Você está aqui: Página Inicial / Revista / Número 5 / Textos / alternativas ao circuito. notas para uma conversa na uerj. cecilia cotrim

alternativas ao circuito. notas para uma conversa na uerj. cecilia cotrim

Anotações para uma conversa com Ricardo Basbaum e Edson Barrus.

Instituto de Artes da UERJ, novembro de 2002.
eu te queria

letra e música: fílix jair

 

só peço que você não me impeça

de dizer que eu te amo

eu te amo e vou te amar prá todo sempre

 

e agora a nossa história pobre

história rica história

é a memória da memória

uma jóia delirante

 

e mesmo q você venha contar

que nesse dia esqueceu de me ligar

e me chamar para brincar

 

desculpa não é problema

eu vou sempre te gostar

de te beijar de te morder

de te amar e te comer

 

mas aquela hora já passou era de noite

era de dia eu te queria e te queria

te queria e te queria

 

eu te queria te queria

te queria te queria

te queria era de noite era de dia

eu te queria

 

de todas as mulheres q amei

eu sempre amei com muita força e com prazer

e com calor e intensidade

 

você não entendeu a insistência e a presença

e a conversa e a brincadeira e o namoro

e a nossa história

 

nunca nunca nunca

vou querer só lamentar

eu quero rir e não chorar

quero seguir e não fugir

 

se um dia no futuro eu te encontrar

eu já nem sei o q falar

e se falar

não vou falar vou te beijar

 

Bom, antes de mais nada eu queria agradecer ao convite da Sheila Cabo e do Ricardo Basbaum, reconhecendo o esforço de abrir espaço na Universidade para “aquilo que passa depressa” – é um esforço que pode alterar e alternar o movimento [o não-movimento] da escola.

Eu não vou falar muito aqui, apenas expor um pouco o que seria minha experiência em meio a algumas iniciativas artísticas e // [alternativas?] que parecem estar pulsando de vários lados, há algum tempo – há bem pouco tempo –, no Rio.

Mas tenho que começar dizendo 2/3 palavras que o artista Newton Goto me emprestou – ele ditou para mim um começo para essa minha fala, há alguns dias atrás:

“Essa costura que eu vou fazer aqui, na verdade começou com o projeto do Barrio “4 dias e 4 noites”, de 1970.”

O Goto, quando me deu essa sugestão para começar a pensar alguma coisa para essa conversa com o Edson Barrus e o Ricardo Basbaum, é claro que estava também ironizando esse olhar da história da arte, além de minha mania por esse trabalho de Artur Barrio. [ Ou talvez também por um dos primeiros trabalhos // que fizemos no Rio, juntos, ter sido justamente uma entrevista com  Barrio, em 2000, juntamente com outros artistas, em que o Barrio havia começado a insistir para que essa entrevista se repetisse, em outra ocasião, como uma espécie de exercício de memória: dedicar um longo tempo, em uma conversa, ao 4 dias 4 noites, trabalho-processo de deambulação pelas ruas do Rio, que permaneceu sem “registro”, e sem muitas menções nos escritos do artista.

Mas, enfim, além da ironia, o Goto acertou na sugestão. Porque há um elemento talvez interessante para o nosso tema aqui, nesse trabalho do Barrio, um elemento que foi conectado ao trabalho apenas no ano passado, nessa espécie de re-leitura do 4 dias 4 noites proposta pelo próprio Barrio – numa longa conversa com Ricardo Basbaum, Camillo Osório, Ricardo Resende, Paulo Reis, Ivana do Rego  Monteiro e eu, para o livro da Mostra Panorama. Esse trabalho de Barrio sempre correspondeu à idéia de uma redução quase total da expressão arte=vida, o contato do artista com a cidade resumindo o próprio trabalho, dessa vez sem suporte, sem registros, nada – apenas o processo de deambulação corpo-mente do artista pela cidade, um desenho imaginário de percurso que se dedobrava do próprio caminhar, enfim, “ARTEdeSOUVIDA”. Mas, ao retomar contato com o trabalho, ao restabelecer uma narrativa para esse trabalho de 1970, o Barrio trouxe para o 4 dias 4 noites, no ano passado, um dado novo, uma surpresa. Eu cito o artista, na entrevista do livro da mostra Panorama: “aí entra uma coisa extremamente perigosa de falar …. Mas eu achava que havia um setor que me via e me acompanhava nesse processo, que registrava o processo de trabalho.” E esse setor seria a mostra Information no MoMA, que estava acontecendo naquele mesmo momento, em Nova York, e que exibia fotografias feitas a partir de registros das Trouxas Ensanguentadas.

A recepção do 4 dias 4 noites pela Information teria sido, então, cito Barrio, o “motor da coisa, até chegar ao sapato que furou.”

Ora, esse dado talvez retire de vez o trabalho de uma esfera de total subjetivismo, ou do planeta da estética, e chama a atenção, ainda, para algo que pode ligar a produção [alternativa?] atual ao radicalismo dos anos 1970 :

a preocupação com o circuito de arte, a responsabilidade do artista com a recepção de seu trabalho. { Barrio já havia realizado, logo antes do 4 dias e 4 noites, o trabalho com as trouxas ensangüentadas, em Belo Horizonte, na exposição “Do corpo à terra”. Nessa ocasião, Barrio teria estrapolado os limites da instituição, da curadoria, invadindo o território aberto da cidade, e depois o noticiário, ou a mídia. } Imagens [stills] das T.E. em BH foram enviadas para a Information, e Barrio, durante o 4 dias 4 noites, teria re-pensado sua inserção na mostra de Nova York. Essa retomada crítica aponta então para a dinâmica do trabalho com o circuito, que estaria agora em plena reverberação – não foi à toa que Barrio resolveu retomar o trabalho por essa via, ao propor discuti-lo conosco, em 2001.

“Nos anos 1970, havia uma urgência, toda uma discussão louca, as situações eram complexas, as pessoas queriam que a arte tivesse uma dinâmica maior.”

É claro que qualquer tentativa de re-absorção sem distância dessa urgência seria estranha a esse momento, mas, por outro lado, acho que estamos sim vivendo uma certa retomada dessa complexidade, dessa dinâmica – a preocupação com as estratégias.

{ Outro dia, entrevistando o Ducha para o jornal CAPACETE, falávamos disso. O Ducha falava de seu trabalho, seja da esquina, seja dos trabalhos com o Atrocidades, ou os outros, com um discurso quase que destinado diretamente aos juris dos salões e etc., [after Sherry Levine, after Man Ray e Duchamp, para Itaú, after Beuys, para Goiás], como trabalhos perpassados por essa preocupação, uma preocupação com o modo de inserção do trabalho, o diálogo da proposta artítica com o mundo e com a instituição da arte sendo explicitado pelo próprio trabalho. Acho que o NBP do Ricardo estaria nessa sintonia de preocupações, assim como a banca de jornais do Helmut na Bienal de São Paulo, ou a curadoria-não-curadoria do Cão Mulato [Edson Barrus] durante o Açúcar-Invertido, na FUNARTE: uma ambigüidade, uma reversibilidade quase total entre o trabalho, a poética, e a reflexão sobre o sistema de arte, ou a proposta de alternativas a esse sistema. Em cada seção do Rés-do-chão, pode-se perceber a poética do Cão Mulato, seja na reunião de artigos e imagens para a revista NósContemporâneos, seja no exercício da curadoria dividido com o exercício poético dos convidados. Também na última bienal era bem estranho perceber poesia  naquela banca-museu-biblioteca do Helmut dentro do pavilhão-museu.

São poéticas-acidentais que surgem estabelecendo novos arranjos no circuito, abrindo outras possibilidades de contato com as instituições, como foi o caso da curadoria coletiva da mostra Panorama 2001.}

Então, essa responsabilidade, que o Barrio teria sentido durante o trabalho 4 dias 4 noites, ou ao reler o trabalho, essa implicação mais ampla do artista no circuito, acaba criando novos fluxos, fazendo com que cada figura – o artista, o crítico, o historiador, o curador, o ativista – possa se alternar com outras [//]. Durante certo tempo, essas figuras pareciam estar muito nítidas, muito determinadas, o que dava um certo ar de estagnação ao setor. {Parecia muito natural que o artista que fosse mostrar seu trabalho tivesse um curador para orientá-lo, ou mesmo para escolhê-lo, um catálogo ou folder, problemas com a gráfica resolvidos por um super artista gráfico, e um texto crítico. Esse esquema vinha, nos últimos tempos, funcionando quase mecanicamente, sem muitas alternativas. Galeria ou instituição pública, esse era quase que o único caminho de atuação para artistas e críticos/curadores. }

No entanto, ao lado dessa mecânica, alguma outra coisa foi sendo traçada; ao lado também de muita reclamação que não levava a nada, algumas marcas foram sendo deixadas, que acabaram por transformar um pouco o ambiente em que convivemos com propostas de arte, discutimos a produção, produzimos textos, e pensamos. E a meu ver esse território mais móvel que está aparecendo – espero que sim – tornou-se bem melhor para pensar, sobretudo porque acho que podemos então, finalmente, nos livrar das lamúrias que acompanhavam aquela situação de imobilidade: uma situação em que os papéis eram fixos, os modos de atuar fixos, nada sendo re-pensado, e tudo cercado por um mar de desagrado.

Depois das experiências do AGORA, do CAPACETE, do Atrocidades, do Zona Franca, do Radial, do Br-Free, Orlândia, Rés-do-Chão, do Canal Contemporâneo, do Canal Vaginal, da item, da item on-line, do Nós Contemporâneos, enfim, de estratégias mais variadas, e também dos vários grupos de artistas que se espalharam pelo Brasil, dos fuscas e ônibus e kombis circulando e defumando por aí,

Depois disso acho que está claro que não há um FORA, ou um CENTRO, mas que, sendo possível uma troca permanente de posições, somos todos exatamente responsáveis pelas possibilidades que abrimos, ou que deixamos de abrir. Somos todos, como escreve o Edson na pagina do Rés, uma coagulação voluntária de pessoas [PROPOSTAS] afins não hierarquizadas.

Nesse sentido, quero dizer que sinto-me tocada, atingida, por essa mobilidade que está aí, mais particularmente, pela experiência do Espaço Experimental rés-do-chão, que eu pude acompanhar desde o início. O RÉS, que é um espaço onde arte e vida estão dessouvidamente imbricados [ARTEdeSOUVIDA], sem que a equação se perca na indefinição dos jogos de poder. Apenas esse rearranjo EXIGE extrema atenção – pois não se está mais DELEGANDO funções, não se está mais passivamente submetido a um funcionamento mecânico qualquer, mas se está buscando ALTERAR O CIRCUITO.

{No caso do RÉS, que funciona sem nenhum apoio intitucional [o que não considero que seja um requisito especial], na total precariedade, e bem de acordo, então, também, com a precariedade das instituições, [mas enfim no rés ficou sendo assim, por conta talvez da experiência do edson com instituições, esse espaço acabou resguardado de “ingerências e controles”;] mas é assumindo a precariedade e a fluidez das ações que o Rés encontrou seu desenho mais justo. E essa precariedade e essa fluidez exigem extrema atenção, da parte de quem atua, e de quem gere o espaço. }

Essa concentração, essa busca de justeza em cada atitude, a escolha constante, a responsabilidade constante de cada um, isso é que parece ter uma força transformadora – quer se esteja atuando absolutamente desvinculado da instituição, quer vinculado. Manter-se nesse campo magnético de dúvidas, é o que mais tem me estimulado nesse momento. O que esperamos, de fato, é que essas propostas possam continuar a irrigar nosso cicruito de arte, ASSUMINDO e EXIBINDO sua precariedade, e se espalhar mais pela rua, incorporando também a rua, e buscando posições cada vez mais móveis, mais fluidas, enfim: fazendo votos de que nessa água possamos trabalhar com muita festa, mas com muita responsabilidade, também. Como escreve Edson Barrus:

“Um coletivo de amigos com afinidades que se junta para intensificar seu prazer e liberdade por meios que não sejam reconhecidos pelo Controle, cria uma estética de sociedades não-hierárquicas. Cria uma poética desta situação, fazendo disto algo que funcione num nível imaginário, onde os corações das pessoas estão comprometidos. Estamos falando sobre algo que é mais que um arranjo a esmo, mas realmente um objetivo pelo qual há um esforço em perceber que isso é um verdadeiro valor, porque faz algo por nossas vidas na sociedade atual. não é um movimento no sentido de um programa estético. é a inevitável tendência dos indivíduos de se juntarem em grupos para buscarem liberdade. Iindivíduos que em grupos aumentam seu prazer saindo debaixo da economia de dinheiro/mercadorias em eventos espontâneos, não regulados, não mercantilizados, que aparecem. Uma coagulação voluntária de pessoas afins não-hierarquizada, possível de persuadir umas as outras a participar de atividades prazeirosas sem controle de hierarquias opressivas e criar situações com o poder de causar uma mudança de consciência. Arte deSOUvida!”

 

{Falar em trânsito e em fluidez, eu queria ter notícias de como está o trânsito entre Rio e Curitiba, com o ônibus que chegou ontem, e os 3 fusquinhas do Jarbas, que foram domingo, alguém teria notícias?}

Conteúdo relacionado
Número 5