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A Ocupação do Paço das Artes

Daniela Bousso, diretora do Paço das Artes, esclarece o sentido da "Ocupação", projeto que pretendeu “criar oportunidade de encontros e trocas entre os interessados na continuidade de uma instituição como o Paço das Artes/USP, pois cabe à sociedade civil e ao meio artístico lutar pelos seus interesses”.

Aos artistas da "Ocupação", ao pessoal do Coro e a todos que ainda se interessam por instituições culturais.


Caros,

Que bom que finalmente a discussão começa a tomar rumos interessantes.

A proposta de "Ocupação" do Paço das Artes deve-se à necessidade que a equipe do Paço e eu sentimos em nos posicionar frente a penúria que as instituições culturais estão vivendo em nosso país. Não se trata apenas de falta de verbas, mas sim, o que é mais grave, da ausência total de políticas culturais públicas para o exercício pleno da arte contemporânea.

A idéia de oferecer o Paço à "Ocupação" dos artistas responde, de forma silenciosa, a uma situação lamentável em nosso meio: de um lado as elites se impõem à cultura pelo exercício da plutocracia, ou, pior ainda, como bem lembrou o jornalista Mário César Carvalho em recente artigo "A morte do MASP", as nossas elites preferem pagar R$8.000,00 por um terno a colaborarem ativamente com as instituições, em crítica ao advento da Daslu. De outro lado, o circuito de arte (artistas, curadores, produtores, instituições e mercado) parece pouco atento a estas circunstâncias.

O Paço das Artes chega aos seus 35 anos com o perfil de programação definido e sistemático, mas ainda assim sem verbas para novas programações, com um mobiliário mambembe, funcionários apaixonados pelo seu trabalho, mas indecentemente pagos, e sem verbas para poder continuar o trabalho de forma planejada pela falta de manutenção do seu cotidiano - tal como reforma elétrica, de cabeamento de rede, atualizações de computadores e linhas telefônicas com funcionamento precário ou quase nulo. Poucos, a não ser nós mesmos parecem se importar com a gravidade de tal situação.

Todos os artistas que participam da "Ocupação" foram alertados com muita clareza a respeito desses fatos. Discutimos até que não caberia a diretoria do Paço das Artes encabeçar mobilizações a esse respeito, mas apenas dar ao meio total ciência dos fatos e abertura à "Ocupação" e aos debates que dela poderiam surgir.

Ao tentarmos tornar esses fatos públicos, fomos surpreendidos com a omissão total da mídia impressa. Em entrevista ao Estadão e a Folha enumerei pessoalmente os problemas elencados e a razão de fazermos uma "celebração", hélas, com um vernissage de espaço em branco, mas a imprensa mostrou-se surda, cega e muda, limitando-se a publicar o tal do arroz-feijão, ou seja, apenas o serviço.

O projeto da Ocupação pretende, isso sim, criar oportunidade de encontros e trocas entre os interessados na continuidade de uma instituição como essa, pois cabe a sociedade civil e ao meio artístico lutar pelos seus interesses. Como temos visto em nosso meio, o que é que está faltando?

Primeiro, a clareza de discernirmos em que medida a ausência de instituições culturais equipadas e aparatadas para suportar as demandas da contemporaneidade nos beneficia ou prejudica. Incluem-se aí verbas para programações completas (que pudessem subsidiar obras e cachês de artistas, para além dos orçamentos normais de produção, exibição e difusão de mostras) e manutenção básica dos espaços.

Segundo, falta a discussão profunda e livre de preconceitos entre as partes, acompanhada de análise realista da situação.

Terceiro, a decisão pelo traçado de estratégias de ação. Ou deixar o processo a deriva, já que nem mais a dimensão simbólica prevalece nas instituições brasileiras.

Esse espaço de discussão - potencialmente constelado no Paço das Artes durante seus 45 dias de Ocupação - poderá ou não gerar resultados interessantes tanto em direções políticas, quanto mercadológicas e culturais. Ou poderá revelar, mais uma vez, a nossa inaptidão a nos mantermos vivos no sistema vigente e seu devir.

Quem somos? Onde estamos? E para onde queremos ir de fato? Dependerá de todos nós e da nossa inteligência para conduzirmos negociações e estratégias. A conversa começa agora e sinceramente espero que seja construtiva. Sugiro um primeiro encontro com data e hora marcada no Paço das Artes. E aí, quando será?

Um abraço a todos,

Daniela Bousso

 

Anterior à  falta de produção crítica é o incômodo em relação à falta de estrutura, mercado, ou política pública para a arte, como se lê em Um raro espaço para falar de arte, de Maria Hirzman. Mas se em um espaço conclama-se à classe artística uma ocupação na tentativa de agregar forças, em outro ocorre um acantonamento estratégico: A reeleição de Julio Neves para o MASP, Matthew Barney, Etecetera...