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Apresentação

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Por Isis Baldini



“É comum dizer que a arte contemporânea é necessariamente desafiadora. Preservá-la também é um desafio, mas nosso sucesso em enfrentar esse desafio é, no final das contas, simplesmente uma questão de nossa vontade coletiva e crença nessa arte. (...)” (CODDINGTON, 1999).1

 

 

Pensar a conservação de obras não convencionais é uma tarefa complexa que, quase inevitavelmente, está acompanhada de uma profunda inquietação – traduzida em ansiedade e apreensão – pontuada por fragmentadas certezas e ainda exíguas referências. Se a conservação já é um desafio que se apresenta a cada intervenção na arte convencionalmente construída, esse desafio se torna ainda mais complexo quando se trata de obras estruturadas imaterialmente em intrincadas redes de compreensão sustentadas por uma polimaterialidade que não prioriza a estabilidade ou a durabilidade de seus materiais constitutivos.

Foi essa inquietação que nos levou a considerar a hipótese de que a diferença entre as obras não convencionais e aquelas executadas de forma tradicional poderia estar em algo invisível, talvez na forma com que suas estruturas estavam organizadas. Essa hipótese, defendida em tese de doutorado em 2010, resultou na elaboração de um sistema estruturado nos processos metonímicos e metafóricos que, quando analisados sob a ótica de um conservador, levou ao reconhecimento de um valor que foi denominado pela autora de valor de contemporaneidade.

Foi procurando comprovar a hipótese da existência do valor de contemporaneidade em algumas obras, e ciente de que o trabalho solitário impossibilita a reflexão proveniente de discussões coletivas, que foi criado em 2018 o Grupo de Estudos em Conservação de Arte Contemporânea (GeCAC). Essa iniciativa foi um desdobramento do curso “Encontros, Leituras e Reflexões - Os Fundamentos Filosóficos da Conservação e Restauro”, que ministrei no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP) como parte das atividades do pós-doutorado. O curso tinha como objetivo ampliar os repertórios histórico, ético e filosófico necessários para um raciocínio crítico-metodológico no campo da conservação e do restauro, por meio da leitura, da reflexão e da discussão.

O GeCAC é vinculado ao Fórum Permanente, grupo de pesquisa do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), e tem como linha de reflexão principal pensar a conservação de obras não convencionais a partir de seu valor de contemporaneidade. Por ser este um valor subjetivo, ligado à existência imaterial da obra, é necessário um conhecimento da poética que a sustenta e que faz parte do universo do artista. As entrevistas, nesse contexto, constituem importante núcleo reflexivo, por serem relevantes instrumentos de compreensão do patrimônio contemporâneo e a base que permite estabelecer perspectivas de conservação sincrônicas com os objetos a serem preservados.

Mesmo existindo dentro de uma estrutura acadêmica, os pesquisadores integrantes do GeCAC não são oriundos necessariamente de instituições acadêmicas, culturais e/ou artísticas. No Brasil, uma parcela significativa do acervo contemporâneo encontra-se em coleções particulares, e o Grupo considera que, para a efetiva conservação das obras, tanto no âmbito institucional como no privado, deve haver uma heterogeneidade dos saberes e das experiências, além de transparência e facilidade na disponibilização das informações.

Os autores que compõem esta edição do Periódico Permanente foram pré-selecionados com base em textos que pontuaram as discussões conceituais do Grupo. Procuramos, em nossas reuniões regulares, pautar as leituras não apenas pelo pensamento análogo, mas também pelo distinto, pois consideramos que a reflexão dos conceitos inquietantes – aqueles que nos obriga a sair de nossa zona de conforto intelectual – leva a discussões profundas e significativas que podem implicar rupturas epistemológicas construtivas e relevantes. Esta publicação é fruto dos trabalhos desenvolvidos pelo GeCAC dentro desse contexto.

A Revista é composta tanto por textos já publicados como inéditos. Para maior abrangência no território nacional, optamos por traduzir todos os artigos para o português, mantendo um link para o original, seja ele inédito, seja não inédito. Além disso, como o Grupo se pauta na reflexão e no diálogo propiciados pelas entrevistas, os artigos são seguidos de uma entrevista feita pelo pesquisador do GeCAC encarregado de sua curadoria. Não obedecem a essa regra os artigos selecionados na biblioteca do Fórum Permanente e o dos pesquisadores do GeCAC.

Como toda a linha conceitual do Grupo se baseia na hipótese do valor de contemporaneidade, optamos neste compêndio, por inserir também um texto explicativo para que o leitor possa compreender melhor a base especulativa que sustenta a nossa pesquisa.

Boa leitura!




Isis Baldini

Coordenadora do GeCAC

Curador Editor

 


 

 

1 CODDINGTON, James (1999). The case against amnesia. In: CORZO, Miguel Angel (org.). Mortality, imortality? The legacy of 20th century art. Los Angeles: Getty Conservation Institute, p. 19-24.

2 ELIAS, Isis Baldini (2010). Conservação e restauro de obras com valor de contemporaneidade: a arte postal da XVI Bienal de São Paulo. Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

3 Disponível em http://www.forumpermanente.org/. Acesso em: 10 jul.2023.

4 Este valor pode ser melhor compreendido no artigo “O Valor de Contemporaneidade” que se encontra publicado nesta revista.

5 “Arte e Cultura da Arte” (Teixeira Coelho).  “Apresentando o Projeto” (Boris Groys).

Periódico Permanente é a revista digital trimestral do Fórum Permanente. Seus seis primeiros números serão realizados com recursos do Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010, gerido pela Funarte.

 

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