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As arquiteturas de museus contemporâneos como agentes no sistema da arte

David Sperling, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP, discute a atualização da arquitetura do museu por meio da análise das relações entre forma e espaço em dois casos antípodas: o Guggenheim de Bilbao e o MUBE de São Paulo.

"Visitar um museu é uma questão de ir de vazio a vazio" Robert Smithson

 

"O espaço em que vivemos, que nos tira de nós mesmos, em que a erosão de nossas vidas, de nosso tempo e de nossa história ocorre, o espaço que nos roe e nos arranha, é também, um espaço heterogêneo. Em outras palavras, nós não vivemos em uma espécie de vazio, dentro do qual nós podemos colocar indivíduos e coisas. Nós não vivemos dentro de um vazio que pode ser colorido com diversos tons de luzes, nós vivemos dentro de um conjunto de relações que delineiam lugares que são irredutíveis a um outro e absolutamente não superponíveis sobre um outro." Michel Foucault

 

 

Inicia o século XXI e muitos são os museus em construção ou em inauguração ao redor do globo. Franquias de museus transnacionais são disputadas por cidades em diversos países, museus de âmbito internacional ampliam ou apresentam novas sedes, museus nacionais ou locais finalmente concretizam em arquitetura sua existência. O intenso movimento em redor da construção "contenedora" do museu (ampliações, restauros, reformas, novas construções) torna patente a transformação da edificação -  e dos acontecimentos que abrigam - em peça central do sistema de circulação cultural de massa, quer como acontecimento midiático, quer como gerador de novas centralidades urbanas. Em ambos os casos, correspondendo ao incremento direto ou indireto do capital circulante. A "atualidade" ou "atualização" da arquitetura do museu passa a participar do contexto contemporâneo de adjetivação do "atual" como índice de movimento dinâmico constante da instituição.

 

A arquitetura dos museus contemporâneos torna-se, portanto, um potente agente de inserção e manutenção das instituições no sistema da arte, desde a abrangência em superfície da grande mídia até a prolongada reflexão crítica pelo público especializado. As forças que desenham as relações entre forma e imagem, espaço expositivo e espaço público nos projetos arquitetônicos de museus contemporâneos colocam, sem dúvida, na ordem do dia a reflexão sobre os conceitos vigentes de arquiteturas de museus.

Pretendendo contribuir com a reflexão, apresentamos uma ponderação sobre a relação forma-espaço inerente aos projetos de museus e escolhemos dois casos que consideramos antípodas da questão no contexto atual: o Museu Guggenheim de Bilbao, em Bilbao, e o Museu Brasileiro da Escultura, em São Paulo, gestados e construídos nas últimas décadas do século XX.

 

O marco na paisagem e o vazio relacional

Para o arquiteto francês Christian de Portzamparc, todos os espaços construídos ao longo da história, incluindo-se aí os museus, poderiam ser reduzidos a dois tipos básicos e às associações possíveis entre eles. O primeiro seria o marco na paisagem, elemento identificador de lugares e orientador de percursos. Como um signo espacial, confere distinção a si e ao locus onde está implantado. Diagramaticamente, seria representado por uma ocupação vertical em meio a uma clareira, espaço amplo horizontal. Ao marco estaria normalmente destinado um local hierarquicamente privilegiado para que possa funcionar como tal, em uma relação de simbiose entre o elemento que marca e o espaço marcado.

O segundo seria a clareira, espaço horizontal a ser ocupado; não o espaço infinito, pois que a clareira é definida somente pela existência de limites. Um vazio relacional, região delimitada aberta a acontecimentos. Diagramaticamente, seria representada por um espaço horizontal com uma limitação vertical de sua extensão. Enquanto ao primeiro, espaço em positivo, ocupado, corresponderiam vetores de forças centrífugas, isto é, de fluxos, ações que se dirigem a ele e logo se dispersam, ao segundo, espaço em negativo, a ocupar, corresponderiam vetores de forças centrípetas, que se dirigem ao vazio e nele tomam lugar.

 

 

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O marco e a clareira (Ilustração: David Sperling)

 

Uma rápida apreensão de uma paisagem urbana revela a coexistência destes dois tipos primordiais e, ainda, em uma menor escala, sua presença como estruturadora de arquiteturas referenciais. Arquiteturas como marco-clareiras ou, ainda, arquiteturas como marcos na paisagem, arquiteturas como vazios relacionais. Signos espaciais e estruturas espaciais com vocação relacional.

Duas instâncias a partir das quais o sistema da arquitetura se articula. A cada uma arriscamos aproximar um par de eixos sobre os quais se estruturaria. Ao marco, elemento construído, em positivo, correspondem forma e função, em relação de hierarquia na qual a primeira depende da segunda: a função comunicativa do marco dirige sua forma e suas proporções. Ao vazio relacional, região delimitada, em negativo, correspondem espaço e evento, termos em relação de equivalência em que, no ato eventual sobre o espaço, os dois se retroalimentam.

O deslocamento da ênfase sobre uma arquitetura-marco para uma arquitetura-vazio relacional traz em seu bojo as bases da reflexão sobre arquitetura contemporânea, e no contexto específico, sobre espaços expositivos contemporâneos e os eventos que suportam. A reflexão sobre a forma, eminentemente pertencente ao território da estética, e a sobre função, da qual o campo da organização de sistemas é especializado, estruturam há muito tempo o pensamento sobre o fazer arquitetônico. O foco direcionado para a especificidade arquitetônica, a construção de estruturas espaciais como suportes para dinâmicas sociais, posiciona os eventos – e não as funções - como protagonistas da construção de relações espaciais. Para Michel Foucault, tais relações entre lugares apresentam-se na contemporaneidade como a noção de espaço, assim como a noção de lugar e de implantação foram substituídas pela noção de extensão:

"Atualmente o lugar foi substituído pela extensão a qual, ela mesma, substituiu a implantação. (…) Nossa época é aquela na qual o espaço toma para nós a forma de relações entre lugares."

Nesse contexto, o conceito de evento, como as ações e interações de pessoas/pessoas e pessoas no e com o espaço, longe de apoiar-se em uma genérica relação espaço-tempo arquitetônica, pretende sensibilizar a arquitetura aos possíveis acontecimentos que tomam lugar em um determinado espaço durante um certo tempo. Para o arquiteto Bernard Tschumi:

"Arquitetura diz mais respeito aos eventos que tomam lugar nos espaços que aos espaços em si (…) as noções estáticas de forma e função longamente favorecidas pelo discurso arquitetônico precisam ser substituídas pela atenção às ações que ocorrem dentro e ao redor dos edifícios – para movimentos de corpos, para atividades, para aspirações…"

ou ainda, segundo o arquiteto e pesquisador José Cabral:

"De uma forma geral pode-se dizer que a questão essencial da arquitetura contemporânea é a sua relação com o 'evento';  não a relação com o espaço ou o tempo de forma isolada, mas sim a relação com o 'evento' enquanto acontecimento que não se repete, dotado de uma singularidade espaço-temporal.  Assim, a questão que tem preocupado os arquitetos que praticam uma arquitetura investigativa é exatamente o jogo entre a determinação e a indeterminação de seus projetos e dos lugares deles resultantes. Em outras palavras qual o grau de liberdade dado ao habitante, usuário de espaços que prescrevem usos e modos de comportamento.  E a grande aposta é o uso da indeterminação como abertura para a possibilidade de criação.  (…)  A consideração dessa tensão entre um planejamento prévio e a invenção no ato do evento, na verdade, aponta para a consideração do tempo como algo irreversível (a flecha do tempo como nos recorda Ilya Prigogine), que impossibilita a repetição idêntica de um mesmo evento, e por isso mesmo traz em si a possibilidade da criação."

No contexto particular do museu, o deslocamento do marco para o vazio relacional como paradigma para a reflexão sobre o espaço é o duplo do deslocamento de uma arte de objetos separados do sistema da vida para uma arte de relações. Uma arte que questiona a moldura e a base como delimitações entre si e o mundo, na mesma direção, tensiona o espaço do museu. O que nos remete à produção artística de vanguarda das décadas de 1960 e 70, que desloca-se do suporte da pintura e da escultura para o locus espaço-tempo da instalação, do ambiente e do happening. Como bem sistematizam R. Krauss e M. Grossmann, alteram-se as relações entre artista-obra-público. De uma posição física de frontalidade imposta ao público pela pintura e de um movimento exterior pela escultura como objetos acabados, desloca-se para uma situação de estar entre, de realização/complementação/finalização da obra, sugeridas pelas intervenções artísticas ambientais.

A própria escultura, historicamente tomada como objeto tridimensional que pressupõe uma centralidade, que está no espaço mas dele se distingue e, em relação ao qual o observador se coloca diante de, identificada como não-arquitetura e não-paisagem, passa, naquele período, por alterações. A expansão do campo de investigações da escultura para a construção de espaços de experiência, estabelece novas conexões entre os eixos de aproximações (não)arquitetura-(não)paisagem. Para a mesma Rosalind Krauss,  são estas combinatórias que permitem mapear as novas manifestações que surgem no período como: lugares assinalados (sinalização e manipulação física de lugares), construções localizadas (construções específicas para o lugar) e estruturas axiomáticas (intervenções no espaço real da arquitetura).

Krauss aponta ainda uma ênfase sincrônica das obras do período em construções de matrizes indiciais (de sugestão, que implicam ação e reação), em que a obra se completa pela participação corpórea e intelectiva do público interagente, em detrimento de matrizes icônicas (semelhança) ou simbólicas (convenção) de representação. A obra interage com um lugar específico e solicita para si a interação do público que, por sua vez, é lançado a interagir com a especificidade do lugar.

O crítico Marchán Fiztambém se aprofunda no panorama artístico do período 1960-70, apontando as principais questões artísticas do momento sob as quais surgem novas categorias artísticas como ambientes e espaços lúdicos, artes de ação (happenings, fluxos e o acionismo), land art e sites specifics, e artes de comportamento (body art):

"A hostilidade ao objeto artístico tradicional, a extensão do campo da arte, a desestetização do estético, a nova sensibilidade em suas diferentes modalidades se insere na dialética entre os objetos e os sentidos subjetivos, na produção não só de um objeto e da prática teórica dos sentidos, reinvindicando os comportamentos perceptivos e criativos da generalidade."

O novo contexto de vazio relacional lançado pela produção artística sugere sua extensão para o espaço, não mais um espaço expositivo mas, usando o termo de Foucault, relacional entre lugares. Como propõe Smithson:

"Este vão existe nos locais ou regiões em branco e vazios para os quais nós nunca olhamos. Um museu dedicado a diferentes tipos de vacuidades pode ser desenvolvido. A vacuidade pode ser definida pela própria instalação de arte. Instalações devem esvaziar ambientes, não enchê-los."

Nesse espectro ampliado, novos comportamentos perceptivos são requeridos do público; de uma arte transcendente, mediada primordialmente pela óptica (Grossmann, 1996) , passa-se a uma arte imanente, que  invoca e predispõe à propriocepção. A propriocepção, percepção de si mesmo e do estar no mundo no momento do ato vivencial, é ação requerida pela obra de arte e a partir da qual esta se constitui no e pelo público. Por extensão, caberia instigar à reflexão e à proposição do museu como espaço vivencial (propriocepção), mais que como espaço expositivo (óptica), pois que as relações vivenciais entre obra artística-público poderiam expandir-se para a arquitetura-vazio relacional.

 

O cubo branco, o cubo decorado e o espaço da indeterminação

A reflexão contemporânea sobre espaços de museus e a manutenção ou o questionamento do paradigma do cubo branco é em muito tributária do debate arquitetônico surgido nos anos 1960. O qual pode ser posto, sinteticamente, pela oposição cubo branco cubo decorado. O primeiro, decorrente do mote moderno a forma segue a função proposto pelo arquiteto norteamericano Louis Sullivan, sugere a conformação do espaço a partir da estruturação de um programa (função) legível em uma forma pura (racionalidade como critério de beleza). O segundo, germinado pelo arquiteto norteamericano Robert Venturi, advoga pela complexidade e contradição, pela livre dissociação entre os aspectos formal e funcional-espacial da arquitetura. Com grande prevalência do aspecto formal, destinado à fruição leiga, em detrimento do aspecto funcional-espacial, associado à fruição culta,  caberia à arquitetura promover a visualidade do objeto arquitetônico por meio da replicância das estruturas comunicativas orientadas pelo e para o mercado e a indústria cultural. Venturi, naquele momento, apresenta seu conceito de decorated shed ou galpão decorado, uma proposição de arquitetura conformada por um espaço livre para alocação de quaisquer funções e decorado em sua fachada principal por signos reconhecíveis, citações de elementos arquitetônicos ou aplicação de imagens comerciais. O cubo decorado associa a eficiência funcional do cubo branco à eficiência comunicativa da forma decorada.

A oposição cubo branco cubo decorado sugere que, ao espaço, objeto essencial da atividade arquitetônica, ficaria então reservada uma posição secundária, acessível indiretamente por intermédio da forma e ou da função: forma-função(espaço), forma(espaço), função(espaço).  Forma e função como critérios primeiros da análise arquitetônica passam, dessa maneira, a nortear classificações como formalismo e funcionalismo que, por sua vez, denotam respectivamente um espaço formalista e outro funcionalista.

O cubo branco como a resposta à pretendida neutralidade do espaço para a completa fruição da arte, mostra-se, exatamente como o seu oposto, um espaço fundado na determinação óptico-geométrica, que pressupõe e normatiza a atitude contemplativa do público. Como nó físico do sistema de circulação e exposição de arte, suga especificidades, lima suas arestas e as "adapta" ao seu espaço, inclusive as obras que tomam como temática o questionamento institucional, político e espacial do museu. Como máquina de sucção, o museu absorve as obras  para si, mas não em si. As transformações por que passa a ação artística desde os anos 1960 tem, como consequência nos espaços de museus, apenas as "adequações" necessárias para a constante inclusão, mas não a contaminação conceitual para a reproposição de sua arquitetura.

A noção de narrativa, que em si não pressupõe linearidade, mas um modo peculiar de encadear um percurso que se pretende análogo a um raciocínio, poderia ser associada aos modos como são expostas as obras de arte em museus, seja em exposições permanentes ou temporárias. O espaço do museu in natura, independente das mostras existentes, compõe-se também de narrativas, por meio de relações visuais e espaciais estrategicamente desenhadas. O espaço a ocupar, a primeira vista um espaço da indeterminação, já tem em si, no mínimo, a determinação dos acessos e das proporções entre chão-teto-paredes.

Pensar um museu como narrativa espacial desloca o foco da forma-imagem para as conexões visuais e espaciais. Os recortes nos pisos-tetos, as circulações verticais (rampas, escadas, escadas rolantes, elevadores), as fronteiras dentro-fora, dentre outros,  como conjunções espaciais, são elementos construtivos que podem por meio das (des)conexões que estabelecem mais que alterar a forma do edifício, transformar sua topologia, isto é, as relações espaciais estruturais como, por exemplo, as (des)continuidades, características espaciais proprioceptivas.

A título de breve reflexão sobre as determinações espaciais do espaço do cubo branco (ou do decorado), selecionamos dois paradigmas espaciais: a Maison Dom-ino (1914), de Le Corbusier, que pode ser identificada como diagrama espacial moderno e o que pode ser considerado um diagrama espacial contemporâneo, a Bibliotèque de Jussieu (1992), de Rem Koolhaas, materialização de seu conceito de urbanidade interior.

 

 

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Maison Dom-ino, Le Corbusier (Fonte: ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo, Companhia das Letras, 1992. p.267) e  Bibliotèque de Jussieu, Rem Koolhaas (Fonte: El Croquis. Rem Koolhaas, Barcelona, n.79, El Croquis Editorial, 1996. p.136)

 

O diagrama Dom-ino, característico da estrutura independente da vedação moderna, compõe-se de planos horizontais flexíveis quanto ao uso, acessados por um sistema hierarquizado de circulação vertical. Uma narrativa espacial que opera por dicotomia, estruturada por espaços hierarquicamente dispostos em relação ao acesso, em que o esquema básico do percurso é a raíz. O diagrama da Bibliotèque de Jussieu mantém o paradigma moderno da estrutura independente da vedação que propicia a flexibilidade de usos, mas os platôs se relacionam por uma matriz de (des)continuidades físicas x (des)continuidades visuais. Desenhadas pela junção de um piso contínuo - que se deforma e se transforma em ocorrências espaciais, rampas, anfiteatro, vazados - e de variadas circulações verticais que criam uma rede paralela de acessos entre os platôs, as (des)continuidades formam um hipertexto espacial, no qual o esquema básico é o rizoma. Raíz e rizoma, como diagramas espaciais topológicos, são opostos quanto a (in)determinação que produzem e ao grau de possibilidades de apropriação que abrem para a ação artística e a vivência do público.

A matriz da concepção espacial dos museus, na direção de sua essencialidade, deve caminhar para um aporte não geométrico, mas topológico, a respeito das características espaciais que independem da variação formal. Se a percepção visual da forma dos espaços expositivos pode interferir na leitura de uma obra de arte, há algo do espaço, as relações espaciais estruturais, como barreiras, fronteiras e limites, conexões, proximidades, (des)continuidades que não se colocam unicamente em uma base de apreensão visual, mas vivencial de um espaço durante um período de tempo.

 

 

O caso Bilbao – o paradoxo do anacronismo

"Por definição, um edifício é uma escultura

porque é um objeto tridimensional."

Frank Gehry

 

É possível afirmar que nenhum outro museu contemporâneo se notabiliza tanto pela  impressionante atenção recebida da mídia especializada ou não como o Museu Guggenheim de Bilbao. Controverso, foi exaltado por uma e por outra como a grande obra arquitetônica do fim do século XX, instauradorora de um novo paradigma de processo de projeto e de construção, bem como de arquitetura de museus; criticado por sua estravagância formal e se configurar como ícone da globalização do sistema da arte – e dos museus.

 

Pertencente a fundação americana Guggenheim, o museu foi projetado para abrigar em sua área de aproximadamente 24.000m2 um acervo de arte americana e européia do século XX. Para tanto, o arquiteto Frank Gehry imaginou o museu como a primeira obra de arte a se instalar na cidade conhecida pelo seu desenvolvimento industrial e pelo movimento de seu porto. Como analogia a uma escultura (uma flor ous um navio atracado no porto) modela as formas complexas que dão origem ao museu e o reveste pedra caliza e o titânio aludindo aos materiais utilizados na cidade tradicional e industrial de Bilbao.

 

Em várias publicações tornou-se acessível o processo de concepção do museu, o qual, por extensão passou a influenciar o processo de trabalho da posterior produção de Gehry. Após um esboço composto por traços frenéticos, o arquiteto passou a desenvolver tridimensionalmente os modelos com materiais que vão do papelão à madeira, finalmente chegando à resinas sintéticas, mais precisas. O modelo definitivo passou posteriormente por um processo de engenharia reversa em que, por meio de um scanner tridimensional, foi mapeado ponto a ponto no espaço e transferido para um modelo virtual. Neste foram realizados os últimos ajustes na forma, os testes estruturais e os detalhamentos. Uma plataforma CAD/CAM com origem na indústria aeronáutica, possibilitou responder a várias condicionantes relativas à estética, ao preço e ao prazo de cinco anos para projeto e execução.

 

 

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Guggenheim bilbao, Frank Gehry - modelo digital, construção e obra em finalização (Fonte: Un Sueño hecho realidad: Museo Guggenheim Bilbao, Bilbao: Idom, CD-Rom)

 

 

 

 

O projeto do museu esteve dividido entre duas equipes: o escritório Frank Gehry and Associates, em Los Angeles, composto por 40 pessoas, responsável pelas diretrizes de projeto, pela concepção e estudos preliminares e a IDOM Ingeniería, Arquitectura y Consultoría, empresa espanhola sediada em Bilbao, composta por 190 pessoas, responsável pelo detalhamento e cálculos estruturais do edifício. A integração das equipes de arquitetura, engenharia e manufatura através de projeto simultâneo por computador permitiu a realização de modelos virtuais em 3D de todas as peças da construção, totalizando mais de 40.000 desenhos arquitetônicos necessários para explicar o modelo virtual, consumindo 45.000 horas de engenharia, em dois anos e meio de trabalho. Ao final, Gehry  pondera que

 

"...o verdadeiro milagre não é projetar os edifícios... o milagre é conseguir que se construa. Mas não acredito que as pessoas percebam a verdadeira revolução que este edifício representa no setor da construção."

 

Encobertos pela alta tecnologia empregada, o museu e  seu processo de concepção sofrem de um anacronismo exatamente no que arquitetura e arte se tangenciam. Para Gehry, por definição, a arquitetura é escultura, e por conseguinte, o arquiteto passa a ser um tanto escultor. O "fetiche do processo" de criação, no caso do museu, é composto pela associação de um processo artístico a outro de engenharia, ou ainda, da imagem do processo do grande artista clássico que esculpe sua obra, fazendo nascer a forma da matéria, em continuidade ao qual se desenvolve um processo mediado pelas mais avançadas tecnologias em engenharia e computação para materializar a criação do artista. O paradoxo existente entre as duas etapas do processo, uma germinada no gesto do gênio criador e outra no projeto e produção simultâneos mediados por computador, estampa por sua discrepância o anacronismo do entendimento de criação artística que a obra - e o arquiteto - cristaliza.

 

Sabe-se que Frank Gehry manteve estreito diálogo com a obra do artista Claes Oldenburg, nas obras que projetou na década de 1980, quando instalava objetos em grande escala, como um binóculo ou um peixe, nas fachadas de seus edifícios.  No caso de Bilbao parece ser  evidente sua aproximação das esculturas de John Chamberlain. A predileção que Gehry tem pela escultura e a intrínseca relação que estabelece da arquitetura com ela deixam em suspenso as possibilidades de diálogo com os desdobramentos da "escultura no campo expandido" (Krauss, 1996), as quais se deslocam para o espaço vivencial. Não querendo incorrer no formalismo de classificações pouco permeáveis à fluidez do fazer artístico caberia a reflexão para o caso da substituição do binômio arquitetura-escultura, motriz da concepção do museu, para outro, arquitetura-instalação ou ainda arquitetura-arte ambiental. Talvez uma alternativa possível ao excessivo tratamento formal, caminhando em direção ao museu como espaço vivencial.

 

 

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Miss Remember Ford 1964, John Chamberlain (Fonte: http://www.artnet.com/Magazine/features/polsky/polsky1-19-5.asp) Tintinabulary 1967, John Chamberlain (Fonte: http://www.artnet.com/Magazine/features/polsky/polsky1-19-6.asp)

 

A obra, como ícone arquitetônico e museológico do final dos anos 1990, sofre de outros anacronismos. As formas inusitadas do museu parecem em descompasso com uma época de superação da estrita formalização de um estilo pós-moderno marcado por citações estilísticas ou figurativas e de esfriamento do chamado deconstrutivismo, movimentos que marcaram o cenário arquitetônico nas últimas décadas. E ainda, à inovação no tratamento formal do edifício não correspondeu, exceto na previsão de algumas salas para grandes esculturas, um projeto expositivo inovador. O resultado é a desconexão entre uma composição escultórica pós-moderna de superfícies e as salas que envolve: prismas retangulares que reproduzem a concepção expositiva moderna. O museu, intensamente gestado em sua forma, parece não incorporar o intenso debate que se processa, desde a década de 1960, sobre o espaço da obra de arte.  O paradoxo do anacronismo do cubo-branco-decorado.

 

O Guggenheim Bilbao torna-se assim exemplar das "duas faces da moeda" que envolvem a arquitetura dos museus da contemporaneidade: a permanência do paradigma espacial do cubo branco enquanto possibilidade da própria existência do museu como espaço expositivo neutro e a superação do paradigma formal do cubo branco para a viabilização dos museus enquanto acontecimentos urbano-midiáticos.

 

O caso MuBE - o Museu como esfera pública ou domínio do privado?

 

As noções de interior e exterior e público e privado, que há muito tem ocupado pensadores diversos, desde o filósofo Gaston Bachelard, até mais recentemente o crítico de arte Teixeira Coelho e o arquiteto Sòla-Morales, são centrais para a reflexão sobre o projeto do MuBE e o posterior cercamento a que foi e está submetido. A política de uso do museu se contrapõe à sua concepção inicial como espaço público urbano de livre acesso para a população: dois modelos de cidades se superpõem, aquele que se distancia da claustrofobia das barreiras é limitado por aquele que foge de uma suposta agorafobia das fronteiras.

 

O projeto resulta da concepção de museu como espaço público em sentido mais amplo, sua morfologia inusual potencializa aproximações entre as noções de público, cidade e cultura; uma utopia, "uma pedra no céu", nas palavras do arquiteto. Segundo o arquiteto, o projeto já nasceu em diálogo com o urbano: uma praça com um marco, sendo ela mesma e seu sub-solo o referido museu. O marco, uma grande viga protendida em concreto, pousada como um vetor perpendicular a Av. Europa, é plano de referência do declive do entorno e escala angular de leitura da esquina. O museu se implanta em um lote triangular em declive, esquina entre a rua Alemanha com a Av. Europa, avenida importante no traçado da cidade que a atravessa do seu centro até o rio Pinheiros, um dos vales importantes na geomorfologia da capital.

 

O museu é escultura inaugural, escala de medida de todas as outras. Instaura a ocupação do lugar, pois  fisicamente foi o primeiro elemento construído. O pórtico, único elemento construído sobre o solo, é portal de entrada do museu e abrigo para manifestações artísticas escultóricas e teatrais passíveis de ocorrerem em sua topografia que em platôs desce seguindo as margens do lote. Aparece como área de respiro; como alargamento das calçadas fazendo ecoar as intenções do arquiteto para quem "a escultura ao ar livre é muito mais significativa. O jardim também tem essa perspectiva, esse destino, de abrigar exposições de esculturas ao ar livre" e que ressoam nas palavras comumente utilizadas nas revistas especializadas para se referir ao museu: praça pública, jardim público.

 

 

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MuBE, Paulo Mendes da Rocha (Foto: Nelson Kon), MuBE - laje e escultura (Foto: David Sperling)

 

As instalações de um museu tradicional são colocadas no subsolo: foyer, recepção, salas de exposição diversas - no caso para esculturas de menor porte - anfiteatro, restaurante etc, todos espaços que se pretendem contínuos, isto é, a sua disposição permite uma circulação que se faz por continuidade entre os ambientes e entre o espaço interior e o exterior do museu. Desde as entradas percebe-se que dentro e fora, a praça - museu externo - e o sub-solo - museu interno - fazem parte de um continuum do território urbano, ou nas palavras de Hugo Segawa,

 

"o museu é tanto uma esplanada externa formado por uma praça alta e outra baixa, como também dependências semi-enterradas, com grandes salões que obedecem a um princípio de continuidade exterior-interior mediante rampas, escadas e luz natural zenital e lateral. Uma gentileza urbana penetrável, enfim."

Quando pensamos o MuBE como um museu-praça e uma praça-museu tomando como referência a reflexão de Paulo Mendes da Rocha concretizada nessa obra,  a referência a dois grandes pensadores da contemporaneidade sobre a esfera pública, Hannah Arendt e Habermas, encontra um objeto comum. Se há distinções claras na noção de esfera pública colocada pelos dois filósofos, as duas se aplicam em momentos distintos de uma leitura do museu. E ao reverberarem a concepção arquitetônica elaborada e construída pelo arquiteto, reforçam duplamente o erro que se comete ao manter o MuBE dentro de grades. Para Mendes da Rocha, a esplanada externa seria uma espécie de ágora arendtiana que pressupõe

 

"a existência de um ser urbano que vive na confiança, vive na esperança, na solidariedade do outro... no ponto de vista da solidariedade e da consciência, somos todos iguais",

 

de um cidadão que encontra identidade na diversidade, na pluralidade encontra o comum;

 

"não é a idéia de aldeia global que acho ingênua, mas a idéia daquilo que é particular, que é nosso, que deve ser tratado com muito carinho para o outro ver. Quanto mais rica a humanidade na sua diversidade, melhor. Nessa diversidade, não teremos que ver conflitos, mas ver justamente objetos de nossa solidariedade."

 

Se a praça do museu é então lugar de exposição de pluralidades, palco de ações e palavras em busca do comum da humanidade, ela também é museu e teatro ao ar livre, museu e teatro na visão habermasiana. Lugares públicos que propiciam ao público através da razão, do argumento e da comunicação o entendimento de si mesmo e da arte, que retorna para o entendimento do ser. O que para o arquiteto é a manifestação da idéia de Modernidade:

"A idéia de Modernidade está toda ligada à consciência de nós mesmos. A condição de manifestação artística é uma condição só (ele ressalva) da espécie humana. Não há animal artístico, quer dizer, a idéia de projeção do conhecimento sobre a forma artística é privilégio do homem. E é o que o caracteriza. A condição de sua existência. Ou seja, é um ser, esse ser que somos nós, que se inventa. O homem é uma invenção dele mesmo."

 

Saindo da praça-museu externa e seguindo para o museu-praça interno, os conceitos habermasianos e arendtianos permanecem. O espaço interno, segundo o entendimento proposto pelo arquiteto, não seria detentor de grande acervo próprio, mas funcionaria como nó de uma rede. Além de abrigo para exposições temáticas de esculturas seria centro gestor das esculturas espalhadas pela cidade de São Paulo, o espaço estendido do museu:

 

"... Muita gente não sabe que há um Ceschiatti na Praça do Patriarca ou onde está o Fauno de Brecheret no Parque Siqueira Campos. Então, oportunamente, se fará manifestações que possam se ocupar esculturas da cidade de São Paulo onde elas estão, e, evidentemente, exposição de peças trazidas prá cá com programação e significado, relacionadas com fatos históricos ou acontecimentos oportunos de ponto de vista da crítica, do ponto de vista da oportunidade."

 

O projeto do MuBE propõe uma cidade que privilegia fronteiras e não barreiras. A fronteira pressupõe a manutenção e respeito ao que é diverso sem os limites físicos da exclusão presentes nas mais variadas barreiras que constróem a cidade contemporânea e que impedem o acesso a cidadania. Como proposto em projeto, as possibilidades de identificação praça-museu e museu-praça, de percepção de continuidades espaciais dentro-fora, em cima-embaixo e da continuidade de circulações possíveis entre praça-museu-praça-museu..., o MuBE se apresenta como uma possibilidade construtiva que pretende tencionar qualificações espaciais e assim permitir a ocorrência de novas relações entre habitante, cultura e espaço urbano. A utopia de um novo topos, o território contínuo.

 

Então…

 

Entre a manutenção do cubo branco e sua dissolução, acreditamos que o MuBE se apresenta como vanguarda efetiva – em sentido contrário ao que aponta o Guggenheim Bilbao. Este apenas replica um restrito entendimento do campo da escultura e pouco propõe para o campo da arte. Mas como evento midiático globalizado, muito agrega nos valores circulantes do sistema da arte. Aquele, inversamente, não privilegia a estratégia de inserção no sistema de circulação de mercadorias; mas a tática de inserção no território da cidade tensionando as fronteiras do público e da cultura.  É arquitetura marco-vazio relacional pensada como conjunto de relações espaciais no sentido colocado por Michel Foucault. De relações vivenciais; como propunha Robert Smithson uma sequência de vazios conformada pelo circuito praça aberta/praça coberta/salas internas/praça aberta a serem percorridos como continuidade da cidade. De relações territoriais, ao propor-se como extensão física da cidade e como nó gestor de uma rede de obras de esculturas espalhadas pelo território.

 

O MuBE propõe, por fim, uma relação museu-arte-vida que há pelo menos quarenta anos diversos agentes do sistema da arte reinvindicam, mas que, pelo que parece, o próprio sistema ainda não está preparado para – ou não interessa - recebê-lo. E, até que redescubram o seu potencial, ele vai permanecendo enquadrado dentro do que há de mais conservador na gestão de museus.

 

Por outro lado, os desdobramentos de uma arte de bases ópticas que demanda espaços expositivos neutros e controlados para uma arte vivencial que convida à interação e participação parece ter apontado até o momento  para algumas direções: a dissolução do paradigma do museu; um certo "acomodamento" da produção, que se propõe específica para os espaços de museus; ou ainda para a "adequação" mútua de museus e obras para a inclusão daquelas que não foram realizadas para figurar em suas salas.

 

A arquitetura do museu contemporâneo se reveste de dupla relevância tanto para o sistema da arte quanto para a reflexão arquitetônica de vanguarda e passa inevitavelmente pela ponderação dos binômios forma-função, espaço-evento e público-privado. Como por aí também cruzará a permanência do museu como lugar historicamente privilegiado para o contato entre arte e público, e as possíveis  reproposições dos paradigmas expositivos e arquitetônicos envolvidos.

 



Smithson, Robert and Kaprow, Allan. What is a Museum, in: Holt, Nancy. The Writings of Robert Smithson. New York, New York University Press, 1979, p. 58.

Foucault, Michel.  Of Other Spaces, in Mirzoeff, Nicholas (ed.) Visual Culture Reader, London, Routledge, 1998, p. 239.

Para citar alguns, o 21st Century Museum of Contemporary Art, em Kanazawa, Japão, da arquiteta Kazuyo Sejima; o Eyebeam - Museum of Art and Technology, Nova York, do escritório Diller + Scofidio;

Em Salvador, instala-se o Museu Rodin Bahia, com projeto arquitetônico do escritório Brasil Arquitetura (anexo de arte contemporânea). A filial brasileira do Museu Guggenheim continua em suspenso. Ganhou notoriedade aos brasileiros a disputa milionária da filial brasileira do Museu Guggenheim pelas cidades do Rio de Janeiro, Curitiba e Salvador, na qual a primeira acabou sagrando-se "vitoriosa". A instalação de um "mega-museu" - com assinatura do arquiteto francês Jean Nouvel  -, como âncora do turismo cultural globalizado, ganhou os jornais e mobilizou entidades de classe, ONGs e a população em geral na discussão da pertinência da criação de mais um espaço de cultura, quando os espaços existentes clamam por uma política adequada de uso.

A nova sede do New Museum, em Nova York, de Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa; a extensão do Victoria & Albert Museum, em Londres, de Daniel Libeskind; a Tate Modern, em Londres, de Herzog & de Meuron (projeto de conversão do edifício)

No Brasil, destacam-se nos últimos anos o restauro da Pinacoteca do Estado de São Paulo, de Paulo Mendes da Rocha, vencedora do prêmio Mies van der Rohe para a Iberoamérica e a criação do Novo Museu, em Curitiba, com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer e colaboração do escritório Brasil Arquitetura.

Um caso a ser citado é o ocorrido com o Masp. Há alguns anos, a direção do museu transformou sua fachada em outdoor. Trocado a cada exposição, visava atingir o grande público. Na ocasião, o limite do contato com público deslocou-se para a comunicação de massa, em sintonia com a lógica comunicativa de mercado.

Em palestra na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, em 1997.

Op. cit., p.238.

Tschumi, Bernard. Architecture and Disjunction. Cambridge, MIT Press, 1996, p.13.

Cabral Fo, José dos Santos. Arquitetura Irreversível – o corpo, o espaço e a flecha do tempo, Catálogo FID – Fórum Internacional de Dança – Extensão Brasil 2002-2003. Belo Horizonte, pp. 41-42.

Krauss, Rosalind E., La escultura en el campo expandido, La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid, Alianza, 1996:pp. 289-303.

Grossmann, Martin. Do Ponto de Vista à Dimensionalidade, Item 3,  Rio de Janeiro, nº 3, março 1996, pp 29-37.

Ver Krauss, Rosalind, op. cit.

Marchan F., Simon, Del Arte Objectual al Arte de Concepto. Madrid: Alberto Corazon, 1974, p. 183.

Op. cit., p. 60.

Ver o famoso ensaio de O'Doherty, Brian. No interior do cubo branco, a ideologia do espaço da arte. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

Pode-se, inclusive, aproximar a biblioteca de um museu, no sentido de espaço de colecionismo ou arquivo desenvolvido por Crimp (CRIMP, Douglas. On the Museum's Ruins Cambridge, MIT, 1993: This is not a Museum of Art, pp. 199-234, The Art of Exhibition, pp 236-275) e de heterotopia de acúmulo de tempo proposto por Foucault (Op. cit.).

Deleuze, Gilles, Guattari, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. São Paulo, 34, 1995.

Deleuze, Gilles, Guattari, Félix, op. cit.

El Croquis, Frank Gehry. Barcelona, El Croquis Editorial, 2003.

CAICOYA, Cesar. Acuerdos Formales, in: Arquitectura Viva n.55, Madri, Arquitectura Viva, 1.997.

Adaptação do texto "Museu Brasileiro da Escultura:, utopia de um território contínuo", disponível em URL: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq018/bases/02tex.asp, escrito em 2001, no qual realizo uma análise mais detida da tensão existente entre a proposta do museu quando de sua construção e sua política de uso.

Bachelard, Gaston. A poética do Espaço. São Paulo, Martins Fontes, 1989.

Para Bachelard, a dialética entre interior e exterior desaparece quando há a hipervalorização de um de seus constituintes em detrimento do outro. Não há termo de comparação, não há parâmetro para decisões e escolhas, a dimensão interior, da proteção, promove o total apagamento do lado externo da superfície. O muro abriga, protege e auxilia o esquecimento.

Coelho, J. Teixeira Netto. A Construção do Sentido na Arquitetura. São Paulo, Perspectiva, 1979. Construindo um corte vertical entre os eixos de percepção espacial estruturados pelo autor pelas afinidades culturais e históricas que haveriam entre eles; um espaço restrito estaria associado ao interior que por sua vez seria privado e, por outro lado se associariam o amplo, o exterior e o público. Divididos desta maneira, produziríam sensações também opostas, o primeiro grupo seria detentor de maior identificação entre homem-espaço, quer seja por sua posse, seu domínio visual ou sua sensação de abrigo. Ao outro grupo restaria uma posse desconhecida do espaço, seu domínio sobre o homem e a consequente sensação de insegurança. O autor, sentindo a necessidade de requalificações faz a proposição de outras associações entre os três eixos que surtiriam por exemplo na apreensão de um espaço amplo comum ou público como abrigo.

Solà-Morales, M. Espacios Colectivos, trabalho não publicado, transcrição de palestra proferida no Seminário Internacional Centro XXI, São Paulo, 1995.

Para Sòla-Morales, o modelo de cidade como justaposição de espaços públicos e espaços privados, contíguos, mas sem interação entre si, parece cada vez mais superado. Para ele, a cidade não é o espaço público, mas espaços onde o público e o privado se misturam, lugares ao mesmo tempo públicos e privados, de onde tem-se o espaço coletivo. Assim, a cidade se realizaria sobre o híbrido, no estreito contato ou superposição entre programas e espaços distintos.

Um "falso" sub-solo, pois o museu vence o desnível existente entre a Av. Europa e a rua Alemanha; o nível superior instala-se na cota da avenida e o inferior na cota da rua.

Ornstein, Sheila W., Nascimbeni, José Eduardo F., Romero, Marcelo de A., Avaliação do processo produtivo do edifício do Museu Brasileiro da Escultura (MUBE): do projeto ao uso. São Paulo, FAU-USP, 1991. Boletim Técnico n.2.

Segawa, Hugo. Arquitetura modelando a Paisagem, in: Revista Projeto. São Paulo, Arco Editorial, 1995. n.183, p.32-47.

Arendt, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1997.

Habermas, Jünger. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.

Hannah Arendt, falando sobre a esfera pública, remete-se ao conceito grego da pólis que seria bipartida entre as esferas da liberdade e da necessidade. Confrontando-se aos espaços privados de manutenção das necessidades humanas, a esfera pública seria o lugar de contato da diversidade existente entre os homens a partir de uma igualdade de condições: a multiplicidade, a pluralidade traria a visualização do comum, a condição humana de habitante do espaço público.

Para Habermas são três as ações fundantes da esfera pública burguesa: a lógica do argumento, a razão intersubjetiva e a ação social comunicativa; ações que são praticadas nas novas arenas dos acontecimentos públicos: os cafés, os pubs, os teatros, os museus e a imprensa. O museu, por exemplo, torna-se instrumento de emancipação da sociedade tanto em sua dimensão crítica quanto em sua dimensão ativa: ao se tornar acessível publicamente a arte torna-se objeto questionável em si mesmo - pois se permite entender racionalmente - e questionador das condições do próprio público.

Rocha, Paulo Mendes da. Exercício da Modernidade (depoimento a José Wolf) in: Revista Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Pini, 1986. n.2, pp. 26-31.

Rocha, Paulo Mendes da., op. cit.

Rocha, Paulo Mendes da., op. cit.

Ornstein, Sheila W., Nascimbeni, José Eduardo F., Romero, Marcelo de A. , op. cit.

 


 

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David Sperling é arquiteto e mestre pela EESC-USP, doutorando pela FAU-USP (área de Projeto, Espaço e Cultura). Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP.

 

Em Uma ideia de museu, de Marcelo Ferraz: como o projeto de Lina Bo Bardi para o MASP, enquanto referência arquitetônica única de Museu, poderia ser alocado nesta genealogia da arquitetura museológica feita por Sperling? Num retrospecto diverso, Chus Martinez faz um balanço da política de Museus da Espanha, oferecendo uma visão do papel político do Guggenheim de Bilbao, em La Hora del Entusiasmo: los Museos Españoles en las últimas décadas del siglo XX.