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A mediação cultural subalterna dos museus no Brasil, na Colômbia e no México

relato crítico por Maria Inigo Clavo

“La mediación cultural subalterna de los museos en Brasil, Colômbia y México”

(A mediação cultural subalterna dos museus no Brasil, na Colômbia e no México)

Relato da palestra de Luis Gerardo Morales Moreno

 

Para não cair em generalizações a palestra estabeleceu uma comparação entre a história dos Museus de Colômbia, México e Brasil apontando as diferenças deles em relação à evolução dos estadunidenses e dos europeus. A ideia era trabalhar algumas questões relativas à representação cultural, histórica e, definitivamente, ao discurso nacional. A primeira diferença reside em que os museus da Europa ou dos Estados Unidos com muita freqüência se aproximam das culturas latino-americanas a partir de um olhar exótico fazendo referências às artes primárias, enquanto que nos contextos nacionais os elementos mostrados fazem parte de uma procura do próprio: a proposta de Morales tenta ir além dos essencialismos e dos ícones de mestiçagem e hibridação que têm feito parte desses macrodiscursos identitários nacionais para usar a perspectiva subalterna. Essa proposta é um marco metodológico que pode abrir outra perspectiva crítica e um modelo do que Morales denomina como “Museologia Subalterna”.

Para desenvolver seu argumento, o autor mostra como o nascimento e evolução do Museu está muito vinculado à modernidade e por isso à criação e consolidação das ciências. Eu gostaria acrescentar que a modernidade estabelece uma separação entre as ciências humanas e as naturais que, com certeza, vai ter um reflexo importante nos Museus, especialmente nos museus que constroem um olhar sobre outras culturas baseadas no positivismo ou no evolucionismo do século XIX. Uma vez que não se considerou que esses povos pudessem gerar conhecimento que afetasse as nossas estruturas epistemológicas, a leitura imediata era que só a partir do estudo do natural era possível que nos identificássemos com eles, por isso a antropologia transitava entre as ciências naturais, a literatura de viagens e as ciências humanas.

Para sua cartografia histórica Morales situou alguns pontos de encontro e diferenças entre os Museus da América Latina e os dos Estados Unidos. Só para citar alguns pontos-chave desse percurso, indicarei que os principais Museus da Colômbia, do Brasil e do México são criados nas primeiras décadas do século XIX. No Brasil nascem como parte da transferência imperial portuguesa. No México se separam dessa representação do império e o objeto etnográfico ocupa só um lugar secundário coincidindo com a profissionalização da antropologia do final de século XIX. Também no Brasil, no final do século, são abertos os Museus de Botânica, Zoologia e Mineralogia. Até princípios do século XX na Europa e nos Estados Unidos são instituições de criação de conhecimento e pesquisa, mas esse papel vai ser substituído pela academia, e segundo Morales a Universidade toma esse lugar transformando o Museu num espaço de representação, onde se colecionam raridades. É nesse momento que vai se quebrar a “mimesis inicial” dos museus latino-americanos com os europeus ou estadunidenses. Por exemplo, uma das características das instituições do Sul é o desenvolvimento precoce das pesquisas em educação, uma função do Museu que vai ser crucial a partir do século XIX e que no resto dos Museus do mundo só tomara importância muito depois.

Desde os anos 1970 as minorias étnicas começaram um trabalho de agenciamento político, e reclamam da fetichização dos objetos da etnografia. Alguns museus franceses começaram a trabalhar a representação de uma maneira performativa, enquanto que os anglo-saxões ficaram instalados numa historicidade imóvel que contradiz as dinâmicas sociais. Como já indiquei, a proposta de Morales, é finalmente a Museologia Subalterna, que tem um enfoque acadêmico pós-colonial, e extra europeu que possa contar tudo o que ficou na sombra dos projetos científicos coloniais. Esse é um discurso que toma como ponto de partida a crítica ao nacionalismo. Pareceu-me muito acertado chamá-lo de Museu da descontinuidade, porque efetivamente esse tempo linear quebrado pode criar espaços para outros tempos, histórias e outras formas de conhecimento que afetem a estrutura de legitimação “científica”  do Museu, pois agora mesmo ele deveria ser um espaço de crítica do paradigma moderno. Essa era a proposta da genealogia de Foucault.

Foram dados vários passos nesse sentido durante o século XX, o encontro de 1946 do ICOM depois da segunda Guerra Mundial abre um caminho de debate; em 1972 a UNESCO realiza uma mesa de trabalho para falar do Museu de América Latina durante a qual o Chile apresentou sua ideia de Museu Integral, que o situa como mais um movimento social superando o caráter elitista das coleções. O México propôs um Museu de extramuros, mas que recebeu algumas críticas por ser mais parecido como uma museologia populista que não desconstruía uma visão hegemônica. Ele defendia  outra modernidade baseada no barroquismo ou no maravilhoso que terminam por se transformar em ícones do discurso nacional.  Entre 1972 e 1989  deu-se uma crise da visão racionalista museográfica, a visão do público se problematiza, os museus de história começam a se ver como “museus de si próprios”. Com o fim da Guerra Fria, a crise da metodologia histórica estruturalista, os estudos culturais e os New Cultural History,  ocorrem também mudanças importantes, aparece a voz da descontinuidade temporal dos centro-europeus. Começa a ser mais explícito que nunca que a história de uma coleção é a história do poder. O estudo do objeto começa também a se desenvolver, mostrando como ele desafia a linguagem. Na Europa e nos Estados Unidos se começa a falar da história das representações.
A pergunta principal de Morales é: qual seria a função da museologia na memória pós-colonial da América Latina? Uma museologia da subalternidade mostra uma história das hierarquias, da historicidade e dos espaços de poder.

Acredito que a proposta de um Museu subalterno é muito oportuna nesse momento, e é um passo que vai além das questões que têm ocupado a maioria do espaço sobre a pesquisa em Museus. Desde meu ponto de vista a pergunta formulada por Morales pode encontrar uma resposta na literatura pós-colonial latino-americana. Poderia ter sido muito vantajoso para sua argumentação um encontro dos amplos conhecimentos do palestrante em Museus com a teorização pós-colonial e subalternista, que tem sido desenvolvida nos últimos anos no Sul americano, mas que ele não incluiu em sua apresentação. O encontro com o trabalho de Enrique Dussel ou das Epistemologias do Sul de Boaventura de Sousa Santos, por exemplo, que poderia ter fornecido algumas ferramentas metodológicas ao argumento de Morales: nesses dois casos (Dussel e de Sousa Santos) o ponto de partida é uma reconstrução da história e dos valores modernos partindo da posição do oprimido, esse espaço de outros conhecimentos nos permitem reaprender os nossos espaços do saber,  reestruturar  e superar essa antiga separação entre as ciências naturais e as sociais herdadas que, como anotei acima, foi uma das bases da formação da Modernidade. Falar do oprimido, ou do Sul como espaço de enunciação, poderia ter ajudado também a reflexão de Morales a ir um pouco além dos termos anglo-saxões como subalterno, e da literatura do norte, envolveria incorporar uma tradição de pensamento latina e latino-americana.

Outro assunto que eu acredito ser chave para essa discussão e que  gostaria de acrescentar aqui é o papel da curadoria, do display dos objetos para apresentar essa “história da representação da história”. Nesse sentido, parece-me que a curadoria de arte contemporânea e mesmo os artistas desde os anos setenta têm propostas críticas muito mais frutíferas do que a Museologia ainda quer reconhecer e que poderia  repensar seus discursos nacionais. A arte contemporânea e a curadoria, que em si mesma é um espaço subalternizado para as ciências, pode ser sem dúvida um lugar de mediação para a reparação.

 

Maria Inigo Clavo