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Queermuseu: Finalmente o projeto artístico alcançou seu melhor sucesso.

Por Justo Werlang
Vejo-me aqui na obrigação de parabenizar Gaudêncio pelo sucesso alcançado em seu projeto artístico QUEERMUSEU, projeto por ele pensado desde 2010, iniciativa realizada pelo Santander Cultural e patrocinada pelo banco.

 

QUEERMUSEU não se trata de uma mostra constituída de 263 obras de arte produzidas por 85 artistas, a ilustrar uma possível visão do curador sobre o tema. Trata-se de uma proposta artística em si.

 

As obras, os artistas, o tema, assim como a instituição, o patrocinador, o público, os movimentos sociais, os manifestantes que promoveram atos no espaço expositivo e nas redes sociais, aqueles outros que picharam agencias do banco e ameaçaram promover vandalismos contra as obras expostas e agredir visitantes e equipes, todos nós que estamos nos manifestando pelas mídias digitais, os jornalistas e seus veículos, o prefeito, seu secretário, todos somos elementos constituintes involuntários dessa proposta artística pensada pelo curador. Obras de arte, instituições, pessoas, movimentos, suas histórias e crenças, utilizados sem qualquer cuidado ético como simples elementos constituintes de uma proposta artística pensada por Gaudêncio.

 

Ao se refletir sobre uma proposta artística como esta levada a cabo, analisar a qualidade da exposição é algo inútil e desnecessário. Mais adequado seria observar o pensamento que a ordenou, e nos fez resvalar coletivamente para a polêmica e querelas.

 

Os objetos criados pelos artistas ali expostos tiveram seus significados reduzidos ao script que lhes foi desenhado pelo curador. A descontextualização das obras de suas origens, a exaltação dos propósitos da curadoria, não foram exceções. E também tem seu papel a decisão de praticamente amontoar 263 obras, onde talvez coubessem adequadamente expostas 120 ou 140. Brutalmente desconstruída a individualidade dos objetos de arte, a narrativa curatorial ascendeu a patamar absurdo.

 

A história dos movimentos LGBT, movimentos em que tantos sofreram e ainda sofrem na defesa de suas convicções, liberdades e opções, foi utilizada pelo curador sem maiores pudores. Suas bandeiras, apresentadas como provocações.

 

A instituição, o Santander Cultural, que dedica parte de suas atividades às artes visuais,  entreverou-se no meio de uma polêmica propositadamente criada pelo curador que contratou, e que não prima pela atuação ética, consistentemente demonstrando pouco ou nenhum compromisso institucional.

 

Dado o ambiente que vivemos neste momento no país, não seria difícil prever manifestações e conflitos. Muito menos a quem desde 2010 isto projeta. Agora, é muito triste verificar que as pessoas que estão opinando nas redes digitais, ou organizando manifestações, se contraponham tal qual torcidas de times de futebol, pró ou contra a mostra ou fechamento da mostra, demonizando uns ou outros dos elementos constitutivos dessa única proposta artística, em vez de buscar maiores esclarecimentos sobre as razões dos acontecimentos.

 

Neste ponto o projeto de Gaudêncio parece brilhante, pois oferece oportunidade de refletirmos sobre como somos manipuláveis, ou sobre quão fácil somos manipulados. Como tantos podemos ser manipulados por apenas um, determinado, obsessivo curador.

 

QUEERMUSEU foi concebido absolutamente para causar polêmica, com o objetivo de provocar seu encerramento prematuro. O fechamento da mostra, determinado pelo Santander, é agora notícia publicada no país e no exterior. Os diversos atores involuntários de sua proposta artística, e aqui me incluo, se encontram mobilizados em torno de discussões e disputas. A instituição Santander Cultural, as contribuições que ofereceu durante esses anos desde sua criação à cultura, à cidadania, parece terem sido temporariamente eclipsados. E, Gaudêncio alcançou seu objetivo, virou estrela, sua carreira está salva por mais alguns anos.

 

Mas, ... o tempo passa.