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Catherine David [íntegra]

Por problemas de gravação, a transcrição desse evento está truncada. Leia aqui alguns trechos:

Lygia Nobre

Esta noite, o encontro com a Catherine David é o encontro de duas plataformas de debate, o do Fórum Permanente de Museus, coordenado por Martin Grossman, e o São Paulo S. A., coordenado pela Exo e dirigido por Catherine David. A EXO é uma ONG que surgiu há dois anos e que procura fomentar um fórum de debate sobre as práticas culturais multi-disciplinares contemporâneas e questões sócio-políticas que permeiam a nossa sociedade

Martin Grossmann

Este evento, que acontece em rede, tem como “sustentadores” os vários parceiros, que eu gostaria de agradecer: Lorenzo Mammì e o Centro Cultural Maria Antônia, por nos ceder o espaço, os consulados Francês e Holandês, participantes neste evento de hoje, a Art Unlimited e Peter Tjabbes, além do Instituto Goethe, que dá toda a logística do Fórum Permanente, que acontece desde o ano passado e conta, ainda, com vários parceiros além dos já citados, como o British Council e a Pinacoteca do Estado de SP e outros e está sendo documentado em site específico, ainda temporário, disponível para consulta.

Catherine David

Boa noite a todos. A idéia esta noite é que todos possam se expressar se necessário e que façamos uma interlocução com o Laymert, não quero falar apenas eu mesma. (...)Falarei de ] trabalhos que se desenvolvem em tons heterogêneos e em espaços não contíguos e que utilizam narrações únicas, ou seja, explodidas. Neste tipo de situação, acho que a questão não é de se lamentar, a questão não é de restringir a expressão / proposição dos autores/artistas e limitá-los de forma absoluta ao formato clássico, sem dizer os efeitos que produzem. Temos a impressão de chegar cedo demais, a experiência ainda não começou, ou tarde demais, já está terminada, e devemos, enquanto espectadores, nos satisfazer de restos. Parece-me que o que está em jogo nesses novos formatos é a possibilidade de tornar visível, e às vezes acessível, a públicos heterogêneos e, isso em casos em que, dependendo de um momento, de um estágio de um projeto, pode convocar um público heterogêneo, o que não impede de acumular estes diferentes públicos e tratar de modo totalmente personalizado o projeto, mas ao contrário, de poder fazer circular as imagens e idéias em diferentes níveis para diferentes públicos em momentos distintos do projeto. Também é muito importante mencionar que a maioria destes projetos remetem a novos paradigmas e processos hermenêuticos que não pertencem a um conhecimento eminentemente técnico, mas que produzem uma certa quantidade de conhecimentos e efeitos singulares, e que cabe transmitir ao público contemporâneo, em sua extrema diversidade, de modo menos frustrante e menos enganosos possível. Por modo menos frustrante possível, não quero dizer uma atitude de poupar o público, e de evitar-lhe a dor ou a reflexão em vista da experiência, mas sim de remeter a situações onde fique possível convidar este público e permitir-lhe se confrontar ao projeto.

Mencionei anteriormente os efeitos complexos de um projeto contemporâneo, e que freqüentemente se articulam de modos muito diversos e complexos. Freqüentemente, ao apresentar um projeto contemporâneo, deparamo-nos com comentários por parte da imprensa e do público às vezes bastante desmerecedoras, alegando que nada é compreensível, que não é uma exposição ou que nada há a ser visto, e que, portanto, tudo isto não é arte já que não é visível. Isto parece-me remeter, em certos momentos, às produções da avant-garde histórica e que voltam à nossa época, a questão do visível, a questão da relação entre o discursivo e o visível são questões muito complexas, que se tornam muito freqüentes em nosso século e que estão longe de ser inocentes.

(...) Gostaria agora de passar a um caso específico, uma possível entrada em um projeto contemporâneo, de um artista alemão, Lukas Einsele. Peço permissão para apresentar esta noite algumas imagens, que nos remetem a um projeto muito singular, cujo título é One Step Beyond, “Um Passo Além”, e aí começa a dificuldade. Se devo introduzir este trabalho, não posso dizer um trabalho sobre, nem um trabalho com este fenômeno contemporâneo muito difundido e pouco conhecido, que são as minas anti-pessoais, e ainda é um trabalho que aborda esse fenômeno dentro da multiplicidade de seus aspectos e efeitos, econômicos, militares, psicológicos, médicos, políticos, e eu esqueço sem dúvida alguns mais. Gostaria de mostrá-lo e para isso faremos um pequeno passeio pelo computador

Faço uma pequena introdução ao projeto com algumas imagens que são bastante expressivas. É um projeto que foi se constituindo aos poucos a partir de uma preocupação deste artista com a questão das minas anti-pessoais, e que começou a trabalhar produzindo certa quantidade de documentos, que são todos quase fotografias, ainda que algumas destas tenham estaturas extremamente diferentes, a saber, algumas como estas que são retratos no sentido estrito, ou seja produzidos na sala em que o fotógrafo estava face a face com seu sujeito alvo, e usando técnica em que o sujeito fotografado não ignora que está sendo retratado, (...) os sujeitos dos retratos na sala foram todos vítimas de minas anti-pessoais, e o que não se vê na foto, e que é proposital por parte do artista, não são as mutilações dos sujeitos em questão. Outras imagens, que remetem a outro aspecto do fenômeno, são essas fotos do grupo, onde os diferentes sujeitos foram fotografados em grupo, com sua aquiescência, imagens tiradas após o acidente, em Angola, onde todos estão mutilados.

Até o momento, o projeto se desenvolveu em quatro locais precisos, que correspondem a países onde as minas anti-pessoais foram usadas de modo intenso, Afeganistão, Angola, Bósnia e Camboja. Deste não tenho imagens, por ser viagem recente, e as imagens ainda não foram processadas. Outros elementos aparecem neste projeto, testemunhos registrados e filmados e desenhos feitos por vítimas de minas anti-pessoais para pouco a pouco explicar a si mesmas as ocorrências

(...) [O] que está em questão são estas abordagens de um assunto de um autor em relação a um fenômeno, um alvo, que são as vítimas. Também esqueci de mencionar outras imagens, como estas que identificam a extrema diversidade de dispositivos e minas anti-pessoais e as de menores ao redor de Cabul e como isso afetou seus hábitos de vida e trabalho.

Poderemos posteriormente passar à segunda parte da discussão. A questão que se coloca com um trabalho deste tipo é como apresentá-lo. E quando começamos a tratar o trabalho, a primeira demanda que foi apresentada foi a de poder apresentá-lo no centro de recuperação que essas vítimas freqüentam. Evidentemente, isto poderia parecer um detalhe, quase uma anedota, mas é uma demanda absolutamente legítima, mas não é trivial para um administrador conseguir a aprovação de um orçamento deste tipo, já que do ponto de vista da economia do projeto e é no mínimo estranho obter um financiamento em que parte será destinada a um destino longínquo e não retornará à exposição, como é o caso da parcela do projeto que previa de antemão a produção de imagens em formatos muito grande em papel plástico especial e, portanto, bastante caros, que foram enviados ao Afeganistão para ficarem definitivamente nos centros de reabilitação em questão.

Em segundo lugar, há vários tipos de imagens, nem todas a serem apresentadas, algumas que beiram as imagens de revistas, e que cabe perguntar se não seria o caso de publicá-las em revistas mais contemporâneas, mais voyeuristas, como por exemplo Paris Match, ainda que me pareça que a realidade do contexto das minas anti-pessoais ganharia por ser conhecida, não somente em lâminas expostas, e nisso também o projeto me parece muito interessante, já que é um fenômeno que remete ao econômico, ao político, ao social. Ainda em relação aos novos formatos, e ainda que se possa apresentar as lâminas em uma exposição fotográfica clássica, mas que não é o todo do projeto. O projeto deve passar por outros momentos, que são momentos de informação, momentos de discussão, momentos de deslocamento, no sentido em que há toda uma parte do projeto que não tem nada a ver com jornalismo, ele ocupa por parte do assunto, dos espectadores um outro tom, um outro contexto que não é o do jornalismo, mas que inclui a sociologia, no sentido em que a diferença entre um trabalho sociológico e o mencionado é a possibilidade de se confrontar com vários elementos do poder, é o modo de se inventar nos processos, ao longo da descoberta do sujeito, e aceitando ser profundamente influenciado pelo sujeito, influência esta que nos faz experimentar de algumas arestas, de algumas categorias e que nos permite escutar de modo diferente, transcrever de modo diferente o discurso alheio. (...) Vi recentemente diferentes desenhos folhas de caderno, (...), todos desenham como podem e é absolutamente espantador ver como os cambojanos, os bósnios, os angoleses desenham de formas bastante diferentes, por exemplo percebemos que as folhas dos cambojanos deveriam ser passados por processos fotográficos ou de fotocópia, por terem sido tão levemente tocadas pelo lápis. O que é absolutamente perturbador com estes desenhos, há um mapa que foi feito em Angola, em que foram marcados os locais precisos onde [pessoas] faleceram. O que é muito perturbador com esses desenhos é o conjunto que eles apresentam e que, evidentemente, não ressaltam simplesmente conhecimento militar pura e simplesmente, que não ressaltam simplesmente os registros para referência posterior, simultaneamente sobre a memória e deslocamento (...) Assim, tudo isso leva tempo, recursos, e ainda há a questão, hoje, de como articular o projeto, de fazê-lo circular da maneira mais adequada possível. Evidentemente uma exposição dos retratos, sem dúvida a circulação em outros meios de outras imagens das minas anti-pessoais, dos campos minados, do desarmamento de minas. Outra possibilidade é uma publicação, interdisciplinar, com intervenção de filósofos, médicos, testemunhas, especialistas militares, etc, e do próprio time do projeto, e levando em consideração que o projeto continua em andamento, principalmente no Camboja. Assim, nesse caso saímos da situação de uma exposição clássica, e a questão é não mutilar este projeto, não trancá-lo em uma exposição puramente fotográfica, uma vez que ele põe em jogo outros métodos, níveis de elaboração, outras representações possíveis, não cabe colocá-lo em algumas fotos e, pronto, estão todos contentes. Acho extremamente importante desenvolver o projeto, mesmo se, evidentemente, do ponto de vista da instituição, isso não seja muito fácil. Parece-me que, se podemos fazer um questionamento, hoje, da posição da instituição em face do formato, devemos questionar-nos de uma forma algo complexa. Não creio que haja uma obstaculizarão sistemática, penso que há resistências, que têm a ver com a economia da exposição, da relação com o público, e com a audiência contemporânea. Creio que as soluções, são soluções temporárias que façam com que os projetos sejam circulados por modos os mais adequados a públicos diferentes, estes públicos sendo extremamente heterogêneos, constituídos por competências, origens e formações extremamente diversas. Antes de passar a outro projeto, gostaria de passar a palavra a Laymert.

Laymert

Gostaria de agradecer o convite que foi feito pela Catherine para participar desta discussão. Acho que temos uma questão aqui muito interessante, por que, de certo modo, o que aparece no discurso da Catherine é que já não se coloca mais para ela a questão de ficar discutindo a instituição. Se a instituição pode ser reformada, se a instituição exige demais, se a instituição comporta ou não comporta. Eu acho que há um problema com a instituição, mas acho que o foco da questão não é esse, mas sim a seguinte questão: Como expor os públicos à experiência estética? A experiência estética contemporânea, que vai exigir espaços/tempos diferentes, formatos diferentes, e meios diferentes. Então, cada projeto se torna um projeto que exige uma estratégia de exposição. Acho que há uma grande diferença em relação a uma situação clássica, embora esta possa ser contemplada também, pois de certo modo, esta exigência de outro modo de expor os públicos a uma experiência estética supõe que, nas instituições, esta experiência está, freqüentemente, viciada. Viciada, não necessariamente no sentido puramente negativo, mas pelo fato destas, muitas vezes, darem prioridade às suas necessidades e, portanto à experiência do consumo estético em detrimento da experiência estética em si. Assim, muitas vezes a experiência do consumo estético reduz a experiência estética, e aqui (no caso exposto por Catherine David) se trata de expor, no sentido forte da palavra, a experiência estética, o que exige estratégias novas. Exigindo estratégias novas, e como cada projeto é único, é preciso encontrar os meios, as formas de representação, os públicos a cada vez, o que é, evidentemente, muito complicado para a instituição lidar. Neste caso em questão, note-se a primeira exigência ética feita pelo artista, de que as pessoas que participaram do projeto não têm que fazer parte apenas como objeto da ação do artista, mas querem continuar convivendo com essas imagens, de certo modo querem continuar o projeto à sua maneira, o que penso ser muito interessante, pois o ato de expor, no sentido forte do termo, a uma experiência acessível e expor a experiência acessível daquele que está produzindo esta experiência, é um ato que pode continuar, que não se esgota no momento em que algo está realizado. E isso não é só sobre objetos mostráveis, mas nem mesmo de processos mostráveis. O foco é sobre envolvimentos de situações estéticas específicas que valem a pena ser trabalhadas. Isto é muito forte, pois de certo modo, não se trata mais de ficar perdendo tempo com a discussão do museu ou ficar discutindo se se pode reformar o museu. Evidentemente, essa não é uma situação nossa, é uma situação européia. Aqui creio que há uma situação ainda mais complicada. Tenho impressão, de alguém que não é do universo artístico institucional, eu falo na qualidade de um espectador que se submete às experiências, eu acho que, no caso brasileiro, a política institucional é tão tímida, por ser ao mesmo tempo tão frágil e insegura, busca tanto, se preocupa tanto com a necessidade do reconhecimento, que experiências ousadas deste tipo são muito difíceis de acontecer. Creio que a instituição artística é muito tímida, não só porque busca ser reconhecida dentro do circuito artístico, de consumo cultural, mas por outro lado porque creio que as instituições aqui em geral, e posso estar cometendo um engano, são muito tímidas em pensar sobre o que é a experiência contemporânea que não seja redutível ao plano da experiência de consumo cultural. Tenho a impressão que é muito tímida porque no próprio capitalismo contemporâneo, a exigência de uma experiência maior que a experiência de consumo se faz necessária para podermos entender o próprio capitalismo contemporâneo. E eu diria em função de duas razões: a primeira é que o capitalismo de ponta lida fundamentalmente com o virtual, seja ele na versão tecnológica, seja na econômica, e lidando fundamentalmente com o virtual, lida portanto com margens de indeterminação, tem que sempre se “sacar” qual é a situação. E se já partimos, a priori, de todos os parâmetros que são dados praticamente pela instituição, ela já perde essa dimensão que é de “sacar” a situação. Então, de certo modo a instituição torna-se conformista e reduz aquilo que poderia ser uma experiência estética eminentemente contemporânea em uma experiência de consumo.A segunda razão que complica, é que se quisermos entender o capitalismo contemporâneo, além da questão virtual e da margem de indeterminação, precisaríamos ver que a estratégia de aceleração total da tecno-ciência e do capitalismo global criam situações nas quais as pessoas que estão incluídas e excluídas são de temporalidades específicas, e estas temporalidades que acolhem a estratégia de aceleração total nem sempre estão de acordo. O fato delas serem conflitantes e contrastantes exige que lidemos com temporalidades diferentes. No exemplo que a Catherine deu aqui, creio que é que duas vezes ela apontou uma nuance, muito importante, pois ela disse “não se trata de fazer sociologia”. Já que se está abandonando, de certa forma, o terreno seguro e balizado, não vamos pensar que, só porque estamos lidando com uma situação complexa que tem todas estas dimensões: econômica, política, ética, social, artística, etc, que isso signifique que se vá fazer sociologia. Este é um aspecto que eu gostaria de sublinhar, pois freqüentemente assumem que quando saímos de uma situação estética habitual temos que cair numa espécie de sociologia. Se cada trabalho pede uma estratégia específica, trata-se de perceber o tipo de abordagem percebido pelo artista enquanto material estético, abrangendo todas as dimensões citadas, e não como material sociológico. Trata-se de lidar com uma experiência que permita uma abertura do ponto de vista do sensível, uma transformação da sensibilidade, mas, por outro lado, também com a compreensão dos paradigmas complexos que o tabalho está tratando. Ou seja, que tipo de transfoirmação esse trabalho está fazendo para criar essa situação que exige essa experiência estética. Há um outro ponto, em que o trabalho que ela apresentou aqui é emblemático do ponto de vista desta discussão, não só pelo seu título, “Um Passo Além”, mas porque é um trabalho que contém todas as dimensões mencionadas, e em que ela mostra como é preciso agenciar exposição com determinado tipo de publicação, com determinado tipo de circulação, etc. Cada componente que compõe a experiência exige um tratamento adequado. Isso tudo é muito interessante.Num certo sentido, ela disse que todos os meios são bons ou ruins. Outra coisa interessante é a observação que ela fez é que expor os públicos a experiências é, de certo modo, transformar a experiência estética numa experimentação, e, ao fazê-lo, é aí que a experiência se torna uma experiência contemporânea. Perder os parâmetros que já temos. Nesse sentido a proposta é nova, ao mesmo tempo em que percebemos a dificuldade em estabelecer estratégias para a viabilização de projetos deste tipo. Gostaria de ouvir um pouco mais sobre como ela faz para levar adiante projetos deste tipo.

Catherine David

(...) Não é demais dizer que la foule (as massas) árabe que fotografamos, tem pouca oportunidade de aparecer na mídia, esta foto foi tirada de um terraço, no Cairo. Trata-se de uma estratégia modernista, pois não vamos dizer que estamos visitando a rua árabe, a rua nomeada com os clichês de sempre, isto é, como sinônimo de que árabes sempre usam turbantes, por exemplo; aqui no caso, são as massas politizadas, nas ruas. Aqui estamos falando da publicação, porque além das imagens, o texto é importante. mas aqui não se trata do catálogo de uma exposição. O artista quis ressaltar aspectos a publicar em revistas; as imagens de Beirute são fundamentais, estas duas capas ou fotos são , ambas, imagens emblemáticas: não falam dos mártires de tempos de guerra, mas dos mártires de hoje. (..) A idéia é continuar trabalhando com [o projeto] Tamass, palavra que tem um sentido absolutamente preciso. Trata-se de vocábulo do séc. XVI, com cunho também erótico, que voltou a ser bastante empregado em fins dos anos 60, e que retrata as fronteiras entre o Líbano submetido — linha conflituosa — e, por outro, uma face do país que se abre ao mundo ao redor. Claro que não fui eu, sozinha, que descobri esta palavra para coloca-la no título; meus conhecimentos de árabe não são tão profundos. Houve muitas reuniões, seminários, ligações telfônicas, brainstorming com vários outros autores próximo à “causa”e chegamos a este termo num encontro em que os palestinos estavam presentes em grande número. Mas além da revista, a linha editorial engloba também dois livros que foram lançados: uma monografia de Rambashas, sob título genérico “Lê même ...?” e o outro, texto teórico de arquitetos franco-libaneses, Lapaux et Michel Laferre, publicado em 4 idiomas. Esta que se vê é a edição hispano-inglesa, com quadro sinótico e texto teórico que faz a análise da situação em beirute: o quanto a guerra está presente no espaço urbano. A outra vertente é sobre as paisagens ao sul do país. De que adianta trabalhar por tanto tempo , com tanta proximidade, com um autor? Creio que, neste caso, vemos que em Beirute há’, neste momento, uma linha divisória e dentre os diferentes trabalhos e autores, naturalmente que todos contribuem à produção de representações, alguns que fazem com que nos confrontemos com uma guerra que já acabou, outros que querem mostrar que ela continua, por outros meios. Sem querer me alongar mais, rapidamente vamos passar por 3 séries que foram mostradas no livro, trabalho concreto e intelectual de personalidades, poetas, ativistas, etc., expressões da cultura cairota, série de trabalhos esta interessante em relação aos trabalhos desenvolvidos em S. paulo, aqui no Brasil; trata-se de imagens muito precisas, temos a impressão de que estamos no Alto Egito ou na Nubie (Sudão) ou no Egito mas na verdade estamos numa das ilhotas, no Nilo, a 3 minutos dos grandes hotéis da cidade, de barquinho, o que dá uma idéia dos diferentes espaço-tempos, que coexistem, nesta cidade. Não é anedota, mas apenas en passant, este episódio em que vemos um momento de extrema tensão, quando as pessoas tiveram que se confrontar com iniciativas de construção de um mega resort na área. Obtiveram o apoio dos intelectuais e o escândalo se alastrou, de tal forma que a idéia morreu e as pessoas puderam remanescer em suas casas, na lama, em casa. Vamos à última série: Os terraços do Cairo. Também nos remetem as um olhar bem preciso, único, sobre o Cairo. “A Vida nos Terraços”, estilo que se desenvolveu desde os anos 20 (...) Ficamos com esta visão talvez cheia de clichês, demasiado, quando mostramos as imagens, porque não imaginem vocês que ao falarmos da vida nos terraços é um luxo, não. Aí habitam as pessoas mais pobres, mas que pouco a pouco abre lugar a outras pessoa, porque a vista é mesmo bela. Neste caso, a questão do formato é diferente da que se coloca em relação a um único artista, como falávamos há pouco de Lukas... aqui, se trata de zelar para que as informações circulem da maneira mais complexa possível, complexidade desejada e que o público deve respeitar. Jornalistas que rapidamente julgam, erram. Quando um seminário é fechado, o público não é o mesmo e o nível de compreensão é outro do que de pessoas que não estão acostumadas a ver obras da arte contemporânea árabe. principalmente após as vagas de imigrações, especialmente após ao anos 20, como a questão dos marroquinos que imigraram dos anos 60, os pieds noirs e que se sentiram feridos e talvez até tiveram que endurecer um pouco, por isto, quanto a seus valores e futuro, ao ponto que se tornaram mais reacionários na Europa do que os marroquinos que ficaram em seus país de origem. É um caso de exceção mais delicado do que a Espanha, onde os públicos são bem sensíveis em função da proximidade com o mundo cultural, a histórias, atualidades, etc. As distâncias ... A imprensa também dá um tratamento diferenciado e lá a demanda é maior, . Disto isto, parece-me que aqui a demanda é maior. Para este tipo coloca-se a questão da velocidade e das comissões de produção, pois são projetos de médio ou longo prazo (requerem energia) e visão ( há o efeito cumulativo em projetos de longo prazo).  Projetos assim nunca são grandes castings, não é a Nouvel Art do Mundo Árabe. Não têm a mesma ressonância. Está claro que terá a mesma circulação e visitação imediata como um projeto mais do estilo “globalizado-globalizante (...) Certamente que me esqueci de falar de muitas coisas, mas quanto à questão do formato, é um projeto também de longo prazo. É um projeto que me é caro, conhecer o autor mas também o “tempo”necessário para que entendamos como podemos operar no interior dos mais diversos países, quando temos de nos confrontar com situações já pré-existentes e, na melhor da hipóteses, à vezes contribuímos `a sua consolidação. São situações extremamente frágeis, por outro lado, porque depois que deixamos o país, como nos assegurarmos de que haverá continuidade? Uma colaboração verdadeira, vamos explicar tudo, para lá, as pessoas saibam como dar continuidade à mostra, damos idéias, ou seja, um projeto assim não é de um grande museu: é parceria, co-gestão. Na vida prática, o rizoma vai crescendo. Podemos trabalhar com muita liberdade, por incrível que pareça, com os parceiros os mais variados. São projetos possíveis.

Grossman:

Foi muito bom a Catherine ter apresentado este segundo exemplo da estratégia que ela tem. Na primeira parte fiz longos comentários, então agora não falarei tanto. De uma certa forma, sou o advogado do diabo. Não farei isto. O que achei interessante, quando o Laymert também falava, é que o ponto de vista da Catherine não é o da instituição. Talvez pudéssemos falar do ponto de vista do mediador. Isto me interessa mesmo, a questão da liberdade, da relação  com o artista. Uma instituição cultural fechada acaba cerceando a liberdade. Boa  parte dos dirigentes não tem este ponto de vista. Há a visão mais clássica e esta, a dela. Catherine tem feito isto de modo bem generoso, ela representa uma grande instituição. (..) Catherine também lutou por certos princípios. Neste sentido, não acho que os museus sejam, hoje, cadáveres. Como ela disse, sobre a década de 70, a questão que se colocava nos museus brasileiros, de impasse, precisamos de muita abertura. Já se permitia, na época, que os artistas trouxessem novas linguagens, diferentes da imagem tradicional e estática do museu. Hoje falamos de singularidade X pluralidade. A EXO e uma coisa nova em SP, estes centros de artistas, pessoas que respeitam a produção e não fazem limitações à multiplicidade. Muito bonito quando toda produção artística é vista com o “olhar inaugural”, como disse Catherine. Esse é o grande desafio

Público

Parabenizo por esta brilhante apresentação. Meu nome é Joana Araújo. Como a senhora definiria o processo cultural na arte contemporânea, no mundo das idéias, do desenvolvimento homem, do mundo vivencial e no mundo das idéias

Catherine David

(...) Pensa-se que a arte contemporânea pode servir e ajudar as pessoas. Este tipo de posicionamento me perturba um pouco. Proposições ... há os que se contentam em falar ... mas isto não é tudo. Quanto à DOCUMENTA, fiquei 100 dias lá, todos os dias via pessoas, obras diferentes, então voltando `a sua pergunta, não tenho nada contra as instituições. A DOCUMENTA foi um grande exemplo, de liberdade, energia, mesmo que houvesse muitas obras a serem mostradas em um espaço restrito até. Foi um maravilhoso espaço de exposições. Espero ter respondido à sua pergunta

Público

(...) Na verdade, há toda uma rede de informações, neste modo de vida hegemônico, pensar que em espaços teremos centros contemporaneamente “acanhados”, como os interesses das instituições são, em sua maioria, econômicos, quais são as categorias que absorveriam estes aspectos?

David

Parece-me que é problemático também defender modos de exposição extremamente contemporâneos, complexos. O trabalho teatral era acadêmico. Os desenhos também. Colocam-se as questões de ritmo, velocidade, economia. A academia não pode, às vezes, dar todo este contexto ao público (além do contexto artístico). É até questão de autoridade. O papel da instituições é até o de impor uma forma, um tema. Mas elaborar tudo isto leva tempo. Por exemplo, decidir o que é e não é “árabe”, quando se trata de dar acesso a outras manifestações do mundo artístico. Esta é uma questão fundamental, não só política: escolher os artistas, as obras a mostrar. Os desenhos eróticos no mundo árabe, por exemplo ... Podemos nos perguntar se a produção de um autor egípcio ... cujo trabalho é testemunho da história. Acho importante mostrá-lo. (...) A caligrafia é fundamental para os árabes, o Alcorão, as representações tradicionais. A produção fantasmática vale para o mundo árabe mas também para outros.