O Museu de Arte e seus Públicos-Relato

Palestra de Toby Jackson (Tate Modern), com a participação de Milú Vilela, Denise Grinspum, Katia Canton, Paulo Portela e Marcelo Araújo. Moderação de Martin Grossmann.
Documentação
Seminário Educação e arte Seminário Educação e arte (texto)


Uma semana antes da palestra de Toby Jackson, durante o encontro do CIMAM, o auditório da Pinacoteca reverberava discursos de condenação do museu de arte: espaço de poder, eurocêntrico em sua essência. E chega Toby Jackson, abrindo janelas no auditório e refrescando a instituição de arte com uma lufada de boas idéias.

Martin Grossmann abriu a noite de debates ressaltando exatamente essa diferença de pontos de vista entre as teorias sobre o museu na era da globalização discutidas durante o CIMAM e a visão positiva de Toby Jackson sobre a ação cultural e educativa: da tensão e do desconforto criado por esse aparelho cultural paradoxal que é o museu, surge a auto-crítica que dirige o pensamento de Toby. E aqui vai um primeiro paradoxo: qual curador concebe uma exposição tendo em mente o público que a visitará? Para quem a curadoria dirige seu discurso? Certamente curadores sabem o que especialistas em arte esperam de suas exposições, mas é o departamento educativo de uma instituição que pode fornecer informações sobre o que o público espera de uma visita ao museu, de um acervo, e qual linguagem usar para engajar o visitante nos discursos propostos por uma exposição de arte contemporânea.

“Museus de Arte e seus Públicos” é um assunto de pesquisa que pode, segundo Toby Jackson, deslocar a ação cultural e educativa de um papel de “serviço educativo” para uma posição de equilíbrio frente a outras áreas do museu, como por exemplo, a curadoria. Esse é o departamento educativo que Jackson vislumbra: um centro difusor de informações necessárias para  o andamento de todas as outras áreas de um museu. O que leva uma pessoa a visitar um museu? Que tipo de experiência ela espera da visita? Quais os diferentes interesses de diferentes grupos de visitantes? Como novas mídias tecnológicas podem incrementar a mediação entre visitante e obra de arte? Além de fornecer parâmetros para a curadoria, aquisição e pesquisa de acervo, a pesquisa sobre públicos de museus fortalece o poder das instituições nas negociações com o governo sobre políticas e incentivos culturais.

Para Toby, esse ambicioso departamento educativo é viável se aqueles que o dirigem  assumirem com vigor a liderança de projetos que agrupem pessoas de vários departamentos do museu, e trabalharem em conjunto com outras áreas, fornecendo idéias para a curadoria, e estabelecendo conexões também com outras intituições, com outros departamentos educativos também audaciosos, tanto local quanto internacionalmente.

A palestra prosseguiu com a apresentação do Tate Institute, um projeto que Toby detalhou na noite seguinte ao falar para uma grupo fechado de representantes do sistema das artes brasileiro e cujo detalhes estão relatados nesse site. O Tate Institute resume a tese principal de Toby Jackson: a ação cultural  e educativa tem uma função central na vida do museu, que ultrapassa o espaço da galeria por onde circulam os visitantes, e embrenha-se nos níveis de tomada de decisão sobre programação, políticas e investimentos.

Segundo Toby, essas ações devem “moldar” o museu, mas como ficou claro no debate, a arte-educação é ainda no Brasil antes objeto do que sujeito autônomo: como uma matéria plástica, deixa-se moldar tanto pelo discurso da inclusão social quanto do museu como laboratório. Após a fala de Toby, Milú Vilela apresentou os programas dos serviços educativos do MAM-SP e do Itaú Cultural sob a ótica de quem atua há anos no terceiro setor e acredita que a arte-educação possa ser um agente de inclusão social, de transformação, de abertura do mundo da arte para os menos favorecidos, argumento que foi criticado por Ari Meneghini, quando o debate foi aberto ao público. Milú Vilela elencou os prêmios concedidos a seus projetos de arte-educação de viés assistencialista, tais como o “Igual Diferente”.

Denise Grinspum retornou às teses de Toby Jackson sobre o equilíbrio de poder entre os vários setores do museu, salientando que o público é muitas vezes considerado um “mal necessário” e o quanto a pesquisa sobre o público reverteria essa situação inadequada.

Kátia Canton, da divisão de educação do MAC-USP leu um poema de Manuel de Barros sobre a capacidade de desaprendizagem: aprender a desaprender de forma poética e criativa. Ou seja, desaprender a idéia do museu como guardião de obras-primas, distanciado do público.

Martin Grossmann fez uma analogia entre a abolição dos gêneros na arte contemporânea (pintura, escultura...) e a necessidade de abolição dos  departamentos de um museu (educativo, curadoria...), propondo a rearticulação dessas divisões em um corpo mais coeso e harmônico, espaço de produção de sentido.

Mas essa totalidade ainda é um sonho no Brasil, o que ficou claro na apresentação de Paulo Portela, que começou sua fala esclarecendo que participava da mesa como representante do serviço educativo do MASP, e não da instituição como um todo, já que essa instituição hoje resolve a questão da relação do museu com seu público através de uma campanha publicitária inadmissível para um departamento educativo: “Faça de conta que o MASP está em Paris. Visite.” Ora, como um serviço educativo poderá moldar a instituição se dirigentes de museus ainda detêm o poder total sobre decisões de divulgação como essa – Portela não mencionou outras campanhas publicitárias recentes do MASP, que comparavam arte a futebol (o slogan então era algo como “se você gosta de futebol-arte, já é um começo”), oferecendo, no lugar do singular, o já conhecido e explorado em todas as outras mídias, deturpação máxima da função da arte.

Marcelo Araújo abordou o desconforto que sentia ao ouvir a polarização entre curadoria e serviço educativo na fala de Toby Jackson, lamentando que a palavra “museologia” não tivesse sido mencionada durante a noite. Para Araújo, é a museologia o estudo que enxerga a instituição como um todo harmônico e em equilíbrio, e que a dicotomia enfatizada por Jackson entre um departamento poderoso e um departamento submetido ao poder dos demais justamente impediria essa visão da instituição como unidade. Toby então esclareceu que não estava propondo um enfrentamento de forças entre duas áreas, mas apenas ressaltando potenciais pouco explorados dos departamentos educativos. Repensar o museu, no entanto, significa para Marcelo Araújo repensar todas as áreas e não só os serviços educativos.

Denise Grinspum lembrou que qualquer questionamento sobre a instituição, seja do museu como um todo ou de um departamento, dependeria da vontade política de seus dirigentes: deixar seu público afetar o museu. A terceirização dos serviços de monitoria foi apontada pelo educador Danilo, do CCBB, como um exemplo da falta de vontade política das instituições em promoverem mudanças a partir das pesquisas de seus departamentos educativos. Uma equipe terceirizada é fundamentalmente executora e não crítica – não tem tempo ou acesso a outros departamentos para difundir sua crítica. Marcelo Araújo novamente alertou para a necessidade de reflexão sobre a instituição como um todo: muitos museus também terceirizam curadoria e conservação. Renata Bittencourt, retomando um ponto crucial da tese de Toby, ressaltou que o arte-educador precisa ser um pesquisador, que entende a lógica das práticas de todos os agentes do museu e de sua própria atuação.

A palestra aberta de Toby Jackson, em apenas 2 horas e com uma mesa de debatedores bastante heterogênea e por isso mesmo representativa das várias modelagens por que passa a arte-educação no Brasil,  tocou em muitos assuntos que os 70 participantes do seminário de arte-educação discutiram ao longo de 4 manhãs completas. Intensa -- e tensa – a palestra explicitou divergências e o longo caminho que arte-educadores ainda têm pela frente para colocarem em prática os ambiciosos planos de Toby Jackson para uma ação cultural e educativa que realmente seja permeável 'as vontades e necessidades do público.

(por Paula Braga)