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Um raro espaço para falar de arte

Maria Hirszman, em artigo publicado no Caderno 2 do Estado de São Paulo, comenta a empreeitada do grupo de críticos em formação da Revista Número que, na “decisão de tentar romper com a cômoda ideia de que as artes visuais são por excelência um campo de criação solitária”, acabava de dedicar sua quinta edição a uma interessante análise sobre o estado da arte.

A ‘Número’ chega à 5.ª edição fomentando o debate sobre os vícios do circuito artístico

De que adianta continuar refletindo sobre a produção deste ou daquele artista diante do tamanho da crise enfrentada pelo setor de artes visuais, absolutamente carente de políticas claras de apoio à produção, conservação e divulgação? Como contribuir para modificar uma situação de absoluta estagnação do setor, dividido entre a absoluta falta de recursos enfrentada pela maioria das instituições e artistas e o luxo impressionante de algumas poucas mostras?

Perguntas como essas e a decisão de tentar romper com a cômoda idéia de que as artes visuais são por excelência um campo de criação solitária – o que tornaria difícil a mobilização em busca de alternativas explicam a guinada recente promovida pela revista Número, que acaba de dedicar sua quinta edição a uma interessante análise sobre o estado da arte.

Iniciativa de um grupo de críticos em formação, ligados a instituições como o Centro Maria Antonia e o Paço das Artes, a publicação começou tentando ampliar os raros veículos de divulgação do pensamento crítico no País, num momento em que o espaço dedicado ao assunto pela mídia tradicional encolhe a cada dia. Mas paralelamente a esse trabalho, surgiu a necessidade de questionar o próprio sistema, contribuir para entender como melhorá-lo. “Sabíamos que, sem um olhar mais amplo e ambicioso com relação ao próprio modo de inserção social das artes, não iríamos muito longe em nossas especulações”, escrevem os editores no editorial da Número 5. Os artigos são bastante diversificados, tratando de diferentes aspectos como a dificuldade de se exercer a crítica de arte, a complexa relação entre poder e arte na história recente do País, a ausência de financiamentos e o desperdício das poucas verbas em ações caras (pelos excessivos custos de marketing) e de eficácia reduzida como os prêmios CNI Sesi Marcantônio Vilaça e Sérgio Motta. Há também lugar para um toque internacional, representado pelo alarmante artigo de Ana Elena Mallet sobre o descalabro cultural vivido pelo México no governo de Vicente Fox. A diagramação, na tentativa de ser original do ponto de vista visual, é um pouco carregada, dificultando a leitura. Mas talvez o aspecto mais interessante da Número seja a tentativa de enquête sobre problemas e soluções do setor. Foi enviada uma enquête para 12 mil pessoas e apenas 50 responderam. Sinal de que falta diálogo entre os vários agentes desse amplo sistema de produção artística. Mesmo assim já é um início. Um resumo pode ser lido na atual edição. Dentre as perguntas feitas há uma sobre a necessidade mais urgente do artista e do teórico que vive e trabalha hoje no Brasil. Objetivas ou divagativas, as respostas foram muitas vezes coincidentes. “Reivindicações por melhoria no ensino de educação artística, cursos para professores, programas de formação continuada, monitoria em exposições, oficinas e investimentos em cursos de graduação e pós-graduação, também em história da arte, aparecem em 45% das respostas”, citam os editores. Muitas são as reivindicações e sugestões, várias delas repetidas há muito. Mas mesmo assim se trata de um ponto de partida interessante para nortear o debate. E também para a viabilização de novos espaços de discussão, como a própria revista.

A Número, de edição trimestral gratuita, tem sua sobrevida garantida apenas até março de 2005 e busca novas alternativas para viabilizar-se, já que os anúncios cobrem cerca de 10% dos custos. No momento, a revista, que tem uma tiragem pequena, de 8 mil exemplares, é financiada pelo Fundo de Cultura e Extensão Universitária da USP.


Maria Hirszman

O ESTADO DE S.PAULO CADERNO2/CULTURA DOMINGO, 10 DE OUTUBRO DE 2004

 

Da necessidade de se dar nome aos bois à discussão sobre autoria, em conexão direta com Paula Braga em O pensamento coletivo, a revista Número Cinco, e uma crítica à crítica. Sobre as raízes da situação que tanto inquieta o grupo de jovens críticos, ver a fundamentação histórica feita por Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira em Que políticas culturais?.