São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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MÚSICA EM DEBATE

Artistas pedem inclusão de ensino musical em currículo escolar e atuação do governo contra jabaculê

Jabá e direito autoral mobilizam classe

DO ENVIADO AO RIO

Embora a incerteza e a hesitação ainda dominem as discussões da classe musical recém-reagrupada, parece consensual a proposta de que se criem diversos grupos de trabalho para levantar os principais problemas atuais do setor no Brasil e levá-los ao Ministério da Cultura.
A proposta inicial dos organizadores elenca dez grupos: de educação musical, capacitação profissional, meios de comunicação, difusão de música brasileira no exterior, preservação de memória, pirataria, direitos autorais, mapeamento, criação e formação de platéia e questões trabalhistas.
A dinâmica se acelera, Fernanda Abreu pede inscrição no grupo de direitos autorais. Jorge Vercilo reivindica a inclusão de grupo para a atividade dos músicos da noite ("em que sobrevivi muitos anos e ainda sobrevivo"); convencido, acaba inscrito no grupo trabalhista. Ivan Lins se autofilia ao dos meios de comunicação, em que a vedete será o famigerado jabaculê (pagamento de dinheiro por gravadoras para determinadas músicas estourarem em rádio e TV).
A compositora Joyce, da platéia, discursa pedindo especial atenção a três questões: a luta contra o jabá, a inclusão do ensino de música na formação escolar básica e a necessidade de extinguir a maioria das sociedades de arrecadação de direitos autorais no país.
Sobre esse último ponto, ela e outros participantes atacam a proliferação de sociedades subordinadas ao Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad) nas últimas décadas, enquanto países mais desenvolvidos possuem uma ou duas organizações.
Sobre o jabá, Joyce pede que a classe pressione firmemente o governo e o Ministério da Cultura: "É questão de corrupção, se neguinho está detonando briga de galo por que não encarar o jabá?".
Os direitos autorais também dominam a pauta, como na intervenção do compositor e guitarrista Cláudio Guimarães: "O Ecad é um entulho autoritário, quando lutamos por sua criação era a única luz no fim do túnel. Era bandidagem, Jards Macalé tomava tiro na rua por falar do assunto".
Lembrando a movimentação dos anos 70 que culminou na criação do Ecad, ele arranca gargalhadas da platéia: "Quando precisamos ter um representante no Conselho Nacional de Direitos Autorais (CNDA), o presidente Ernesto Geisel nomeou Roberto Carlos, o que é um drama".
Joyce lembra quando esteve no CNDA, entre os substitutos do Rei, "que era nosso representante e nunca foi lá": "Havia os advogados do "bem" e os da "hidra". O conselho tinha sua função, conquistou várias coisas para nós".
Guimarães comenta o presente, entre otimista e pessimista: "Para mim é gratificante, 30 anos depois, ver a classe tocando na ferida, apesar de ver também como estamos desorganizados".
Eis outra senha: a desarticulação entre os diversos ambientes da música nacional está na boca de todos os participantes. Aparece quando Abel Silva chama o sindicato de "defunto morto, que fede" e quando Dalmo Mota retruca que ele nunca foi ao sindicato. Aparece nas várias referências à desacreditada Ordem dos Músicos do Brasil, que tem um mesmo dirigente há quase 40 anos.
Aparece no resmungo de Tibério Gaspar, de que "o MinC traçou o plano por nós", e no truco de Fernanda Abreu, de que "a gente não traça nada". É ela também quem se irrita com os reclames de Abel Silva contra o sindicato: "Se você quiser acabar com o sindicato, a hora é agora".
Quem tenta afinar todos os instrumentos é Egeu Laus, atuante no Fórum Carioca de Música, que brinca que é designer, e não músico. Ele ataca a resistência de vários dos presentes em aceitar a presença da hidra de cinco cabeças na câmara setorial: "Interesses classistas não vêm ao caso. Todo mundo tem que ser obrigado a sentar na mesma mesa e se encarar. Se não for assim o mais poderoso faz seu lobby e vence tudo".
Pois um novo e grande lobby tenta se formar; São Paulo segue de perto a aceleração dos acontecimentos no Rio. "É igual a um estopim, já há mobilizações importantes aqui, em Brasília, no Pará. Não me lembro de ter presenciado algo assim em meus 45 anos", avalia o músico Juca Novaes.
O panorama soma hesitações, desconfianças, descobertas, mas, como diria Vinicius de Moraes, abriu-se a porta da arca de Noé. (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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