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Márcia Reed e Karen Cristine Barbosa: Dois caminhos da conservação

 

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Rafael Lima Capellari

À primeira vista, os artigos de Márcia Reed e Karen Barbosa parecem abordar campos diferentes da atuação do profissional da conservação.

Reed, curadora chefe do Getty Institute, questiona os limites do restauro e da atuação dos profissionais em obras de arte com materiais orgânicos em um evento promovido pela instituição no México. Matérias orgânicas se degradam rapidamente, alteram sua forma, cor, aroma e podem danificar materiais que estão no entorno. Por outro lado, essas características são esperadas e, por muitas vezes, desejadas pelos artistas. A autora pergunta: “É possível responsavelmente preservar o trabalho sem interferir na intenção do artista de que envelheça e/ou se desintegre?”, “Como essas caixas1 podem ser vistas de uma forma apropriadamente informal se essa própria atividade as consome?”

A autora traz exemplos de casos já tratados pela equipe de pesquisa da Getty que incluem desde a explosão de uma lata de sardinha na obra do artista Benjamin Patterson até delicadas borboletas em um trabalho de Duchamp. Ela, por fim, dá poucas respostas definitivas, mas traz luz para certas abordagens, aponta que algumas formas de conservação podem alterar a intenção do artista, distanciando o trabalho dos públicos.

Outra pesquisadora, a doutora Alison Bracker, que no texto “When is the end?”2 tem em comum com Reed a pesquisa sobre o trabalho de Dieter Roth, faz perguntas semelhantes ao tratar da conservação de arte contemporânea: “Quais são os elementos que transmitem suas potencialidades?”, “Os elementos são substituíveis?”

Estes questionamentos, levantados pela arte contemporânea, trouxeram novas abordagens teóricas que nem sempre possuem uma resposta objetiva ou um consenso, como ocorria em obras feitas em suportes tradicionais. Reed, assim como Alison salientam a importância da entrevista, mas ambas também reforçam que não é possível contar apenas com esta documentação, seja pela ausência do artista, seja pela própria mudança da memória do criador com seu objeto criado.

Assim, a ideia de que uma obra institucionalizada pode desaparecer tem sido um tema recorrente e este fim de uma obra põe em cheque a tradição associada ao trabalho de conservação.

Karen Barbosa, Patrícia Moreira, Teresa Ferreira e Eduarda Vieira analisam os poluentes, compostos orgânicos voláteis, presentes no ambiente e em uma vitrine de um espaço expositivo em Lisboa, Portugal. Para realizar sua pesquisa, Karen se utiliza de amostradores passivos difusos e data loggers. Os dados obtidos são interessantes, demonstram não só a presença de gases poluentes que podem danificar as obras de arte nas salas do museu como também dentro das vitrines. Por outro lado, as vitrines demonstraram ser barreiras eficientes das variações de umidade e temperatura. Os resultados das análises levam as autoras a procurar as razões dos índices de compostos voláteis nos materiais expositivos como madeiras e tintas, que se mostraram um dos responsáveis pelo ar no ambiente do museu.

Aqui, busco não só diferenças, mas também semelhanças entre os artigos. Acredito que a teoria da conservação e restauro e a atuação pautadas em aspectos socioculturais estão sempre presentes de forma mais ou menos evidente na atuação dos profissionais.

Gostaria de começar exemplificando com um aspecto material presente nos dois textos: a vitrine. Instrumento expositivo pensado para a proteção do objeto, a vitrine de vidro ou acrílico tem sua unanimidade questionada por ambas. Em Reed, a vitrine é uma barreira para a completa fruição das obras de Dieter Roth, impedindo que a intenção do artista, de que suas obras sejam tocadas e manipuladas, se concretize. Em Barbosa, a vitrine se demonstra como um aparato a ser analisado com mais profundidade, porque pode reter poluentes impedindo a troca de ar com o ambiente e, possivelmente, degradando o objeto que deveria proteger.

Em seguida, trago um aspecto do campo teórico-filosófico, o que considero de mais latente em ambos artigos, a arte contemporânea exige uma constante revisão, investigação, análise e debate dos profissionais de conservação e restauro. Karen e Márcia nos trazem a ideia de que não podemos nos pautar em regras preestabelecidas. É preciso se questionar o tempo todo e trabalhar em conjunto, inclusive com profissionais fora das instituições, como os próprios artistas, pesquisadores e o público.

1 Referência da autora aos trabalhos com objetos do cotidiano e materiais orgânicos criados pelo movimento artístico Fluxus.

2 BRACKER, Alison. When is the end?. Disponível em: <https://www.frieze.com/article/when-end>. Acesso em: 28 out, 2022

Periódico Permanente é a revista digital trimestral do Fórum Permanente. Seus seis primeiros números serão realizados com recursos do Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010, gerido pela Funarte.

 

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