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Mesa 3 - O artista e a instituição de arte [resumo]

Com apresentação e moderação de Lisette Lagnado e participação de Jennifer Tee (Holanda), Melik Ohanian (França) e Ivens Machado (Brasil)

 

A obra de arte que critica a instituição foi o mote da apresentação de Lisette Lagnado na mesa de discussões sobre a relação artista-instituição (a íntegra dessa apresentação está também disponível para leitura neste site). Ainda que na arte brasileira a questão do relacionamento do artista com a instituição não apareça como um campo autônomo de investigação, essa discussão frequentemente vem à tona em obras que resistem ao rigor de conservação e montagem do espaço institucional. Apesar de poucos artistas brasileiros abordarem a crítica institucional de forma tão direta quanto, por exemplo, Hans Haacke -- ou seja, como um mote explícito para o trabalho -- não faltam na arte brasileira exemplos de obras que desafiam a parceria entre obra de arte e instituição: da obra de Mônica Nador ao programa ambiental de Hélio Oiticica, são inúmeros os casos de crítica à capacidade da instituição em atuar como meio para a vibração e ressonância da obra. Como trazer para a instituição uma obra como a de Mônica Nador, um trabalho que vai para o social e que do social volta para a instituição: como inserir, se é que é o caso, essa obra no contexto institucional?

 

Lagnado considera que a Bienal de SP acertou ao abrigar dois artistas que representam esta vertente da crítica institucional que se elabora nas dificuldades de inserção da obra no espaço institucional: Paulo Brusky e Artur Barrio. A remontagem do ateliê de Brusky na bienal é uma solução e comentário sobre essa tensão. Trazer os livros, rascunhos, móveis do ateliê para o espaço institucional é uma forma de intermediar o contato do público com o mundo do artista muito mais autêntica do que a exposição de estudos e folhas de cadernos de esboços em vitrines ascépticas e bem iluminadas. Como discutido durante a conversa com a platéia, essa solução de montagem arrisca-se a virar mais um clichê – a prórpia bienal de SP já está mimetizando uma solução bastante empregada na última Documenta de Kassel -- mas por enquanto resguarda a obra de abordagens reducionistas como a retrospectiva ou um recorte temático, inaceitáveis para uma obra como a de Brusky.

 

Artur Barrio também tem trazido seu ateliê para os espaços expositivos, porém o que Barrio traz para a instituição é o processo que toma conta de um ateliê, e não os objetos daquele espaço. Para Barrio, aliás, ateliê sempre foi algo mais próximo de um programa do que de um equipamento. Como ele mesmo afirma em recente entrevista para a Revista Trópico, seu ateliê já foi a rua, as praias, praças e até um “ateliê de bolso”, pequeno caderno onde ele anotava e refletia sobre seus projetos no início de sua carreira. Sobre as “situações” que cria nos espaços de exposição, o artista afirma: “Entra o aspecto de um circuito quase que fechado, que se passaria dentro do meu ateliê, se aqui fosse. Mas só que não é, então eu deixo o trabalho para que ele sofra uma transformação no decorrer da mostra. E eu não admito que haja uma equipe de restauração do trabalho, ele irá se degradando, até se tornar talvez outra coisa.” (veja mais na entrevista de Paula Alzugaray com Artur Barrio na Trópico)

 

Abrigando atitudes como a de Barrio ou Brusky, a instituição transforma-se em um “arquivo vivo”, que acumula não só objetos mas modos de trabalho e de pensar. Como articulado por Lisette Lagnado após tratar as várias formas de resistência que artistas como Barrio ou Brusky empregam em relação aos modelos clássicos de museografia, “os alvos são múltiplos e mudam de época para época, mas na origem a crítica institucional se dirige à autoridade das técnicas e práticas do museu e da formação de suas coleções. Aventa-se um museu transdisciplinar, sem acervo, sem paredes, virtual, personalizado, mutável, sem endereço geográfico.” A bienal, por não ser um museu com tarefas de conservação e resguardo, é um espaço privilegiado para a elaboração desta forma de crítica institucional.

 

Após tantas idéias instigantes sobre a relação do artista com a instituição, Lagnado passou a palavra a Jennifer Tee (http://www.teeteetee.nl), que de certa forma utiliza a estrutura da instituição para construir um espaço próprio, ou nas palavras da artista holandesa, uma pequena sociedade, um grupo com o qual ela construirá um mapa do existir, um pequeno planeta estruturado nas relações que ela estabelece com um grupo específico de interlocutores, formado por outros artistas e amigos. Tee exibiu um dos resquícios deste processo de contrução de seu mundo, imagens animadas lírico-psicodélicas, arquivadas em seu web-site, e que formam uma sequência narrativa da construção deste “outro mundo”: formas geométricas bi-dimensionais antecedem sólidos tridimensionais, por sua vez seguidos de abstrações mais orgânicas que caminham para estereótipos da natureza idílica, como um arco-íris, beija-flores e árvores tropicais. Jennifer reproduz nessas animações elementos que estarão instalados em sua obra na bienal como a árvore de cabeça para baixo e uma tenda, que formarão um espaço para o publico sentir-se confortável. A árvore, no entanto, foi um elemento de desconforto durante o debate com a platéia: Jennifer narrou que, em seu processo de elaboração da obra, comprou e cortou a raíz de uma palmeira de 25 anos de idade, e descreveu de forma divertida a comoção que seu gesto causou nos vendedores de plantas do CEAGESP. Ainda que a “polêmica da árvore” possua todos os elementos necessários para ser descartada como ingênua, é importante ressaltar que a ingenuidade que permeia a obra e o discurso de Jennifer Tee mascara questões mais densas como a discussão sobre a liberdade moral do artista.

 

O discurso ingênuo de Jennifer Tee deu lugar à recusa do discurso nas falas de Ivens Machado e Melik Ohanian. Ohanian descreveu brevemente a video-instalação que preparou para a bienal de São Paulo, que dialoga com o cinema, e falou sobre seu desconforto com a instituição ao afirmar que sentia-se totalmente desconectado dos outros mais de cem artistas da bienal, e que, ao contrário de Jennifer Tee, não encontrara em S. Paulo um espaço de troca nem tampouco um modo de identificar sua obra com o evento institucional que o trouxera ao Brasil.

 

Ivens Machado também resistiu à fala: “querem fazer falar quem não quer falar”-- talvez um indício de que palestras de artistas sejam uma imposição do meio cultural tão incômoda a alguns artistas quanto imposições de montagem. Lisette Lagnado lembrou que para outros artistas o discurso é elemento importante para a obra e complementa muito bem o trabalho de arte. Machado discorreu de forma bastante pessoal sobre o papel de artista escolhido como representante do Brasil, conectando este papel à questão da identidade, e da falta de identidade geradora de inseguranças. Machado afirmou sentir-se hoje tão inseguro perante a instituição Bienal quanto sentiu-se em sua primeira participação neste evento, em 1973.

 

Arriscando um diagnóstico generalizante, talvez possamos entender o desconforto dos dois artistas como um indício do mal-estar que permeia o relacionamento do artista com a instituição. Resistência e dependência, que geram um incômodo ainda maior quando se ocupa  uma posição burocrática e estranha à natureza internacional da arte contemporânea como a do artista que representa uma nação específica na bienal de S.Paulo.

 

(Paula Braga)