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Coreografias do cinema expandido: mestiçagem e outras representações

Relato  da fala do artista Isaac Julien “ A coreografia da imagem em movimento: o desejo pós-cinemático, políticas da estética ”

por Emi Koide

 

O artista Isaac Julien inicia sua apresentação identificando seu trabalho como “poética do político” e da experimentação, inserindo-o no contexto do uso da imagem em movimento nas galerias de arte e museus. Para ele, haveria diferenças consideráveis entre a estética e usos da imagem em movimento na cinema e no cinema expandido ou pós-cinema – ou diversas práticas em galerias e espaços fora da sala de cinema convencional.

Segundo Julien, o cinema expandido seria um possível lugar de resistência, uma alternativa ao universo imagético dominante da publicidade ou do mercado, em que a estética poderia também ser política. Por um lado, ele distingue as primeiras experiências do cinema expandido dos anos 1960-70 das realizações contemporâneas, fazendo referência à exposição “Into the light: projected image in American Art – 1964-1977” sob curadoria de Chrissie Iles no Museu Whitney de Arte Americana sobre obras pioneiras no campo do uso de projeções e instalações. Por outro lado, haveria também uma distancia maior hoje entre as instalações com imagens em movimento e o cinema experimental, sobretudo em sua forma de apresentação e possibilidades de interação do espectador.

De todo modo, tal como afirma Julien, as práticas do cinema expandido estão efetivamente cada vez mais presentes na galeria e podemos nos perguntar, em que medida, as instalações com imagens em movimento não teriam se convertido no novo cânone ou na norma do mercado da arte e das grandes exposições. No entanto, para o artista, as práticas inovadoras e contestadoras do cinema experimental teriam migrado para o vídeo e instalações nos anos 90, tendo como marco do fim do cinema independente a morte de Derek Jarman em 1994. Ele destaca ainda o New Queer Cinema como uma prática a experimental significativa que teria transcendido espaços de exibição.

A grande diferença entre o cinema expandido e o cinema seria a influência das tecnologias digitais na experiência do espectador e, portanto, no surgimento de uma nova subjetividade e hábitos de relacionar-se com imagens. Este elemento crucial estabeleceria também as distâncias e continuidades entre as práticas do cinema expandido dos anos 60-70 e as experimentações atuais.  Assim, segundo Julien, a passagem do celulóide do filme para a tecnologia digital teria trazido modificações e reconfigurações determinantes para o aparecimento de novas experimentações e inovações de modo mais amplo e difundido. Deste modo, museus e galerias seriam o lugar privilegiado para intervenções criativas do legado cinemático, não mais confinado à sala de cinema. Haveria neste novo cinema expandido uma  exploração do espaço, do som e das múltiplas projeções possibilitadas pela tecnologia digital que fazem emergir uma outra experiência estética. Portanto, o público da galeria teria expectativas distintas em relação a aqueles da sala do cinema.

Para exemplificar esta experiência distinta do cinema expandido, Julien descreve algumas de suas obras como Fantôme Creole (2005), Western Union: Small Boats (2007) e Ten Thousand Waves (2010). O artista cita o uso crescente de múltiplas telas em projeção simultânea em cada uma das instalações, chegando às nove telas da última obra, juntamente com a construção arquitetônica do espaço através da disposição das telas e da relação com o som. Esta nova configuração busca “quebrar hábitos normativos”: as múltiplas telas trariam outros pontos de vista simultâneos, além de levar ao deslocamento do próprio espectador – tal ambiente carregado de estímulos sensórios traria uma outra experiência cinemática também no que diz respeito à identificação do espectador. Para Julien, tal dispositivo experimental provoca uma experiência nova e intrigante, que estabelece uma outra relação de imagens, sons, espaço e espectador. Além de seu próprio trabalho, o artista cita também a obra da suíça Pipilotti Rist, que teve uma retrospectiva na galeria Hayward em 2011. Tal como Julien, Rist migrou da realização de filmes e vídeo para as vídeo-instalações. O artista destaca o uso do espaço e da arquitetura no trabalho com projeções de Rist em trabalhos como Suburb Brain (1999) ou Lap Lamp (2006), mas poderíamos também notar outros elementos que conversam com a obra de Julien, tal como o tematização de questões que se referem ao gênero, à sexualidade e ao corpo. As imagens projetadas em tais trabalhos desdobrariam uma outra dimensão, escapando da tela e da bi-dimensionalidade.

 

Creolité/ Créolisation

 

O termo “créolisation” ou crioulização não nos é muito familiar e nos parece não ser muito utilizado no contexto brasileiro – salvo na lingüística –   sendo um conceito defendido pelo escritor e pensador martiniquenho Edouard Glissant. No Brasil, a palavra crioulo, no uso corrente da língua designa  uma pessoa negra,  no entanto, sua designação de modo mais geral diz respeito a aquele “que nasceu em países colonizados”,  ou algo que se origina numa determinada região.  Na lingüística, crioulo é a língua que surge da mistura, do contato do idioma europeu com línguas nativas e outras, como é o caso da língua falada nas Antilhas francesas. Glissant, autor ao qual Julien faz referência, denomina como “créolisation” a mestiçagem e mistura não somente de línguas, mas de culturas que dão origem ao inesperado. A música caribenha e o jazz americano seriam resultados da crioulização. Assim, “créolisation” diz respeito um processo de transformação contínua  e aberta  que reagem à uniformização criando algo novo e imprevisível, que se estende ao domínio das criações artísticas e suas diversas linguagens. Se nos anos 30, o conceito de negritude, criado pelo poeta conterrâneo de Glissant, Aimé Cesaire, era importante como contestação contra o colonialismo francês, afirmando uma identidade negra com raízes africanas; nos anos 80, Glissant rejeita a totalização de uma cultura negra única para propor a “creolité” como identidade complexa, diaspórica, mista e ambígua no Caribe. Para o pensador antilhano, a defesa essencialista de uma cultura negra africana pura como raiz é um universalismo generalizante tão problemático como aquela proposta pela cultura Ocidental. Trata-se também de indicar a impossibilidade da existência  de identidades fixas  e enraizadas perante um mundo em crioulização, em que se deve abraçar a instabilidade, as identidades relacionais, móveis e criativas. Para Julien tal ideia de crioulização é central na sua obra e processo de criação. O conceito de “créolité/ creolization” foi um dos temas tratados pela Documenta 11 com curadoria de Okwui Enwezor da qual Julien participou. O artista cria, sem dúvida, uma crioulização de cinema, artes visuais, musica e dança, tratando de temas da diáspora e minorias no mundo pós-colonial.

Assim Julien claramente defende uma crioulização em suas obras, ao afirmar que jamais acreditou numa “estética negra única”, nem na existência de uma separação de uma estética africana e outra ocidental. O artista também localiza seu trabalho dentro do contexto pós-colonial, considerando o legado da modernidade e da colonização, dizendo que “a violência da escravidão exige uma reconsideração de como vamos discutir a modernidade ou a estética  em termos de não contaminação.” Ou seja, a modernidade irrealizada ou os processos diferentes de modernização vividos nos países colonizados e pelas comunidades diaspóricas só podem ser pensadas a partir da mestiçagem e da crioulização. Deste modo, seu trabalho procura efetuar uma “estética de reparação”, tal como ele afirma, no que diz respeito ao discurso e representações sobre a raça e às histórias de grupos marginalizados pelo discurso dominante ocidental. Trata-se  de focar no “outro inapropriado”, tal como nos primeiros trabalhos da realizadora vietnamita Trinh T. Minh-ha, que desconstrói o documentário etnográfico tradicional. O artista também afirma a importância do lugar do desejo e a complexidade que tal componente traz para sua obra, pois ele relaciona a estética da imagem com os possíveis desejos de ver dos excluídos da história.  Pois, toda imagem e estética correspondem necessariamente a um ponto de vista. Neste sentido, ele questionaria também os gêneros cinematográficos e as formas normativas de representação de temas de sujeitos cujas identidades são alvo de questionamento ou que estão colocados fora da história oficial. Haveria uma relação entre imagem, modo de construção da imagem, desejo, estética,  política e representação. Certamente suas reflexões dialogam com o teórico jamaicano Stuart Hall, mas também com a relação entre política e estética de Jacques Rancière.

Para Julien, o que ele denomina como política da estética – que constrói imagens visuais outras – ultrapassa as demandas da política da representação. Criar novas imagens para o artista significa quebrar paradigmas, neste sentido aproxima-se da concepção de Rancière na qual a estética não é um domínio separado da política, mas como  que intervém sobre a experiência do sensível, delimitando “tempos, espaços, o que é visível e o que é invisível”. Nesta relação, a estética das práticas artísticas interferem e modificam a experiência sensível, tornando o que era invisível, visível, reconfigurando o campo simbólico, o tempo e o espaço. Nos parece que é  a esta desestabilização em que o estético participa do político que Julien faz referência.

Neste contexto o artista responde a críticas que apontam uma estilização excessiva em seu trabalho, argumentando que há um realismo e materialismo próprios na obra,  que reflete também sobre a diferença dos desejos daquilo que se espera ver e o que certos espectadores querem ver.  Outra crítica seria a beleza de suas imagens, para trabalhar com temas traumáticos como o naufrágio de trabalhadores chineses em “Ten Thousand Waves” ou mesmo os imigrantes mortos em “The Leopard”. Poderíamos acrescentar que algumas das imagens possuem uma estética publicitária para tratar temas dos excluídos da história, do contraste entre riqueza e pobreza no mundo pós-colonial. Mas para Julien, a questão fundamental é criar imagens que quebrem paradigmas, que criem uma dissociação entre o esperado, o desejado e o visto, trazendo o estranhamento e a surpresa para construir uma estética que seja também política. Desajustar e desconfigurar a ordem estabelecida e o esperado é para ele uma escolha estética e política para propor uma nova experiência do sensível. Ele questiona o modo apropriado ou correto para representar determinados temas e isto faz parte de seu engajamento com a política. Além disso, ele diz que se pode reconhecer marcos estéticos como o do Queer Cinema ou do cinema de gênero em seu trabalho. Pois a imagem carrega em si um poder de construir e determinar estruturas de representação e de significação. Para ele, é na disjunção do normativo e do esperado que a sensibilidade faz da estética uma política e vice-versa.

 

A coreografia da imagem em movimento e o espectador


Julien considera que a percepção e cognição dos espectadores, e de todos nós, passou por uma grande transformação através do uso das novas tecnologias. Ele cita a experiência de navegarmos pela internet com nossos computadores com múltiplas janelas abertas simultaneamente, de diferentes temporalidades presentes, de um outro modo de olhar e criar conexões visuais e textuais entre todas as informações. Sendo assim, sua produção com múltiplas telas dialoga com esta nova percepção, desafiando-a. Haveria assim uma coreografia de telas, imagens e sons em suas obras, como por exemplo em Ten Thousand Waves com suas nove telas. Cria-se uma relação do espaço arquitetônico da sala com as imagens projetadas de outros espaços nas diversas telas. Para além do sentido lateral, trata-se de ocupar o espaço como um todo com telas e projeções. Trata-se de explorar uma espacialidade no sentido mais escultural, já presente em instalações de Bruce Nauman e Joan Jonas, mas através da tecnologia digital. Evidentemente o espectador seria incapaz de olhar todas as imagens ao mesmo tempo, de modo que o espectador deve se tornar um sujeito participante, movendo-se, decidindo em que direção deve voltar o seu olhar. Há várias rupturas e interrelações possíveis em cada ponto de vista escolhido, além de envolver também o tempo da duração de experienciar a obra. A música e a dimensão sonora também seriam fundamentais para esta coreografia da imagem em movimento da qual o espectador participa. Para Julien, sua obra provoca um outro comportamento do espectador, quebrando com hábitos normativos, levando consequentemente a uma outra experiência cognitiva também. Tal experiência seria também a de um cinema imersivo, o artista cita outras experiências tal como o cinema 3D e mesmo a célebre Chegada do trem à estação Ciotat dos irmãos Lumière. Ao mesmo tempo que para ele tal experiência imersiva é encantadora e mesmo estonteante, ela levaria o espectador a ressituar-se, questionando as imagens. Podemos nos perguntar se tal experiência imersiva não seria justamente a realização absoluta do paradigma do espetáculo, contrario à reflexão sobre a imagem e à resistência política e estética que o artista propõe. As imagens grandiosas e belas em alta definição em múltiplas telas não seriam antes a apresentação de um espetáculo na mesma chave da indústria antes de ser uma empreitada de descolonização do olhar? Mas, Isaac Julien defende que este ambiente repleto de estímulos e a alta definição de imagens em projeções sincrônicas possibilitadas pela tecnologia digital levam também a uma desorientação e portanto a um outro tipo de visão e cognição. Para ele há uma relação entre temas de suas obras como a migração de populações do Sul para o Norte, com a própria migração de tecnologias e de linguagens.

O artista falou também de seu interesse pela dança e pela relação entre câmera e coreografia.  Ele cita o uso coreográfico da câmera e a relação com o corpo em filmes de Maya Deren, que para ele traz com lirismo o movimento do corpo através da câmera. Julien menciona a colaboração com o coreógrafo  e bailarino Javier de Frutos nas suas obras  Long Road to Mazatlan (1999) e Vagabondia (2000),  que não são “filmes de dança”, mas propõem uma outra relação entre dança e imagem em movimento, fazendo surgir uma nova representação do corpo. Em Vagabondia, ao tratar o tema da imigração, a dança representaria o fluxo e a viagem migratória. A dimensão coreográfica estaria igualmente presente em Ten Thousand Waves, que se desenvolveu também a partir de diálogos com a curadora Stephanie Rosenthal dentro do contexto da mostra Move: Coreographing You (2010) que foi exposta em Munique e na K20 em Düsseldorf. A mostra buscava explorar a dança como movimento juntamente com o movimento do próprio espectador como uma coreografia, explorados através da câmera  e de uma edição ritmada projetada na tela em relação com a próprio espaço arquitetônico. Para Julien, tal proposta também vai na contramão do que ele denomina como uma “tendência do neoformalismo” e do uso de uma única tela no  cinema expandido que cada vez mais tem se afirmado no contexto das exposições de arte contemporânea no cenário britânico e internacional. Assim, sua proposta de coreografia de imagens em movimento em múltiplas telas desafiaria a sensibilidade e a própria relação cognitiva com as imagens, trazendo uma outra dimensão. Considerando o espectador que possui hábitos do cinema, ao colocá-lo na situação de mobilidade perante múltiplas telas, sua reação habitual seria questionada, levando-o a ver estórias de outro modo, em que a montagem deve ser realizada com a participação do espectador.

Em Fantôme Créole (2005), apresentado primeiramente no Centro Pompidou, que traz quatro telas dispostas em 360 graus, tratava justamente de trabalhar a relação dos espectadores com o espaço. As imagens projetadas apresentam várias localidades e arquiteturas do mundo, sendo que a montagem paralela leva à  construção de significados pelo espectador. Sendo que a disposição das telas e das múltiplas projeções levam o espectador a deslocar-se também assim como as próprias imagens trazem diferentes territórios e fronteiras sendo cruzados. Explora-se a interconexão, a simetria e assimetria das narrativas, apresentando contrastes de paisagens e composições. Julien reitera que a projeção de múltiplas telas com precisão e sincronismo no espaço expositivo da galeria só foi possível com o advento da tecnologia digital. Neste seu cinema expandido, o espectador deve realizar sua própria montagem,  de modo que o artista diz que a “montagem de atrações” – fazendo referência à teoria de Eisenstein na qual atrações se referem a elementos que associados provocam emoções no espectador – seria substituída no digital por uma “edição de atrações”.

 

Geopoéticas – outros territórios, diálogos entre linguagens

 

Tratando do contexto da arte contemporânea no mundo, o artista afirma que para além de uma única arte, existem várias representações do seja arte contemporânea fora do eixo Europa – Estados Unidos. Se a globalização traz uniformidades e homogeneidades, Julien concebe suas obras como uma forma  de resistência, ao se interessar justamente na tensão entre local e global, através de temas da diáspora e da imigração. Ele considera também que nunca houve um único modernismo, mas vários, além de ser um projeto universalista inacabado que ainda pesa sobre as considerações estéticas e políticas.

Julien apresentou também a relação de sua obra com a poesia, desde o filme Lookin for Langston. Também não é à toa que sua escolha recai sobre autores da diáspora. Paradise Omeros (2002), inspirado no poema vencedor do Nobel de literatura Omeros (1990) do autor caribenho Derek  Walcott,  traz uma utopia, em que o paraíso também é habitado por problemas, mas cuja questão é a sensação de pertencimento ao estar em um lugar ou outro. Mas o que lhe interessa no trabalho de Walcott é a presença do mar.  Figura e tema que também estão presentes em muitas outras obras como Ten Thousand Waves.  Novamente, Julien se aproximou do tema  e da cultura chinês através da poesia, desta vez da chinesa Wang Ping.

O artista fala brevemente também de seu trabalho preferencialmente com não atores, citando o seu trabalho com a modelo Vanessa Myrle e o bailarino Stephen Galloway em Fantône Créole. Julien menciona também o trabalho com performance teatral não naturalista de Derek Jarman como uma referência. Para ele é interessante decompor as performances, mesmo ao trabalhar com atores como Colin Salmon no filme Frantz Fanon: Black Skin, White Mask. Ele cita a noção do cineasta Robert Bresson que também trabalhava com não atores, ou como ele denominava “modelos”,  que realizavam suas performances sem pathos.

Uma das questões levantadas durante o debate com a platéia  foi o desvelamento do aparato técnico digital em Ten Thousand Waves, em que a tela verde de cromaqui aparece como mais um elemento compositivo e visual. A cena com a personagem da deusa Mazou sobrevoando, num determinado momento, revela seu próprio artifício, rompendo o jogo de representação. Para Julien, tal cena foi resultado do acaso, da liberdade do processo de criação em que através da realização de muitas tomadas, acabou-se por perceber que o verde vibrante sobre o qual eram inseridas outras imagens poderia ser interessante. O próprio artista se surpreendeu ao se deparar com as imagens e constatar que elas funcionavam na obra. Assim acabou-se por revelar todo o aparato de construção, não somente mostrando o cromaqui, mas também toda a equipe técnica e os cabos presentes na complexa cena do vôo. Julien julga que a liberdade no criação é fundamental para que a poesia possa emergir.

 

Brasil

 

Respondendo a uma pergunta do público que questiona Julien sobre a possibilidade de realizar um trabalho no Brasil, o artista responde que teria grande interesse em realizar algo sobre a cultura brasileira, na qual ele pode perceber muitos traços de crioulização e aspectos próximos de sua cultura caribenha.  Sobre a própria questão da geopoética, desta cultura em que se encontra a tensão entre o local e o global, o artista confessa que desconhecia este aspecto do país. Embora tal ideia de realizar um trabalho sobre a cultura brasileira seja de grande interesse para ele, o artista coloca a necessidade de uma longa pesquisa e de tempo para compreender a realidade local e poder traduzir tais questões da crioulização brasileira para sua obra.  É interessante pensar que embora o conceito “creolité/ créolisation” não sejam conhecidos nem discutidos no país, conceitos similares na cena brasileira tal como  a mestiçagem em Gilberto Freire ou a ideia de culturas híbridas de Nestor Canclini no contexto latino-americano talvez possam trazer diferentes perspectivas ao debate. Além disso, questões como uma outra modernidade ou uma modernidade não realizada fazem parte do debate cultural brasileiro embora muitas vezes não se coloque dentro do contexto das discussões pós-coloniais.

A última questão do debate foi sobre a presença da obra de Isaac Julien em um espaço expositivo público, distinto da galeria de arte, tal como realizado pelo Vídeo Brasil no SESC Pompéia. O artista afirmou seu grande entusiasmo com este outro formato e dispositivo expositivo, em que a obra poderia interagir com um público distinto da galeria e que traria novos desafios e modos de interação. Sem dúvida, as  belas e imponentes imagens de Julien não passaram desapercebidas do público passante. Resta saber que diferentes montagens, olhares e estórias sobre a obra, os espectadores puderam compor.



Doutora pelo Instituto de Psicologia da USP (2011), com tese sobre o trabalho de Chris Marker.  Possui mestrado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP (2003).  Graduou-se em Artes Visuais (bacharelado e licenciatura) pela UNICAMP (1999) e em Filosofia pela USP (2009). Atualmente realiza pesquisa sobre cinema expandido, artes visuais e pós-colonialismo.

Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.  870-871

Ver Edouard Glissant. Introduction à une poetique du divers. Paris: Gallimard.

Entrevista “Pour l’écrivain Edouard Glissant, la créolisation du monde est irreversible” no Le monde, 03.02.2011:

http://www.lemonde.fr/disparitions/article/2011/02/03/pour-l-ecrivain-edouard-glissant-la-creolisation-du-monde-etait-irreversible_1474923_3382.html

Jean-Claude Lebrun. “Edouard Glissant: négritude, créolite, mondialisation” In L’Humanité, 04/02/2011:  http://www.humanite.fr/03_02_2011-%C3%A9douard-glissant%E2%80%89-n%C3%A9gritude-cr%C3%A9olit%C3%A9-mondialit%C3%A9-464298

Jacques Ranciere.  A partilha do sensível. São Paulo: Ed. 34, 2009.

Sergei Eisenstein. Montagem de atrações. In: XAVIER, Ismail (org.).  A experiência do cinema. Rio de janeiro: Edições Graal, 2008. pp. 187-198.

Néstor García Canclini.  Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade . São Paulo: EDUSP, 1997.