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REFLEXÕES SOBRE A PRESERVAÇÃO DE MATERIAIS PLÁSTICOS EM ACERVOS ARTÍSTICOS

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Por Camila Vitti Mariano

Palavras chave

Acervos artísticos/ conservação/ poliéster/ polímeros/ plásticos

Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar a complexidade da preservação dos materiais plásticos devido à imensa quantidade de polímeros e formulações, cujos aditivos, utilizados pela indústria para potencializar qualidades e melhorar performances, exigem uma gama de conhecimentos ainda pouco explorada no campo da conservação, sendo a identificação e caracterização a primeira necessidade. Apresentando os materiais mais suscetíveis à degradação, visa-se auxiliar em uma possível identificação e proposta de contenção dos danos provocados por esses materiais ao restante de uma coleção. Por fim, apresentar duas abordagens distintas direcionadas à preservação da resina de poliéster, um estudo de caso e uma pesquisa de longo prazo.

Abstract

The aim of this article is to present the complexity of the preservation of plastic materials due to the immense amount of polymers and formulations, whose additives, used by the industry to enhance qualities and improve performances, require a range of knowledge not completely developed in the field of conservation, being the identification and characterization the first urgency. Presenting the materials most susceptible to degradation, the intention is to assist in a possible identification and proposal to reduce the damage caused by these materials to the rest of a collection. Finally, to introduce two different approaches towards the preservation of polyester resin, a case study and a long term research.

 

Introdução

Ao longo dos anos e por meio do contato direto com o acervo de importante instituição de arte, as questões relacionadas à preservação de arte contemporânea foram sendo desenvolvidas, principalmente, pela necessidade de se pensar a conservação de obras recém incorporadas, cujos desafios extrapolavam a formação tradicional. A peculiaridade de uma obra e a máxima da conservação de que “cada caso é um caso”, guiaram os profissionais de instituições museológicas na busca por novos estudos, técnicas, materiais e soluções para postergar a degradação física ou garantir que a intenção artística seja documentada para que as obras perdurassem por anos.

As estratégias empregadas passam pela análise material do objeto, seja por meio de exames organolépticos, científicos, pesquisas dos materiais e da produção industrial, mas também podem partir do conceito artístico, da inovação tecnológica e da interdisciplinaridade, quando a formação do conservador não é capaz de uma proposição de intervenção fechada apenas em seus conhecimentos.

Criados há mais de 150 anos, atestamos o papel fundamental dos plásticos no cotidiano, principalmente por sua versatilidade e baixo custo; e lidamos com as transformações da indústria para promover ações mais sustentáveis voltadas para a biodegradação. Por serem testemunho de uma época, esses materiais acabaram sendo incorporados em coleções e museus, onde conservadores e responsáveis apressam-se na direção oposta, buscando alternativas para a estabilidade física desses polímeros visando a salvaguarda futura.

 

Identificação de plásticos

Inevitavelmente, os plásticos estão presentes em diversos tipos de coleções como de artes visuais modernas e contemporâneas, design e moda, militar e de ciências, etnográfica e bibliográfica, por exemplo. De maneira geral, para explorar o campo da conservação dos materiais plásticos em museus de artes visuais é imprescindível focar em objetos tridimensionais formados por plásticos semissintéticos e sintéticos, eliminando, portanto, a tentativa de abranger os polímeros empregados em tintas, vernizes, emulsões, adesivos, materiais fotográficos, etc; que são campos de estudo diferenciados.

Pensando em um acervo artístico faz-se necessário analisar ainda à que se destina esse material plástico. Seria um material industrial que foi trabalhado pelo artista? O resultado da manipulação de um polímero e seu catalizador? Qual a sua importância estética? Seria apenas um material de suporte? Essas questões ajudam a definir as possíveis estratégias de preservação e fazem parte do questionamento frequente em relação à grande parte das obras de arte contemporâneas. Na prática cotidiana, nos deparamos com exemplos de materiais plásticos que precisam e devem ter sua integridade física preservada, pois são parte primordial da estética do artista. No entanto, podem estar presentes na forma de suporte ou complemento de uma obra, onde não necessariamente o original necessita de preservação e pode ser, portanto, substituído com facilidade, pois há um carácter de funcionalidade que não altera a proposta do artista.

As pesquisas direcionada aos acervos que contém materiais plásticos se iniciaram com maior vigor a partir do início da década de 1990 (SHASHOUA, 2008), com o foco em entender a composição química e o processo avançado de degradação de materiais tão recentes. O propósito seria retardar esse processo de envelhecimento, assim como isto é uma premissa da ocupação do conservador, em uma instituição museológica, voltada para todos os objetos artísticos. O desafio imposto pelos materiais plásticos reside na tentativa de prever os danos, estabilizá-los e estudar maneiras de intervir no objeto, sendo esse último aspecto o mais complexo.

Ao contrário de muitos materiais tradicionais utilizados ao longo dos anos na construção de obras de arte, como a madeira, tecido, papel, pedra etc., alguns plásticos tendem à degradação em curto período de tempo e isso se deve à sua composição. Na definição de Yvonne Shashoua,

“plásticos são formados por polímeros, também conhecidos como macromoléculas, que são grandes moléculas feitas pela junção de moléculas menores. As propriedades físico-químicas dos polímeros líquidos são modificadas com aditivos e são moldadas para serem convertidos em sólidos com formas dimensionalmente estáveis”1.

A identificação do polímero é a primeira ferramenta para a conservação dessas coleções, no entanto, como identificar o polímero base dentre aproximadamente 50 tipos e mais de 60.000 formulações? (SHASHOUA, 2008). Na maioria das vezes, esse tipo de material é composto por um ou mais polímeros que recebem em sua elaboração aditivos para aumentar a estabilidade e melhorar sua aparência dependendo à que se destina. Esses aditivos podem ser pigmentos, corantes, cargas, plastificantes, retardantes de chamas, proteção contra a luz ultravioleta e antioxidantes. Para além da identificação do polímero base, faz-se necessário então a caracterização dessas complementações nas formulações. Portanto, o ponto de partida para a conservação gera expectativas na necessidade de pesquisa científica e suporte tecnológico para que seja alcançado.

Para Yvonne Shashoua (2008), os testes de identificação podem ser classificados como métodos simples, exames de aparência, medições das propriedades físico-químicas e por técnicas instrumentais. Em alguns casos, a remoção de amostras ou teste em peças de valor cultural não é possível, seja pela dimensão do objeto ou pelo comprometimento da integridade do material, sendo assim, algumas informações como a tecnologia de fabricação (patentes e marcas) ou histórico da peça podem indicar uma primeira identificação.

Os exames de aparência de objetos plásticos propostos por Yvonne Shashoua, ou comumente conhecido como exames organolépticos, são fundamentais e exigem treinamento do conservador. Um odor característico ou um barulho provocado ao toque podem sugerir um tipo de polímero. Appelbaum cita a importância dos cinco sentidos do conservador durante o processo de exame físico de qualquer objeto:

“A visão não é o único sentido empregado durante o exame. Observações táteis são frequentemente cruciais, desde as propriedades condutoras de temperatura de um material até o peso do objeto. Em alguns casos, os sentidos de olfato e audição também fornecem informações úteis. Tocar na superfície de um objeto pintado pode produzir uma variedade de sons que ajudam a localizar vazios ocultos. Muitos objetos “soam” de forma diferente se tiverem descontinuidades significativas. Sabe-se que os conservadores usam o sentido do paladar ocasionalmente, mas não se gabam disso”2.

Uma consulta sobre o tipo e o uso do material plástico, pode ser feita diretamente ao artista. Aqui reside uma prática comum em muitas instituições museológicas, onde os artistas, assistentes, galeristas ou familiares são contatados para uma entrevista, de preferência com estruturação multidisciplinar, que aborde aspectos conceituais, da história daquele objeto, técnico-materiais, de expografia e exibição e de como, principalmente, o artista enxerga as mudanças que esse objeto sofrerá ao longo dos anos e como a equipe de conservação pode atuar para minimizar ou encontrar alternativas de conservação que se alinhem às suas expectativas, trabalhando, obviamente sob questões éticas da profissão.

Todavia, como propõe o projeto europeu Preservation of Plastic Artefacts in Museum Collections- POPART, desenvolvido entre 2008 e 2012 e com a participação do The Getty Conservation Institute- GCI, a medida que novas tecnologias na fabricação e composição de plásticos avançam, se faz necessário desenvolver métodos mais confiáveis de identificação desses materiais, que passam pelas análises instrumentais (LAVÉDRIN; FOURNIER; MARTIN, 2012). A Espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier- FTIR é a técnica não-invasiva3 mais utilizada para a identificação dos polímeros base, no entanto, outros técnicas instrumentais podem ser necessárias para a caracterização dos aditivos como, corantes, pigmentos, plastificantes, cargas etc. Trabalhando com uma gama de amostras de plásticos, denominada SamCo, o projeto POPART pôde formar, utilizando os diferentes instrumentos, um banco de dados como referência para futuras análises, sendo fator fundamental no campo da investigação, conduzindo resultados fidedignos.

Desejando criar uma ferramenta que dispense o uso de técnicas instrumentais, facilitando o trabalho dos conservadores, pesquisadoras do Netherlands Institute Conservation and Art and Science- NICAS, desenvolveram uma metodologia de identificação utilizando um questionário, o Plastic Identification Tool- PIT e um kit, denominado PIT-kit, que contém amostras e testes (PROJECT PLASTICS, 2019). A ferramenta PIT propõe uma divisão dos materiais plásticos em espuma, elastômero, filme e rígido, sendo o último industrializado ou produzido pelo próprio artista. A princípio, sugere ser um instrumento de análise organoléptico, mas se houver possibilidade de remoção de amostras, testes físico-químicos podem ser conduzidos e aplicados.

Tomando um exemplo brasileiro, a Pinacoteca de São Paulo desenvolveu um trabalho de identificação desses materiais em algumas obras do acervo, por meio de testes físico-químicos, com base nos estudos de Yvonne Shashoua e análises por FTIR não portáteis em micro amostras coletadas sob supervisão e também execução de profissional química especialista em polímeros, utilizando como referência o Resin Kit4. Apesar de ser um método invasivo, possibilitou a identificação de grande parte da coleção à época, o que gerou um estudo sobre o perfil do acervo em plástico, estado geral de conservação, estudos de caso, análise das possíveis degradações, dependendo do tipo de polímero; e conhecimento das condições ideais de guarda e exibição (PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2014).

Plásticos mais suscetíveis à degradação

Os fatores de degradação da maioria dos objetos artísticos afetam consideravelmente os plásticos, sendo um esforço da indústria em adicionar componentes às suas formulações químicas, procurando retardar o processo de envelhecimento. Os materiais tendem inevitavelmente a degradar com o passar dos anos, no entanto, a diferença dos plásticos para outros tipos de materiais é que sua degradação é muito mais acelerada e perceptível.

A luz e a radiação UV, o oxigênio, a temperatura, a umidade, os poluentes gasosos e sólidos presentes no ambiente e os produtos químicos são os principais agentes de degradação (WAETING, 2008). Podemos adicionar o estresse mecânico aplicado ao material como mais um fator.

Após um projeto de quatro anos que, envolveu diversas instituições relacionadas ao patrimônio europeu e o The Getty Conservation Institute- GCI, denominado POPART- Preservation of Plastic Artfacts in Museum Collections, alguns plásticos foram considerados pelos pesquisadores como mais suscetíveis à degradação em curto prazo. As características de suas degradações podem auxiliar os profissionais encarregados da salvaguarda dos acervos a identificar o problema e propor soluções de conservação na tentativa de inibir esses processos e de proteger outros objetos que estejam em contato direto ou indireto.

Dentre os materiais mais propensos à deterioração, citados no Damage Atlas pelo (2008-2012), estão o nitrato de celulose (CN), acetato de celulose (CA), polietileno (PE), Polimetilmetacrilato (PMMA), Poliuretano (PUR) e o Policloreto de Vinila (PVC), que são plásticos semissintéticos e sintéticos, como mostra a tabela abaixo.

 

Termoplásticos

Ano

Termofixos

Ano

Semissintético

 

Nitrato de celulose (CN)

Etilcelulose (EC)

Acetato de celulose (CA)

Butirato acetato de celulose (CAB)

 

 

1869

1912

1927

1932

Semissintético

 

Caseína- formaldeído (CF)- Galith, Ivoride

 

 

 

1897

Sintético

 

Cloreto de polivinila (PVC)

Polimetilmetacrilato (PMMA)- Perspex

Polietileno (PE)

Polestireno (PS)

Poliamidas (PA)- Nylon

Politetrafluoretileno (PTFE)- Teflon

Politereftalato de etileno (PETP)

Polipropileno (PP)

Policarbonato (PC)- Makrolon, Lexan

 

 

1930

1934

1935

1937

1938

1938

1947

1954

1958

Sintético

 

Fenol-formaldeído (PF)- Bakelite

Resina alquídica

Uréia-formaldeído (UF)- Bandalasta

Melamina-formaldeído (MF)- Melamine

Poliuretano (PUR)

Poliéster

Resina epóxi (EP)

 

 

 

1907

1926

1929

1935

1937

1941

1943

 

TABELA 01- Plásticos termoplásticos e termofixos. Ano em que foram lançados no mercado ou tiveram a patente registrada. Abreviatura e nomes comerciais. Tradução livre da autora. Fonte: LAGANÀ & OOSTEN, 2010.

 

Seguem as descrições dos polímeros mais suscetíveis à degradação segundo o Damage Atlas do projeto POPART:

Acetato de celulose (CA)- material utilizado para substituir o Nitrato de Celulose, por possuir baixo risco de combustão. Nomes comerciais: Rhodoid, Viscose®, Rayon®, Tricel®. O processo de deterioração mais comum é conhecido como síndrome do vinagre, decorrente da formação de ácido acético, que causa auto degradação catalítica e corrosão de objetos metálicos. Os danos mais comuns são empenamento e retração do material, “transpirações”, eflorescências, bolhas, corrosão de elementos metálicos e cheiro de vinagre causado pela liberação de ácido acético (POPART, 2008-2012). As recomendações ideiais para guarda e exibição: temperatura de 19°C (+/- 2°C); umidade relativa em 50-55% (+/- 3%); evitar incidência de radiação UV e não deve exceder 50 lux quando exposto (WAETING, 2008).

Nitrato de celulose (CN)- sob os nomes comerciais de Celluloid® e Parkesine®, foi criado para a substituição de resinas de origem animal, como cascos de tartaruga, chifres, marfim etc. e como filme para projeções cinematográficas. Possui alto poder de combustão, cuja ignição ocorre pela constituição do material. Quando em processo de degradação libera ácido nítrico, que é altamente corrosivo aos metais próximos ao objeto. Os principais danos apresentados são fissuras, craquelamentos, eflorescências, “transpirações”, fragilizações, tornam-se quebradiços, amarelecimento, corrosão de materiais metálicos e odores ácidos e/ou de cânfora (POPART, 2008-2012). As recomendações ideais para guarda e exibição: temperatura abaixo de 4°C (+/- 2°C); umidade relativa em 50% (+/- 3%); evitar incidência de radiação UV e não deve exceder 50 lux quando exposto (WAETING, 2008).

Polietileno (PE)- utilizado para a fabricação de diversos produtos de uso cotidiano, como embalagens para guarda de alimentos, brinquedos, flores plásticas, containers para lixo, garrafas de bebidas, filmes plásticos para alimentos, sacolas plásticas de supermercado etc. Os nomes comerciais Ethafoam® , Ethylux® , Plastazote®. Os processos de degradação são a oxidação e a foto oxidação, que causam danos como rasgos e dobras, fissuras, tornam-se quebradições e aparecimento de odor de parafina (POPART, 2008-2012). As recomendações ideais para guarda e exibição: temperatura de 18°C (+/- 2°C); umidade relativa em 55% (+/- 3%); evitar incidência de radiação UV, ainda mais pela suscetibilidade à fotodegradação e exposição entre 50-100 lux para materiais translúcidos e 150 lux para materiais coloridos ou opacos (WAETING, 2008).

Polimetilmetacrilato (PMMA)- muito comumente encontrado em placas, pode também ser moldado para a fabricação dos mais diversos objetos. Os nomes comerciais são Altuglas® , Lucite® , Plexiglas® e Perspex®. Por absorver umidade, há uma ruptura no material que produz fissuras e perda de transparência. Outros danos são o craquelamento, riscos e abrasões, esses últimos causados pela baixa resistência superficial (POPART, 2008-2012). As recomendações ideais para guarda e exibição: temperatura de 18°C (+/- 2°C); umidade relativa em 55% (+/- 3%); evitar incidência de radiação UV e exposição até 50 lux para materiais coloridos e 150 lux para materiais incolores (WAETING, 2008).

Poliuretano (PUR)- polímero responsável por uma enorme variedade de produtos, se apresentando como plásticos termofixo, termoplástico ou elastômero (PUR éter e PUR éster). Nomes comerciais: Bayflex® , Elastane® , Lycra® , Spandex®. Os processos de degradação para o PUR éter são a oxidação e a foto oxidação; e para o PUR éster a hidrólise também é um fator adicional. A oxidação e a foto oxidação deixam o material amarelecido e assim que esse processo se inicia não há como detê-lo, mesmo se a peça estiver no escuro. Outro dano é a perda de propriedades mecânicas que causa primeiramente o enrijecimento do material, tornando-o, consequentemente, quebradiço e fragmentado. Outro dano encontrado nesse tipo de polímero é a eflorescência (POPART, 2008-2012). As recomendações ideais para guarda e exibição: temperatura de 20°C (+/- 2°C); umidade relativa em 50-55% (+/- 3%); evitar incidência de radiação UV e não deve exceder 50 lux quando exposto (WAETING, 2008).

Policloreto de Vinila (PVC)- responsável por uma gama enorme de produtos, pode ser apresentado na forma rígida, sem plastificante e na forma flexível, com a da adição de plastificantes. Nomes comerciais Excelon® , Tedlar® , Trovicel® , Tygon® , Verilon®. A degradação mais comum é a migração do plastificante para a superfície, resultando em um aspecto viscoso. O material pode também enrijecer e encolher, sendo que a ventilação acaba por acelerar esse processo. Sob temperaturas elevadas e incidência de luz, pode liberar ácido clorídrico, tornando o material amarelecido e escurecido (POPART, 2008-2012). As recomendações ideais para guarda e exibição: temperatura abaixo de 20°C; umidade relativa em 50% (+/- 3%); evitar incidência de radiação UV e não deve exceder 50 lux quando exposto. Evitar fontes de calor, pois aceleram a degradação (WAETING, 2008).

Pesquisas relacionadas

O desafio da conservação dos plásticos não se limita à identificação e caracterização desses materiais, pois as intervenções nas obras são outro ponto de atenção e se voltam para a tentativa de estabilizar e tratar os sintomas das degradações. As pesquisas avançam a passos lentos devido à gama de polímeros, formulações, a instabilidade de muitos desses materiais e a dificuldade em obter produtos para o tratamento que não os danifiquem.

Para exemplificar essas reflexões sobre a preservação dos plásticos, cito duas pesquisas desenvolvidas pelo The Getty Conservation Institute- GCI, dentro da Modern and Contemporary Art Research Initiative. A primeira, volta-se para o estudo de caso de uma obra, cuja transparência do poliéster era um fator essencial; e que envolveu o artista no processo de caracterização do objeto. Assim como ocorrem em muitas instituições, a entrevista com o artista é importante ferramenta para embasar as tomadas de decisões em relação à conservação da obra. A segunda pesquisa, direciona-se para o desenvolvimento de técnicas de restauração aplicáveis aos poliésteres transparentes, com o uso de diferentes materiais para consolidação encontrados no mercado, intervenções em protótipos e aplicação de testes de envelhecimento.

A primeira pesquisa situa-se no estudo de caso da “coluna cinza” do artista De Wain Valentine. Uma escultura monumental feita unicamente em resina de poliéster, de aproximadamente 3.5 m de altura por 2.5 m de largura, pesando 1.500 kg. Bem como ocorre em diversos museus e intuições de arte, esse estudo aborda de maneira muito semelhante a necessidade de se intervir na peça com a finalidade de exposição, demandando um conjunto de ações, na maioria das vezes organizadas por um conservador para se chegar a esse propósito. O GCI, como centro de referência na ciência da conservação, explora o processo criativo e técnico do artista para viabilizar a apresentação da obra ao público da maneira mais fiel à intenção inicial, de que o material deve ser transparente para transmitir a luz do ambiente.

De Wain Valentine foi um artista americano que utilizou materiais plásticos em suas criações desde a década de 1950 e chegou a dar aulas sobre esses materiais na Universidade da Califórnia em Los Angeles- UCLA. Em 1960, começou a se dedicar a construir esculturas em resina de poliéster, em escala relativamente pequena, pois o intenso calor produzido pela cura da resina criava fissuras e rachaduras no material, sendo necessário, portanto, executar a peça em etapas, depositando a resina em camadas quando objetivava ampliar o tamanho destas (GETTY CONSERVATION INSTITUTE, 2011).

Na intensa busca por aumentar a escala de suas esculturas de poliéster, acabou entrando em contato com a Pittsburgh Plate Glass Company- PPG Industries, que desenvolveu um tipo de resina de poliéster que poderia ser catalisada e despejada em um molde sem a necessidade de muitas camadas e com o resultado esperado pela artista, sem quebras, fissuras e rachaduras. Em 1966, essa resina foi lançada no mercado sob o nome de Valentine MaskKast Resin.

O grande dilema sobre a conservação dessas e de outras peças do artista com o mesmo material é que com o tempo, o poliéster acaba criando em sua superfície imperfeições que deixam a peça com uma aparência rugosa, limitando a intenção do artista em ter um exterior liso o suficiente para a passagem da luz. O poliéster é um material estável, apesar da luz ser um fator importante de degradação, mas que tem pouca resistência superficial, sendo, portanto, suscetível à riscos e arranhões que também comprometem a ideia de uma superfície impecável, desviando a atenção do todo. Questionado sobre a tolerância aos riscos e arranhões, o artista responde:

“Meus trabalhos em poliéster precisam ser impecáveis, por que se há um risco em algum local, tudo o que você enxerga é o risco. A superfície precisa desaparecer o máximo possível, para que você possa enxergar através do interior da peça para o outro lado. Um risco ou outro dano apenas chama atenção para a superfície do objeto”5

Então o impasse para a conservação e exibição da “Coluna cinza” residiu na necessidade de lixar e polir a superfície para se chegar ao resultado desejado pelo artista, o que acabou por remover parte da matéria original, em uma área muito maior do que os danos em si, em uma peça produzida artesanalmente pelo mesmo artista. Uma contradição que coloca de um lado o conceito e a intenção como fatores que trazem sentido ao objeto e do outro a necessidade de preservação do objeto para futuras gerações.

Com o intuito de reestabelecer tratamentos mais adequados e menos invasivos, o GCI organizou, dentro de um Projeto de Preservação de Plásticos, um campo para pesquisas de intervenções de reparo em materiais transparentes como o poliéster insaturado, polimetilmetacrilato (PMMA), poliestirenos (PS) e ésteres de celulose. Como uma comparação ao exemplo do restauro da obra “Coluna cinza” de De Waine Valentine, a pesquisa com poliésteres insaturados, transparentes, moldados e polidos, pretendia encontrar métodos que adicionassem um produto à superfície da obra ao invés de remover matéria ou substituí-la por completo, na tentativa de diminuir o impacto de riscos, abrasões e perdas na leitura estética (LAGANÀ et al, 2014).

Os pesquisadores buscaram examinar, entre produtos industriais comumente utilizados no restauro de vidro, qualidades como solventes que não afetassem o poliéster, compatibilidade entre o adesivo utilizado e o poliéster no processo de envelhecimento, reversibilidade e, principalmente, o índice de refração (IR) próximo ao do poliéster, o que garantiria o sucesso da intervenção no aspecto visual da peça. Dentre os diversos produtos, as resinas epóxis foram as aprovadas para os testes, por terem o IR mais aproximado, mesmo considerando-se que não são reversíveis com nenhum solvente que não agrida o poliéster.

Utilizando técnicas como Espectroscopia no Infravermelho por Transformada de Fourier- FTI, medições dos índices de refração, medições de cores, microscopia e exames visuais, os cientistas puderam medir a estabilidade e capacidade de uso desses produtos, antes e depois de sofrerem ensaios de fotoenvelhecimento. O escaneamento e impressora 3D mostraram-se importantes na abordagem das partes faltantes em protótipos de resina de poliéster. A impressora 3D se revelou uma técnica para ser empregada no uso indireto do preenchimento de uma perda, pois gera um modelo exato dessa perda. No entanto, o material empregado para a impressão não aconselhável como material de conservação de uma peça original, mas pode servir como molde para a fabricação de um outro fragmento em resina epóxi.

Ainda que as resinas epóxis não sejam reversíveis e que seria preciso maior aprofundamento, a conclusão do estudo foi a de que seria possível reduzir o impacto dos riscos e abrasões na superfície dos poliésteres transparentes com a adição desses materiais e que o índice de refração (IR) é um fator essencial para que isso aconteça.

 

Conclusão

Quando se pensa em um acervo artístico de arte moderna e contemporânea é inegável o incansável esforço das equipes responsáveis pela salvaguarda dos materiais plásticos, mesmo com a dificuldade em identificar o polímero e o pouco conhecimento para inibição dos processos de degradação. Apesar das pesquisas ao longo de mais de 30 anos nesse campo, as soluções encontradas para intervenções nos objetos artísticos de maneira segura ainda são tímidas diante da rápida degradação desses materiais. Mesmo os centros de pesquisa avançam, de forma gradual, em busca de produtos para intervenções seguras em obras de arte, pois há que se fazer um recorte relativamente pequeno diante da diversidade de polímeros desenvolvidos pela indústria.

 

Referências bibliográficas

APPELBAUM, Barbara. Metodologia do Tratamento de Conservação/ Barbara Appelbaum; coordenação Mariana Gaelzer Wertheimer; tradução Karina Saraiva Schöder. Rio Grande do Sul: Editora Porto Alegre, 2021. 399p.

GETTY CONSERVATION INSTITUTE. From start to finish: De Wain Valentine’s Gray Column.Los Angeles: The Getty, 2011. 32p. Catálogo de exposição, 13 set. 2011-11 março 2012, Getty Conservation Institute.

LAGANÀ, A.; OOSTEN, T.Working with plastics.In:IIMASTERCLASS, Museu de Serralves, 2010, Porto. 87p.

LAGANÀ, A.; RIVENC, R.; LANGENBACHER, J.; GRISWOLD, J.; LEARNER, T. Looking through plastics: Investigating options for the treatment of scratches, abrasions and losses in cast unsaturated polyester works of art. ICOM-CC, 17th Triennial Conference, 2014, Melbourne. Disponível em: < https://www.getty.edu/conservation/our_projects/science/art_LA/paper_2014_icom_cc.pdf>. Acesso em 25 de setembro de 2022.

LAVÉDRINE, Bertrand; FOURNIER, Alban; MARTIN, Grahan (org.). Preservation of Plastic Artfacts in Museum Collections. Paris: Éditions du Comité des travaux historiques et scientifiques, 2012. 325p.

PINACONTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Acervo em plástico da Pinacoteca. Problemáticas de conservação e restauro. Curadoria de Fernanda Pitta. São Paulo, 2014. Catálogo de exposição. 196p.

PROJECT PLASTICS. Netherlands Institute Conservation and Art and Science- NICAS. 2017-2019. Disponível em: < https://www.nicas-research.nl/projects/project-plastics/> Acesso em 25 de setembro de 2022.

POPART. Preservation of Plastic Artfacts in Museum Collections. 2008-2012. DAMAGE ATLAS. Atlas of case studies presenting typical damages. Disponível em: https://popart-highlights.mnhn.fr/wp-content/uploads/3_Collection_survey/5_Damage_atlas/Damage_atlas.pdf Acesso em 25 de setembro de 2022.

WAENTING, Friederike. Plastics in Art: A study from the conservation point of view. Petersberg: Michael ImhofVerlag GmbH & Co. KG, 2008. 400p.

1 “Plastics are based on polymers, also know as macromolecules, which are large molecules made by joining together many smaller ones. The chemical and physical properties pf liquid polymers are modified with additives and shaped to convert them into solids with dimensionally stable forms”, tradução livre da autora (SHASHOUA, 2008, p.01).

2 APPELBAUM, 2021, p.49.

3 Sem a necessidade de remoção de amostras, mas isso apenas quando se utiliza o equipamento portátil.

4 Amostras industriais de 50 tipos de plásticos produzidos pelo The Plastics Group of America, em Road Island, EUA.

5 “My polyester work needs to be pristine, because if there is a scratch anywhere, all you see is the scratch. The surface needs to disappear as much as possible, so you can look through it to the inside of the piece and out to the other side. A scratch or other damage only draws attention to the object’s surface.”, tradução livre da autora, (GETTY CONSERVATION INSTITUTE, 2011, p.11).

Periódico Permanente é a revista digital trimestral do Fórum Permanente. Seus seis primeiros números serão realizados com recursos do Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010, gerido pela Funarte.

 

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