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Justapondo e combinando obras de arte: tarefa para um olhar aguçado (não muito influenciado pelo conhecimento)

palestra de Maarten Bertheux, diretor assistente do Stedelijk Museum de Amsterdã.

Marcelo Araújo

Este é o Fórum Permanente de Museus e hoje à noite nós vamos ter a apresentação do Maarten Bertheaux, que é o curador do Stedelijk Museum, de Amsterdã, que está aqui em São Paulo como curador da exposição de destaques da obra do museu que nós estamos inaugurando na Estação Pinacoteca, semana que vem. Então, para debater com o Maarten, nós temos também o prazer de contar com a presença do Professor Teixeira Coelho, professor da ECA-USP e, para fazer a mediação do debate, Martin Grossman, também professor da ECA-USP, que é o coordenador do Fórum. Eu chamaria os três aqui para a mesa e passaria a palavra para eles. Obrigado.

Martin Grossman - Mediador

Bom... Boa noite, é com satisfação que eu vejo que o Fórum atrai cada vez mais interessados e pessoas que também já estão... já são assíduas a esses encontros, muito me alegra isso, e antes de mais nada, eu realmente gostaria de agradecer à Pinacoteca e especialmente ao Marcelo Araújo pela receptividade, pelo entusiasmo com que ele vem apoiando estas atividades. Hoje vou fazer um anúncio do site porque há muito tempo eu não falo do site. O site era para ter sido lançado há um bom tempo atrás mas claro que a tecnologia sempre é que apresenta problemas, as pessoas nem tanto, mas o site do Fórum, que é www.forumpermanente.org , ainda um site temporário, está no ar. As pessoas, uma equipe voluntária, têm trabalhado com muito rigor e com muita dedicação na construção desse site e em boa parte vocês já podem ter uma idéia do espírito que a gente pretende apresentar nesse site e transformá-lo realmente numa plataforma de discussão continuada. Então aí, o site realmente faria um pingue-pongue com estes eventos presenciais e a gente realmente gostaria que vocês entrassem no site, se inscrevessem, e provavelmente, eu não vou dar uma data certa, mas a boa notícia é que conseguimos mais uma parceria e dessa vez é com a FAPESP, que é a Fundação de Amparo à Pesquisa, que tem o projeto piloto de conteúdo para a internet, e o Fórum entrou como um Beta-teste, nós fomos convidados a inserir conteúdo numa nova tecnologia que vai permitir que as pessoas interajam ainda mais com a informação. Depois isso merece uma atenção maior, mas nós vamos manter vocês informados pelo site e pelo e-mail sobre o desenvolvimento disso. Provavelmente o site vai mudar dessa plataforma atual do site temporário para esse projeto da FAPESP que se chama Plonetário em agosto desse ano. Então esta é a novidade nesse sentido. Sem mais delongas, eu só queria reforçar a importância das parcerias que o Fórum tem conquistado nessa vida curta. Além, obviamente do Goethe Institute, que é o organizador do Fórum, contamos com o apoio do British Council, do Consulado Francês, do Consulado Holandês  e também da Art Unlimited, agradeço muito o Peter Tjabes por sua contribuição e, nesse sentido, à Art Unlimited que nos permitiu fazer não só esse evento mas o da próxima quarta feira, dia 30, no MAM, e além disso, queria agradecer toda a equipe que está por detrás.

Então é isso, eu gostaria, então, só rapidamente de apresentar à vocês o Maarten Bertheux e contextualizar, acho que é importante que a gente entenda um pouco. Ele vai falar sobre a instituição, mas essa instituição, pelo menos para uma geração da década de 70, até 80, 60, 70, foi um museu tão importante, e continua sendo, mas como referência para artistas aqui no Brasil e no mundo, de tão... talvez da mesma magnitude do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. A referência da relação entre Arte Contemporânea, da produção de novas idéias era o Stelelijk que sempre abrigou isso. E para muitos artistas o Stedelijk foi esse laboratório nesse período. Eu acho que é uma dessas coisas, um desses pontos que o Maarten vai levantar essa noite. Além disso, gostaria só de ressaltar que o nosso convidado, ele na sua experiência, também já foi educador, e começou a sua carreira como educador, diretor de educação do Museu Boijman em Roterdã, e aí, hoje, atua na curadoria do Stedelijk . Agradeço nosso convidado holandês, agradeço muito a presença do Teixeira Coelho para debater... então, após a palestra nós teremos a contribuição do Teixeira e eu farei essa mediação, e depois disso abriremos para o público. Obrigado e bem vindo.

Maarten Bertheux.

Obrigado. Eu acho que nós começamos com duas desvantagens. Primeira, eu não falo português e segunda, nós teremos que trabalhar com slides, o que nem sempre é o modo mais apropriado de falar e ver arte através de slides. Então eu tentarei dar uma pequena introdução sobre o que é o Museu e depois eu falarei sobre a exposição. Está muito escuro... podemos ter um pouco mais de luz porque todo mundo estará dormindo em cinco minutos...

 

Ok. Esta é a primeira vez que tenho que utilizar este sistema  mas eu vou dar um jeito, então... ok... somente o neon deveria estar ligado... está bem... nós conseguimos...

 

Como vocês vêem aqui, este é o Museu Stedelijk , em Amsterdã, onde este prédio foi construído em 1895, dez anos depois que o famoso Rijksmuseum foi construído, ao fundo vocês podem ver a torre de lá, a torre do Rijksmuseum. Então o Rijksmuseum é um museu estatal que tem a principal coleção nacional holandesa, principalmente a arte holandesa do século 17. É um museu famoso, mas de certa forma, é um museu limitado, o museu do estado. Eu espero que meus colegas daquele museu não me censurem por isso... mas de qualquer forma... Nós somos do Museu Internacional e não foi assim no início, porque há o Museu Municipal, que é completo, que foi fundado por pessoas importantes da cidade de Amsterdã  e eles forneceram o dinheiro para construir o Museu, e no começo, na primeira metade do século 20, havia uma variedade de coleções. Por exemplo havia a importante coleção de Van Gogh, que está agora no Museu Van Gogh, que está entre o Rijksmuseum e o Museu do Estado. Nós tivemos vários museus históricos... nós tivemos várias coleções no museu, mas já no século 20, nós organizamos exposições, o que é um pouco interessante, de Arte Contemporânea, por exemplo, Mondrian, que foi membro de uma Fundação de artistas... ele começou a organizar exposições de artistas franceses que ele conheceu quando esteve em Paris. Então, por exemplo, quando Appolinaire veio à Amsterdã nos anos 20, ele mencionou, quando retornou à França, que este era o primeiro museu que expôs Arte Contemporânea, por que, como vocês sabem, a idéia como um todo, da Arte Moderna, somente começou, de certa maneira, principalmente com o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e Alfred Barr, o diretor, com sua equipe, fundaram o conceito de Arte Moderna e trouxeram a Arte Moderna para o público. Aquele modelo foi, de certa forma, também o modelo que foi seguido por um diretor famoso em nosso museu logo depois da Segunda Guerra Mundial, que foi Sandberg. Sandberg foi o primeiro diretor a implantar a idéia de expor também Arte Contemporânea, não só os trabalhos feitos em estúdio pelos artistas mas também os trabalhos de designers, também chamados de arte, para expor no museu, isto poderia fazer uma ponte com o começo da Arte Moderna... então, vamos dizer, a arte de Cezànne e Picasso.

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O que é interessante neste slide é que aqui vocês podem ver a nova ala, a chamada nova ala (new-wing), que foi a extensão em 1953 e, como vocês podem ver,  é um típico modelo de arquitetura de vidro que é típico das idéias de Sandberg naquele tempo. Ele tentou fazer um museu o mais aberto possível, então você podia ver pelo lado de fora o interior do museu. Este tipo de abertura era realmente uma meta de sua política e, estranhamente, isto se tornou o modelo, mais tarde, para o prédio do Centre Pompidou, em Paris. Mas então, Sandberg e seus 45 funcionários começaram a organizar as exposições. Ele chegou a organizar 20 exposições por ano, o que é uma enormidade, se notarem que quase não havia dinheiro naquele tempo. Mas ele fez, por exemplo, exposição sobre Designers Gráficos da Suíça, ele organizou uma exposição sobre Cézanne e os Cubistas, ele organizou exposição sobre Arte Moderna Contemporânea feita por artistas holandeses... então era uma variedade de Arte Moderna Contemporânea e exposições de arte aplicada, tudo junto. E a situação logo após a Segunda Guerra Mundial... era tão difícil para a Arte começar de novo... quase não havia dinheiro, não havia qualquer tipo de infra estrutura para a Arte, para os artistas exibirem seu trabalho e sob a direção de Sandberg muitos artistas na Europa tiveram sua primeira exposição no Stedelijk Museum. Então, por exemplo, o Grupo Zero fez uma exposição muito importante nos anos 60, que teve início aqui. Também, artistas americanos expuseram pela primeira vez aqui neste museu, por exemplo, Rauschenberg  participou em 55 de uma exposição na qual também Tinguely, o artista francês, estava incluído. Então, através do entusiasmo e da atmosfera que foi criada para a Arte em nosso Instituto, nós nos tornamos muito bem conhecidos, e mais e mais havia a possibilidade nos anos 50, 60 para adquirir também trabalhos para o acervo... e pelo nosso bom contato com os artistas, houve um crescimento do acervo.

Aqui vocês vêem uma imagem de uma das salas do nosso museu, aqui no fundo também um trabalho de Mondrian e uma cadeira de Rietveld. Nós temos.... nosso acervo agora, eu diria, se deve ao fato de nós termos iniciado logo após a Segunda Guerra Mundial... a principal importância de nosso acervo é por ter sido criado a partir dos anos 50 até os dias de hoje, o que significa que nós não temos grupos de trabalhos tão importantes da primeira metade do século, mas com a exceção de uma enorme coleção de Malevitch e Mondrian e dos primeiros membros do grupo Abstracionista holandês que foi compilado pelo nosso museu. Este é o elemento forte, e tanto quanto Sandberg teve enorme interesse no Expressionismo... o Expressionismo, como vocês sabem foi anterior à Segunda Guerra Mundial  na Alemanha, então, a assim chamada Arte Proibida na Alemanha, através da influência política de Sandberg ... ele tentou reencontrar estes trabalhos ou esta Arte do início do Expressionismo e as arrecadou para o acervo do museu. Mas ao mesmo tempo, nós acompanhamos a vanguarda, e ao fazer isso, nosso acervo cresceu com novas aquisições que eram um tanto recentes, nós tínhamos um orçamento que não era tão grande quanto a da Tate Gallery ou do Pompidou, mas por ter estas exposições antecipadas de artistas de vanguarda o acervo é agora muito importante. Eu diria especialmente o período dos anos 70 e 80, nós fomos um dos museus que coletou Arte Minimalista, Arte Conceitual em um espectro muito amplo que faz agora com que nós sejamos muito importantes para aquele período. E claro, dos anos 80 e 90 até agora, há tantos outros museus na Europa e até nos Países Baixos que também colecionaram de uma maneira muito boa, então, nós somos agora um dos outros museus, nós não somos mais um museu excepcional, eu diria.

Eu vou sair da exposição aqui.. como vocês sabem, há muitas discussões acontecendo entre as direções dos Museus de Arte Moderna. A Galeria Tate recentemente abriu seu novo museu, o Moma em outubro abrirá uma enorme filial e todos estes museus têm os mesmo, como direi... não são problemas... há um tipo de situação na qual nós temos que repensar sobre como esta nossa tarefa como colaboradores de museus... como nós exibimos o desenvolvimento da Arte Moderna, como nós podemos despertar os interesses de um público mais amplo, um público que está constantemente mudando e cada museu atualmente tem que criar sua própria visão, sua própria especialidade para mostrar o acervo e reuni-lo para exposições. Nós ainda, de uma certa forma, continuamos numa linha que foi criada por Sandberg, portanto, nós ainda fazemos muitas exposições, principalmente de artistas contemporâneos, às vezes exposições solo de gerações antigas, mas também, nós precisamos de muito mais espaço para mostrar nosso acervo. A exposição que estará aqui em São Paulo é de um tipo que demonstra de uma maneira macro tanto uma proposta para demonstrar ou contar uma estória sobre os desenvolvimentos da Arte Moderna de uma forma que possa despertar o interesse do público. Então, o que nós fizemos foi criar um tipo de agrupamento, não numa linha típica, histórica, ou uma espécie de enciclopédia sobre como todos os tipos de arte trabalham juntas, não tão restrito, eu diria, mas agrupados em três tipos: um é o Abstracionismo, um é o Expressionismo e um é o que eu chamei de Invenções Conceituais – eu retorno a isso mais tarde. Então, com o começo da Abstração – esta é uma palavra de Mondrian – um trabalho Cubista, mas isto não é... isto é em outra palavra de Mondrian quando ele realmente se tornou o que chamamos de jeito neo-plasticista de combinar preenchimento de cores e linhas em horizontal-vertical, mas este trabalho é combinado com o trabalho de Robert Ryman, dos anos 70, e Robert Ryman tem um enorme interesse na estrutura da pintura, como vocês poderiam ver atentamente neste trabalho, as mentes aparecem algo semelhantes ao interesse de Mondrian na estrutura do trabalho. Portanto não se trata apenas de Cubismo e, até mesmo Mondrian era muito mais radical em seus trabalhos cubistas do que Picasso. Mas eu também enfatizaria aqui a forma como o trabalho é executado por Mondrian ... é muito mais detalhado e mais interessado em como ele... a pintura... as pinceladas são colocadas juntas.

Um outro trabalho que formam mais ou menos o início do desenvolvimento abstrato é um trabalho de Kandinsky, ao menos os últimos trabalhos dos anos 20, e este trabalho é combinado com o trabalho de Mangold, também dos anos 70 ou do início dos anos 80 e se vocês olharem para a estrutura e a composição de Kandinsky onde ele utilizou linhas... este tipo de linhas... que estão de lado a lado da composição assim como essas formas, as cores, de uma forma que, claro, era enormemente importante para um artista nos anos 70... vocês podem chamar isto de abordagem Minimalista... na qual o retângulo está combinado com uma forma oval assim como o fundo do retângulo está em amarelo... mas o que eu tento fazer é não trazer uma maneira histórica do início do Abstracionismo e em separado do desenvolvimento dos anos 70, mas sim numa maneira combinada nesta exposição... então... poderia despertar interesses, talvez um pouco, na direção dos aspectos formais do trabalho, não apenas no aspecto conceitual do trabalho, mas, para mim, a Arte Visual está de um jeito que deveria intrigar primeiro, basicamente nos aspectos visuais do trabalho, e talvez não tanto nos aspectos conceituais. Os conceitos, claro, são importante... poderiam ser uma fonte importante... mas... ao olhar para a Arte, eles deveriam despertar algum interesse no trabalho em si.

Este é um trabalho do tipo de abordagem Minimalista de Frank Stella e poderia ser, eu não estou certo em como esta peça estará, mas poderá estar próxima a este trabalho de Peter Halley ... e aqui vocês verão a continuidade entre as idéias de Peter Halley e o trabalho de Stella... Stella e Halley acreditavam na desestruturação das linhas e da composição, e Halley é, claro, de uma geração posterior, de uma geração mais nova, na qual ele colocava interrogações nos elementos formais do Abstracionismo, porque ele dizia, até mesmo os trabalhos abstratos de Mondrian não só carecem de uma reflexão na direção de modelos idealistas mas também poderiam ser um modo mais simbólico de se utilizar estes elementos e, na verdade, quando vocês lêem textos de Mondrian, nota-se que há mais por trás dos aspectos formais do trabalho, e isto é o que Peter Halley reforça quando ele faz este tipo de circuitos . Então estes são os tipos de circuitos que continuam, que cruzam outras formas. Para Peter Halley estes circuitos refletem elementos do fazer combinações, trajetórias, que nós temos também nas cidades, no tráfego, nas linhas dos fios de eletricidade, então, isto reflete mais elementos que estão além do aspecto formal também.

No grupo de trabalhos que nós selecionamos, no grupo abstracionista, também há trabalhos de artistas brasileiros Willys de Castro e também Oiticica, e eu espero que combinando estes artistas brasileiros será dado um contexto mais amplo... então poderemos vê-los junto a trabalhos de Frank Stella ou Donald Judd... isto poderá ampliar mais o contexto, porque para mim, a linguagem moderna internacional é entendida por todos os artistas, até artistas na África terão conhecimento, algum conhecimento sobre os desenvolvimentos que vêm acontecendo nas tradições da Arte Moderna. Então, todos estão acostumados às expressões visuais da Arte Moderna... mas haverá em áreas do mundo, haverá um tipo de dialeto de será levemente diferente da assim chamada linguagem internacional, que é mais ou menos imposta pelos desenvolvimentos europeu e americano e isto está mudando completamente, claro. Então, eu espero que, ao exibir trabalhos de arte do acervo da Pinacoteca, estes trabalhos não serão apenas vistos como elementos ligados à tradição brasileira, mas que possam dar a contextualização internacional mais ampla.

Este é um exemplo do Expressionismo atual... nós também temos trabalhos expressionistas de Karel Appel, e trabalhos de artistas americanos dos anos 50. Este é um trabalho dos anos 80 de Karel Appel, e nos anos 80 havia, claro, este novo enfoque na pintura após os desenvolvimentos da Arte Minimalista e da Arte Conceitual. Houve um enorme e novo interesse na pintura e Karel Appel, continua com seus trabalhos atuais, vocês poderiam dizer, fez imagens muito agressivas.

Nós também temos um grupo de trabalhos da assim chamada Escola de Nova Iorque ...(fim do lado A)

FITA 1 – LADO B

Este é um exemplo de Baselitz também dos anos 70. Baselitz foi, claro, um dos exemplos de artistas que se utilizou novamente de elementos figurativos em seu trabalho, o que era, nos anos 70, um tanto excepcional.

Nós temos slides que se referem à origem da Arte Conceitual e nós temos trabalhos de Duchamp na exposição, mas Duchamp utilizou objetos encontrados e ele usou imagens. Isto não foi um grande passo para a Arte, a Arte Pop com Warhol ...Nós tentamos combiná-los, também, com trabalhos de Bené Fonteles.

Este é o trabalho de Nogueira Lima... eu posso entender que o desenvolvimento na Arte brasileira pode ter sido influenciada pelas muitas Bienais que foram organizadas com outras exposições estrangeiras que vieram para cá, e eu espero que esta exposição proporcione novamente este tipo de ampliação do contexto, possibilite a comparação também.

Este é um trabalho de <<não reconhecido – em pesquisa>> dos anos 70 no qual vocês podem ver um exemplo do desenvolvimento do pensamento conceitual. Este é um trabalho típico de <<não reconhecido – em pesquisa>> e, levemente irônico, é chamado de ”Adieu”, o “Adeus”, no qual vocês têm uma pintura dentro de uma foto, o que é um tipo de palco – não está muito claro nesta imagem – mas há um tipo de cortina aqui que dá uma espécie de ambiente teatral e na imagem aqui da pintura, no cavalete da pintura, vocês vêem um homem entrando na floresta e ele está acenando adeus. Então, de uma maneira, este título, claro, se refere ao fim da pintura, aparentemente, no desenvolvimento da concepção dos anos 70. A idéia de que a pintura estava morta, naquela época.

Este é um exemplo de Nawman. Com Nawman nós temos uma coleção muito ampla de filmagens em vídeo e trabalhos em neon e a nossa coleção será uma seleção dos videotapes recentes combinados com o último trabalho, que está aqui, que se chama “Lavando as mãos”, o qual mostra o jeito obsessivo de limpar as mãos e combinando isto com as cores que vão se modificando suave e lentamente na imagem do lavar as mãos.

Este é um exemplo recente de Arte em Vídeo, também, é um Nam June Paik muito típico do período, então vocês vêem a combinação da câmera, do sujeito e a imagem do sujeito. É típico dos trabalhos iniciais em vídeo que... era muito básico, muito elementar o que era feito naquela época. E se vocês compararem com os trabalhos de arte em vídeo posteriores, que também estão aqui na exposição, eles vão muito mais numa direção onde os elementos teatrais, os elementos cinematográficos, ou o isolamento da arte em vídeo, como uma forma de utilizar a arte em vídeo, muito distante destes exemplos iniciais por Nam June Paik.

Também temos fotografia... Cindy Sherman.

Este retorna para a nova atenção para a pintura, no início dos anos 80... É um trabalho de Salle, David Salle no qual vocês vêem tanto a combinação de imagens, esta é uma fonte, uma pintura que está combinada com outras, com a imagem de um urso, imagem fotográfica... então todos estes elementos do tipo colagem que são típicos da pintura Pós-Moderna dos anos 80.

Podemos ter um pouco mais de luz?

Então esta é uma tentativa muito pobre para mostrar algo que é muito melhor de ser vista na exposição mas eu espero que vocês agora se interessem em ver a exposição que estará aberta na próxima semana, e é, talvez, uma ilustração da tentativa de fazer este tipo de combinações de modo que todos os agrupamentos de trabalhos criarão uma possibilidade de comparar e ver, porque eu penso que esta forma de comparação seja realmente a essência para um Museu de Arte Moderna. Ver os trabalhos pessoalmente, os elementos físicos dos trabalhos, experienciar estes tipos de elementos físicos, fazem de um museu algo completamente diferente do ato de ler um catálogo ou ver um livro sobre arte. E isto é, para mim, o desafio para criar este tipo de situações, nas quais o público estará mais envolvido, será mais desafiado a comparar porque não há uma História da Arte, há sempre diferentes Histórias.. quando olhamos para trás, por exemplo para o Barroco ou Renascença, ainda há publicações sobre <<não reconhecido – em pesquisa>> que são novos aspectos das formas que nós podemos olhar para a Arte e através do desenvolvimento da Arte Contemporânea... nós estamos olhando de uma maneira diferente. Então se vocês fossem um estudante como eu fui e eu fiquei entusiasmado pelo trabalho de Bacon, eu tenho certeza de que agora eu teria um olhar diferente para o último, digamos, para a Arte britânica pelo fato de que agora eu conheço os trabalhos de Damian Hirst. Estes tipos de novas expressões e novas invenções fazem com que você fique alerta e tenta fazer você se concentrar e conhecer novos desenvolvimentos que foram feitos antes. Obrigado.

Martin G - Mediador

Agradeço, então, a contribuição de Maarten Bertheux e sem muitos comentários, eu passo a palavra ao Teixeira Coelho, e depois disso, a gente, então, abre para o público. Por favor, Teixeira.

Teixeira Coelho

Eu esperava que você fizesse muitos comentários, assim eu podia me preparar um pouco... Você falou tanto no começo, antes de ele começar a falar e a mim você joga na arena, sem o pré aviso...

Bom, Maarten, obrigado pela exposição , pela palestra bastante interessante... eu pude entender algumas coisas do Museu e eu gostaria de dizer a você e também ao público que nessas circunstâncias, eu sempre me vejo muito mais numa situação de laboratório, tentando jogar um pouco com as idéias, muito mais do que, digamos, colocar o seu projeto específico sob um exame ou ver a exposição que você está fazendo, que eu não vi ainda, que não está pronta, então, não se trata de discutir a sua proposta específica concreta, mas a partir daquilo que você levantou, não é, brincar com algumas idéias. Então brincar com algumas idéias, inclusive, do meu próprio ponto de vista, com idéias que não estão formadas ainda, não é? Mas de fato você falou uma série de coisas interessantes, apropriadas, complicadas, problemáticas, que são problemáticas para o curador, para o diretor do museu, para o público, talvez quem sabe até para os artistas, também, sob certos aspectos, na medida em que os artistas hoje em dia estão largamente dependentes do curador e do historiador. Então há uma série de questões que são bem interessantes e o que eu vou fazer é levantar algumas destas questões numa situação de laboratório, sem ter muita certeza, enfim, do fundamento adequado daquilo que eu estou dizendo.

Apenas por um pouco de ordem, logo de início me chamou a atenção que você apresentou o seu museu como o Museu Internacional, você falou “este é o Museu Internacional”. Esta descrição do seu museu me parece ser bastante apropriada para o objeto que o museu coleciona que é a Arte Contemporânea. E, obviamente, eu estou dando uma ênfase a esta... qualificativo seu desde o ponto de vista do Brasil. No Brasil ainda, no Brasil de hoje, por exemplo, fica difícil para alguns responsáveis por política cultural entender que a Arte Contemporânea é de caráter internacional. Ainda recentemente, o ministro da Cultura do Brasil, ao decidir se abria a carteira para a Bienal de São Paulo, e quanto abriria a carteira para a Bienal de São Paulo, ele disse que o fazia, enfim, disse que dava dinheiro porque haveria atividades educacionais na Bienal, uma vez que se fosse levar por outros aspectos, ficaria devendo, uma vez que a Arte Contemporânea se afasta das famosas raízes nacionais, que ninguém sabe muito bem o que é. Então, como eu digo, para mim é interessante que um museu seja apresentado como um Museu Internacional, provavelmente, e eu tenderia a ver isto, do meu ponto de vista, não é o Museu de Amsterdã, não é o Museu da Europa, é o Museu da Arte que se faz no mundo, porque é Arte Contemporânea exacerbando uma herança que tem, pelo menos entre nós, uns cinco séculos, nunca se propôs outra coisa a não ser Internacional. Eu acho este ponto particularmente importante e se eu tiver um pouco de lógica no meu remendo rápido aqui, eu acho que ele vai aparecer um pouco mais adiante. Então neste ponto é bastante interessante.

Bom... Uma outra questão que você... eu suponho que eu faço tudo depois, né?, ele escolhe o que ele, o que discute... Uma outra questão que você falou, eu não sei se você falou com a intenção que eu vou destacar aqui, mas é interessante como um exercício para nós. Você comentou que hoje, com o aparecimento dos novos museus físicos, os prédios dos novos museus, você citou o caso do Moma, novas questões se colocam para os curadores... como mostrar as suas obras e, eu tenho a impressão que eu ouvi bem você dizer, como desenvolver, mais ou menos nestas palavras, como desenvolver uma forma própria de mostrar as obras. E pode ser que você não tenha pensado nisto mas para mim a conseqüência foi: como desenvolver uma marca do meu museu ao mostrar as obras, como desenvolver até mesmo um “brand” (marca) já que agente está falando em dinheiro e em uma série de coisas, a gente sabe que o marketing hoje é fundamental, como desenvolver um “brand” e mostrar as obras, qual é a forma deste museu mostrar, então a gente sabe... têm museus que dividem a sua coleção por princípios, enfim, de escola, de estilo, outros por linguagem, outros por nacionalidade, outros simplesmente por uma ordenação cronológica e esta sua observação, como desenvolver uma “brand”  para mostrar para o público e talvez até mesmo para ter um público. Então eu fiquei com perguntas do seguinte tipo: é possível o museu competir pelo público mostrando para esse público talvez a mesma coisa que o público vai ver num outro museu, porém de uma maneira diferente. E obviamente eu não tive muito tempo agora para pensar e ver quais museus têm de maneira marcada uma forma diferenciada de mostrar do outro. E a pergunta que eu te faço é também a seguinte... se a Arte, quer dizer, se o objeto que vai ser mostrado é internacional e passa por cima de barreiras, por cima de formatos e de formas, será... até que ponto será possível efetivamente chegar a rearranjos de exibição desta obra, deste objeto, sem violar o propósito mesmo do objeto, se é que isto é possível. Você falou ao final que na Arte Contemporânea não há uma História, há várias Histórias, mas eu não sei... é pergunta... eu não estou sendo, vamos dizer, não estou usando de um ardil em relação a você, mas você menciona... “em Arte não há uma História, há várias Histórias”, mas eu não sei se é um número ilimitado de Histórias... e, na verdade, quando você observa que um  Museu, que um curador talvez, vá se preocupar com a forma dele de mostrar aquele objeto que é mostrado por toda parte, se ele não faria, por exemplo, uma história que não pode ser contada, uma história que não está dentro da natureza do objeto. Mas achei uma questão muito interessante, esta, não é? E que talvez, de uma maneira ou de outra, inconscientemente ou não, vários museus perseguem, como vou mostrar de uma forma diferente... então esta aqui é uma questão interessante, também.

Uma outra questão, esta bastante nuclear, também, é aquela que diz respeito ao fato de que apresentando a coleção do museu, e sobretudo, falando sobre a forma pela qual você vai fazer a exposição aqui, você ressaltou que o gancho, digamos, o vetor, não é histórico, não é enciclopédico, não é pelo conhecimento, como eu acho que está até no título da palestra hoje, mas é por uma, um relacionamento até mesmo, digamos, fenomenológico com a obra. Ela está ali e ela me provocará alguma coisa. Muito bom. Esta questão e sobretudo a sua recusa... recusa relativa, não sei... a sua recusa de fazer uma apresentação histórica, que talvez seja intermediária porque, pelo menos no catálogo que eu vi existem... aliás você mesmo falou... existe uma divisão, que são as obras abstratas, depois as obras expressionistas, as obras de construção conceitual... aqui já a História entra um pouco de contrabando na organização, esta maldita História que nos persegue... a História é um pesadelo, de fato, do qual, talvez a gente não consiga, na nossa civilização, nos livrarmos. Mas, enfim... essa questão da História... ela é uma questão que persegue todos nós, não é? Ela persegue o artista, persegue o historiador... eu tenho um colega americano que trabalha justamente com educação de Arte, e que há 20 anos, há 30 anos ele não cansa de se espantar com o fato de que, segundo ele, a Arte é a única disciplina do conhecimento humano, da prática humana, que é ensinada muito mais pelos princípios históricos que ela tem do que por ela mesma. E isso ele fala há 30 anos, quando ele se firmou no cenário americano, falou há 20 anos, falou há 10 anos e parece que continua assim... parece ser difícil romper este ferrete da História ... eu me lembrei também do Nietzsche dizendo que da época dele, os críticos de Arte, os historiadores de Arte, enfim, todo mundo que trabalha com Arte, parece que sempre lida com a Arte pelos aspectos exteriores dela do que aquilo que ela mesma tem a oferecer. Aqui você estava nos dizendo “olha, eu quero apresentar esta obra... esta obra, você falou, mostrou o primeiro dele, do Mondrian, se não me falha a memória, tem uma questão de estrutura.. quero que esta estrutura seja refletida...” Mas quando você nos diz que você vai procurar, então colocar uma obra em diálogo com a outra, e até mesmo você diz, ”olha, o Kandinsky, que depois vai ter uma influência grande nos pintores, nos artistas da década de 70, etc” ... quando você faz esta aproximação no diálogo a História está outra vez embutida, de certa forma, aí... a História está embutida de certa forma... e a questão que eu faço, então Maarten, é que se a História está embutida, será que a saída não é, então, pegar um bisturi de médico e cortar esta ferida e deixar a História vir à tona de uma vez por todas  e ver o que acontece, porque ela entra de contrabando... quer dizer, eu não posso ver um artista aparentemente, não é?... eu acho que eu poderia ver se eu me esforçasse, mas na verdade, tal como as coisas estão feitas hoje, aparentemente eu não posso ver um pintor que lida apenas com cores no plano, cores e figuras organizadas, sem me remeter ao Kandinsky, portanto, sem deixar de recorrer à História. Esta é uma questão honesta, digamos assim, que eu faço a você... até que ponto nós conseguimos nos livrar da História, ou talvez não seja para livrar da História e vamos em frente. Mas é que pensando nesta questão de se livrar da História ou não se livrar da História eu tentei muito rapidamente, não deu tempo de fazer isso e acho que eu vou dizer aqui, talvez não tenha nem um décimo do fundamento que eu gostaria que tivesse... mas eu me perguntei como é que se dá a questão da recepção do que ver, não a questão da recepção que isto é muito empolado, mas, como é que se processa essa relação entre quem vê e a obra no campo da Literatura... as pessoas que lêem, nós que lemos livros, nós que vamos ler um romance escrito hoje, quando eu vou ler um romance, eu tenho na cabeça, automaticamente, todos os postulados e pressupostos da escola anterior, ou de uma escola do século XIX, ou não tenho?... ou eu já interiorizei tudo isso e a minha leitura é automaticamente historicizada, enquanto que no caso das Artes Visuais e Plásticas eu ainda tenho que formular esta historização, construí-la como um andaime, entrar no andaime para daí pegar a obra efetivamente... e aí vem uma pergunta que eu acho que é inevitável... isso faz parte realmente do processo ou somos nós, os críticos, os curadores, os diretores, que não conseguimos nos livrar de toda esta construção para deixar realmente o público ir ver a obra de peito aberto... Quando a gente diz “ah, temos que por uma etiqueta, temos que dizer que aqui é abstração, que aqui é expressionismo”, a gente no fundo está dizendo “coitadinhos, eles não vão conseguir entender se a gente não disser alguma coisa prá eles”... então não há nenhuma novidade nessa questão que eu estou te falando, mas eu, de certa forma, fico... não vou dizer incomodado, mas eu fico sempre surpreso como estas questões reaparecem e reaparecem e reaparecem... No encontro de curadores, da Dinamarca, há 15 anos atrás, esta era uma das questões... o que o público vê quando vai a uma exposição... ele vê a obra ou ele vê a História... então ele sente ou compreende ... ou nem uma coisa nem outra... mas enfim, não sei se você pode ter um quadro de como fica, então, a questão da História, se ela se reintroduz no jogo, outra vez, por contrabando, se não tem como evitar isso, se é assim mesmo... e se for assim mesmo, qual seria a maneira, quem sabe, de levar isso até um ponto em que exploda esta tendência e a gente começa de uma outra forma... e obviamente isso para mim tem a ver com a possibilidade de, por exemplo, o seu Museu, ou este Museu ter uma forma própria de expor as obras... não me refiro tanto à questão física, mas justamente a esta concepção geral das coisas, ou se não há nenhuma forma mesmo, se toda vez eu vou recontar uma História diferente, o que seria uma possibilidade interessante...

E talvez mais uma... uma... ligado com isto aqui... me ocorreu uma coisa... a respeito da coleção... esta forma que nós temos de ver as coisas... ela... tanto quanto eu sei... ela é uma forma datada, quer dizer...nós estamos fazendo todo esse... o nosso Museu é o Museu Iluminista... ele é um Museu que categoriza, ele é um Museu que acha nichos para todas as coisas... depois ele vai dizer que todas as coisas estão relacionadas, mas a primeira coisa que ele faz é dizer esta coisa não se relaciona com a outra, esta coisa é distinta da outra... esta forma  nós trazemos daí... e eu percebo que a sua proposta de simplesmente colocar uma obra ao lado da outra é uma busca de tentar romper essa herança que nós temos... Agora... então, me ocorreu... muito bem... esta é uma forma, então, que nós temos de tratar com as artes plásticas e com todo o resto, mas com as artes plásticas. Isso dá a coleção, dá a idéia de coleção... qual que é o contrário da idéia da coleção? Eu não sei se a palavra é a melhor para isso, não pensei, mas enfim, o contrário da coleção é o álbum... o álbum... eu tenho um álbum onde eu vou colocando as coisas, por exemplo, as minhas fotos... elas não têm data, elas não têm local.. “ah.. onde foi isto?... ah... olha será que foi aqui... será que foi lá... olha que interessante... nem sei mais o que significa isso...” viro, tem outra coisa... tem outra coisa... um álbum. Daria certo expor Arte como se fosse um álbum, Maarten? Podemos... um dia vamos deixar de lado esta idéia da coleção... então toda vez que a gente vai ver uma coleção surgem as questões inevitáveis... ou você vai ver uma coleção ou pedem que você escreva sobre a coleção de fulano ou de ciclano para ver se é boa, se não é... então aparecem as questões... ah... os buracos... então tem os buracos, tem as falhas, tem as lacunas, tem as ausências, e tudo é pensamento que vem a respeito... “Ah... precisa preencher a ausência...Temos horror ao vazio... Ali tem um vazio conceitual... Temos que preencher porque senão a coleção não é completa... E o MAC... o MAC... o MAC é um museu imperfeito...” o MAC é um museu aqui de São Paulo que nós dois trabalhamos lá, cheio de lacunas... é um museu que parece um queijo suíço, só tem buracos... Mas porque que as pessoas vêem os buracos em vez de ver as obras que estão lá... a culpa talvez seja um pouco nossa porque nós dissemos... “Esta é uma coleção” e depois dizemos... “mas é uma coleção imperfeita...” Então as pessoas... “ah! Tá vendo como é imperfeito?... Tô vendo as imperfeições”. E se nós disséssemos que é um álbum... porque que nós não podemos dizer que é um álbum... eu estou usando a palavra, talvez inadequadamente... quem sabe houvesse uma outra, não sei, podia falar... bom... um sistema aberto, em semiótica, uma constelação... um álbum...O que aconteceria se nós... a sua exposição aqui será um álbum ou não é um álbum? É uma questão que me ocorreu...

E talvez, Maarten, uma última questão, assim, num primeiro momento, é que me chamou atenção também... tem outras que eu notei  mas que acho que já... uma questão que me chamou a atenção e muito interessante, aqui. Você diz assim “Bom, nós vamos mostrar esta obra provavelmente junto com uma obra... (não me lembro agora) do Nogueira Lima ou não sei mais quem do Benê Fonteles e nós queremos que se veja, então, o que um estava fazendo quando outro estava fazendo... um diálogo...” um pouco antes de nós virmos para a sala, você mencionou, achei isso muito interessante, que o seu processo de curadoria procura sempre fazer com que as obras que vão entrar em diálogo tenham um nível aproximado de intensidade, não é, de densidade e que não seja isto aqui, de tal forma que você possa dizer...ah... aqui está o modelo, aqui está o que o cara tentou fazer e não conseguiu. Entendi que isto era a sua proposta, que me parece bem interessante. E isso de um ponto de vista estritamente Brasil, local, num ponto de vista localista, é interessante, porque você demonstra alguma coisa que provavelmente já está em desuso, já não se faz mais entre os curadores lá de fora, porém se faz ainda de alguma forma, a gente sabe que se faz de alguma forma ainda, e talvez tenha alguns artistas brasileiros que são valorizados porque fazem um pouco isso, mas que era uma norma quase até dez anos, há quinze anos atrás e que um colega nosso, o Hermano Viana, talvez vocês tenham lido isso, há uma semana atrás discutiu num jornal a respeito de uma exposição que talvez você tenha notícia, de 89, “Magiciens de la Terre”, foi uma exposição montada em Paris, não é, e este nosso colega no jornal discutia exatamente o lamento, a lamentação do curador francês, dizendo que ele tinha vindo ao Brasil para encontrar a Arte exótica e que não tinha encontrado Arte exótica aqui, tinha encontrado uma Arte que era igual à Arte que se fazia na Europa e que ele estava muito decepcionado por isto. Aparentemente a sua posição é ao contrário... você vem aqui para ver como os artistas daqui dialogam com lá, o que para mim é uma posição muito coerente com a sua primeiríssima afirmação na palestra hoje, quando você disse que o Museu ao qual você pertence é um Museu Internacional. Então o Museu Internacional estará trabalhando no patamar, no paradigma, na plataforma, seja qual for a palavra, internacional... então a sua visão, a sua proposta... a gente obviamente não sabe se é uma proposta, uma atitude cínica ou  consciente, eu espero que seja consciente, honesta, neste sentido, é de ver como a Arte brasileira dialoga com esta Arte que está aí, porque o sistema é um só. Então me pareceu isto muito interessante... quanto mais não fosse, significa que de fato nós estamos deixando aquele momento ao qual se referiu o colega, o Hermano Viana... (Fim do lado B)

 FITA 2 – LADO A

Continuação da fala de  Teixeira Coelho

... de fato o exotismo da Arte em geral, da Arte do 3º Mundo, da África, do Brasil, do Oriente, se isto é um conceito que já desapareceu ou se ele ainda permanece, e como permanece... eu esperava que ele tivesse desaparecido mas nunca se sabe... a sua atitude me faz pensar que de fato  desapareceu... o que é muito interessante... Enfim, Maarten, eu acho que num primeiro... numa primeira varredura... podíamos começar a partir daí.

Martin G. - Mediador

Eu tenho que fazer um comentário antes... se eu deixasse você... se eu falasse antes, você faria uma pergunta a noite inteira, então...eu acho que são todas pertinentes, são todas para descontrair um pouco e eu passo então a palavra ao nosso convidado da noite, Maarten Bertheux.

Maarten B

Quanto tempo nós temos?

Bem... é uma outra palestra que temos agora... você levantou uma porção de itens... não... você também fez isso... Eu gostaria de dizer que a Arte... eu também tenho algumas perguntas para fazer para você... o que você disse antes... você disse haver um perigo na intervenção dos curadores em trabalhos combinados... ou você usa a idéia de fazer um álbum e contar uma estória ou você isola o trabalho e dá a ele a essência da sua presença, sem muitas interferências da maneira como o curador utiliza para combinar... Esta é uma coisa que eu penso, como um curador de um museu, trabalhando com a coleção, trabalhando com a memória coletiva e todos os tipos de expressões, nós temos que contar estórias nós não podemos fazer sem contá-las... E claro, há um elemento trivial nisto porque se eu falo, se eu escrevo um artigo sobre a exposição e eu escrevo sobre Newmann em uma seção que é chamada “Expressionismo”, seria facilmente feito também sobre Abstracionismo... Então, é claro que há muitos aspectos em um trabalho de Arte... Ele não pode ser definido apenas de uma maneira, em uma direção... Há sempre uma amplitude de possibilidades que podem ser tratadas.. então eu concordo que não há tal coisa como uma definição científica de um trabalho...

Outro aspecto que você levantou... a forma como nós olhamos para a História, nós lidamos com a História, eu penso que mesmo a Arte Moderna, de uma forma um tanto estranhamente desconectada com a tradição antes da Arte Moderna... se nós tomarmos a Literatura, se nós tomarmos o Teatro, há uma tradição... um trabalho com uma tradição... Há muitos artistas que tentam se livrar deste peso da tradição, todos os aspectos... então, por exemplo, quando os artistas nos anos 70 saíam do museu, faziam a exposição fora do museu, porque eles estavam fartos do “branding” (linha característica) dos museus e dos aspectos comerciais dos museus... eles tentaram encontrar novas maneiras e ocorre o mesmo com muitos artistas agora... como eu disse, Damien Hirst não só quer expor em um museu, ele também tenta encontrar outros locais... então o local do museu também está em discussão , claro, porque ele tem uma conotação de qualidade, tradição, a qual pode influenciar o seu modo de olhar o trabalho de Arte, como Duchamp no começo... ele tentou levantar a questão “isto é um trabalho de Arte ou não?” que é de toda relevância para os curadores sempre se questionarem a respeito... “Realmente, isto é um trabalho relevante?”

Eu não quero me alongar muito, então, talvez a última coisa seja... na minha forma de ver... se eu falo em Arte Internacional, eu quero dizer, realmente internacional, de uma forma que seja, claro... especialmente em Arte Moderna <<não reconhecido – em pesquisa>> que têm origens na Cultura Oriental ou seus desenvolvimentos, claro que há muitos outros desenvolvimentos... nós temos a tradição chinesa... todos os tipos de tradições e nós aprendemos agora mais e mais desta tradição, estamos mais familiarizados com esta tradição e eu não vejo expressões da Arte brasileira como austera ou... seja como for... algo desconectado da linguagem internacional... mas eu vejo que como a Holanda, a Arte holandesa... talvez a pintura tenha sido importante há muito, muito tempo... e nós ainda temos muitos bons pintores em nossa Arte Contemporânea, os artistas ainda são bastante conhecidos porque eles... mas há, claro... nós também estamos num tipo de esfera de ação da Arte alemã e da Arte americana e nós também nos expressamos, de uma certa forma, assim. Eu só quero dizer que estes tipos de periferias que também existem estão se ampliando cada vez mais na direção do desenvolvimento internacional.

Teixeira Coelho

Então apenas para que não termine muito cedo, eu não sei como é o horário... pensando... como dizemos no Brasil, Maarten, pensando alto, quer dizer, falando antes de pensar, falando mais do que pensando... a nossa intervenção, quando nós montamos uma exposição como curadores, ou quando vamos tentar explicar uma exposição como crítico... a nossa intervenção na forma de o observador receber a obra é muito forte... é violentíssima a nossa intervenção, provavelmente é muito mais forte do que a intervenção que a editora tem na experiência de ler um livro, talvez... você fez uma observação interessante dizendo que “bem, talvez a experiência literária tenha uma continuidade maior do que a continuidade existente na Arte”, isto é interessante... provavelmente a intervenção...

Maarten B.

Vamos imaginar que nós sejamos o diretor de uma peça de teatro. Nós interpretamos... vamos dizer que pegamos uma peça de Shakespeare... nós interpretamos o texto, nós olhamos para o texto a partir do nosso olhar contemporâneo e através disso, nós adicionamos, talvez, elementos de nossas visões contemporâneas e elementos que estão ocorrendo em política em desenvolvimentos sociais no texto já existente... e eu penso que nós fazemos mais ou menos o mesmo ao trabalharmos com objetos de arte o que é muito perigoso, claro porque nós interpretamos muito a partir da nossa posição, da nossa situação, mas isto é... eu penso, uma das poucas possibilidades de aceitá-lo como uma coisa dada.

Teixeira Coelho

Está certo, é verdade... é verdade também que quando você falava da peça do Shakespeare eu pensei... bem, o equivalente a uma exposição comum hoje em dia em relação à peça de teatro seria os atores no palco e a toda hora aparece uma etiqueta no palco e diz assim,  “olha... este é o fulano de tal e ele está dizendo esta coisa”... aparece uma seta e diz assim: “ olha, isto não sei mais o que... a coisa vai sair por ali”... mas de fato, talvez seja assim, é um dado... agora, é um dado que foi construído, quer dizer, esta estória que nós temos que dizer, vejam como este artista... novamente , não é uma crítica ao seu trabalho é uma especulação... novamente eu digo o seguinte... olha, chegar e dizer... vejam como este artista dos anos 70 dialoga com Kandinsky dos anos 20 ou 30 ou 40... isto é um paradigma do nosso conhecimento atual... nós fomos treinados por todos os positivismos, fomos treinados pelo marxismo, fomos treinados pelo estruturalismo, fomos treinados pela psicanálise, a procurar relações de tudo com tudo... num mundo que não tem tanta ordem assim... eu sei... estou cansado de saber... o que é a Arte... ah... a Arte é uma tentativa de construir as coisas um pouquinho melhor, dar um sentido, blá, blá, blá, mas eu me pergunto se não há um limite... quer dizer, eu sei que nós estamos pensando hoje em dia por causa de uma bagagem fortíssima que é esta dos positivistas, todos eles, que nos mandam ver coisas aqui e lá, e de repente eu me pergunto.. mas será que os artistas, ou pelo menos alguns artistas, não estão querendo desesperadamente explodir isto e nós não deixamos e nós não deixamos, e nós fazemos com que ele fique aqui... e é por isso que eu me pergunto... nós estamos... nessa situação justamente a gente pode se fazer certas perguntas porque não temos nenhum compromisso imediato de montar uma exposição e tudo mais... mas então eu me pergunto, de fato, será que para homenagear adequadamente os artistas a nossa exposição não teria que ser um álbum? Não vou contar a estória, não há estória no álbum. Eu vejo que o álbum tem algumas coisas que mais ou menos eu localizo... aquele parece que sou eu há 20 anos atrás, mas não reconheço isto...não sei o que eu estava fazendo ali, eu não sei o que eu fui fazer lá, que loucura isto! Porque que uma exposição de obra de Arte não pode ser como um álbum, sem estória, você entra num lugar, e há uma... a minha... eu tenho plena consciência de que a minha proposição pode soar demasiado ingênua e rasteira, mas eu estou fazendo mesmo assim...

Maarten B.

Eu penso que isto tem muito mais a ver com a atitude positivista que você teve há 20 anos atrás do que a que você tem hoje... há muito mais questões sobre a função da Arte, há também, em um senso cultural, nós estamos tendendo a utilizar o trabalho de arte como ilustração para um tipo de teoria ou de posição... nós vemos a partir do que nos rodeia...o que pode estar negligenciando os conceitos de  trabalho de Arte, em si... O tradutor está um pouco mais lento do que eu falo... desculpe... Eu penso que a posição do curador sempre deveria ser muito aberta para o que... deveria haver um certo tipo de explicação para a abordagem do curador que faz uma exposição de uma maneira resumida ou de forma mais longa... para poder dar uma idéia sobre o que está sendo levantado e é o público que deve julgar se é um sucesso ou não... e mesmo os artistas... os artistas são mais participativos deste jeito, mesmo que os artistas não gostem da forma que você está lidando com a sua Arte ele vai se pronunciar imediatamente... muitas vezes...

Teixeira Coelho

Uma questãozinha só que eu tenho... muito rapidamente... é... ultimamente eu ando bastante preocupado com a domesticação cada vez maior da Cultura e sobretudo da Arte. E... aqui no Brasil isto está acontecendo de maneira forte... antes de vir para cá, nós estávamos na mesa e discutimos quais são os pretextos, as justificativas que aqui no Brasil, hoje, nós precisamos encontrar para receber dinheiro público para fazer uma exposição, e uma dessas justificativas é que nós temos que educar com a Arte, o que para mim é uma coisa absolutamente sem pé nem cabeça. E se não for educar com a Arte, temos que promover a inclusão social com a Arte, o que também é outra coisa que para mim não tem nada a ver... Mas isso tudo faz parte de um processo de domesticação da Arte e só que, de repente, vindo hoje na mesa e pensando nessas questões que cada um de nós já enfrentou várias vezes mas ela é sempre uma questão nova... vindo hoje na mesa me dá a sensação que nós também somos os primeiros a domesticar a Arte com o nosso processo de mostrá-la, de falar dela e tudo mais e apenas lembrando, então, de fato, como Foucault tinha razão, quer dizer... o poder não está lá... lá, a ditadura, os militares, o governo... eles são o poder que oprime...  o poder está em cada um de nós, não é?, e nós somos todos cúmplices do mesmo poder que está instalado aí, estamos todos numa máquina... numa máquina, no caso específico de domesticar a Arte... para mim isto é relativamente claro... o que a gente pode fazer para isto é outro problema.

Martin G. - Mediador

Bom, essas discussões, de fato, podem nos levar a uma longa noite, e certamente isso seria muito prazeroso... antes de eu passar a palavra ao público vou aqui só fazer alguns comentários que eu achei interessante já... depois de alguns encontros com esses convidados internacionais ou estrangeiros... nós todos somos, de uma certa maneira, talvez o Teixeira como colocou a questão ao Maarten em relação ao Museu Internacional, à Arte Internacional, eu acho que todos nós somos internacionais se nós não assumirmos, mas potencialmente a gente... inevitavelmente nós somos internacionais... então a relação aqui seria muito mais do estrangeiro e do aspecto nacional, que de uma certa maneira eu vejo que tem funcionado muito bem a contextualização que o debatedor faz da fala do convidado estrangeiro.

A impressão que eu tenho agora... eu também vou trabalhar muito na impressão e sem distanciamento, deixar as palavras correrem um pouco soltas, eu vejo assim... a imagem que eu tive nessa complementariedade entre o Maarten, Maarten e o Teixeira é que o nós temos de mais próximo hoje em termos de conceito de museu é o conceito do museu moderno, modernista para ser mais preciso e a imagem ou a idéia do cubo branco vem sempre muito forte. Este conceito sim, também faz parte não só da tradição do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque mas também de Museus como o Stedilijk em Amsterdã e essa idéia é mesmo que até o Maarten lembrou bem, quer dizer, tratar a obra na sua singularidade... quer dizer, este espaço prestino do museu permitindo então essa existência da obra na sua máxima condição que é esse afastamento de tudo... E parece que, assim, a imagem que eu tenho, é que pegaram o cubo branco e chacoalharam, e nós temos hoje, então, uma casa um pouco desarrumada ou bastante desarrumada e que há uma crise na interpretação. E isso é bastante contraditório porque de um lado nós temos uma expansão das atividades dos museus... como o Maarten falou o Stedelijk está... eu não sei se ele falou isso, mas é importante saber que o museu Stedelijk passa... vai passar por uma grande reforma agora... a exposição, de uma certa maneira, também é resultante desse fechamento do prédio principal, e do museu realmente necessitando dessa expansão. Um caso mais... talvez, espetacular nesse sentido foi a Tate Modern com o seu grande prédio às margens do Tâmisa... mas assim vai, quer dizer, ele mencionou a reforma no MOMA. Então os museus continuam tendo um papel muito importante na cultura das cidades, têm esse papel também de retrabalhar e de repensara sua própria coleção... e eu fiquei pensando assim... as grandes questões aqui não são... as questões que foram colocadas, não são pequenas questões, são grandes e são a meu ver bastante internacionais, nesse sentido, que não há hoje um modelo a seguir... então quando o Maarten fala que é importante para o museu buscar a sua própria forma de mostrar o que tem e mostrar-se como museu, parece que esse também é o nosso caso aqui, e que ... e outra coisa que me parece bastante peculiar e que nós não pensamos no Brasil, é que os holandeses também se vêem na periferia... na periferia de uma cultura eurocêntrica... isso para mim, sempre foi bastante difícil de entender mas com a fala do Maarten hoje isso fica ainda mais forte... assim... os holandeses se vêem na margem de um... desse Iluminismo... então, claro que pertencem a essa tradição mas eles tiveram talvez uma distância um pouco maior desse poder Iluminista... e que é o nosso caso, também... então esse diálogo me parece bastante frutífero... e o que me parece também, um outro dado para gente pensar aqui e levar para outros debates é a função do curador... quer dizer... quando o Maarten pensa a sua exposição em termos visuais, de composições, de gestalt, não mais apenas a obra em seu estado puro, o singular, mas ela relacionada a um conjunto de obras, a quem pertence esse papel de montar ou repensar essas obras... quer dizer, existe um grande poder aí nessa arrumação, como bem lembrou o Teixeira, quer dizer, a função do curador como um guia ou como um  maestro de possibilidades bastante diversas de composição espacial. Entre outras questões, então fica aí só este comentário na mediação nesse momento e eu abro, então a vocês... pediria... porque como as palestras estão sendo gravadas, algumas já estão transcritas e já estão no site.. e há resumos dessas palestras... eu pediria que vocês se identificassem, que isso sempre... isso vai ficar registrado  e isso é importante para a gente contextualizar no nosso arquivo do site. Então, por favor... alguém mais... você tem mais alguma coisa para colocar?...

Público

Boa noite, meu nome é Walter Novaes, eu sou artista plástico e gostaria de fazer a pergunta para o Teixeira nessa questão da domesticação, se ela não cai um pouco nessa questão da estética da Arte Contemporânea, no qual às vezes o público se sente diante de uma obra um pouco hermética , então, se isso não é um pouco esse reflexo dessa linguagem estética da Arte Contemporânea tão presente. É claro que não é em toda a sua totalidade... E gostaria de fazer uma pergunta também para o nosso convidado em relação à Rijks Academy, na Holanda, se há algum contato entre o museu e a Rijks Academy, que é um espaço para jovens artistas desenvolverem seus trabalhos e o que ele acha em relação a uma figura como o Charles Saatchi que de certa forma consegue manipular um pouco esse mundo da Arte Contemporânea e expondo o seu gosto... aquilo que ele considera importante. Então acho que essas são as minhas perguntas. Boa noite.

Teixeira Coelho

Eu talvez não tenha conseguido passar a idéia do álbum com a força que eu queria que fosse passada. A minha vida é hermética... eu não entendo a minha vida... eu olho para o meu álbum de fotografias... eu já tirei milhões de fotografias na minha vida... eu não sei o que está ali... eu vejo o meu álbum de 30 anos atrás, de 40, de 50, de 70 anos atrás, o de ontem... minha vida é hermética... porque que eu vou cobrar da Arte que ela seja clara? Então o meu ponto é o seguinte: nós estamos cada vez mais dentro de um sistema sob o pretexto que ninguém... sob o pretexto que aparentemente ninguém pode recusar de que a educação faz progredir, faz o homem melhor e forma a cidadania e não sei mais o que, e nos colocam em moldes absolutamente totais... então se a minha vida é hermética, porque que eu quero que a Arte seja clara? Eu tenho consciência de que... há dois, três dias atrás eu estava em Curitiba numa outras palestra, enfim, um outro tema, mas de Arte, e alguém levantou na platéia e disse, “ah, mas a sua visão é romântica!” Puxa, que legal... pelo menos eu consegui chegar ao Romantismo... que  acho uma das forças motoras de tudo o que está acontecendo por aí, só que sufocaram... então essa é a minha resposta para você... não me preocupa mais, talvez no passado me preocupou, que a Arte seja hermética... me preocupa, sim, que a gente esteja tentando trocar a Arte em miúdos, que é o que faz a educação...

Maarten B.

Eu concordo... e eu penso que também haja um mal entendido que muitos de nós pense que nós deveríamos tentar ajudar o público a, por assim dizer, entender a Arte... e... Arte é também algo para se experienciar como  <<não reconhecido – em pesquisa>> uma vez mencionou... ele disse “Uma exposição deveria ser também uma festa... algo que você pode realmente gostar”... e é às vezes difícil e, claro, não tão fácil de ser positivista nesta maneira de ser, porque nós estamos agora em um mundo com problemas enormes que temos que enfrentar e também, artistas e curadores, pessoas que estão envolvidas com o desenvolvimento da cultura também deveriam levantar questões sobre o funcionamento da Arte, como agora. E nesse sentido, claro, pessoas como Saatchi desempenha um papel enorme... não é tão estranho que, por exemplo Damien Hirst esteve em boa parte de uma das maiores coleções de Saatchi como trabalhos de arte que foram comprados novamente... porque os artistas... Hirst  é agora um artista rico pelos prêmios e ele teve que comprar de volta trabalhos da coleção de Saatchi, como um tipo de proteção para ele mesmo... então, também... é um tipo estranho de fenômeno que o artista seja como uma importante super estrela tanto quanto a possibilidade para competir com o colecionador, o poderoso colecionador. ... A Academia não é ligada ao Stedelijk Museu, mas é claro que muitos estudantes da academia que, pode-se dizer, que é vizinha, fica muito mais fácil chegar ao museu do que artistas ou estudantes que trabalhem aqui no Brasil.

Martin G. - Mediador

A Rijks Academy, é só para explicar para quem não conhece, é uma escola de Arte que não tem muito similar no Brasil. Ela não está ligada a programas de graduação nem pós-graduação. Ela é uma escola que abriga, se não me engano, anualmente ou bienalmente artistas selecionados de uma maneira bastante criteriosa. Alguns artistas brasileiros já estiveram na Rijks Academy e eu acho que essa relação como o Maarten falou da proximidade dessas obras serem adquiridas sem de fato a participação de um artista ... a experiência de um artista dentro da Rijks Academy faz diferença no mundo da Arte... é uma das, talvez, escolas com mais prestígio internacionalmente.

Tem uma pergunta lá em cima, do Márcio

Público

Eu sou Márcio, já trabalhei aqui na Pinacoteca, boa noite. Na verdade, eu não sei se faz muito sentido depois da explanação dele, mas... é que na verdade eu queria saber mais... (fim do lado A)

FITA 2 – LADO B

... contemporaneidade, é inegável que o discurso integra a obra... então para o curador de Arte Contemporânea, então, é sempre necessário assumir um papel de mediador? Porque em última instância é o que acontece... como você disse, seria o caso de tornar agradável, divertida uma visita, ou assumir mesmo o papel de mediação entre a obra plástica e o discurso, ou melhor, entre a obra, o discurso e espectador?

Maarten B.

Desculpe-me... eu não consegui... você pode especificar mais a sua pergunta?

Público

Se é que o papel do curador, agora que o discurso é parte da obra, na contemporaneidade mesmo na Arte Moderna, será possível imaginar um papel absolutamente isento teoricamente? Isto já pareceu claro que não, mas, então, qual é a legitimidade, o estatuto do papel do curador na contemporaneidade?

Maarten B.

Eu penso que como curador você utiliza o seus olhos, você usa o seu cérebro, você ouve ao que os artistas dizem, mas também o que ele fazem e você tenta formular as idéias que sejam relevantes em determinado momento. Eu não estou falando que fazer uma exposição  seja o relevante numa situação cultural como a que nos encontramos agora... Pode ser diferente... de certa forma, pode ser diferente de uma tarefa curatorial na qual você tem que levantar questões sobre o passado tradicional da Arte. Então a História poderia se tornar relevante por ampliar muito as coisas, na forma de ver as coisas agora, mas nem sempre é tão fácil isso, digamos, com expressões do passado. Consegui ser claro?... Eu tive uma vez um debate com <<não reconhecido – em pesquisa>> e ele disse “você, como curador, deveria sair do seu lugar e olhar em volta para o mundo...” e há uma certa verdade nisso, mas como curador eu também trabalho como um tipo de monge, que coleciona, faz pesquisa sobre a coleção como tal, então este é um outro aspecto da responsabilidade do curador.

Público

Eu sou Regina Silveira, artista plástica, e primeiro eu queria me referir à importância que o Stedelijk Museum teve para a história do Museu de Arte Contemporânea aqui em São Paulo, através do exemplo do Sandberg para sempre um modelo de realizações para o Museu de Arte Contemporânea nos tempos do Professor Walter Zanini. Mas aqui nesta discussão, eu gostei muito de pensar, eu gostaria de poder refletir mais sobre as oposições entre a questão do álbum, a questão da coleção,... me criaram muitíssimo interesse... então eu tenho algumas perguntas...Quando se trata de fazer uma seleção curatorial dentro de uma coleção em que as obras estão já depositadas dentro dessa coleção, capturadas dentro de um museu, e que se trata de nessa seleção, e que essas obras vão transitar de um cubo branco a outro cubo branco, e que se trata de costurar essa coleção de alguma maneira... completa, incompleta... eu queria perguntar se não ficou bastante inevitável que a costura fosse aqui histórica e formal, pela coleção que eu vi selecionada. Quando eu vi a reprodução da obra do Nan June Paik que eu fiquei surpreendida com a referência de que ela era uma obra básica e ainda de procedimentos iniciais do tempo da videoarte. Eu queria discordar... eu acho que esta obra é uma obra... uma peça fundamental, um marco na obra do Nan June Paik porque têm implicados muitos outros significados quando ele antepõe a figura daquele Buda àquele...à sua própria imagem dentro do vídeo... acho que ali o discurso é muito mais complexo do que essa leitura só formal. Então eu queria fazer uma pergunta, se é inevitável essa costura histórico-estético-formal quando se tratam de obras que de alguma maneira podem escapar a isso... por outro lado, pensando no álbum... eu estou pensando numa exposição que eu acabo de participar no Museu de Montreal e que os artistas são convidados porque trataram de temas da História... então... os artistas estão vivos, as obras foram feitas fora da captura do curador, e a minha pergunta é se essa exposição seria mais um álbum ou se seria mais uma coleção... mas essa é uma dúvida que eu tenho e queria estender a pergunta... é se ela novamente ela não é este álbum porque... aí a costura é feita em termos de uma orquestração dos significados ao invés de ser uma orquestração puramente formal, ou seja, de uma... novamente o discurso próprio do artista e não o discurso dele em contexto... está salvo... então é uma pergunta que eu quero colocar se é uma questão de grau, isso aí... e... não sei se estou sendo clara... e eu queria perguntar ao Professor Teixeira se ele pensa que...quando ele olha os álbuns dele mesmo... se você, quando olha os seus álbuns, quando eu olho os meus álbuns de fotografia, eu fico olhando também e descarto e jogo fora muitas fotografias, porque eu acho quer só valem aquelas que me trazem mais lembranças, ou que são mais interessantes, ou que têm mais graça... será que o critério do álbum não é apenas um só? A qualidade? A qualidade da Arte, a qualidade da fotografia ou a qualidade daquela imagem, então o que é que faz um conjunto ser um álbum... estas são as minhas perguntas...

Maarten B.

Bem, eu espero já ter colocado minhas dúvidas, claro... haveria formas de ver trabalhos de arte... formas muito particulares.. muito subjetivas... mas eu não acho que seja possível impedir... todo trabalho de arte que seja colocado junto a outro trabalho de arte inicia uma discussão... e você não pode desprezar isso, em minha opinião... e mesmo apesar de você gostar de ter a melhor condição de experienciar o trabalho como tal, o que se refere ao valor intrínseco do trabalho... em uma exposição você tem aquele trabalho de arte em particular na sua memória... quando você estiver andando para outro canto você vê outro trabalho... então, dessa forma, há sempre algum tipo de relação entre os trabalhos...

Teixeira Coelho

São perguntas difíceis... deixa eu só lembrar uma coisa que eu falei no início... estamos num laboratório de idéias, então não me peçam sequer para ser responsável ou cúmplice das minhas próprias idéias... embora eu gostaria de fato de montar uma exposição na forma do álbum... eu estou dizendo isso para fazer uma ressalva, pelo menos, que é importante fazer... é claro que quando eu digo que a educação nos transforma todos em robôs eu não estou mencionando  uma série de experimentos e de práticas e de atividades que são extremamente dignas... isto  é óbvio, espero que seja bastante bem entendido... em outras palavras, eu não consigo riscar o fósforo em tudo ainda, eu só risco o fósforo em alguns lugares... Bom... a questão do álbum... o critério... a Regina pergunta se o critério do álbum não seria, no fundo, a qualidade... me ocorre responder, Regina, que o critério do álbum seria a qualidade, quando a qualidade se coloca como critério... parece um jogo de palavras, porém não é! Eu estou... me lembrei de uma exposição agora... o artista eu não vou conseguir jamais levar em consideração... não vou conseguir me lembrar o nome dele... foi uma exposição que eu vi na... bom não importa... o que ele fazia era, justamente por causa do álbum de fotografia, ele simplesmente tirava fotos, tirou fotos de não sei quantas férias dele, fotos pequenininhas, difícil de você ver... assim 9X8... e forrou uma Fundação em Barcelona com essas fotos... forrou... era óbvio que ali não estava em jogo a questão da qualidade... muitas fotos eram ruins... fotos amadoras de fato, então o critério do álbum é a qualidade se a qualidade for um critério... mas é  possível que a qualidade não seja o critério, não é?... Como?... Tem muitos tipos de qualidade, você tem toda razão. Eu pensei na qualidade no sentido, digamos, mais rasteiro.. o aprimoramento técnico e não sei mais o que... só que eu não sei se dá para ampliar a questão da qualidade para outras coisas... eu sei, por outro lado, que várias coisas interferem, por exemplo, às vezes, quando eu vou fazer uma exposição, eu não levo a melhor obra que eu tenho porque é muito caro e inseguro... a questão da qualidade não entra!... entra em jogo outros critérios... são questões... mas enfim, não creio que seja tanto por aí... quando eu digo álbum, e aqui, de novo no laboratório de idéias, eu estou dizendo álbum no sentido mais amplo possível... eu tenho fotos, eu pessoalmente... eu nem sequer jogo fora as fotos... eu nem as olho, mas sequer jogo fora, elas estão lá, elas se acumulam... um dia talvez eu posso vir fazer uma história ou não fazer história... prá mim, não faria história, mas seria esta questão. Por outro lado, quando você pergunta a questão da inevitabilidade... se não é inevitável... esta é uma palavra maldita no nosso sistema de conhecimento ocidental... o inferno é inevitável, o predomínio da classe trabalhadora é inevitável, a derrota do capitalismo é inevitável... sabe já onde eu quero chegar, não é?... esta é uma palavra inventada... ela não tem ascendência real sobre as coisas que ocorrem... então, pelo menos como hipótese, me ocorre perguntar porque a história seria... porque a linha de costura histórica seria inevitável numa exposição. Ela não é. Ela é um costume nosso... pode ser que nós vivemos assim, pode ser que nós não consigamos viver de outra forma... pode ser  que seja, digamos assim, tático eu fazer isso, porque se eu aparecer por aí com um projeto de exposição álbum, ninguém vai me dar dinheiro... agora, se eu disser que eu vou mostrar as excelências do período que o Brasil foi isso mais aquilo “Ah... Isso sim... isso se entende, eu dou dinheiro”... Mas como hipótese, eu levantaria isso... e me ocorreu dizer também... eu vou pensar, pelo menos, o tal do cubo branco que é imune a uma série de... ele não é! Porque tudo aquilo que a gente quer deixar de fora do cubo branco entra por estas questões que a gente discutiu aqui... se a gente jogasse uma dessas luzes, não sei agora... infra vermelho, infra não sei o que e tal... que os  legistas utilizam para identificar manchas de sangue e impressões digitais, quando a gente jogasse essa mão num cubo branco ele estaria completamente manchado pela História, por uma série de coisas... ele não é branco... mas é isto só que eu digo... acho que não é inevitável.

Público

Olá, meu nome é Fabíola Collin, sou uma artista interdisciplinar e designer... Maarten.. Qual a sua opinião sobre arte pública e, como uma extensão, arte nas ruas, na qual o curador é o próprio artista?

Maarten B.

Eu penso que hoje há uma enorme tendência em criar arte que... não é desconectada... seria mais... livre da assim chamada tradição da Arte... então os artistas tendem a criar novas maneiras de despertar questões, despertar pontos que não estão na linha da tradição histórica da Arte... o que é bom, mas  não significa, para mim, como curador, que eu estou menos interessado em artistas com trabalho abstrato e que estão fazendo uma pintura abstrata... eu acredito que também fazendo isso, em um tipo de isolamento, como um artista, isso poderia ser uma tentativa visual de criar uma nova idéia que seja tão política como a outra expressão...

Público

Meu nome é Iara Flandor e eu sou uma simples cidadã que adoro ir a museus e simplesmente por que me apraz. Enfim, essa discussão toda que inicialmente vocês estão colocando, eu acho que o interessante seria assim... o que é a Arte, a função dela, de uma maneira bem humana... porque eu acho que não precisa de muitos conceitos para se definir... olha... eu queria dizer o seguinte... que o que ele colocou inicialmente do objetivo inicial dele, que seria estar vindo aqui para estar trazendo uma parte do que é a História da Arte Moderna... a mim interessa justamente por conta de que vai ser assim uma oportunidade de ter uma coisa mais formalizada sobre a Arte Moderna porque eu sou um ser humano moderno... eu me encontro na contemporaneidade aí, numa era moderna, certo?.. eu não estou lá no tempo do Kandinski, tal, tal, tal, no século XIX, está certo?, XX, não sei!... Enfim, porque foi a partir do momento que eu fui ver o Picasso...eu tinha sérios preconceitos contra... sei lá... não queria ver o Picasso, mas achei que era uma questão assim que eu tinha que me impor, que tinha que ir ver o Picasso, só que lá no Picasso... justamente o que o Teixeira Coelho coloca, quer dizer, aquela coisa toda explicadinha, sabe, assim já digerida... só que a obra em si já... certo?... então é essa questão... o artista, independente da intenção dele ou não, a questão política, a questão do poder, ela está intrínseca à obra de qualquer pessoa... sabe, eu acredito que é uma coisa assim que você não precisa realmente de legenda nem de mapinha para estar esclarecendo as pessoas... em contrapartida, eu acho que no Brasil a gente está num momento em que estamos todos confusos, estamos todos perdidos... nós também não temos identidade enquanto cidadãos...eu acho assim... uma exposição dessa, de Amsterdã, vir para um espaço público feito a Pinacoteca, sabe... quem banca isso, sabe... é o Museu de Amsterdã ou é o governo nosso aqui... é uma parceria, tudo bem, sabe... o que é... o que o senhor do meio coloca ali, o mediador... ele coloca que a função do curador... eu me pergunto inicialmente... o curador é um profissional?, ele tem um rol, um elenco?, ele tem um código de ética?... ele tem uma função?... qual é o interesse primordial dele?... é social? Qual é a função dele? É uma função social, é uma função política, uma função econômica?... Sabe... como ele se situa dentro da sociedade? E consequentemente qual a função do museu... então na verdade, eu não estou perguntando nada, eu só queria estar me manifestando... grata pela oportunidade, e lembrando que eu acho assim que talvez este encontro fosse mais profícuo se ele ocorresse após a exposição ou durante a exposição... onde poderia estar se colhendo o que efetivamente a exposição surtiu nas pessoas... qual foi a contribuição dela no desenvolvimento individual de cada um. Grata pela oportunidade!

Teixeira Coelho

O “senhor do meio” me deu autorização para responder uma coisa, aqui... Foi falada uma palavrinha mágica que não tinha sido falada ainda esta noite aqui... ética... você perguntou qual o código de ética do curador... Acho que esta é uma questão, não é? Quando nós fazemos uma  exposição de Arte, nós, o curador, o museu, tudo, estamos lidando com diferentes éticas que entram em conflito... e esse conflito é inevitável... eu acredito que ele é inevitável, então, por exemplo... quais são as éticas que estão em conflito? Por exemplo, a ética de quem pagou... não é o caso desta exposição, não sei bem quem pagou, mas você mencionou bem... “ah... talvez o governo brasileiro tenha pago”. Geralmente, uma autoridade brasileira de Cultura, quando paga alguma coisa quer um retorno... esse retorno que é a autoridade brasileira quer, que geralmente é o retorno educacional ou da inclusão social, não faz parte, na maior parte das vezes, da ética da obra de arte nem do artista... então, para eu dar, para eu atender a ética do governo, se é que ele paga alguma coisa, quando paga, eu estou desrespeitando a ética do artista... Eu vou até imaginar uma situação em que seja possível equilibrar... não sei como... nunca é... geralmente o que eu vejo predominar é a ética exterior à obra de arte... Mas eu gostaria de lembrar isto aqui... não só o artista, mas a obra de arte tem uma ética que, em princípio, deveria ser respeitada, mas não é. Se pode ser respeitada, é outro problema... deveria ser... pode?... não sei, talvez não dê... mas não sei se estou sendo claro, quer dizer, o artista se coloca objetivos, propostas, quando os têm, que não são necessariamente aqueles objetivos dos outros que estão envolvidos, isto é uma coisa importante... e o que me faz lembrar, também a sua pergunta, é que... bom... eu não sei qual é a crença de vocês, mas a minha crença é que a Arte ainda é e, freqüentemente ela é, puro dispêndio... então eu como governo não deveria perguntar a ninguém “o que me dá a sua arte em troca...” não dá nada! Você está jogando um monte de dinheiro aqui, na lata do lixo, porque não vai ter nada de volta! Isto aqui é puro dispêndio... e esse papel de puro dispêndio tem uma função monumental nesta sociedade... porque talvez seja a única coisa, ou a última das coisas que ainda é de puro dispêndio... não dá retorno... ela não dá retorno... ela é gasto, ela é força que vai embora... e esta é a função que eu acho bastante interessante para a Arte... mas enfim... todas questões que... (intervenção não audível da platéia)... mas não precisaria ser vista... aí é que está... “ah! Esta Arte, esta exposição vai aumentar nosso conhecimento sobre a coleção do museu, sobre este período do Brasil, sobre aquele outro período do Brasil”... não é por aí... pode até fazer isso, mas não é por aí... esta exposição vai se ela for bonita ou se ela for de qualidade ou se ela for qualquer outra coisa, não sei qual é a palavra que pode estar envolvida aqui... mas não porque ela traz um rendimento... e é esse o nosso drama hoje em dia, em que a Arte entrou num sistema em que se cobra um rendimento, e como não há como cobrar um rendimento da arte, então se inventa estas outras coisas laterais.

Maarten B.

Eu posso ser bem claro... esta exposição é também parte de um patrocínio conjunto de AB AMRO, Banco Real... então também há o interesse do patrocinador envolvido... Também poderia ser dito que se você não tiver dinheiro do Estado para manter uma boa biblioteca, então você será feliz se tiver um patrocinador que proporcione uma boa biblioteca.. e nesse sentido, uma exposição pode também ajudar a ensinar o público da necessidade de experienciar o trabalho de arte.

Martin G. - Mediador

Iara, você não tinha uma pergunta, mas você viu que suscitou várias colocações. Eu só vou fazer uma pequena contribuição aqui, depois vou passar para o Marcelo que está na fila para perguntas e eu acho que a gente está chegando ao final, aqui. Mas eu ia comentar isso com vocês no final do debate, mas você me faz adiantar o assunto... No momento o Stedelijk Museum procura um novo diretor... o Martin Bertheux falou do Rudi Fuchs, que foi o último diretor por... quantos anos?... ficou dez anos, então, à frente do Stedelijk Museum ... Rudi Fuchs é uma pessoa bastante conhecida no mundo da Arte porque ele foi também, anteriormente curador da Documenta de Kassel, que é a principal exposição de Arte Contemporânea no mundo ocidental, mas é muito interessante... quem tem interesse em saber... o que é esperado de um super curador... no fundo eu acho que o diretor é um pouco essa figura do super homem, não é?... aquele que tem que dar conta de várias coisas que não são só da parte artística, mas também da administrativa... e entrem no site  e lá vocês devem achar facilmente aonde está essa descrição, esse manualzinho para quem tiver essa vontade de se candidatar a ser diretor de um museu como o Stedelijk. Eu só vou falar alguns tópico, aqui, que são interessantes... eles falam, eles dão o contexto do museu... o museu, de fato, está num momento de mudança bastante significativa e eles falam, então que esse novo diretor teria que ter a habilidade de administrar o museu nessa fase complicada pela qual ele passa, e tentar resolver, ou garantir a qualidade  organizacional e financeira da instituição, ele teria que combinar inspiração artística com conhecimento, com autoridade, provando que é um excelente líder na área, tem que ser entusiasta, tem que ser contagiante, e assim vai... então é só para você ter uma idéia do que se espera de um curador hoje em dia... e eu passo a palavra ao Marcelo.

Marcelo Araújo

Bom, eu acho que o debate hoje à noite realmente foi extremamente, enfim, instigante... acho que tem muitas questões que eu pessoalmente gostaria que a gente pudesse aprofundar, outras até que para mim seriam curiosas, que a gente pudesse entender, por exemplo, adoraria entender como os holandeses se sentem periféricos, eu adoraria ter essa sensação de periferia... mas na verdade, enfim, o que me preocupa um pouco mais é que eu acho que... talvez...  aqui a gente esteja colocando o museu num certo papel de vilão e , enfim, não quero me colocar como paladino de nenhuma instituição, mas pelo fato de trabalhar e ter o museu como o objeto da minha reflexão, têm algumas questões que eu acho que seria importante se a gente pudesse resgatar... até porque, inclusive, o objetivo do nosso debate aqui hoje e mesmo desse fórum é a questão da discussão dos museus e obviamente na perspectiva de uma possibilidade de um aprimoramento do trabalho dessas instituições... eu acho que, então, algumas distinções importantes de a gente fazer, seria, primeira, entre museu e Arte... quer dizer, é óbvio... o museu não dá conta da Arte, são dois universos... no caso dos museus de Arte... é... se tocam... mas , enfim, que tem histórias e perspectivas... novamente, seria completamente equivocado que o museu pudesse ... (Fim do Lado B)

FITA 3 – LADO A

... exemplos de produções artísticas que se desenvolvem totalmente fora do universo museológico... por outro lado, eu acho que a gente tem sempre que resgatar duas questões que são fundamentais quando a gente pensa a questão de museu e que eu acho que ficaram ausentes da nossa discussão de hoje à noite... principalmente para a gente trabalhar numa perspectiva não só do museu, mas principalmente da museologia, ou seja, a gente tentar entender o que é essa relação e como ela ocorre... quer dizer, primeiro, o museu é uma instituição que faz parte de um fenômeno histórico e que tem uma questão específica de sua gênese que é a questão da preservação... ou seja, por que é que em determinados momentos os grupos sociais consideram importante ficar em questões... quer dizer, priorizar ou selecionar determinadas obras, determinadas produções e ela passa a ser preservada... Por que  o fenômeno de exposição também não é único ou primazia dos museus... quer dizer, nós podemos fazer exposições em diversas instituições... agora... o museu trabalha com uma questão que é a exposição, e acho que neste caso a exposição do Stedelijk é extremamente interessante para nós pensarmos isso, é uma exposição da coleção do Stedelijk ou seja, são obras que foram selecionadas, e aí eu acho que eu teria uma pergunta específica no meio dessa reflexão, se o Maarten ainda tiver um pouco de paciência para nos colocar, enfim... eu gostaria de entender quais são os critérios que o Stedelijk adota para aquisição de obras para o acervo dele... agora, porque essas determinadas peças que foram selecionadas e que foram preservadas... quais são os sentidos que garantiram essa preservação e que levaram a essa preservação e que é nessa perspectiva que o museu trabalha... então nesse sentido, eu acho que realmente a questão da História é inevitável para a questão do museu... agora isso é para o museu... isso não é necessariamente para a Arte... a Arte pode ter outras questões... agora para o museu, realmente, esta é uma questão que orienta esse trabalho e que determina. E acho que o outro grande ausente dessa questão toda dessa noite está sendo o seguinte: o público... porque o museu é uma instituição... quando se fala de instituição pública... esse adjetivo não é só a natureza para distingui-lo de uma instituição privada, mas é fundamentalmente que é uma instituição que é voltada para o público... e então eu fico sempre pensando, porque tanto a distinção que o Teixeira fez, que eu acho que é muito instigante para discussão, mas no fundo, quer dizer, tanto esse reforço da figura do curador como a questão da imagem que ele nos ofereceu do álbum, têm como referência... ou no caso o curador... ou no caso uma determinada pessoa ... quando o trabalho do museu é voltado para o público... quer dizer, aonde entra, dentro dessa discussão toda, a figura do público e do visitante como uma possível referência norteadora desse trabalho, que eu acho que é o grande debate, é a grande indagação que a museologia propõe.

Maarten B.

Eu deveria frisar especificamente que um museu é uma instituição que coleta e tenta criar um lugar onde a Arte pode ser preservada para o futuro próximo e longínquo e por causa disso ele possibilita aos profissionais e a muitos tipos de público que você pode definir, mas, principalmente, ele deveria possibilitar ver 10 ou 20 anos mais tarde o que o museu hoje, como instituição reflete sobre a situação da Arte e da sociedade hoje. Eu quero dizer que eu penso que todo museu deveria definir seus objetivos, deveria definir sua posição dentro da sociedade de certo período, e ao definir isso, deveria questionar a si mesmo qual o tipo de importância que é visto nos trabalhos de Arte, o que nós aprendemos, o que ocorre do lado de fora do mundo da Arte. Isto pode nos ajudar a definir nosso objetivo ao fazer exposições e, ao mesmo tempo, também tentar adquirir trabalhos que em certo sentido são relevantes para a situação atual. Esta é uma das minhas respostas para a sua pergunta, eu creio. Eu passo o público para o meu colega...

Teixeira Coelho

 A síntese da questão do Marcelo é a seguinte... a minha questão era instigante, mas não serve para nada na prática! Mas é um pouco isso que eu estava tentando insistir desde o início... fazer um exercício... quer dizer... nós estamos num lugar protegido e até abaixo do nível do solo, eu acredito, então ninguém está ouvindo o que estamos falando... então é um exercício... a gente pode aqui deixar as idéias correrem um pouco soltas e ir atrás delas... o Marcelo tem razão, obviamente, não é tanto a questão do museu... é e não é... e tem razão e ao mesmo tempo não é bem assim, porque na modernidade a obra existe porque ela é exibida... aí está a essência da obra de arte... e aonde é que ela é exibida... na verdade ela não é exibida só no museu, ela é exibida em outros lugares, mas ela é exibida no museu também...Então eu digo isso para lembrar que isso é de fato um sistema... não foi sempre assim, mas é de fato um sistema, onde as partes estão de certa forma relacionadas, então não dá também para tirar o museu da análise porque o papel que ele tem é enorme! Eu como artista jovem vou fazer o meu quadro depois, amanhã, porque eu vim aqui na exposição dele e vi um quadro que ele trouxe, está lá, e eu vi no museu... então, essa é uma importância grande...eu sugeriria que vocês... uma idéia de reflexão é esta... a essência da obra de arte hoje, está no fato de que ela é exibida... talvez sempre... então aí, de fato, aparece o problema. A questão da preservação... então eu vou continuar a soltar idéias de laboratório... é muito boa a questão que foi feita... como que o museu tem um critério de aquisição... a pergunta que eu faria depois dessa seria a seguinte... qual que é o critério de desaquisição do museu... Parece que a desaquisição não é um problema, mas é claro que é um problema! Eu não posso ficar com essa coleção a vida inteira, não tenho o que fazer com ela... me lembro uma vez, quando eu fui à famosa Alemanha e fui visitar a Biblioteca Nacional da Alemanha, que estava ou tinha, naquele momento, uma divisão em Frankfurt, então, fui visitar a Biblioteca e me levaram para conversar com o diretor... e para chegar ao diretor você tem que começar de baixo, ver os porões, etc, até chegar no escritório do diretor... chegamos ao escritório do diretor e eu faço essa pergunta para ele... “qual o seu critério para colocar livros aqui e o que acontece quando não se tem mais espaço?” Era um prédio alto, em Frankfurt, ele me levou até a janela, me apontou assim... “está vendo aquilo lá?”... eu não via nada, mas eu falei que sim... era assim, uma distância de uns trinta quilômetros... “Lá estamos fazendo um novo prédio da Biblioteca, quando este encher a gente vai para lá”... Este é o critério de aquisição... quando encher, vai para lá... não resolve o problema da desaquisição e é curioso que quando o Martin falou... “olha, um dos critérios de aquisição da obra é que ela seja pertinente para o momento que nós estamos vivendo”... mas como é que você coordena esta ética com a ética da preservação para as gerações futuras?...Como é que eu vou saber que... é uma enorme presunção nossa achar que aquilo que eu estou fazendo hoje, o que está cidade está fazendo, o que este conjunto de artistas está fazendo tem necessariamente que ser  preservado porque vai valer para amanhã... A gente fala de etnocentrismo e não sei o que mais, mas esta é uma tremenda manifestação da nossa presunção, e também é uma tremenda demonstração da nossa falta de coragem de lidar com o problema da desaquisição... pergunta: Quando é que uma obra deixa de ser relevante para o momento atual de tal forma que eu vou soltá-la fora do meu museu?... Se eu não tiver coragem de fazer isso o que é que eu vou fazer? Construir um novo museu! E mais um novo museu... e mais um novo museu... eu não tenho critério de desaquisição, o que eu posso fazer? Estocar, estocar, estocar... Então vou lembrar para vocês a obra mais fantástica do cinema contemporâneo, claro que não é, mas, a última seqüência dos Caçadores da Arca Perdida... lembre-se da última seqüência dos caçadores da arca perdida... a maldita arca, que foi finalmente capturada, é posta em cima de um carrinho e a câmera está bem em cima... a câmera está em close, você só vê um funcionário, como podia ser um funcionário do nosso museu, com a arca em cima de um carrinho e ele está empurrando... e aí a câmera vai subindo... vai abrindo... a gente vê outra arca, outra arca, uma prateleira, duas prateleiras... é um universo de arcas fechadas... Conceitos apenas para pensar... não servem para nada... amanhã a gente vai sair daqui e temos que tocar a vida, fazer uma curadoria e tal, mas é exercitar um pouquinho os neurônios em cima dessas questões aí... como desadquirir? Ou não tem este problema? É só acumular?...a coleção é uma doença... a gente sabe que colecionar é uma doença... é uma patologia!

Maarten B.

Eu discordo completamente! Eu sinto, desculpe-me, um certo tom de cinismo na sua fala... Supondo que eu sou um artista e eu estou convencido de que eu estou fazendo uma obra prima e encontro alguém que também acredita nisso, que é uma obra prima... porque seria estupidez que 50 anos depois ninguém visse esta obra prima?... Eu penso que, claro, você é convencido a todo momento por uma obra prima, o que é importante por certas razões... é também uma escolha muito subjetiva, não podemos negar, nós temos os nossos colegas que podem nos corrigir... o público... bem o público deveria ser mais... na escolha... colecionar trabalhos é um processo muito pouco democrático... não é tão democrático como deveria ser...

Teixeira Coelho

Só lembraria que o Cinismo é uma escola do pensamento, é uma forma de você instigar... foi, pelo menos...

Martin G. - Mediador

Eu acho que está num bom momento de a gente finalizar porque a gente não chegou a conclusão nenhuma... a nossa mesa, aqui, chegou num impasse e esqueceu do público... então acho que...

Teixeira Coelho

Tudo o que nós discutimos aqui foi para o campo que tem o público! Claro! As observações que ele fez, que ele vai trazer uma obra que vai dialogar com outra... porque, não é para mostrar para os artistas que fizeram...é para o público!... Eu, quando perguntei para ele “mas e a história como entra, se não entra”, é também levando em consideração o público... só que de novo foi um exercício, desculpa Martin, foi um exercício de ver como é que a gente pode ver a questão desde o público, de diferentes pontos.

Martin G. - Mediador

Ok... Muito obrigado, Maarten Bertheux pela sua participação , Teixeira Coelho, vocês... eu só lembro, então, que dia 30, na quarta feira, nós temos um encontro no MAM, mas para esse encontro é necessário uma inscrição e isso está no site... então www.forumpermanente.org, vocês fazem sua inscrição e isso garante a presença de vocês no evento. Mais uma vez eu queria agradecer, antes que eu esqueça, aqui, a nossa tradutora Nicole pela sua jornada de tradução, e obrigado e até a próxima vez.