no dia 21 de setembro na Galeria Vermelho, que já fez um debate sobre políticas, porque o tema da revista é política pública, política para as artes, de uma forma geral. Eu só queria lembrar, não sei se todo mundo aqui recebeu, mas há pouco tempo, tentamos fazer uma enquete virtual, recolhendo propostas para políticas para as artes, tanto públicas quanto outras saídas.

Isso foi feito em parceria com o Canal Contemporâneo, e foi divulgado para cerca de 12.000 pessoas, além dos e-mails particulares do Corpo Editorial da Número, que difundiu essa enquete; tivemos resposta de cerca de 50 pessoas, mas fizemos um texto, e tentamos fazer uma espécie de estatística, é claro que não com rigor científico, mas tentando apontar as principais necessidades que poderão ser lidas na próxima revista. Espero que todos possam tê-la em mãos e ir ao lançamento. Mas a grande necessidade é de formar, acho que o Marcelo indicou isso na fala dele, algum mecanismo de interferência desse sistema no Poder Público. Parece que ainda, por mais que o Governo tenha pedido diálogo com a sociedade civil, tentado fazer discussões, os artistas têm mostrado vontade de organização, para poder influir nessas políticas. E o ponto principal da enquete, sem dúvida, é a questão da educação. Mas eu acho que não é hora de tocar nisso agora. E entre outros temas que a revista aborda, de política cultural no México, na França, ela também traz um pequeno texto, que pode ser surpresa para muitos, falando que existe uma cooperativa nacional de artistas, onde os artistas presentes interferem nela, e acho que o governo só reconhece órgãos representativos. Não há outro modo de influência política, senão através de cooperativas, de uniões, conselhos. A revista Número está iniciando, mas está querendo colaborar com isso, então é mais uma propaganda e um depoimento para que as pessoas procurem a revista e comentem, e a partir disso, o debate aconteça.

-               Eu queria pegar uma carona na intervenção do estudante de Artes, o Rafael, e fazer uma pergunta dirigida ao Moacir, que falou muito na questão de formação visual, de mudar os paradigmas impostos pelo mercado, pelas leis de incentivo, e queria que você falasse um pouco, Moacir, principalmente nessa perspectiva que nós temos visto, de preocupação do Ministério da Cultura, do Conselho Municipal de Cultura, de tentar encontrar parâmetros que sejam em forma de censo, para se medir qual é o impacto da cultura na economia. Essa é uma grande preocupação que existe hoje no âmbito da cultura, e, na verdade, nós desconhecemos esses números. Então, você aponta para a necessidade de que se criem novos critérios de avaliação de êxito que não sejam numéricos. Nós sabemos que um dos critérios para avaliar isso é avaliações de perfil de público, mas que demonstram muita coisa do ponto de vista demográfico e de hábito cultural.

Eu gostaria que você falasse um pouco o que você entende e o que você considera que seria positivo para se avaliar qual o paradigma para a mudança dessa visualidade. Quais seriam os parâmetros para essa avaliação de êxito, que você julga tão importante. E se os outros membros da mesa quiserem complementar...

-               Certamente não saberei responder toda sua pergunta. Eu acho que minha preocupação em função dos critérios que nos são sempre cobrados, não só pelos patrocinadores, mas pelas próprias instituições, governos, pelas próprias instâncias às quais os museus são subordinados, porque eu acho que ainda é disseminada essa idéia de que os critérios de êxito são sempre quantitativos. É essa obsessão que hoje vivemos. O que eu poderia dizer, é que eu acho fundamental tanto a quantidade para quem se mostra, saber primeiro o que se mostra, como se mostra, ou seja, se o que se mostra está contextualizado em alguma questão, época ou discussão, qual sentido daquilo que se mostra, porque se mostra aquilo, como aquilo está sendo mostrado, qual o suporte de informações que se dá ao público, seja por monitoria, texto, catálogos, publicações, simpósios, debates, etc., porque o que eu sinto, e acho que esse é um sentimento partilhado por todos nós que trabalhamos com museus, é que todas as questões são sempre postas em segundo plano. Quando se tem que sacrificar alguma coisa, sacrifica-se essas questões, em detrimento da espetacularização do que está-se mostrando. E aí, os exemplos são muitos. Cada um de nós tem exemplos recentes de exposições onde isso é demonstrado quase por absurdo, como o caso mais claro da Exposição dos 500 Anos. Temos vários exemplos desses desequilíbrios. Quais seriam esses critérios de êxito? Eu acho que é justamente o que está para ser discutido. Só poderemos estabelecer quais são esses critérios à medida que o setor de artes visuais, nossa cultura ficasse menos cega, usando novamente a expressão do Paulo, e pudesse compreender a importância dela para a formação cultural do povo brasileiro. Eu acho que enquanto ficarmos arraigados à essa obsessão pelos critérios da indústria cultural, nós não vamos conseguir discutir quais são esses critérios. Eu não sei; eu coloquei como questão. Se eu tivesse a resposta, com muito prazer partilharia aqui desde o início. Sinto frustrá-la, mas é mais uma indagação do que uma resposta; eu realmente não sei. Eu até colocaria a questão para mesa.

-               Eu acho que a questão traz embutido algo interessante, que é o fato que a indústria cultural, não só os museus, mas também os museus, não vamos inverter, já tem um peso econômico razoável. Há um estudo dos anos 90 ou posterior da Fundação João Pinheiro de Belo Horizonte. O Ministério da Cultura deixou de responder o censo de 2000, parece-me que o IBGE não pôde trabalhar isso, mas eu acho que quem tem a resposta para isso talvez seja a fábrica do biscoito Tostines, ou seja, aquela que vende muito porque é torradinho, é torradinho porque vende muito. Se pegarmos o Banco do Brasil, o CCBB do Rio de Janeiro tem 5.000 visitantes por dia, R$ 14 milhões por ano, para começar. Tem recursos, não há problemas da ordem que são enfrentados pelos museus. O problema deles é como administrar os milhões. A partir daí, as coisas acontecem com uma certa previsibilidade. Tem biblioteca, brigada antiincêndio, contas de luz pagas, etc. É isso que possibilitou a eles, num período de 10 ou 15 anos, a excelência atingida. A Tostines é que pode nos responder.

-               E o que seria essa excelência? Na verdade, quero voltar a essa questão que o Moacir colocou. O parâmetro de público não pode ser usado como índice para avaliação de museu. Mesmo porque, cada um de nós tem 3 ou 4 propostas para atrair milhões de público. Qualquer exposição que tivesse a Xuxa, roupas da Xuxa, carregaria milhões de pessoas para qualquer museu, qualquer lugar do Brasil em que fosse feita. Coca-Cola, isso não há a menor sombra de dúvida. Estratégias de atração de público são coisas relativamente fáceis de ser encontradas. Acho que o caminho para pensarmos nisso, é, na verdade, uma pergunta. É aquela famosa história, na verdade o buraco está um pouco mais embaixo, que é realmente qual o papel que o museu de arte pode desempenhar contemporaneamente. Eu acredito, e aí vou retomar uma das questões que o Paulo Herkenhoff colocou, que ele tem um papel fundamental naquilo que chamamos de alfabetização visual. E é até um exemplo que eu sempre invoco, porque acho que ele é muito paradigmático. No Brasil, para o exercício político do voto, que é o exercício ...

Fim do lado B da Fita 3

Fita 4 – Lado A

-       ... foi estendido ao analfabeto, ou seja, àquele que não tem o domínio da linguagem escrita. Agora, o voto é exercido não mais a partir desse domínio, mas a partir da resposta que o eleitor ou cidadão dá para imagens que ele vê na telinha do computador, onde ele tem que apertar o botão para escolher. Ou seja, na verdade, hoje em dia, esse exercício político básico da cidadania se dá através da linguagem visual. E acho que a função primordial do museu é justamente contribuir para a questão da alfabetização visual, que não é explorada e nem ensinada na escola, que historicamente se dedica à alfabetização escrita, que é uma alfabetização que, ao contrário, é estruturada hoje em dia por linguagens que aceleram a comunicação, como o cinema o vídeo ou a propaganda e a televisão, e eu acho que nessa perspectiva, o museu tem uma grande contribuição. E aí entra uma questão que é muito complicada, que o Paulo Herkenhoff também já levantou, que é a questão do tempo. Porque para essa questão da alfabetização visual, o museu tem necessidade de um tempo, não só de um tempo para estruturar seus projetos, mas também de um tempo para estabelecer uma relação com o público, que vai diretamente na contramão, inclusive dos tempos sociais que hoje em dia são determinados pelo trabalho, pelo trânsito da megalópole e assim por diante. Agora, como fazemos para medir ou para tentar identificar qual o impacto e o sucesso que o museu obteve nessa tarefa ou missão de contribuir para a questão da alfabetização visual de seus visitantes? Eu sempre digo que hoje em dia pelas pressões que nós temos na sociedade contemporânea, é muito mais importante a pessoa saber identificar que uma determinada imagem pode ser uma imagem construída, que o fato de você ver na telinha uma figura sorrindo não quer dizer necessariamente que ela seja uma pessoa boa, positiva, construtiva, porque na imagem da telinha, se a pessoa tem cabelo, ela pode ser careca, enfim, porque você tem estratégias de construção de imagem virtual. Essa possibilidade de explorar como são sentidas as imagens como elas se formam, é um papel fundamental do museu na sociedade contemporânea. Agora, como identificar isso, é um processo que realmente nada tem a ver com os critérios de números quantitativos, que são aqueles que são realmente utilizados pelo mercado ou pela indústria de consumo, e que infelizmente, historicamente, são aqueles utilizados pelos museus.

E aí, eu acho que há outra questão de resistência, porque quando chega na arena política, até por justificação do papel social, são sempre os critérios que são utilizados de quantos visitantes o museu teve. E sempre a grande pergunta que recebemos, não só do responsável pelo setor de marketing das empresas, mas inclusive dos políticos responsáveis, e isso, obviamente, não pode ser respondido automaticamente. Claro que existe um universo, quer dizer, não dá para imaginarmos um museu que não tenha público, pois ele é uma instituição voltada para o público. Agora, a qualidade dessa relação é muito mais fundamental do que o número que ela envolve.

-       O assunto, de fato, merece atenção, e hoje eu fiquei bastante satisfeito, porque além de iniciarmos um debate em relação à situação e ao futuro do museu de arte no Brasil, com uma visão voltando um pouco atrás, como o Moacir, que nos deu esse esboço de uma planta baixa, no mínimo é uma planta baixa que pode ser usada com as várias contribuições, seja do Paulo Sérgio, do Paulo Herkenhoff e do Marcelo, no mínimo temos aí um plano, que eu concordo com a Angélica, mais teórico do que de ação. Mas claro que nós não damos conta de tudo num mesmo momento. No mínimo, iniciamos um debate. E nessa mesa e com vocês, foram três os assuntos que foram sugeridos para que o Fórum trouxesse para a pauta, que seria a questão do sistema americano, essa idéia do public-trust, e como os museus, não por si só, conseguiram...

-       ... a França mudou agora o sistema deles.

-       É, e talvez com vários parceiros, nós poderíamos considerar esse assunto, não só do ponto de vista americano, mas do ponto de vista europeu e das Américas. Uma outra coisa que também ficou para ser discutida é o Sistema Nacional de Museus. Eu acho que parcerias, uma vez que já temos essa proximidade agora muito bem-vinda com o DEMA, com a Secretaria do Estado da Cultura, isso se coloca à disposição, para pensar-se e entrar apoiando essa idéia. E uma outra questão, levantada pelo Rafael, que foi a questão da formação, o papel do museu na questão da formação cultural.

Rafael, isso é um assunto que está na agenda do Fórum. O Fórum vai no mínimo até 2006, quando nós temos a idéia de finalizar com um seminário internacional. Há, ainda  diversas questões a serem debatidas. Eu só queria voltar ao comentário da Angélica, sobre a distinção entre teoria e prática. Com o novo site, o próximo passo agora, na nossa tarde bastante longa, mas muito profícua, será o lançamento do site, e uma vez que tem pessoas aqui da FAPESP, representando o Projeto Tidia, que é o projeto que está incentivando o desenvolvimento de conteúdo na Internet com software livre, com uma visão bastante democrática de Internet, e o Fórum está utilizando essa tecnologia. É uma das primeiras iniciativas, e já recebemos um apoio muito grande da FAPESP para desenvolver isso, e é possível agora, a partir do desenvolvimento do site levarmos a discussão para a esfera virtual, e eu espero que não fique só na esfera virtual, mas de pensarmos em um plano de ação. Então, eu convoco e peço a vocês que entrem no site, e contribuam, iniciem e alimentem essa discussão. E que ela se torne uma discussão não só de um grupo, mas de uma comunidade que de fato se interessa pelo destino dos museus. E para não me alongar, eu gostaria de agradecer a presença do Paulo Sérgio, do Paulo Herkenhoff, do Moacir e do Marcelo. Nós sabemos muito bem como é o dia-a-dia de um diretor de museu, as preocupações e as coisas que os cerceiam. Foi difícil conseguirmos agrupar esse grupo seleto e primoroso de pensantes e de agentes culturais, que estão levando o museu no Brasil adiante. Eu agradeço sinceramente a presença de vocês aqui, e gostaria de agradecer o apoio do público, na presença de vocês. Só lembrando, não sei se a Silvia estava presente, mas à frente do DEMA, a Silvia está, juntamente com a FAPESP, possibilitando o site, e a partir do final desta sessão, vocês terão possibilidade de navegar e experimentar com a equipe voluntária, que eu aproveito o momento para agradecer, desenvolveu tudo num período bastante curto, com muito afinco e muito engajados na tarefa. Agradeço particularmente à Paula e ao Durval por esse apoio incondicional à idéia do Fórum Permanente. E, é claro, a todos os parceiros. Eu vejo que o Stephen Rimmer do British Council também está presente, o Jacques também estava, não sei se ainda está, e agradeço então ao Goethe pela possibilidade de realizarmos este evento aqui. O Joachim quer a palavra.

-       Eu quero encerrar com três convites. Um convite é reforçar o que o Martim disse, de colaboração permanente pelos próximos dois anos de vocês, que é nossa projeção, e realmente levar a sério o que foi falado. Vamos discutir esses assuntos que surgiram daquilo que não é bem chamado de platéia, porque vocês são especialistas como os que estão na mesa. O segundo convite é para o próximo encontro no dia 23 de setembro, que será uma jornada com curadores e artistas oficiais da Bienal, em colaboração com a Bienal de São Paulo no British Council, Cultura Inglesa: dia 23, no Centro Britânico, em Pinheiros. Começará às 9 da manhã, por todo o dia. E o terceiro convite é para agora, porque nós preparamos um coquetel, e estão todos convidados a continuar com o diálogo, e esse coquetel vai a propósito do lançamento do site, que se segue agora com a Paula e o Durval, e eles vão lançar o site aqui na tela grande. Vocês podem tomar um copo e voltar aqui ao auditório, para fazer perguntas. E a mesa está se levantando, mas eu quero agradecer Paulo Sérgio e Paulo Herkenhoff, Moacir, Marcelo e Martim, muito obrigado, e obrigado especial à Kerstein (?) e um obrigado muito, muito especial à Gina Machado e à Fundação Vitae, que possibilitou este encontro. Muito obrigado.