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Contrapensamento Selvagem, Cayo Honorato, Clarissa Diniz, Orlando Maneschy e Paulo Herkenhoff

Fluir. O fluido escorria. Era vômito. Era escarro. Era viscosidade. Tudo penetrando pelas brechas, escapando, avançando, irrompendo. Era estômago à flor da pele. Qualquer superfície era de carne. Difícil sair imune. Era um nó contemporâneo, não uma droguinha qualquer. Era inflação desgovernada. Antieconomia. Dispêndio conceitual. Era caos, conforme avisado, e à margem do calculado. Um por-se à espreita. Era a bagunça prometida desde o início, mas auto-instaurada. Era rebotalho... porque era gente feito mosca em manga podre. Não! Não... caos e efeito não era só mais um detestável trocadilho. É apenas um jardim, ou melhor, um mar de rosas importadas de Luxemburgo. Ecosofia bélica: moto-serras, síndrome de Serra-macho, antídoto madeirista.

Infertilidade. A montanha verde é infértil e inclemente onde o fluido escorre em pororoca pela caatinga cerrada. Rio acima, arrecifes, leito abaixo: a arte é o que nos deixa chapados. Linguagem hiperbólide. Era tierra cruda. Barrio do latim Barrus. Gesamtkunstwerk. Merz. Bricolagedebichosefrangoassado. A interdição animal, vieram mesmo assim: cães de guarda, galos assados, vacas mocas, profanas e antropofágicas, víboras e cobras noratas, urubus na cadeia (alimentar). Imantação: som, piche e pulsão. Piche sem pichação, preto no chão. No corpo todo, nas dobras da alma. Escritura desregrada. Sem pré-formatação. Crianças, voltem daqui a 18 anos. Preservativo na precocidade. Mas melam os sapatos no vestígio do que lhes foi negado. Brincam de brincar. Sabem que o sentido está em deslizar. Se a infância responsabiliza a todos; evitá-la há de ser lavar as mãos. A infantilidade é ampla, geral e irrestrita. Sexo mediatizado; trama de neuroses. Arte é garantia de sanidade?

Arte latina é comover: com- (“junto”) + movere (“mexer, deslocar, mover”) = commovere (do latim) = “mobilizar, mover conjuntamente”. Só me interessa o que eu não sei e nada passado a limpo, em pleno devir escorregadio. A Narciso ansioso, desobramento de múltipla autoria. Desidentificação em disparos. Anarquia odontológica. Arte de subsolo. Murmúrios dessazonam a norma. A Terra Treme. Treme-terra!

Curar é arrancar gemas ao caos, é lançar pérolas aos corpos, é ver o peso das coisas. É perseguir o irrealizável ou a impossível justeza entre ideia e realização. Ecologia da ação. O ambiente reposiciona o ato, desajustando-o (só pode haver justeza na ideologia e nas contradições). Qualquer evolução é mutação arbitrária. Descontrole. Em co-auto-eco-deriva, não é possível fazer o bem ao outro. É impossível concluir um ato: não existe cura. Sorte. Subsiste a terapia. Ter ápis na bunda. Cinto de vênus. Por bundas nos insetos. Quilombolas fazem no cesto.

Sobre tamponar: Destamponar a fratura íntima, a singularidade. Desinaugurar o sujeito. Desnomear o sujeito do desejo. A exposição é contra-tampão, é contra o que seca a hemorragia. Libido intratável. Arte não é sublimação: "art doesn't deliver us from anything at all".

Nenhuma futurologia, mas prospecção das fissuras do presente. Todo bunker é falho: o esconderijo de Hitler, o Pentágono, o hímen e a moral inquebrantável da TFP, a carta apreendida que sempre chega a seu destino, os cofres de banco, a santidade dos santos, os sistemas de circuito fechado de vigilância, as regras da arte, a norma. Desconfiar das origens. Sequestrar o olhar, tripudiar das certezas. Para Lisette: Quando Guimarães Rosa leu o texto Como viver junto de Barthes, corrigiu Diadorim: viver junto é negócio muito perigoso.

Um paradoxo: uma instituição forte enfrenta a potência; uma fraca dissolve-se no limite. Desejo de estado primal de liberdade no espaço da institucionalização. Vivência do estado primal de liberdade [almejado] pelo artista. Sonhar é melhor que viver? Afinal, é a arte o que torna a vida possível? Pela representatividade pública dos que chupam melancia. Para quem comprou a verdade: Quando eu nasci, não escolhi pai, mãe, lugar, hora, época, signo, língua, gênero, raça, etnia, tribo, classe, herança genética, herança financeira, espécie... – por que teimam em escolher o que é arte por mim? Eu faço.

A teia: colonialismo interno, neocolonialismo interno, mercado (a e$tética do pre$unto), Estado estadual, federal e municipal (como a meleca na bandeira), Lei Rouanet, imprensa nacional, Departamentos de marketing, os processos de styling da arte, partidos aparelhadores, prêmios do Jockey (digo, dos Salões), institucionalização, museificação canibal, emprego, metropolitanismo (por que me ufano de minha cidade!...?) – deixar tocar-se pelos fios – não enredar-se na teia como um pirarucu na desova. Eu desfaço. Estética da Tteia: morte do autor, contra-angústia da influência, grupo, coletivo, blog, facebook, rede. Trama de sujeitos. Eu refaço. Utopia. A anarquia é a verdadeira ordem entre os homens, o resto é mero comércio. Net.

Chega de ArMário de Andrade, chega de homofobia tipo grupo dos gabinetes de arte dos anos 70, 80 e 90. Chega de ditaduras. Chega de Bolsonaro e Crivella da arte. O buraco é mais embaixo. Deputado e pregador dos veadeiros regurgitam na voz de Moacir, o casto para quem acredita. Essa é a geração de artistas brasileiras/os – homos e heteros – que reconhece o desejo sem fronteira, para os quais a homoafetividade é nomeada e tornada visível. Arte sibarita. Pescoceta. Cuceta. Querer Viver. O que não tem dono. Mantenha entreaberta, ali onde está Lesbian Bar – não foi prometida a arte das amazonas? Isso é para quem enxerga. Para quem não enxerga, não dá pé – palavra do Bispo.

Cadeia!... A arbitrariedade do signo. A enunciação da violência pelo signo arbitrário. Selva de signos. Violentar a violência. A história é violência/ a violência da história. Benjamins sobrecarregados produzem curto-circuitos. Desencapar os fios da história. Desapropriar os respiros. Cacofoniar. Explodir a caixa do som eletrônico. Na virada do século, desaninhar os fios que HO pediu que fossem conectados. Certos fios precisam estar soltos. Desconexão em cadeia. Energia que escapa pode ser contracorrente.

Arte é perigo. É contaminação. É septicemia e, anagramaticamente, pesticemia. É curto-circuito. É violência e destruição. É nódoa (mais do que mácula). É inacessibilidade. É interdição arrombada. É contrapensamento. É contra-norma. É pulsão de morte – quantos guardam/ dominam um cantor solitário? Nada de isolamento guesltáltico ou pedestáltico. Nenhuma pureza visual ou conceitual. Invenção de outra saúde. Bakhunin, Bakhunin, amanhã tem mais!

Um jovem crítico douto afirma que arte não é invenção. Nem é o exercício experimental da liberdade nem é o que pode contra a entropia do mundo nem é ralação com a vida nem é exercício simbólico nem em tempo de crise deve-se estar com os artistas, pois Mário Pedrosa estava redondamente enganado como na quadratura do círculo. Nem HO era solar. Totem e tabu é só um game. Artes blásticas. Explosições. Disparates conceituais. Petardos pelados. Contra a arte do sonante, a arte dissonante. Queremos tirar nota zero. Só o zero e o infinito interessam. O zero está grávido.

Qual é a do capital simbólico? O que é a mais valia na produção simbólica? É a arte hoje aquilo que não deve ser a educação para Paulo Freire? Roubo intelectual/ colagem/ bricolagem. Som, som, aumenta o som! Uma vez desmesuradamente acentuada a presença do capital no mundo, sua história passa a ser aquela da transcendência da matéria, como se à hóstia da mercadoria se somasse a mais-valia da transubstanciação da cultura.

Pequenas lições de zootecnia. (1) Sobre o manejo. Pega-se um curador, leva-se ao picadeiro em forma cúbica branca, e domestica-se até virar texto. (2) Sobre a filogênese e a ontogênese. Nossos urubus são outros porque são contra os urubus da arte concreta histórica. (3) O Gallus sapiens não encontra as botas de Judas. (4) Pequena lição de museologia: compra-se um frango assado de padaria, come-se folheando uma agenda-obra-de-arte. Sujeira não tem hora nem lugar. Eu como eu. Filho feio não tem pai. Filho quer ser pai. Triângulo amoroso anti-edipiano. Hilário. Sobre a certissima mãe: Catarse / Dolores Poéticas / Instinto Plenus / Repressio Infanto / Genética Wild. Sobre o pai incertus: Construção / Esforço da Porra / Esperança Utópica / Paciência Nascente / Intuição Gêmea. Assaltante assalta o parceiro... Plágio ou latrocínio cultural? (5) O homem que matava para melhor comer. O homem que morria para melhor comer. O homem que ressuscitava para melhor comer. O homem que apodrecia para melhor comer. Sirva-o. O homem que comia para vomitar. Vomite-o. O homem que tomava sopa de pedra para melhor viver. Geometria da fome. Cabelo também é carne.

Piche é sombra. A melhor homenagem ao excesso de luz-alva do cubo branco é introduzir sombra. Gombrich e Tanikazi e o elogio do piche. Fenomenologia do olhofurado e do espíritosemolho: o pintor empresta seu corpo ao piche. A caverna de Platão é subsolo mental. Solange de peito aberto no inferno. Luz dantesca. Contra-regionalismo: seu Estanislau na era global: o esperanto é a língua universal que não se fala em lugar nenhum. Aqui não há o elogio da metrópole nem da hierarquia: isso é o porão monádico – favor confundir com nomádico, afinal, “você não é daqui, marginalzinho!” Viva o filho desterritorializado de Kristeva e Bhabha antropofásica. Desterritorializar o piche. Arte bruta, sem educação, sem modos, sem desconfiômetro... o cofre arrombado da etiqueta... arte de cuquinha imundinha.

Ó, almas inconstantes! Sem luz, como saber o que é simulacro: espaço, visão, imagem, signo, e até os fantasmas? Nictofobia é o terror do obscurantismo. Diante do fato plástico, o vácuo mental de quem não tem o que dizer. Asma. Afasia. Citação sem aspas. O experimental não é o acaso passado a limpo, não é a invenção do plágio, não é Nietzsche no divã do psicanalista, não é o informe via Greenberg, não é o profissional. É o que não se fagocita, selvagem sabedoria. É quando todos se calam, mas alguns nadam radicalmente, e não morrem na praia.

Inverter as estatísticas, corromper a educação contra-freiriana. Cenouras e cenoures, os públicos não são mero suporte de ações alheias. Ainda assim não se pretende com Firmeza corresponder às suas expectativas. Contra o profissionalismo, marco amador. Do artista que goza em meio à graxa..., toca berrante..., escorrega..., dança..., canta..., treme..., com agulhas enfiadas entre dedos e unhas constrói passagens..., lembra, esquece e reinventa novos lugares. O artista amador aquece a carne do mundo. Carnificina e lisergia.

Eugenia revirada. Anti-higienopolitano. Era exposição diferenciada, curadores diferenciados, artistas diferenciados, arte diferenciada, público diferenciado. Mas cu é um buraco que todo mundo tem. Aqui não tem pobre... só buxo vazio do Pelourinho ou eram os bruchos na Paulista? Sequestrar o olhar, tripudiar das certezas. He or she drinks everyday, as much as necessary in order to forget the cancer of someone close and his or her fucked up miserable life. Jayme Fygura tem pressa. Contra-fygurativo. Sem fyguração. Sem fygurino. A Fygura ativa tem pressa.

A convulsão pitagórica do desejo. Taxonomia da pulsão. É caos e é feio. E bonito. Havia um delicado sentido bretoniano de beleza. Afinal, a beleza é convulsa ou não é... Emprego massivo das técnicas de ulsão: revulsão, convulsão, avulsão, pulsão de vida, expulsão, pulsão de morte.

O Piauí não é só uma revista, nem o Amapá é só um maxixe. Faltou Urucum. Pacoval pelado, o corpo procura seu discurso. Zona tórrida é zona fétida, pé na cova, pé na tábua, pé na vida. Contrapensamento suprematista: a.sodomia.da.brancura.na.capelinha.do.coronel – é agora, José? O rei está nu. O que você faz nesse vuco-vuco viscoso de tinta selvagem? Se eu fosse mais velho, eu faria política até a nona década... Censura, por favor. Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!...

Afinal, cadê Lévi-Strauss? Dançou... não encontrou o lugar onde o vento faz a curva.

 

2011

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