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Jean Galard

De passagem por São Paulo, onde participou de uma mesa redonda sobre Roland Barthes na Bienal do Livro, Jean Galard conversou com o Fórum Permanente a respeito dos museus de arte e dos espaços para a arte contemporânea no Brasil e na França, e apontou a internet como espaço privilegiado para a crítica na atualidade. (11/03/2006)

Fórum Permanente - Jean, para iniciar a nossa entrevista, você poderia comentar a sua experiência em museus, construída ao longo da sua trajetória como intelectual e profissional no contexto cultural nacional e internacional.


Jean Galard – Em primeiro lugar, quando criança, eu não tive a oportunidade de freqüentar os museus. A primeira vez em que eu entrei em um museu foi muito tarde em minha vida. De modo que eu compreendo e posso colocar-me no lugar de quem não é um freqüentador de museus. Ademais, eu fui declaradamente hostilizado durante uma época, aqui mesmo em São Paulo, quando eu dava aulas de Estética na USP, porque a minha preocupação, que permanece até hoje, era a estética da vida cotidiana, do meio-ambiente, enfim, de tudo o que não é obra. Eu fiz cursos e um livro (A morte das Belas Artes) aqui naquela época, em 1971, criticando essa socialização do interesse estético por objetos, coisas e obras. Finalmente, eu vi que não era necessário atacar as obras de arte para defender a idéia de uma atenção estética ao que não é obra. Mas durante anos, eu tinha essa hostilidade aos museus, e não estava só, evidentemente, existe uma  geração de crítica aos museus na França; Paul Valéry é um exemplo. Eu me interessava mais pela estética e menos pela arte, na medida em que esta quer dizer construção de uma obra.

Depois disso, eu deixei de dar aulas de Estética e fiz ação cultural no Exterior, em 5 ou 6 países, quando passei a ser diretor dos Institutos Franceses no Exterior e adido cultural em Casablanca, Istambul, México e Amsterdã.

Quando eu soube da abertura de um serviço cultural no Louvre, ou seja, de uma renovação não só material, como era do conhecimento de todos, mas também cultural, no campo da organização e dos objetivos de ação para com o público, me apresentei como candidato, e após alguns meses, finalmente consegui entrar, paradoxalmente, em um museu. Encontrei no Louvre algumas pessoas que me vendo lá estranharam o fato, e eu, com toda sinceridade, não valorizava esse momento meu, que parecia um erro cometido na juventude, ou algo assim. Finalmente, eu pensei que era ideal para mim conciliar o meu interesse pela questão da estética em si com a apresentação das obras e com a História da Arte. Por outro lado, a minha ignorância de tanto tempo do mundo dos museus poderia me ajudar a trabalhar melhor para o público que não está acostumado a freqüentá-los, o que era o nosso objetivo, porque no Museu do Louvre meu cargo era trabalhar para que o museu fosse freqüentado, e por extensão divulgar o conhecimento das coleções e da História da Arte. Na realidade, esse museu já tinha uma freqüência importante, só que era bem separada e identificada por categorias como turistas, crianças e amigos do museu. A Sociedade dos Amigos do Louvre, era composta por dezoito mil pessoas naquela época, eu me lembro, nos anos 90, o número subiu para cem mil. Mas ainda faltava o público adulto francês. O objetivo não foi fechar a entrada aos estrangeiros, mas sim modificar um pouco a proporção que era de 20% de franceses e 80% de estrangeiros, que eram chamados de turistas. Na verdade, nem todos estrangeiros são turistas, porque há estrangeiros que vêm com toda informação ou são especialistas, e por outro lado, há franceses que são turistas, quando vêm de províncias ou mesmo de Paris, para passar um momento mostrando o Louvre para a família que veio de alguma província. Então, eu tinha que quebrar um pouco essas categorias de público, e abrir as portas aos que não vão aos museus em geral e nem ao Louvre em particular.

FP - Quando você falou da crítica às belas artes, no mesmo momento em que você estava no Brasil, já existia uma proposta da Lina Bo Bardi de um museu que também era crítico a essa idéia da fetichização da obra única, que para muitos era um projeto beirando o absurdo, porque apresentava uma idéia de plano aberto, de um espaço sem colunas, onde as obras ficariam flutuando no espaço, quase sem uma hierarquia. Havia uma discussão sobre isso? Isso veio ao encontro do que você falava?

Jean Galard
- Eu falei do MASP daquela época como um museu típico, apesar da apresentação tão especial e não-habitual das obras que oferece a arte toda em um só campo visual, como o André Malraux no Museu Imaginário, ou como mais tarde foi o caso do Museu Virtual. Eu sabia que o MASP com essa exposição era de uma audácia muito grande e ao mesmo tempo muito agradável, mas ainda era o museu no sentido de que, como diz Paul Valéry em um texto contra os museus, no museu cada obra reclama sem conseguir a atenção exclusiva do espectador. É como se dez orquestras tocassem ao mesmo tempo. No MASP esse fenômeno era posto em evidência.

FP - Há um texto do Adorno intitulado “Museu Valéry-Proust”, em que ele faz um contraste entre a visão dionísica de Proust com essa visão mais crítica de Valéry. Parece um jogo dialético sem solução entre essas duas idéias, uma situação muito peculiar do museu que vive em um estado de crise permanente. Ele não é mais o meio que representa o Iluminismo, mas ao mesmo tempo também não pode ser destruído e considerado como o mais representativo da civilização ocidental ou uma herança de um período difícil, do Colonialismo, da conquista do Novo Mundo. Como você vê o museu hoje? Trabalhando no Louvre, que sem dúvida é o o paradigma de museu europeu, você acha que é possível superar esse paradoxo?

Jean Galard - Em relação ao público, permanece esse fenômeno fundamental da dificuldade em relação com as obras, porque todas estão chamando a atenção ao mesmo tempo. O público está um pouco disperso de maneira totalmente inevitável, eles não olham nada, passam pelas obras e dão uma olhada de dez segundos.

FP - Mas parece que o museu não tem como morrer, não é? Apesar das críticas do Séc. XX, a essa concepção ocidental e eurocêntrica de museu, o museu sobrevive e vai muito bem aparentemente.


Jean Galard - Certos museus.

FP – Então, porque o museu hoje? Porque o museu continua em evidência?

Jean Galard - Você aceitaria que a pergunta é sobre museus de arte? Essa é uma distinção importante, porque hoje, existem museus de sociedades, de objetos, de artesanato, eco-museus, etc., que se desenvolvem muito, já que o museu entrou para a área política, e para os políticos, em todos os sentidos, o museu é necessário para atrair turistas e para a recuperação das cidades. Então, há museus de todo tipo. Quando não há acervo suficiente para todos, faz-se museus com qualquer coisa. Bem, a questão é: porque museus de arte?

FP  - Sim, o que é o museu de arte hoje?

Jean Galard - Outra distinção é o porquê do museu de arte antiga e o porquê do museu de arte moderna e contemporânea. Sobre o museu de arte antiga, seriam todas as considerações sobre a necessidade de tomar consciência do passado, não só conservar as obras, mas também essa possibilidade que o museu proporciona mudar um pouco os pontos de vista contemporâneos e podermos voltar ao passado. É preciso conhecer o passado para que possamos compreender onde estamos, e deixar de dar esse privilégio ao contemporâneo, que é uma doença da nossa época. Os museus de arte contemporânea evidentemente constituem um paradoxo, porque a arte contemporânea é relativamente nova para os museus. O museu de arte contemporânea me dá uma espécie de hierarquia contestável e provisória. Esse fato tem que ser considerado, pois para a imensa maioria do público, o museu se tornou um lugar não de reconhecimento do passado, mas de pretensão em relação ao presente. Mas seria realmente chocante se fosse uma seleção e uma hierarquia definitiva.

FP - Eu estive recentemente em Paris visitando o Palais de Tokyo, que não é um museu, mas foi criado para abrigar especificamente a arte contemporânea. Apesar de esforços como esse, parece que na França há uma situação de confronto com a arte contemporânea, uma dificuldade com essa produção. Porque no panorama mundial da arte contemporânea internacional a França não desponta como sendo um lugar de produção que atraia novos olhares. Como você vê isso? Será que a tradição museológica e a marcante História da Arte francesa são causadores desse embate com o contemporâneo?

Jean Galard - O Palais de Tokyo foi claramente criado como um centro de atividades em artes visuais, e, aliás, não só em artes visuais, mas como uma combinação de artes, na perspectiva do que chamamos de Centro Cultural. Ele foi o mais visível durante algum tempo, um lugar de apresentação de uma parte da arte contemporânea, a parte destinada às pessoas mais informadas. E isso provoca raiva entre muitos artistas e em grande parte do público, que pergunta: “Mas será que isso é arte contemporânea?” Não, é apenas uma parte; é uma parte com uma orientação bem precisa, é a arte em relação com o horror do tempo presente, com as coisas mais incômodas, e isso é uma função da arte. Nós temos também o Centro Pompidou, que faz ao mesmo tempo uma apresentação museológica de arte moderna e apresentações de arte contemporânea. São monografias muito interessantes, mas não chegam a formar um panorama da arte contemporânea. Para isso, uma Bienal poderia ser uma boa solução. Não temos uma Bienal, mas uma Feira Internacional de Arte Contemporânea (FIAC), que é uma coisa completamente diferente. São as galerias que compram espaços para apresentar o que elas decidem vender. Nada tem a ver com uma Bienal tentando mostrar justamente um panorama, uma visão um pouco ampliada de uma situação internacional. A Bienal de São Paulo teve essa função e o êxito foi tal que as Bienais são agora numerosas. As Bienais apareceram como necessárias, por conta da situação especial da arte contemporânea, e provavelmente por causa do êxito durante tanto tempo da Bienal de São Paulo.

FP - Então, você acha que há uma diferença entre uma situação brasileira e uma situação mais européia, e principalmente da França, e que uma Bienal faz a diferença?

Jean Galard - Uma Bienal serve muito ao público quando outros tipos de visões servem a outros propósitos. A seleção pode ser discutida, mas pouco importa, porque dois anos depois vai ter outra edição e vai haver novos comentários. A Bienal provoca discussões, pois seu papel é dar idéias sobre tendências diversas, em oposição a um museu especializado. Eu digo especializado no sentido de ter um campo bem identificado, que não permite ver de uma maneira mais ampla.

FP - Dentro desse quadro e conhecendo um pouco as instiuições brasileiras em São Paulo, como seria essa relação da Bienal com os museus? O que poderia ser feito nesse sentido no Brasil, uma vez que a Bienal tem essa importância na nossa conjuntura?

Jean Galard - Bem, o problema de uma Bienal, como de qualquer outro evento cultural, é seu caráter efêmero. Tem toda uma efervescência que depois termina, e os museus vão dar continuidade, fazendo um prolongamento, e poderiam fazer também uma preparação. Eles podem assumir esse papel de compensação ao efêmero, que é uma Bienal.

FP - Existe agora uma proposta do Secretário da Cultura da cidade de São Paulo, Carlos Augusto Calil, de transformar um dos prédios que ainda estavam  com a Prefeitura no Parque do Ibirapuera, que é o PRODAM, em um espaço museológico, e ele seria dividido entre o MAM e o MAC-USP. Essa idéia de se fundir as duas coleções não é recente, pretende-se, de certa maneira, recuperar essa relação que sempre existiu entre essas duas instituições. Do nosso ponto de vista, o que parece é que é sempre um processo muito difícil lidar com museus no Brasil, lidar com essa idéia de patrimônio, e mesmo de fazer com que o museu seja essa instituição da continuidade e da referência histórica. Isso na Europa é muito claro, um museu é sempre criado para isso. Conhecendo o Brasil e com a sua experiência de quatro anos na USP, qual é o problema? Porque não conseguimos fazer do museu uma instituição que fale da nossa História, que preserve e potencialize essa História?

Jean Galard – Eu não conheço todas as implicações, porque falo totalmente de fora e vejo as áreas soltas. O Brasil é um país imenso, e o estado de São Paulo não pode ser percebido pelos outros estados do país como o estado de referência. Então, um museu grande de referência, como você diz, passaria a ser aos olhos dos outros estados a referência nacional decidida por São Paulo.

FP - É um comentário bastante perspicaz. O Rio de Janeiro, por exemplo, continua sendo a Capital Federal da cultura, porque Brasília até hoje não consegue ter um museu.

Jean Galard - Eu imagino que em Salvador, na Bahia, deve ter muita gente pensando ou dizendo: “chega de São Paulo”. Eles não podem decidir o que passará a ser oficial. Esse é o problema com uma instituição forte que apresenta um acervo intuindo o contemporâneo. O risco é ser criticado como aquele que estabelece uma arte oficial. Mas, de qualquer maneira, isso existe; então, é melhor pôr em evidência uma escolha que pode ser arbitrária, pode ser oficial demais, e que irá ser contestada, discutida e vai entrar em evolução, do que nada fazer por medo de ser criticado como oficial. O problema é: quem vai fazer a seleção? Na França nós temos um sistema de política cultural com centralização excessiva, mas, que permitiu a constituição de comissões totalmente autônomas na relação com o poder político e relativamente com o mundo do dinheiro. Aqui não sei como esse tipo de comissão poderia ser constituído. Se há dificuldades, talvez essa possa ser a razão.

FP - A sua resposta está ligada a uma outra pergunta que gostaríamos de fazer, que é sobre a relação da intelectualidade brasileira com o contexto cultural. Fazemos essa pergunta porque entendemos que para o estrangeiro, e principalmente para aquele com uma  permanência maior no Brasil, é mais fácil  observar a situação local de forma crítica. Então, essa crítica  também é importante para nós, no sentido de tentarmos entender um pouco esses mecanismos, essas idiossincrasias  brasileiras no contexto  cultural. Será que você poderia nos ajudar a entender essa situação local?

Jean Galard - O que eu vejo como elemento favorável no Brasil e que não existe na França é a passagem de um campo ao outro. Do campo universitário que é um dos maiores campos intelectuais para o cultural, o que praticamente não existe na França, pelo menos no campo dos museus, onde temos setores profissionais muito definidos, e um professor universitário nunca vai poder dirigir um museu, porque há corpos de curadores para isso, e os curadores não vão dar aulas de História da Arte na universidade. Não há essa passagem, que tem que ter e que existe nos Estados Unidos. Em todo caso, me parece que existe aqui esse elemento positivo, para que haja uma inter-relação fecunda entre o mundo intelectual e a vida cultural. É necessário ainda que haja intermediários, que são as publicações periódicas, semanais ou diárias. E sobre esse ponto, eu tenho dúvidas e preocupações ao mesmo tempo, em relação com o Brasil e com a França.

FP - E quais seriam essas preocupações?

Jean Galard – Elas estão desaparecendo!

FP - Todas as publicações?

Jean Galard - Não todas as publicações, mas todos os artigos construídos com amplitude. Me dizem que no Brasil é muito difícil passar um artigo fundamental, mesmo no Caderno “Mais” da Folha de São Paulo, e na França, eu não vejo tampouco os suplementos literários semanais publicarem a crítica de livros, mas somente duas linhas que eles tomam das capas dos livros, ou a documentação mandada pela editora, que é muito deficiente.

FP - No Brasil, nunca houve essa mediação de revistas, de publicações especializadas na arte. Muitas tentativas, mas nenhuma continuidade.

Jean Galard - Me dizem que o “Mais” é bem diferente do que era há dois anos atrás. Eu vejo toda semana por Internet, mas não percebi realmente a diferença. O que eu percebi diretamente foi o desaparecimento do Jornal de Resenhas. E isso é grave, porque eram artigos relativamente desenvolvidos e havia a reprodução de todos esses artigos na forma de livros, que constituem um panorama formidável sobre a vida intelectual, artística e cultural do Brasil, com índice dos nomes dos autores dos artigos e índice dos autores das obras comentadas.

FP - Mas se você diz que isso também é uma raridade na França! Qual é o lugar da crítica hoje?

Jean Galard - A Internet! Você percebeu como eu cheguei a essa conclusão formidável, preparada desde o início da nossa conversa?

FP - Então, o Fórum Permanente caminha pela via certa, não é?

Jean Galard - Com certeza. A imprensa escrita está em crise por causa de pessoas como eu, que não compro todos os dias o Le Monde ou o Libération na França, mas, todos os dias, vou à Internet para ver todos os títulos e ler aqueles artigos que me interessam particularmente, os quais eu imprimo e depois coloco em meus dossiês, e que se tornam meus instrumentos de trabalho. É mais fácil de classificar e usar do que uma página de jornal. Então, eu sou um dos responsáveis pela crise dos jornais. Não sei se eles sabem disso, mas vamos cada vez mais trabalhar, cultivar e pensar pela Internet. É um instrumento formidável.

FP - Aproveitando o gancho com a Internet, o que você acha hoje do intercâmbio internacional, por exemplo, França-Brasil? Nós tivemos no ano passado esse grande evento O Ano do Brasil na França. Você considera válido isso? A Internet de fato diminui as distâncias, e transforma tudo, como o Mc Luhan dizia, numa aldeia global. Qual é a importância de um intercâmbio cultural hoje?

Jean Galard - A Internet não pode substituir  tudo, e o êxito do Ano do Brasil na França foi, entre outras coisas, o êxito dos eventos musicais, e isso a Internet não pode substituir. Porque os eventos musicais não são só a oportunidade de ouvir a música, pois isso se pode fazer através dos discos ou pela Internet, mas sim de reunir as pessoas em certos lugares para ouvir um recital brasileiro e participar de uma festa. Então, isso tem uma importância evidente, e por outro lado, na França houve muitos “Anos” como esse, porque a fórmula existe há talvez quinze anos, e vários países tiveram o ano deles por uma estação, mas tudo isso passou muito despercebido.

FP - Mas este ano o Ano do Brasil foi diferente, não foi?

Jean Galard - Foi totalmente diferente, porque ao programa oficial somaram-se muitas iniciativas de cidades e de associações, por causa da imagem favorável do Brasil no exterior, pois eles sabem que não é só a música brasileira que se difundiu no mundo todo, mas também uma idéia de que se trata de um país importante, dinâmico e simpático.

FP - Para finalizar, fazendo referência a um francês, André Malraux, e seu pensamento em relação ao museu de arte, o Fórum Permanente pergunta: que museu de arte você imagina para este milênio? Qual seria o seu museu imaginário?

Jean Galard – Ao ouvir essa pergunta, eu tenho imediatamente uma coisa para dizer: o museu não pode ser a resposta. Primeiro, o museu deveria ter um acervo. O problema de hoje é que muitos museus abrem suas portas sempre por razões políticas, e depois fecham ou ficam com pouco público, porque o acervo não é suficiente. Isso é fundamental. Agora, talvez por não ser curador, e pelos motivos que eu já expliquei, eu gostaria de lugares onde o acervo é um dos elementos, ao lado de salas de conferências, programas de cinema, de todo um conjunto de discussões e documentações. Os museus deveriam ser sempre centros culturais, centros de atividades de descobrimento de obras visuais e de descobrimentos de conhecimentos contidos nos livros ou nas exposições, de falas e discussões das pessoas mais variadas. No Louvre, com um auditório de quatrocentos lugares, conseguimos organizar muitas dessas atividades como conferências, debates e simpósios. Mas eram eventos muito fechados sobre História da Arte e Arqueologia. Hoje mudou. Estou vendo uma abertura, com temas que eu não poderia fazer serem aceitos quando eu estava lá, e que agora estão sendo feitos. Para mim, esse é o ideal, é uma espécie de museu como o Museu de Alexandria, trezentos anos antes de Cristo, com uma biblioteca, um lugar onde se passeia e tem esculturas, lugares para discussão, salas de conferência e vários pesquisadores em uma residência.

FP - Esse lugar do museu era como um espaço de encontros e discussão.

Jean Galard - Fiquei impressionado pelo que o Adauto Novaes me falou sobre o o direito dos intelectuais em um dos últimos Ciclos Históricos. Ele tinha pensado na dificuldade que os intelectuais têm hoje para ser ouvidos ou pronunciar-se. Me lembro de conversas com ele, na França, sobre o tema, pois foi um ano para preparar esse ciclo. Ele não pensava na situação política brasileira, mas infelizmente, ou talvez felizmente, o ciclo começou justamente quando se começou a falar no problema do “Mensalão”. Então, toda a imprensa foi muito dura, considerando que o silêncio dos intelectuais era o silêncio diante dessa situação do PT fazendo coisas imprevistas. Então, a Marilena Chauí não sabia o que dizer, mas tinha que replicar, e precisava de um lugar para continuar a discussão. Porque o silêncio dos intelectuais é um tema de hoje, que não se resume aos problemas da Marilena Chauí diante do PT.

FP - Por questões outras.

Jean Galard – Temos também o fato de que as televisões não querem mais dar a palavra aos intelectuais. Na França, já não há nenhuma iniciativa de debates culturais sobre livros, tudo isso desapareceu. Essa pode ser, infelizmente, uma das interpretações da expressão “o silêncio dos intelectuais”, porque eles não podem falar. Não podem ser escutados quando não falam pelos meios maciços de informação. Claro que tem outros motivos. O modo como a vida contemporânea está estruturada talvez não permita a um intelectual estudioso de Spinoza ter competência para exprimir a verdade sobre como deve ser um bom governo. Então, tudo isso merece ser discutido. Há debates em vários lugares, mas eu gostaria de um lugar em que houvesse uma discussão muito freqüente, e a proximidade de objetos mais variados desde filmes até as mais obras maravilhosas. Claro que há lugares que se aproximam desse ideal.

Entrevistador: Martin Grossmann
Edição: Vinicius Spricigo

Eu falei do MASP daquela época como um museu típico, apesar da apresentação tão especial e não-habitual das obras que oferece a arte toda em um só campo visual, como o André Malraux no Museu Imaginário, ou como mais tarde foi o caso do Museu Virtual. Eu sabia que o MASP com essa exposição era de uma audácia muito grande e ao mesmo tempo muito agradável, mas ainda era o museu no sentido de que, como diz Paul Valéry em um texto contra os museus, no museu cada obra reclama sem conseguir a atenção exclusiva do espectador. É como se dez orquestras tocassem ao mesmo tempo. No MASP esse fenômeno era posto em evidência.” >>> Uma ideia de museu, por Marcelo Ferraz.