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Silvia Antibas e Cristina Bruno

Silvia Antibas, diretora do Departamento de Museus e Arquivos da Secretaria de Estado da Cultura e Cristina Bruno, do Departamento de Iconografia e Museus da Secretaria Municipal de Cultura, falam ao Fórum Permanente sobre Sistemas de Museus. (Maio/2005)

Fórum Permanente: Como imaginar um sistema de museus na cidade e no Estado de São Paulo, considerando a diversidade de tipologias, origens e filiações dos museus dessa região?

Silvia Antibas: O Sistema de Museus do Estado de São Paulo já existe desde a década de 80. Inicialmente concebido como órgão fomentador da política de museus, está sendo reestruturado atualmente com uma proposta de articulador de políticas públicas na área, com foco em 4 vertentes principais:

- informação
- formação
- apoio técnico
- certificação

Estas 4 linhas de atuação abrangem todas as tipologias, origens e filiação dos museus, já que são ações “macro”, de política pública, e com um foco muito grande nas necessidades do interior paulista. Os museus da capital, alguns de qualidade indiscutível, terão participação importante e servirão de base e modelo.

A intenção é fazer circular todo tipo de informação técnica e atualizada (inclusive apoiando iniciativas como o Fórum Permanente), independente de tipologia. As novas tecnologias de comunicação estão disponíveis e facilita muito o acesso aos movimentos atuais.

Além de cursos e oficinas para o interior, já estamos trabalhando na formação de “base”, através de um convênio com o Centro Paula Souza para técnicos de museus. É um curso de um ano e meio, profissionalizante, que, aproveitando a estrutura física dos Centros Paula Souza no interior, pretende preencher, ou amenizar, parte desta grande demanda. O primeiro curso piloto vai ter inicio agora em agosto. Estamos também fechando um convênio com o COREM/Região SP para suporte técnico ao Departamento de Museus e Arquivos.

As prefeituras do interior solicitam com muita freqüência este apoio e não temos número suficiente de museólogos para este atendimento completo.

E finalmente estamos estudando um modelo de certificação adaptado às nossas necessidades, como forma de melhorar a qualidade e incentivar a profissionalização dos museus. Como podemos observar, estas ações independem de tipologia, filiações ou origens.

Cristina Bruno: A Museologia, enquanto disciplina aplicada, tem formulado diferentes modelos para a gestão dos processos museológicos. No âmbito desses modelos podemos mencionar os sistemas e a redes.

Trata-se, portanto, de uma proposta metodológica para propor, realizar e avaliar os distintos procedimentos museológicos de salvaguarda (conservação e documentação) e comunicação (exposição e educação/ação cultural) das referências patrimoniais, coleções e acervos, a partir dos princípios de cadeia operatória, de reciprocidade entre ações técnicas, científicas e administrativas e, especialmente, no que tange ao alcance do enquadramento patrimonial.

Em alguns casos, esses modelos são implantados em novos processos e, em outros, são utilizados para a revitalização de processos já implantados. Em ambos, a intenção está vinculada à busca da excelência técnica e da agilidade administrativa, com vistas ao aprimoramento dos serviços prestados pelos museus.

No caso específico da proposta do Sistema Municipal de Museus, vinculado à Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo, a aplicação desta metodologia teve início em 2003 a partir da realização de um diagnóstico sobre a realidade da Divisão de Iconografia e Museus do Departamento de Patrimônio Histórico - DIM/DPH da citada Secretaria.

Este diagnóstico procurou conhecer as potencialidades e os problemas das ações museológicas que vêm sendo desenvolvidas há 30 anos na DIM/DPH, para, em seguida, dar início ao planejamento sistêmico.

Com o resultado desta avaliação traçamos quatro vetores, como hipóteses metodológicas, para a sustentação dessa dinâmica:
-    qualificação dos espaços museológicos;
-    gerenciamento dos acervos
-    ampliação das pesquisas interdisciplinares
-    capacitação profissionais


Com isso, gostaria de registrar que esse sistema está sendo concebido, neste momento, para o universo museal da Secretaria Municipal de Cultura e foi concebido para propiciar uma interlocução de sentidos patrimoniais em relação à proposta museológica do Museu da Cidade.

A partir da implantação desse sistema, os museus da São Paulo poderiam ser articulados em uma rede museológica, que admite a diversidade tipológica, de origem e de filiação administrativa.

Além de ser uma opção metodológica de gerenciamento museológico, a implantação de um sistema depende, também, da decisão política das esferas administrativas.

FP: Porque implementar sistemas de museus agora? O que está por detrás desse movimento? A contemporaneidade cultural está precisando disso?

Cristina Bruno: A democratização que permeou os museus ao longo do século XX, desvelou diversos problemas técnicos que evidenciaram os limites destas instituições e as necessidades de mudanças em distintos vetores que se articulam para a consolidação dos programas museológicos.

A experimentação de novos modelos de gestão está entre as principais conquistas no que tange à ampliação do escopo dos museus e, sobretudo, na multiplicação de suas potencialidades de articulação pública.

Esses modelos visam, especialmente, a multiplicação das ações públicas, a potencialização dos recursos técnicos e a possibilidade de revisão em relação aos acervos e coleções. Em alguns casos, as redes e sistemas são benéficos para a construção da imagem da instituição museológica junto à sociedade.

Silvia Antibas: O trabalho em rede funciona em vários países há algum tempo. O Estado de São Paulo implantou seu sistema em 1986. No início teve uma atuação efetiva, mas foi esvaziado por problemas administrativos e financeiros. Estamos retomando agora, com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, da Secretaria de Estado da Cultura e do DEMU, do Ministério da Cultura. É um instrumento importantíssimo para a qualificação dos museus. Acho que temos que aproveitar o momento, que é favorável aos museus. Os museus e as grandes exposições estão “na moda”. Fazem circular milhões de pessoas, obras de arte, objetos e movimentam orçamentos milionários.


FP: O que muda na dinâmica de funcionamento da secretaria municipal de cultura com a implantação de um sistema de museus?


Cristina Bruno: A metodologia sistêmica que está em desenvolvimento na DIM/DPH é ainda muito recente para avaliarmos as mudanças. Consideramos, neste momento, a importância da compreensão desses procedimentos para a qualificação dos nossos trabalhos. Neste período, passamos pelas mudanças na administração do município e estamos recolocando as propostas para os novos gestores.

FP: Essa idéia de um sistema de museus surge em um momento em que desponta outro modelo de administração de instituições culturais, as Organizações Sociais. Há alguma intersecção entre os dois projetos?

Silvia Antibas: Com as Organizações Sociais, o Departamento de Museus e Arquivos poderá se dedicar mais ao Sistema de Museus. Como órgão articulador e com a gestão dos museus descentralizada, teremos fôlego para centralizar nossas ações em políticas públicas propostas pelo novo Sistema de Museus do Estado de São Paulo.

FP: Em que estágio se encontram os processos de implementação dos sistemas estadual e municipal?

Silvia Antibas: Estão previstos 6 mini-foruns durante o mês de junho e julho, nas cidades onde os museus do Estado estão localizados, a saber: Tupã, Piracicaba, Guaratinguetá, Tatuí, Brodowski e Rio Claro . O objetivo é provocar uma reflexão sobre o papel dos museus localizados à margem das grandes capitais e dos principais centros urbanos e sua inserção no Sistema de Museus. Desta discussão sairão os grandes temas para debate do Fórum previsto para novembro em Brodowski e a formatação final do novo Sistema de Museus do Estado de São Paulo.

Cristina Bruno: Considerando os dados do diagnóstico, podemos afirmar que já decodificamos os problemas e traçamos os caminhos para a valorização das potencialidades museológicas. Mas é um longo processo que depende do financiamento para as ações e da participação da equipe. É possível avaliar que avançamos muito no projeto ligado ao gerenciamento informatizado dos acervos móveis (com apoio da VITAE) e o planejamento anual para 2005 já foi elaborado a partir da dinâmica sistêmica .

FP: Todos os museus da cidade e do estado de São Paulo vão fazer parte dos sistemas de museus?

Silvia Antibas: Em princípio sim [para o caso estadual]. Após o censo, que deve ser iniciado ainda este ano, pretendemos estabelecer uma certificação de membro do Sistema como forma de pressionar uma melhoria de qualidade das instituições. Mas o processo leva algum tempo para ser inteiramente instalado.

Cristina Bruno: Como expliquei anteriormente, neste momento, o nosso trabalho [no âmbito municipal] está sendo aplicado às ações museológicas da Secretaria Municipal de Cultura. Entretanto, na Conferência Municipal de Cultura, realizada no ano passado, foi proposta a organização de uma rede que abrigasse os museus da cidade.

FP: Como na prática estarão se relacionando por exemplo um museu como a Pinacoteca e um museu de pequeno porte no interior do estado, seja ele do estado ou do município?

Cristina Bruno: A esta diferente articulação, como afirmei anteriormente, o modelo de rede museológica seria mais adequado. Pode-se estabelecer uma rede de projetos, uma rede de cursos de capacitação, uma rede de procedimentos documentais, entre muitas outras possibilidades.

FP: A idéia de um sistema nacional não é nova. Na década de 80 quase tivemos o sistema implantado pelo então Ministro Celso Furtado da Cultura. Nos casos do estado e do município, houve tentativas anteriores de implementação de sistemas de museus aqui?

Cristina Bruno: A documentação existente na DIM/DPH [Divisão de Iconografia e Museus do Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura] mostra que as ações museológicas pensadas e realizadas no município tangenciaram a idéia de rede/sistema em diversos momentos. As idéias de Mario de Andrade já apresentavam a preocupação com as mudanças éticas dos museus, as propostas relativas ao IV Centenário também foram plurais e o projeto elaborado para o Museu da Cidade, na década de 80, estava embasado em ações comunitárias nos bairros da cidade.

O novo projeto do Museu da Cidade, elaborado por Maria Ignez Mantovani Franco (2003), está organizado em sintonia com a implementação de um sistema museológico.

Silvia Antibas: Não podemos esquecer da criação da Rede de Museus Históricos e Pedagógicos em 1956, forma embrionária do sistema de museus.

FP: Quais seriam as referências para os sistemas estadual e municipal de museus? Há modelos de sucesso em outros estados? Quais seriam os referenciais no exterior, por exemplo, na América do Norte, Europa e América Latina?

Silvia Antibas: Cada caso é um caso. As características de cada país ou região impedem que se implante modelos importados. Como posso determinar distribuição de verbas quando as que temos não são suficientes para os nossos próprio museus? O modelo sugerido é aquele que poderemos cumprir da melhor maneira possível dentro da nossa realidade.

Cristina Bruno: No Brasil, podemos mencionar as experiências do Sistema de Museus do Rio Grande do Sul e do Sistema Integrado de Museus do Pará, a Rede POP de Museus de Ciências que, a partir de diferentes estratégias, estão em pleno desenvolvimento.

Há a Rede Portuguesa de Museus, a Associação BUHEZ que atua na Bretanha francesa, a Rede da região do Vale do Isère (Grenoble/França), entre outras.

É importante salientar que o Ministério da Cultura, através do Departamento de Museus do IPHAN criou o Sistema Brasileiro de Museus que está em fase adiantada de implantação.

FP: Um sistema municipal ou estadual de museus não teria que espelhar necessariamente o sistema federal? Qual seria a relação ideal entre esses sistemas e qual é a projeção para uma real correspondência?

Cristina Bruno: A relação entre os sistemas e as redes pode ocorrer a partir de diferentes caminhos. Por um lado, é possível articular geograficamente, por outro, o motivo da articulação pode se dar por tipologias de referências patrimoniais ou, ainda, por tipologias de procedimentos técnicos, entre muitas outras possibilidades.

Silvia Antibas: O Sistema Brasileiro de Museus tem pela frente um quadro diferente do Sistema de Museus do Estado de São Paulo. A dimensão abrangida, a diferença de instituições e regiões não refletem exatamente a realidade paulista. Mas o apoio do Ministério da Cultura e a pressão para a implantação do Sistema de Museus nos estados já é uma demonstração de que todos estas redes deverão trabalhar em conjunto.


FP: Considerando sua experiência nessa área, a posição que ocupa e a possibilidade de se auto-avaliar os processos em andamento, tanto na esfera federal, como estadual e municipal, históricos e atuais, como ficará o nosso campo museológico?


Cristina Bruno: Considero que as redes e os sistemas têm grandes atributos no que se refere à gestão. São metodologias apoiadas na reciprocidade, na solidariedade, na partilha e na articulação. Com isso as vaidades e disputas ficam em um segundo plano e isto é extremamente importante para o amadurecimento das instituições museológicas.

FP: Como esses sistemas enxergam a relação entre o público e o privado?

Cristina Bruno: A relação é estabelecida no âmbito das articulações sistêmicas dos procedimentos de salvaguarda e comunicação, ou nos mecanismos de financiamento. Não há qualquer impedimento nesta relação.


FP: A Vitae está encerrando suas atividades. Será que a esfera pública dá conta - sem apoios como o da Vitae - de promover grandes transformações no modo em que operam os museus, como pretendem os sistemas de museus em planejamento e implementação?

Cristina Bruno: O Programa de Apoio a Museus Brasileiros de VITAE encerra as suas atividades com muitas vitórias, pois mudou a realidade museológica brasileira. Acabamos de realizar, no âmbito da V Semana de Museus da USP, um Seminário de avaliação e ficou evidente a expressiva contribuição desse programa. Seria muito importante que estas novas fontes de financiamento que têm surgido (Petrobrás, BNDS,Caixa Econômica Federal, DEMU/IPHAN) pudessem se inspirar e dar continuidade à experiência VITAE.

FP: Pensando em metáforas, às vezes os sistemas podem virar uma espécie de mundo à parte e assim criticados pela forma que operam, monopolizam e estandardizam o conhecimento e as atividades que em seu interior são processadas. No caso da computação, por exemplo, o sistema operacional do Bill Gates, o Windows, é criticado por aqueles que defendem códigos mais abertos e uma efetiva participação na elaboração e renovação desses sistemas pelos seus usuários. Sendo assim, no caso do sistema de museus de São Paulo estamos mais para “Windows” ou para “Linux”?

Cristina Bruno: A metodologia sistêmica ou em rede é apoiada na participação coletiva, na articulação entre instituições museológicas, técnicos e gestores, e seu desenvolvimento pode ser virtual e real. Nesse sentido, é mais difícil o isolamento, como normalmente ocorre com os museus. Entretanto, estas estratégias metodológicas são muito recentes para avaliarmos.

Silvia Antibas: Este sistema pretende ter o mínimo de amarras possível, mas não podemos deixar o foco da missão de um museu de lado. O objetivo final é implantar programas que estabeleçam padrões mínimos de desempenho para as instituições e estimulem o seu constante aperfeiçoamento, habilitando-as inclusive a receber recursos público e ter credibilidade para obter patrocínios privados. Que tal inventarmos o sistema “Lindows”?

 

SILVIA ALICE ANTIBAS, historiadora, formada pela PUC/SP. É atualmente Diretora do Departamento de Museus e Arquivos da Secretaria de Estado da Cultura. Participou de vários cursos no Brasil e exterior e possui especialização na área de museologia, na França. Tem artigos escritos e livro publicado.

CRISTINA BRUNO, museóloga, especialista em Museologia pela FESP/SP, mestre em História Social pela FFLCH/USP, doutora em Arqueologia pela FFLCH-MAE/USP e livre-docente em Museologia pela Universidade de São Paulo. É Professora-Associada do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, onde atua desde 1979 e coordena o Curso de Especialização em Museologia desde 1999. Dirige, também, a Divisão de Iconografia e Museus do Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura desde 2003, onde está implementando o Sistema Municipal de Museus e participando da criação do Museu da Cidade. Nesse contexto, foi uma das coordenadoras da  “Expedição São Paulo 450 Anos”.

 

“A partir da implantação desse sistema, os museus da São Paulo poderiam ser articulados em uma rede museológica, que admite a diversidade tipológica, de origem e de filiação administrativa. Além de ser uma opção metodológica de gerenciamento museológico, a implantação de um sistema depende, também, da decisão política das esferas administrativas.” >>> Que políticas culturais?, por Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira.