|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA EM DEBATE
Artistas pedem inclusão de ensino musical em currículo escolar e atuação do governo contra jabaculê
Jabá e direito autoral mobilizam classe
DO ENVIADO AO RIO
Embora a incerteza e a hesitação ainda dominem as discussões
da classe musical recém-reagrupada, parece consensual a proposta de que se criem diversos
grupos de trabalho para levantar
os principais problemas atuais do
setor no Brasil e levá-los ao Ministério da Cultura.
A proposta inicial dos organizadores elenca dez grupos: de educação musical, capacitação profissional, meios de comunicação, difusão de música brasileira no exterior, preservação de memória,
pirataria, direitos autorais, mapeamento, criação e formação de
platéia e questões trabalhistas.
A dinâmica se acelera, Fernanda
Abreu pede inscrição no grupo de
direitos autorais. Jorge Vercilo
reivindica a inclusão de grupo para a atividade dos músicos da noite ("em que sobrevivi muitos anos
e ainda sobrevivo"); convencido,
acaba inscrito no grupo trabalhista. Ivan Lins se autofilia ao dos
meios de comunicação, em que a
vedete será o famigerado jabaculê
(pagamento de dinheiro por gravadoras para determinadas músicas estourarem em rádio e TV).
A compositora Joyce, da platéia,
discursa pedindo especial atenção
a três questões: a luta contra o jabá, a inclusão do ensino de música na formação escolar básica e a
necessidade de extinguir a maioria das sociedades de arrecadação
de direitos autorais no país.
Sobre esse último ponto, ela e
outros participantes atacam a
proliferação de sociedades subordinadas ao Escritório Central de
Arrecadação de Direitos (Ecad)
nas últimas décadas, enquanto
países mais desenvolvidos possuem uma ou duas organizações.
Sobre o jabá, Joyce pede que a
classe pressione firmemente o governo e o Ministério da Cultura:
"É questão de corrupção, se neguinho está detonando briga de
galo por que não encarar o jabá?".
Os direitos autorais também
dominam a pauta, como na intervenção do compositor e guitarrista Cláudio Guimarães: "O Ecad é
um entulho autoritário, quando
lutamos por sua criação era a única luz no fim do túnel. Era bandidagem, Jards Macalé tomava tiro
na rua por falar do assunto".
Lembrando a movimentação
dos anos 70 que culminou na criação do Ecad, ele arranca gargalhadas da platéia: "Quando precisamos ter um representante no
Conselho Nacional de Direitos
Autorais (CNDA), o presidente
Ernesto Geisel nomeou Roberto
Carlos, o que é um drama".
Joyce lembra quando esteve no
CNDA, entre os substitutos do
Rei, "que era nosso representante
e nunca foi lá": "Havia os advogados do "bem" e os da "hidra". O
conselho tinha sua função, conquistou várias coisas para nós".
Guimarães comenta o presente,
entre otimista e pessimista: "Para
mim é gratificante, 30 anos depois, ver a classe tocando na ferida, apesar de ver também como
estamos desorganizados".
Eis outra senha: a desarticulação entre os diversos ambientes
da música nacional está na boca
de todos os participantes. Aparece quando Abel Silva chama o sindicato de "defunto morto, que fede" e quando Dalmo Mota retruca que ele nunca foi ao sindicato.
Aparece nas várias referências à
desacreditada Ordem dos Músicos do Brasil, que tem um mesmo
dirigente há quase 40 anos.
Aparece no resmungo de Tibério Gaspar, de que "o MinC traçou o plano por nós", e no truco
de Fernanda Abreu, de que "a
gente não traça nada". É ela também quem se irrita com os reclames de Abel Silva contra o sindicato: "Se você quiser acabar com o
sindicato, a hora é agora".
Quem tenta afinar todos os instrumentos é Egeu Laus, atuante
no Fórum Carioca de Música, que
brinca que é designer, e não músico. Ele ataca a resistência de vários
dos presentes em aceitar a presença da hidra de cinco cabeças na
câmara setorial: "Interesses classistas não vêm ao caso. Todo
mundo tem que ser obrigado a
sentar na mesma mesa e se encarar. Se não for assim o mais poderoso faz seu lobby e vence tudo".
Pois um novo e grande lobby
tenta se formar; São Paulo segue
de perto a aceleração dos acontecimentos no Rio. "É igual a um estopim, já há mobilizações importantes aqui, em Brasília, no Pará.
Não me lembro de ter presenciado algo assim em meus 45 anos",
avalia o músico Juca Novaes.
O panorama soma hesitações,
desconfianças, descobertas, mas,
como diria Vinicius de Moraes,
abriu-se a porta da arca de Noé.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Texto Anterior: Dança: Panorama RioArte valoriza caminhos experimentais Próximo Texto: Especial: Série faz travessia nas idéias de Campbell Índice
|