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Construção de Acervo Como Ato Político [íntegra]

por Ulrich Krempel, diretor do Sprengel Museum Hannover


Trancrição completa do debate:

Marcelo Araújo:

· Boa noite, em 1o  lugar queria agradecer ao Instituto Goethe e cumprimentá-lo pela iniciativa da organização deste debate e, principalmente neste contexto de início de uma reflexão mais organizada a respeito de museologia que é sempre bem-vinda no nosso cenário. Fiquei, também, extremamente instigado e feliz de poder estar aqui nesta noite e debater com o Prof. Krempel a partir das lições do Sprengel Museum, que foi uma instituição que tive a oportunidade de conhecer em viagem que fiz à Alemanha em 1998, a convite do Instituto Goethe e que me deixou profundamente impressionado, seja com o acervo, seja com as ações que ela desenvolve e com a magnitude da presença na cidade. Esta apresentação que nos foi feita é apenas uma pequena parte da riqueza e da dimensão do museu. Uma primeira questão que eu gostaria de colocar é que eu acho que a história do Sprengel é importante não por preciosismo histórico, mas acho que porque isto é uma lição interessante para pensarmos a relação do museu com a arte moderna. Muitas vezes, no Brasil, e mesmo em livros de história da museologia há uma identificação entre o primeiro momento da relação do museu com a arte moderna na fundação do Museu de Arte Moderna em Nova Yorque em 1929, o que é na verdade um equívoco histórico, pois se quisermos localizar a gênese e o nascimento da relação do museu com a arte moderna, ele acontece justamente na Alemanha, a partir do final do século XIX, e, principalmente nas primeiras duas décadas do século XX, quando há toda uma proliferação de instituições, de diretores e curadores que estabelecem uma nova relação com a produção artística, a partir do qual surge um modelo de museu que é o Museu de Arte Moderna. Este não é simplesmente uma instituição igual ao museu de arte anterior e que trabalha com arte moderna, mas sim uma nova maneira com a qual o museu se relaciona com a arte moderna, no sentido de, e principalmente, incentivar esta produção. É um momento a partir do qual os museus têm uma presença e uma interferência direta na produção contemporânea, no sentido de promover artistas, tendências e levar a uma reflexão sobre a produção contemporânea, papel que até então os museus de arte não tinham, restringindo-se a um papel de construção de valores plenamente consagrados. E é interessante resgatar que esse nascimento de modelo de museu de arte moderna na Alemanha nos anos 10 e anos 20 se dá num contexto político bastante conturbado, o que evidencia o que o Prof. Krempel ressaltou bastante hoje, que é essa dimensão política do fato museológico, desse colecionismo dos museus e dessa ação dos museus de arte. O próprio Alfred Barr, que é o criador do MOMA, uma das primeiras exposições que organiza no MOMA é uma exposição sobre o expressionismo alemão, creio que em 31 ou 32, na qual, na introdução do catálogo, ele fala que essa riqueza do movimento expressionista alemão só era, na sua opinião, possível pela existência de museus que tinham colaborado e contribuído para o dinamismo desse movimento. E Hannover tem um papel rico e específico em todo este contexto, que é a criação do "Cabinet of the Abstract" , pelo El Lissitzky em 26, que foi a primeira obra que foi especificamente pensada para um espaço museológico, instaurando uma prática artística que é extremamente disseminada na atualidade. Tenho uma curiosidade histórica. Essa obra foi criada para um museu de Hannover, que era o Landesmuseum, que, obviamente não é a mesma instituição que o Sprengel. Gostaria de saber o que aconteceu com tal museu, se ainda existe, se foi desfeito ou destruído, qual o histórico deste museu. Essa dimensão política, que é essa prática museológica desses museus alemães do pré Segunda Guerra, é importante registrar que é o mesmo contexto que será resgatado no pós-guerra com a criação da Documenta de Kassel, quando todo o cenário artístico alemão se mobiliza para um posicionamento e uma ação que vai recuperar esta prática e este compromisso das instituições museológicas com uma produção artística contemporânea, contrapondo-se ao trágico intervalo, que foi o nazismo, e à prática totalitária e denegritória da arte moderna que o nazismo instaurou. O que eu gostaria de por como provocação para o debate é: Como ele e o Sprengel Museum, que políticas vêm sendo adotadas nesse histórico de reconhecer o colecionismo museológico como ato político, num contexto mais atual. Especificamente na Alemanha existem questões políticas recentes, cenários bastante conturbados, e que tiveram e continuam tendo reflexos bastante fortes na produção artística. A própria divisão da Alemanha em dois países durante muitas décadas acabou imprimindo desenvolvimentos artísticos bastante distintos entre o que, antigamente, era a Alemanha Oriental e a Ocidental. A produção artística da  Alemanha Oriental esteve durante muitos anos praticamente ausente dos  acervos dos museus da Alemanha Ocidental. Com a reunificação, como isso vem sendo trabalhado pelo Sprengel Museum? A outra questão, que também considero um dos grandes desafios para a prática museológica, é a produção das muitas vezes assim denominadas minorias étnicas. No caso da Alemanha, um dos grandes problemas sociais é a existência de grandes contingentes de imigrações de outros países, em especial o de origem turca. Existe toda uma grande produção artística e uma das grandes discussões já várias vezes colocadas é a ausência de espaço para esse tipo de produção nos grandes museus da Alemanha. Como o Sprengel enfrenta esta questão? Uma última preocupação minha é, dentro de uma visão museológica contemporânea, a questão do colecionismo e formação dos acervos é, sem dúvida, a gênese do trabalho museológico e é fundamental dada a natureza do trabalho museológico. Mas só essa ação tem um sentido bastante reduzido se não pensarmos também na incorporação dos públicos e quais são as ações e mediações que o museu desenvolve em relação a esse acervo para possibilitar a relação de fruição com os públicos, sejam os habituais, sejam os novos públicos que historicamente estão ou estiveram afastados do espaço museológico. Dentro dessa visão, qual a política que o Sprengel desenvolve na busca de novos públicos e quais as ações pensadas para a conquista e para o estabelecimento de novas relações com o público, principalmente através de uma ação educativa?

Ulrich Krempel:
Sras e Srs, no fundo foram 300 perguntas que me foram feitas, 4 perguntas principais que eu vou tentar responder com toda a habilidade. Em 1o lugar, história do Museu Estadual de Hannover. Este museu existe até hoje. Ele perdeu seu departamento de arte contemporânea porque, argumenta-se que o Sprengel Museum já cuida disto. Bernard Sprengel, quando ele se tornou mais velho, ofereceu à cidade de Hannover presenteá-la com sua coleção desde que a cidade construísse um museu de arte moderna. A situação foi algo difícil, pois Bernard Sprengel era um empresário conservador numa cidade que foi governada por muito tempo pelo partido social-democrata e Bernard Sprengel, quando fez esta oferta, não chegou a conquistar a municipalidade. Ele primeiro teve que contribuir com 10% do valor do prédio para entusiasmar os políticos do partido social-democrata. Finalmente o museu foi construído. Ele foi inaugurado há 24 anos, no próximo ano faremos 25 anos, somos ainda um museu jovem. Entraram no acervo do Museu Sprengel a coleção de arte moderna da cidade de Hannover e a coleção do Estado da Baixa Saxônia que tinha sido guardada, mas trata-se de 370 telas e esculturas que, há 25 anos, foram entregues ao Museu Sprengel pelo Museu do Estado. Temos milhares de outros trabalhos que estão na nossa casa, todos colecionados por Bernard Sprengel, muitos trabalhos gráficos e nós devemos este patrimônio de capital e trabalho à existência precoce de um belo trabalho de didática de museu. Muitos me falaram de um ex-colega meu, Udo Liebelt, que já esteve três vezes em Sào Paulo, durante muitos anos nós já tivemos quatro pessoas responsáveis para a pedagogia de museu e isso numa cidade de de 500.000 habitantes. Isto foi uma coisa única para a Alemanha e, atrás disso, podemos ver o interesse do partido
social-democrata em processos educativos. O Museu Estadual existe até hoje. É um museu clássico, tipo século XIX, com 4 departamentos. Temos uma belíssima coleção de arte do fim da Idade Média até o início do
século XX, final do século XIX, temos um aquário que é uma sensação para as crianças, atrai o público infantil, temos um depto. de antropologia e, por fim, um depto. de pré-história. Temos animais empalhados de toda
natureza, um dinossauro, cadáveres de pessoas que se afogaram nos pântanos da região, tudo isso faz parte do aspecto tutti-frutti de um museu. Nós somos um museu mais ativo em Hannover. Nós estamos numa situação
mais feliz porque temos dois financistas. Somos uma instituição municipal, da capital do Estado Hannover, e a metade do nosso orçamento é financiada pelo Estado da Baixa Saxônia. De momento isto nos causa alguns problemas. Eu já sou diretor há mais de 10 anos, mas nós conseguimos durante muito tempo atingir uma situação de financiamento estável. Não conseguimos mais dinheiro, mas também não cortaram as verbas. Ficamos mais ou menos no patamar de 1992, caímos um pouco, mas isso é muito menos que alguns colegas nossos tiveram de suportar em outros estados da Alemanha. Esta é a situação em Hannover, onde existem
duas associações de arte muito empenhadas, a Associação de Arte e a Sociedade Kessner, ambas muito ....

·  ...porque todos nós temos muito pouco dinheiro e nós sempre encontramos os colegas da Associação de Arte, da Sociedade Kessner, da Universidade, da Escola de Belas Artes e outras instituições e isto às vezes nos causa um sentimento de opressão., eu acho que isto deveria ser mencionado também. Muito importante foi o seguinte. Não sei se eu mencionei este nome antes, Alexander Dorner foi o especialista em museus que trabalhou na projeção de espaços. O Marcelo, antes disso, quando falou de iniciativas precoces, pensemos em Karl-Ernst Osthaus que projetou o Museu Folkwang e que fez estas primeiras salas de exposição expressionista, Arte Africana ou Arte da Oceania, em Hagen. Existe uma cidade muito pequena que é ainda muito mais chata que
Hannover, mas essas exposições que eu mencionei foram apresentadas em Hagen antes de 1918. · Com relação à pergunta da presença da antiga República Democrática Alemã. No nosso acervo, nós temos arte da Alemanha Oriental, sobretudo dos anos 80, se não contarmos a arte antes de 1945. Temos muitos alemães orientais, o expressionismo alemão começou na Alemanha Oriental, em Dresden foi fundado o grupo A Ponte, por esta razão nós temos muitos artistas da Alemanha Oriental, mas não de todas as épocas. A sua pergunta se referiu à República Democrática Alemã. Por razões ideológicas houve atividades de coleção separadas, a arte da RDA era
colecionada na RDA, a arte ocidental na Alemanha Ocidental, aqueles que estavam comprometidos com o realismo na Alemanha Ocidental tornaram-se cada vez mais abstratos e aqueles que tinham pendores abstratos na RDA aos poucos aceitaram as benesses do realismo socialista. Isso mostrou também grandes dificuldades. Somente nos anos 80, quando a arte da RDA apareceu pela primeira vez na Documenta, os quatro grandes pintores oficiais da RDA foram exibidos na Documenta. Estas obras foram compradas e a partir daí, nós temos até hoje obras emprestadas desses pintores. Hoje nós gostamos de expor estas obras com obras de realistas da
Alemanha Ocidental. Havia duas academias na Alemanha Ocidental, onde os estilos realistas de pintura sobreviveram no Ocidente. Se  hoje nós mostramos obras de Horst Antes, um dos grande pintores realistas do
Ocidente, isto nos dá uma oportunidade maravilhosa de mostrar Wolfgang Mattheuer, com os seus seres humanos e seus espaços similarmente configurados. Então, temos posições antigas da RDA, como Fritz Cremer,
um grande escultor alemão da RDA. Hoje é muito difícil achar estas obras a não ser que se encontre um colecionador privado que esteja disposto a empresta-las. Agora, arte jovem da RDA, nós temos muita. Nós expomos artistas da Alemanha Oriental, da Alemanha Ocidental. Temos uma curadora para fotografia e novos meios, que convidamos de Berlim. Ela estudou história da arte na RDA, ela viveu conscientemente na RDA nas primeiras 3 décadas de sua vida e tem um conhecimento fantástico da arte de todo o espaço do Leste Europeu, tem contato constante com as repúblicas do Báltico, estas que pertenceram à URSS. Também é uma pessoa insuspeita nesses países, menos suspeita do que um curador da Alemanha Ocidental, que ainda é percebido no Leste Europeu como representante do imperialismo ocidental. Os jovens artistas há muito tempo já têm um
discurso comum. Isto mudou por causa das escolas de arte e dos professores das escolas. Mas nós tentamos retomar o tema Alemanha vs. Alemanha (Ocidental vs. Oriental). Este tema nem sempre está presente,
mas sempre retorna ao nosso museu. Quanto às minorias étnicas, é uma questão especialmente interessante na Alemanha. Entrementes, temos três ou quatro curadores ou diretores de associações de arte que são de
origem turca. São via de regra colegas, só conheço homens, que já estão vivendo a terceira geração na Alemanha, os avós vieram para a Alemanha, estudaram história da arte e estão na casa dos trinta anos. É a primeira geração que está aparecendo, o Diretor da Associação de Artes de Hamburgo é de origem turca, o curador no Museu Folkwang de Essen, também vem da Turquia e é um mediador incrível, quando se trata de transmitir problemas culturais que advêm do universo islâmico, que têm a ver com a proibição das imagens, típica do islamismo. As nossas tentativas de lidar com isso nem sempre são pronunciadas. Também estamos discutindo de forma pronunciada a questão feminina, pois há curadoras mulheres são contra isso, mas temos um problema de arte contemporânea, as assim chamadas intervenções. Nós convidamos artistas da Turquia, artistas
turcos que vivem na Alemanha, e temos também artistas de Israel, de países árabes, da Austrália, representantes de minorias étnicas de outros países na Alemanha. Temos uma maioria nacional grande, os
chamados sérvios, que moram ao redor de Berlim, um pequeno povo de língua eslava, que tinha uma certa presença na RDA, mas que não são efetivamente discutidos em nossa sociedade. Uma coisa um pouco mais
complexa ainda, com relação aos jovens turcos. A produção imagética de jovens, homens e mulheres, é muito pouca na Alemanha, e não existe um discurso nem entre pessoas filiadas à esquerda, ou entre pessoas de
origem turca, ou entre curadores de origem turca que insistam na instalação de salas especiais. Normalmente, na Alemanha, isto é percebido como uma medida de exclusão, como uma medida assistencialista ou paternalista, como se a tarefa fosse dar um papel especial aos artistas. Mas isto nós já tivemos demais na Alemanha, pensemos apenas na estratégia de exclusão do 3o Reich. Muitas pessoas, então, teriam medo. De qualquer forma, não existe uma representação organizada dos interesses desses artistas. Este aspecto é interessante. Agora, não pensei sobre esse aspecto ainda, Marcelo, no tocante da criação das salas especiais. Eu acho que os afetados não apreciariam isto. Os jovens artistas turcos que moram na Alemanha querem se integrar, querem
participar sem problemas de todo o processo.  Eles não querem ser figuras especiais, ao menos é como eu vejo no campo das artes plásticas. Há outros fenômenos culturais, da geração jovem de filhos de imigrantes. Temos isso na música, na literatura, temos desenvolvimentos muito interessantes, muito específicos. Temos uma língua peculiar, uma mistura de alemão planetário e de formas de línguas orientais. Isto surgiu na Literatura. Na Literatura isto é visível, mas, talvez no caso das artes plásticas, tenha vigência essa velha proibição de imagens que é idêntica ao Segundo Mandamento do Antigo Testamento, a proibição de fazer uma imagem de Deus. Estas pessoas, os turcos que vieram à Alemanha eram operários, muitas vezes simples, às vezes simplórios, pessoas de pouca formação, pouca cultura  muitos eram analfabetos, principalmente as mulheres. Talvez isso indicie que a cultura dos turcos está longe de estar integrada, que ela ainda não é tratada como uma cultura igual . Quando uma cultura se identifica com as suas tradições, e quando ela mesma se exclui numa sociedade, isto talvez, também, indicie quão pouco falamos uns com os outros. Tenho disposição para continuar a falar sobre
isso, mas queria dizer aqui o seguinte: Não existe esta apresentação especial, e entre os jovens artistas profissionais, eles não temem nada mais que uma exposição que pudesse ser mostrada pelo Goethe de São Paulo que diria Cinco artistas jovens de origem turca . Isto cheiraria a paternalismo, e isto é a pior coisa que se pode desejar para artistas que querem seriamente participar da vida profissional. · Com relação à conquista de novos públicos. Udo Liebelt, que alguns de vocês conheceram era uma pessoa que lutava muito pelo público. Ele
continua sendo teólogo, só está aposentado. Durante 20 anos ajudou a desenvolver o trabalho do museu. Ele inventou uma técnica: convidava ruas inteiras de pessoas que moravam perto do museu. Então, no terceiro sábado de janeiro eram convidados os residentes na Goethe-Straße. Eles recebiam panfletos volantes e ele convidava pessoas apenas desta rua. Ou fazíamos outras coisas, convidamos grupos, por exemplo habitantes  de
asilos de velhos, muitas vezes pessoas pobres que têm pouca mobilidade e foram abandonadas pelas suas famílias. Nós trabalhamos diretamente na conquista do público jovem. Temos cerca de 1200 classes de alunos de
ginásios e escolas primárias que são atendidos. Fazemos visitas para pessoas que, durante o almoço, encontram 20 min de tempo para visitar o museu. Temos ao nosso redor as secretarias de estado, a casa civil do governo do estado. Enfim, temos um certo círculo de pessoas que sempre retornam. Algumas pessoas gostam de visitas guiadas, outras não. O Diretor às vezes tem um feed-back, às vezes me ligam e dizem: Sr. X, o dia X é terrível , ou pela terceira vez vocês estão apresentando aquele quadro, não poderiam apresentar outro? . Fizemos um novo programa para idosos, acho que a cada quinta-feira, eles recebem a oportunidade de uma visita guiada. Fazemos exposições feitas por profissionais, especificamente voltadas a crianças, até as com menos de 3 anos de idade, acompanhadas pelas mães. Nós temos exposições para crianças que retomam temas que aparecem nas grandes exposições, nós selecionamos algumas obras que as crianças podem compreender, colocamos elementos que tornam a exposição interessante para as crianças, colocamos casinhas onde elas podem se esconder, fizemos uma exposição de livros ilustrados, fizemos uma tumba para crianças, as crianças podiam comprar, por alguns centavos, dentes de vampiros, roupas de vampiros, fizemos um baile de vampiros, com uma exposição de livros antigos sobre vampiros. Podemos imaginar muita coisa, os pedagogos de museus são pessoas criativas, não apenas gostam de arte, mas são pessoas com formação profissional. Não se trata apenas de exposições para crianças, mas também para os pais que levam seus filhos por 60 minutos para a exposição e, nos finais de semana, nós sempre fazemos uma oferta para crianças que queiram pintar, desenhar no museu, que queiram pintar com os pais ou sozinhos, sempre há animadores que cuidam das crianças que ficam lá uma hora. Os pais deixam as crianças e vão visitar a exposição. De resto a última possibilidade de atrair novos públicos é aquela que consiste em buscar interesses distintos. Temos agora uma exposição sobre uma artista dos anos 60, Niki de Saint-Phalle. Essa mulher foi tão politizada nos anos 60, que atacou a sociedade masculina e antecipou muito o movimento feminista. Nós recebemos uma doação maravilhosa dessa artista, 400 trabalhos. Com isso nós conquistamos um público, as mulheres de 40, 50 anos, as mulheres jovens que vêm nessa artista uma espécie de aval espiritual. Fazemos outras exposições sobre a presença ou ausência de mulheres na arte. Uma exposição muito bonita pela qual fomos xingados pela imprensa conservadora foi chamada de Jardim Da Mulher. As artistas, as pintoras, todas as mulheres dos expressionistas conhecidos que aparecem sempre
lado-a-lado dos seus pintores, então, tentamos juntar essas mulheres, as mulheres do norte, as mulheres do sul, fizemos uma reunião imaginária. Sessenta mil mulheres e dez mil homens visitaram essa exposição. Então,
com tais questionamentos que dizem respeito, também, a problemas atuais que a sociedade discute podemos conquistar públicos novos. No caso de Nolde vieram muitos idosos, vieram às pencas, vieram em ônibus lotados.
Esse público foi bem diferente, eram muitas vezes pessoas simples, que não tinham uma formação maior, via de regra os visitantes dos museus são pessoas com cultura acima da média. Há seis, sete anos fizemos uma
enquête e, quase sempre, são pessoas que terminaram o segundo grau, estudaram numa universidade, essas pessoas vão voluntariamente aos museus. O que é muito importante é a oferta. Alguns colegas da Alemanha
hoje recorrem a uma arma popular. Por exemplo fazem uma exposição sobre Picasso e Erotismo, pois nus sempre vendem bem. Os americanos dizem Sex Sells, sexo vende. Acho muito importante fazer uma exposição sobre erotismo e sobre repressão do erotismo, mas acho que só isso não é estratégia para conquistar público. Pode ser estratégia para ganhar muito dinheiro, isso é muito importante, mas do ponto de vista da história da arte isso é um objetivo relativamente modesto.

Marcelo Araújo:

Claro que nos interessa muito trocar idéias com o público, e não vou me alongar no comentário, mas acho interessante que o Dr. Krempel falou do Udo Liebelt, e isto é uma lembrança para nós da geração de 80, que
foi uma pessoa que visitou o Brasil e teve uma relação bastante afetuosa com os jovens que estavam iniciando em museus da cidade. Alguns destes jovens estão aqui presentes, hoje. Mas o que me chamou muito a atenção
naquele momento foi como a educação tinha um destaque naquele museu e que acho que até hoje acho que não alcançou isso em boa parte de nossos museus aqui no Brasil e até no exterior, que é considerar a educação como algo tão importante como a curadoria ou como a conceituação das exposições e até a interpretação do legado histórico que o museu representa. Para não me alongar mais, gostaria de pedir a vocês que fossem sucintos nas perguntas, para que tenhamos mais perguntas e possamos de fato finalizar esta noite com uma resposta calorosa de vocês. Lembro que é interessante que amanhã quem puder comparecer ao nosso Workshop na Pinacoteca, que há várias questões a serem abordadas, o museu é uma complexidade e, desde o momento de criação de um acervo, da relação que se tem inicialmente, do colecionismo que é bastante pessoal até a sociabilização de uma relação que às vezes é muito íntima, e como o museu acaba possibilitando que algo que é extremamente privado venha a ser democratizado, dividido com grande parcela do público. Então, amanhã, pensar o acervo como ponto de partida para discussões relacionadas a museus e seu contexto serão muito importantes. Vamos então às questões.

Denise Greenspan
· Todos sabemos que as coleções particulares são construídas  por questões subjetivas e de oportunidade, mas é bastante emblemático a história desse casal Sprengel, que transformou sua coleção em ato político, uma espécie de Schindler das artes, e gostaria de saber como o museu lida, expõe a historiografia desta coleção. Se ela simplesmente expõe a obra de um artista que é, felizmente, extraordinário, como Emil Nolde, iluminando e focando as questões mais estéticas, ou se dá luz, também, a esta historiografia e a esse ato de resistência tão marcante na história do museu. E como o museu hoje constrói a sua política de aquisição?

Ulrich Krempel
Muito obrigado. Quanto a essa pergunta, no caso da coleção de Bernard Sprengel, estamos há alguns anos tentando processar a história da coleção. Até 1995, isto não foi feito na nossa casa. Mas, entrementes, temos uma discussão interessante, muito necessária, para avaliar a procedência de muitas obras. Há dois anos, nós, como Museu Sprengel, devolvemos um quadro de Lovis Korinth aos seus herdeiros, que tinham perdido o trabalho em 1941. A tela foi adquirida em 48 por Bernard Sprengel por Lothar-Günther Buchhan, que não nos quis revelar onde ele tinha adquirido esta peça. A cidade de Hannover, ao qual pertence o museu, decidiu, em reunião na Câmara dos Vereadores, devolver esta tela aos herdeiros de Lovis Korinth. Isto chama atenção a um grande problema. Certamente nos próximos anos nós vamos descobrir mais sobre a política de aquisição de Bernard Sprengel. O próprio Sprengel, muitas vezes não sabia ao certo de onde vinham suas telas e isso não exclui a
possibilidade de que obras que ele comprou de comerciantes tenham sido roubadas de seus proprietários. Havia muitos artistas de origem judaica na Alemanha. Nós temos uma jovem doutoranda que trabalha na nossa casa e
que recebe uma bolsa da Associação de Amigos do Museu, eu propus que dessem uma bolsa à essa jovem para que ela tentasse retraçar a história do acervo Sprengel, daquela parte que foi juntada no período nazista e ela agora está tentando descobrir a origem dos 600 trabalhos que Bernard Sprengel e sua esposa compraram durante aquele período. Isto porque, no nosso museu, gostaríamos de apresentar por um lado a história do acervo e, por outro lado, chamar a atenção de museus internacionais para o cumprimento de uma tarefa política do museu. Isto é muito difícil, nós temos sorte que somos ajudados pela Associação dos Amigos e que nós
temos essa jovem doutoranda que está retratando a história. Nós vamos publicar este livro e eu acho que este livro vai interessar muitas pessoas que vão tentar entender o que aconteceu com a arte durante o período nazista. Mas isso já expressa um desideratum, um desejo, retraçar a história do acervo. Quando a viúva de Sprengel morreu, há alguns anos, recebemos da família muitos documentos, temos as fichas referentes às telas e aquarelas, onde Bernard Sprengel registrou os movimentos das obras que adquiriu. Agora só temos que encontrar os caminhos. Não temos como fabricar, num passe de mágica, recursos que nos permitissem pagar cientistas, homens e mulheres para fazer essa pesquisa. Mas nós estamos trabalhando na nossa casa sobre outros acervos, não só sobre o Sprengel, nós somos um Museu da Cidade de Hannover, estamos editando por encargo da municipalidade e de um grande banco, o catálogo das obras de Kurt Schwitters. Há dez anos dois colegas estão trabalhando, o segundo volume foi publicado, o terceiro volume será publicado em 2005 e, certamente, será publicado um quarto volume com adendos e apêndices. Na minha opinião, esta atividade é
extraordinariamente importante. Precisamos lidar cientificamente com os acervos do museu. Os museus devem promover a pesquisa científica e nós levamos isso a sério. Em algumas concepções de museus isso já nem
aparece mais hoje. Isso foi algo que, na discussão sobre o museu no século XXI foi esquecido, mas os trabalhos científicos, de pesquisa, arquivísticos, a utilização dos materiais de pesquisa, tudo é muito importante. No caso de Bernard Sprengel, preciso dizer o seguinte: não o conheci pessoalmente. Quando eu fui a Hannover ele já havia falecido. Eu percebo Bernard Sprengel através de sua filha mais jovem, uma pessoa da minha geração e muito encantadora, e que discute sem dificuldades, inclusive sobre questões políticas, questões muito delicadas. Então, a família está sendo muito simpática e vem ao nosso encontro. Nos primeiros 10, 15 anos da história do museu isso não foi feito, mas os colegas produziram catálogos, fizeram inventários do acervo. A história, a rigor, só foi retraçada até a época da fundação. Hoje nós podemos e devemos pesquisar períodos anteriores, mas muitos artistas, historiadores de arte não aprenderam a faze-lo, então precisamos da ajuda de historiadores, de pessoas que se ocupara com a história complexa de pessoas durante o nazismo, muitas delas de origem judaica que desapareceram sem deixar vestígios. Só depois de pesquisas muito complexas conseguimos rastrear a sua história e é muito difícil encontrar membros de suas famílias com os quais poderíamos discutir a restituição de trabalhos que estão no nosso acervo. Todas essas questões nos dizem respeito e são muito complexas para o futuro. Não sabemos como financiar tudo isto, mas sabemos que isto deve ser feito. Disto nós temos muita consciência.

Peter Thiagus
· Sou produtor cultural e durante cinco anos eu fui diretor do Stedelijk Museu de Amsterdão na Holanda, onde tivemos uma situação bastante similar do Sprengel Museum. É um museu que tem uma coleção composta de
coisas históricas, arte moderna, basicamente, arte moderna holandesa. É um museu que, por sinal, também um quarto das exposições eram feitas especialmente para crianças. Na região de Rotterdam, onde está localizado, existe uma população de turcos, marroquinos, como na Alemanha. E a prefeitura nos deu ordem de integrar também esta população na visitação do museu, que até então não tinha visitação nenhuma. A população marroquina e turca não ia ao museu. E nós tivemos dificuldades, porque, como se vai, digamos, convidar essas pessoas para ver o que? E a solução que encontramos é que fomos à Turquia, fizemos uma curadoria de jovens artistas turcos, levamos para nossa cidade e, para não estigmatizá-los, juntamos outros artistas holandeses para
montar salas em conjunto com esses artistas, para integração. E convidamos a população turca e marroquinas para visitar a exposição e, uma vez que 80% dessa população não fala holandês, só turco, fizemos o catálogo em turco e holandês, para facilitar este contato. Mas em momento algum baixamos a qualidade da exposição. Isso é importante. Havia até cenas que, para o Islã seriam, digamos, um pouco provocativas. Mas foi uma exposição que foi um sucesso, pois demos um instrumento para essa população de entender na sua própria língua. Isto poderia talvez ser uma sugestão, inclusive lá na Alemanha.

Não identificado
· ... << Risos>> Ela quer saber se o chocolate que o Sprengel fabricava era bom...

Ulrich Krempel

Eu me lembro dos anos 50, essa foi uma época em que não se conseguia muita coisa na Alemanha, e o chocolate produzido por Bernard Sprengel era muito bom, muito mais caro do que outros chocolates, política de
preços! Eu, minha família recebi pouco chocolate da fábrica de Sprengel. Se você se interessa pela dimensão do chocolate, durante a Segunda Guerra Mundial, Bernard Sprengel pôde agir tão bem, pois sua firma fez uma produção considerada relevante para a guerra. Ele não produzia chocolate apenas para o consumo da população, ele produzia um chocolate especial para a Força Aérea Alemã. Alguns dos presentes devem conhecer o Choca-Cola , um chocolate com elevado teor de cafeína que é vendido numa lata, a gente aperta e saltam pílulas de chocolate que a gente pode quebrar. Enquanto o piloto está no manche do avião e se preparando para
atacar a Normandia e soltar bombas, com a outra mão ele quebra uma barra de chocolate. Bernard Sprengel teve uma produção considerada relevante para a guerra e ele aproveitou isso muito bem. Ada Nolde, a esposa de
Emil Nolde era cardíaca e ela precisava de remédios, que não se podiam mais comprar na Alemanha. Bernard Sprengel mandava-lhe Choca-Cola, então há cartas de Sprengel e do médico, indicando-lhe a dosagem diária
necessária para lidar com seus problemas de saúde. O chocolate parece ter um significado importante na história das coleções alemã. Há outro colecionador alemão que se tornou célebre como fabricante de chocolate. Talvez isto tenha a ver com a qualidade erotizante do cacau.

Orador

O que me chamou a atenção, ontem e hoje, o Dr. Krempel, visitou várias instituições da cidade trocando idéias e, o que obviamente desperta a atenção de um visitante estrangeiro é o tamanho da cidade. Então, quando ele nos fala que Hannover tem apenas 500.000 habitantes, a gente fica logo imaginando como esse museu se elaciona com a cidade, que é, às vezes, uma dimensão que nossos museus têm dificuldade. Numa cidade com
18 milhões de pessoas, essa proporção de uma comunidade com o museu é bastante difícil, pois não conseguimos identificar quem é nosso público. O público que vem ao museu freqüentemente, e que vê que o museu é parte integrante de sua vida, esse não é problema, mas, em políticas de ampliação do público, ao se pensar na mediação da arte com uma certa comunidade, eu diria que isto é um grande problema no Brasil. Como é a relação do Sprengel Museum com a cidade?

Ulrich Krempel

· Num plano bem formal, o Museu Sprengel é um instituto da cidade de Hannover, por isso o prefeito sempre aparece nas inaugurações das coleções, nas coletivas de imprensa, e se interessa pessoalmente pelo bem
estar do museu. Ele sabe que hoje o Museu Sprengel é um dos fatores importantes para a percepção da sua cidade na opinião pública alemã. O atual prefeito já o é  há mais de 31 anos e acompanhou a fundação do
museu, foi um dos que assinaram a ata de fundação, é prefeito há mais tempo que o museu existe. Sempre há conflitos entre o museu e a municipalidade. Somos bastante rebeldes, com freqüência enfrentamos proibições que a esfera política nos impõe, às vezes temos sorte e não apanhamos por isso. Mas, o clima azeda por um dia e depois as coisas se ajeitam. Em Hannover, nós nos pronunciamos claramente contra a alteração da estrutura dos museus e, com isto, entramos em guerra com o nosso superior, mas conquistamos a simpatia da população. Hannover ama o Museu Sprengel. O museu está situado em uma área de lazer, à beira de um grande lago, onde as pessoas podem, durante o fim-de-semana, passear ou andar de barco, há uma grande praça de esportes, um estádio de futebol, local para feiras populares. Isto tudo, nobilita de certa forma o museu. O museu também tem os melhores WCs para as pessoas que visitam o lago, então temos muitos visitantes ocasionais que apenas usam os WCs. Nós temos de financiar essa gente, em bom português, pagando o papel higiênico que eles usam no final de semana. Temos um restaurante aceitável num terraço maravilhoso, é um dos lugares mais bonitos, a
gente está sentado no restaurante e vê o lago. É como em Hamburgo que se senta perto da Alster, que é um lugar muito mais caro. Além disso, temos uma livraria maravilhosa, a única especializada em livros de arte entre
Berlim e Dusseldorf e Hamburgo e Frankfurt. Ou seja, é uma livraria que, contrariamente às lojas de museus, não vende guarda-chuvas e cuecas estampados. É uma livraria com livros de estética, de história da arte, também vende livros de uma  editora popular, mas também livros especializados. Quem vai ao museu sabe que pode comprar um presente. Isto é importante, as pessoas que amam arte também lêem muito. É necessário satisfazer as necessidades espirituais, fora da arte, eis um leque de medidas ofertadas à população de Hannover. Temos um evento específico na Alemanha, agora sendo feito há três anos em Hannover a Longa Noite dos Museus inventada em Berlim, mas não só na Alemanha. Durante uma noite por ano, das 18h00 às 01h00 todos os museus da cidade estão abertos, as pessoas adquirem um ingresso único que vale para todos os museus e em Hannover basta um ônibus, cujo preço está incluído. Então com um único bilhete podemos passar por todos os museus e cada um tem um programa especial. Nós sempre fazemos programas musicais, de teatro, visitas guiadas, temos uma visita à meia-noite, capitaneada por mim e, nessa hora, na qual os fantasmas se encontram no cemitério, as pessoas vão ao museu. E sempre são as mesmas pessoas que assistem às conferências que eu faço sobre obras de arte, nós temos um certo público cativo que sempre retorna e, de certa forma, nos sustenta. Os cidadãos e cidadãs de Hannover gostam de vir ao museu. Cada vez que planejamos ações especiais vêm pessoas que nunca vimos antes. Há quatro ou cinco anos fazemos estes programas. Tivemos um probleminha com os sindicatos. Determinados dias em que o museu está fechado, exemplo 1o de Janeiro ou 1o de Maio, fiz uma votação com relação ao 1o de Janeiro para saber se não poderíamos abrir, e me negaram. Então, com a ajuda do sindicato, desenvolvemos uma proposta intermediária, e há cinco ou seis anos, o Museu Sprengel abre dia 1o de Janeiro das 13h00 às 18h00 para o público em geral e não cobramos entrada. No próximo ano, os voluntários que trabalham naquele dia serão pagos pela Associação Dos Amigos Do Museu, mas as pessoas são pagas de tal modo, que recebem o dinheiro por fora , não precisam recolher impostos sobre o que ganham naquele dia. Então o entusiasmo aumentou, nós temos mais pessoas que necessitamos para esses serviços. No último 10 de Janeiro nós tivemos 2.500 pessoas que vieram para olhar o museu e muitos eram jovens que não costumam ir a museus. Precisamos trabalhar com múltiplas concepções. Não coneço apenas um único meio ...

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Ulrich Krempe
· ...na opção lingüística, acho isto muito importante. Nós temos uma comunidade russa muito importante em Hannover, muitos judeus russos, e acomunidade judaica é tão grande como nunca foi antes. Fizemos uma
exposição sobre cubismo.com muitas obras emprestadas de Moscou e oferecemos uma visita ao museu toda em russo. Com relação ao nosso trabalho pedagógico, nós podemos transmitir apenas o acervo do museu. Agora, discussão de problemas sociais, de minorias, este trabalho nós não fazemos. Os alunos turcos, marroquinos e outros, só os reconhecemos, as meninas por exemplo, porque usam pano na cabeça. Nós não avançamos tanto quanto os holandeses, mas acho que seria interessante desenvolver nossa reflexão, nosso trabalho nesta direção.

Mário Ramiro
· Falando sobre a relação do chocolate com o museu, não deixo de pensar no Museu Ludwig, cuja origem também é, digamos, o chocolate, e gostaria de fazer uma pergunta, que é um pouco fora do tema, mas gostaria de aproveitar esta oportunidade para esclarecer uma dúvida. É conhecido que o Museu Ludwig tem várias representações, em Aachen e, se não me engano, em São Petersburgo. O senhor poderia dizer se essa estratégia do Museu Ludwig seria algo semelhante que a estratégia que o Guggenheim, por exemplo tem, de ficar criando representações do museu pelo mundo? Poderíamos ver isso também dessa forma? Ou, perguntando de outra forma, na Alemanha isso é visto como uma estratégia de ampliação do museu?


Ulrich Krempel

· Esta é uma pergunta interessante. Peter Ludwig foi uma pessoa que estava interessado em ver seu nome reproduzido em muitos lugares, era uma pessoa com senso de poder, comprava grandes quantidades. Enquanto
Bernard Sprengel comprava obras isoladas, ele comprava obras em caminhões, ele queria colecionar enciclopedicamente. Comprava arte da URSS, da RDA, arte cubana. Sempre que as suas relações de comerciante de chocolate lhe permitiam fazer bons negócios. Tentou fazer trocas e levar os seus acervos para outros países, emprestou obras para a Hungria, São Petersburgo. Não sei se fez empréstimos a Cuba, mas sempre condicionou
os empréstimos a mudanças temporárias do nome do museu. Então havia o museu Ludwig de Viena, o de Budapeste. Entrementes isso mudou. Em primeiro lugar ele morreu, em segundo lugar, hoje é sua esposa quem
cuida da fundação, e Mark Scheps, um colega israelense, que durante algum tempo foi diretor em Tel-aviv, e depois dirigiu um museu o museu Ludwig, nunca esqueceu suas origens de especialista em museu e, juntamente com Irene Ludwig, está lidando de forma mais cautelosa com isso. Alguns empréstimos permanentes foram transformados em doações. Assim, a família doou todo seu acervo de Picasso ao Museu Ludwig de Colônia. Então, não existe uma central, como no Guggenheim, não existe nem um Thomas Krenz, que estaria sentado na central, forjando as estratégias para otimização do lucro e da viagem de obras de arte. Acho que essa foi uma idéia muito personalista, que hoje é obsoleta, mas hoje, pela Fundação Ludwig, ainda podem ser apoiados museus. O Instituto Ludwig, na região do Ruhr absorveu muita arte da RDA, da coleção de Ludwig e processa os acervos. Eles foram punidos um pouco pela falta de interesse na arte da Alemanha Oriental. Antes da reunificação, pensaram: encontramos um tesouro. Apesar de toda a crítica legítima à estratégia de Ludwig, esta regrediu muito, pois, com sua morte, muita coisa deixou de existir. Ludwig tinha umas relações que são consideradas intoleráveis. Ele deixou-se retratar com sua esposa por Arno Breker, um dos escultores preferidos de Adolph Hitler, uma pessoa de matiz muito cambiante, que levou uma existência muito ambivalente na Alemanha depois da Segunda Guerra. Era pouco respeitado, porque produzia arte ruim, mas era apreciado pelos grandes empresários, esportistas, os quais esculpia. Bem, muitas pessoas interessadas em arte se entusiasmavam com Ludwig, mas quando viam que ele se deixava retratar por esse artista nazista, deixavam de acompanha-lo e, parece que ele não conseguiu mais implementar aquela sua idéia de fazer um museu de arte nazista. Creio
que até aqui é o que deveria ser dito sobre Peter Ludwig.


Orador
É interessante que isso foi uma das questões que também foram levantadas ontem no debate com a Tate. A princípio, poderíamos pensar que a expansão da Tate visasse, também, em termos do Terceiro Mundo ,
um processo de colonização. É interessante ver que a Tate parece não ter interesse em passar das fronteiras. Apesar dela ter feito, a partir da década de 80 um esforço para estar representada na Grã-Bretanha. Era um
projeto bastante ambicioso, mas parece que agora se finaliza com a Tate Modern. O diretor da Tate disse que essa idéia de se fazer dinheiro com arte não estava nos planos da Tate , e que a relação com o Brasil seria
uma relação de intercâmbio, mais do que de negócios. Claro que isso foi a resposta oficial do dia, mas acredito que assim seja. E nesse sentido, parece que o brand Guggenheim está, neste momento, mais isolado nessa
idéia de fazer uma empresa multinacional da arte e que, bem sabemos, parece não andar muito bem.

Ulrich Krempel

Duas frases apenas: Nunca se pode saber e eterno dura mais.