Coleção Brasiliana agora é da Pinacoteca
Museu expõe o que define como a mais importante doação de toda a sua história
Camila Molina
O diretor da Pinacoteca do Estado, Marcelo Mattos Araújo, diz que não é exagero nenhum afirmar que a recente doação da Coleção Brasiliana - Fundação Estudar é a mais importante já realizada na história centenária do museu. Para contextualizar, vale dizer que o acervo conta com quase 500 obras, entre pinturas, gravuras, desenhos e livros centrados no século 19 e realizadas, em maior parte, pelos chamados artistas viajantes, estrangeiros que aqui aportaram e registraram o Brasil e seus habitantes. O século 19 brasileiro é, também, período que justamente a Pinacoteca melhor cobre em sua coleção permanente, é sua especialidade. 'Mas o museu não tinha nenhuma obra dos artistas viajantes e agora é o momento de preencher essa lacuna', diz Marcelo Araújo. Há pouco, em setembro, a Fundação Estudar assinou com a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, mantenedora da Pinacoteca, a doação da Coleção Brasiliana para a instituição. Para marcar o feito, será inaugurada hoje uma exposição no museu que trata de ser uma apresentação geral do acervo.A Pinacoteca já estava funcionando antes como uma 'casa' para a coleção: desde 2003, foi instalado no museu uma espécie de escritório para os curadores e a pesquisadora responsáveis pelo acervo fazerem seu trabalho e ainda duas salas expositivas foram dedicadas a abrigar exposições de longa duração com obras da Brasiliana. Dessa maneira, a coleção estava no museu em regime de comodato, inclusive as obras foram depositadas em reserva técnica aos cuidados da Pinacoteca. Agora, com a doação propriamente dita, as obras são absorvidas pela instituição. Segundo Marcelo Araújo, a idéia é manter a pequena equipe que já trabalha com a Brasiliana há tempos - principalmente, seus curadores-responsáveis, Carlos Martins e Valéria Piccoli - e está acertado que as duas salas expositivas onde já ocorreram mostras com recortes curatoriais específicos do acervo (uma delas, sobre paisagens, Vistas do Brasil, e outra, sobre a figura humana, por exemplo) continuem reservadas para essa finalidade. 'Apenas a sala do escritório não continuará mais', diz o diretor da Pinacoteca. Como ele acrescenta, o título do acervo será mantido: Coleção Brasiliana - Fundação Estudar.
Enquanto a Coleção Brasiliana esteve depositada na Pinacoteca, a fundação foi a mantenedora do acervo. Despesas, salários e verbas para aquisição de novas obras eram bancadas pela Fundação Estudar. Como conta Valéria Piccoli, antes, quando a coleção foi comprada da família do marchand nascido em Minsk, mas radicado em Paris, Jacques Kugel (1912- 1985), pela Fundação Rank-Packard e depois passada para a Fundação Estudar, em 1997, havia, no total, cerca de 280 obras nesse acervo. Com o tempo, ocorreram aquisições - e ela destaca, dentro do novo conjunto, compras, no ano passado, de três volumes de gravuras de Jean-Baptiste Debret e de Maximilian Wied Neuwied, trabalhos que são destaques da atual mostra, além dos mapas de Albernaz, acompanhados de textos descritivos sobre a então Terra de Santa Cruz (obra transformada em livro). 'Muitas das novas obras foram adquiridas no mercado brasileiro mesmo, em leilões', diz ainda Valéria. Agora, a Secretaria de Estado da Cultural será a mantenedora da coleção. Mas, como afirma Marcelo Araújo, existe no contrato de doação a previsão de a Fundação Estudar doar obras para o acervo.
PACOTE
A Coleção Brasiliana - Fundação Estudar é uma preciosidade em se tratando de obras realizadas sobre o Brasil (daí o termo brasiliana) no século 19. Trabalhos feitos por importantes artistas, como Debret, Johann Moritz Rugendas, Nicolas Antoine Taunay, Thomas Ender e Sinety, apresentam imagens de um país e de um povo vistos como exóticos e também como um possível território a ser ainda mais explorado, como já foi identificado. As obras apresentam, ainda, resquícios de um país que foi monárquico (a família imperial está presente em muitas peças). 'A partir de uma avaliação geral do conjunto, formado por grande diversidade de autores - profissionais ou amadores - que se dedicaram aos mais diferentes aspectos do cotidiano e da paisagem, foi possível constatar seu valor histórico e artístico', define Carlos Martins em texto presente no alentado catálogo sobre a coleção, editado em 2006, e que será relançado agora para a ocasião da doação do acervo para a Pinacoteca. 'As brasilianas promovem contínuo deslocamento de pontos de observação e ensinam a admitir a visão do outro', escreve Ana Maria Belluzzo em outro texto do livro.
É curioso porque não se sabe o motivo nem o modo como o marchand Kugel reuniu, na década de 1940, um rico acervo sobre o Brasil. 'Ele viveu em Portugal e é possível que tenha feito lá suas aquisições', afirma Valéria - Kugel foi casado com a poeta portuguesa Merícia de Lemos. 'O colecionador manteve sempre com ele esse acervo, quase não o comercializou', diz ainda a curadora.
Segundo ela, sabe-se que Kugel teve, também, algumas outras obras valiosas, como feitas pelo holandês Frans Post, pintor que fez parte da comitiva de Maurício de Nassau no Recife, no século 17, quando os holandeses colonizaram territórios do Nordeste. Mas não se sabe por que ele comercializou algumas poucas peças. De qualquer maneira, é importante destacar que a coleção ficou quase intacta. Veio para São Paulo como um 'pacote' completo sobre o Brasil do século 19, reunindo não somente obras feitas por artistas estrangeiros, como também por brasileiros que freqüentaram as Academias de Belas Artes na época.
Serviço
Coleção Brasiliana - Fundação Estudar. Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, telefone 3324-1000. 3.ª a dom., 10 h às 18 h. R$ 4 (sáb. a entrada é franca). Até 10/2008