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Relato CICLO V - parte I: El museo sin paredes

Estratégias de aquisição: modelos a estudar , por Paula Alzugaray

O quinto ciclo do Foro Internacional de Expertos en Arte Contemporáneo, que aconteceu no início da tarde de 15 de fevereiro, na feira ARCO’08, em Madri, propôs como tema de discussão o papel do colecionador privado nas políticas de aquisição de arte latino-americana de museus dos Estados Unidos e da Europa. A primeira mesa do programa, intitulada “El museo sin paredes”, pretendia enfocar as formas de negociação entre curadores e comitês de aquisição – formados por colecionadores – nos processos de decisão. No entanto, a ausência de curadores inviabilizou um debate mais aprofundado sobre como a articulação de gostos ou de interesses pessoais pode influenciar a política de aquisição dos departamentos de arte latino-americana dos grandes museus.  

Integraram a mesa, basicamente, colecionadores integrantes dos principais comitês internacionais de arte latino-americana: Tiqui Atencio, membro de diversos conselhos, entre os quais The Solomon R. Guggenheim Foundation, de Nova York, e Tate Modern, de Londres; Solita Mishaan, dos comitês da Tate Modern e do Museu de Israel; Brad Bucher, do comitê do Museum of Fine Arts de Houston (MFAH); Bernardo Arocha, também do MFAH; Juan Carlos Verme, presidente do Museu de Lima, Peru (MALI), e membro do comitê da Tate Modern; Gonzalo Parodi, dos comitês do Musem of Modern Art de Nova York (MoMA), e do MFAH; e Estrellita Brodsky, que apesar de ser apresentada no folder do simpósio como “curadora de arte latino-americana do MoMA”, encontraria melhor definição como mecenas de arte latino-americana e membro de conselhos diretores de grandes museus norte-americanos. Mais que curadora, Estrellita Brodsky foi a principal financiadora do departamento de arte latino-americana do MoMA, de Nova York, criado em dezembro em 2006. A colecionadora empresta seu nome ao cargo do curador do museu, designado por “The Estrellita Brodsky Curator of Latin American Art”, o que é sintomático do estreitamento – e da profissionalização – da relação entre colecionadores privados e o museus públicos.  

A única curadora presente, Beverly Adams, responsável pela Diane and Bruce Halle Collection, uma das mais conceituadas coleções particulares norte-americanas dedicadas à arte moderna e contemporânea da América Latina, foi a mediadora da mesa, mas compareceu apenas com uma breve apresentação do tema e dos palestrantes da tarde. Poderiam ter contribuído imensamente ao debate, por exemplo, Paulo Herkenhoff, curador-adjunto do Departamento de Pintura e Escultura do MoMA, entre 2000 e 2003. Ou o venezuelano Luiz Pérez-Oramas, que substituiu Herkenhoff no cargo e, em 2006, foi nomeado “The Estrellita Brodsky Curator of Latin American Art” do MoMA e atualmente prepara retrospectivas de León Ferrari e de Mira Schendel, para 2009. Ou mesmo Felipe Chaimovich, curador-geral do Museu de Arte Moderna de São Paulo, que estava em Madri para a inauguração do Panorama da Arte Brasileira, evento paralelo à ARCO. País homenageado da ARCO’08, o Brasil teria se beneficiado diretamente de uma discussão que colocou em evidência os recém-criados departamentos de arte latino-americana de grandes museus dos EUA e Europa.  

Na apresentação, Beverly Adams referiu-se ao estado de desenvolvimento da relação colecionador privado/museu, a partir do recente fenômeno dos comitês de aquisição de arte latino-americana em museus como MoMA, Tate e MFAH. O que ficaria claro nas breves palestras de 15 minutos dos sete integrantes da mesa, é a similitude de propostas e de políticas desses comitês, já que a maioria dos palestrantes presentes integram os mesmos grupos. “Graças a essas novas redes de comitês, começam-se a criar vínculos inéditos para os museus na América Latina e podemos estabelecer diálogos produtivos com museus do centro”, afirmou o peruano Juan Carlos Verme. Depois do convite para integrar o comitê de aquisição de arte latino-americana da Tate Modern, em 2006, o presidente do Museo de Arte de Lima (MALI) desenhou uma política de aquisição utilizando como modelo a instituição britânica.  

Desde o ano passado, o museu peruano conta com um comitê formado por mais de 60 membros, que pagam um mínimo de US$ 1500 para aceder ao grupo e constituir um Fundo. A meta é garantir um mínimo de US$ 75 mil anuais, mas esse valor pode subir, em planos específicos, ou leilões. “No caso latino-americano, o que se requer é também uma política de doações, onde colecionadores privados possam deduzir os montantes de seus impostos, para que os museus possam contar com fundos maiores. No Peru, não temos essa lei e o museu se funda de maneira totalmente privada”. A experiência de Verme é um bom modelo de estudo para colecionadores e instituições brasileiras, já que no Brasil, uma das principais queixas dos colecionadores é a ausência de incentivos do Estado para tornar suas coleções públicas.  

“Essa participação na Tate abriria oportunidades para o museu e a arte jovem peruana. Um curador da Tate tem visitado Lima com mais frequência e isso dá uma visão ampliada de nossa arte. Há diversas obras de jovens artistas peruanos que, desde então, foram adquiridas tanto pela Tate, quanto pelo MALI”, afirmou Juan Carlos Verme. Mas sua participação no comitê da Tate não viria a gerar oportunidades apenas para artistas e museu. Ao integrar o grupo, Verme iniciaria também sua própria coleção de arte latino-americana. O que está em jogo aqui é a contra-partida recebida pelo colecionador, a partir do momento que ele passa a integrar um comitê de aquisição ou financiamento. Dessa forma, ele obtém um tipo de informação e de know-how que não adquiriria se permanecesse como colecionador privado, sem vínculos institucionais. “Hoje temos um colecionador mais informado. Isso contribuirá para que as coleções privadas se convertam em públicas. Isto nos dá uma enorme responsabilidade”, observou.   

A formação do colecionador foi outra questão que emergiu em diferentes momentos das palestras. É perceptível a vontade que determinados colecionadores têm de dialogar com curadores: Solita Mishaan é formada em belas artes e Estrellita Brodsky é doutoranda na New York University, com pesquisa sobre sobre Julio le Parc e Jesus Rafael Soto. “Em todos esses museus há grupos curatoriais bem formados. O colecionador pode opinar, mas a decisão final é do curador”, disse Estrellita Brodsky em sua palestra. 

“Em Caracas, as instituições vêem o colecionador como formador de acervo. São os membros do comitê quem decidem o que comprar. Depois, quando me pediram ajuda para formar uma coleção latino-americana na Tate Modern, descobri um alto nível de competência na formação da coleção. Mas minha experiência na Tate e no Guggenheim é que o entusiasmo da curadoria vai mais além das possibilidades de aquisição”, disse a colecionadora Tiqui Atencio, nascida em Caracas e residente em Nova York desde os anos 1980, onde formou uma coleção que considera “eclética”.  

A vantagem do colecionador que integra um comitê de aquisição para um museu público, portanto, é entrar em contato com as equipes curatoriais e beneficiar-se disso na formação da própria coleção. Caso semelhante ao de Juan Carlos Verme ocorreu com Brad Bucher, que iniciou sua coleção há 20 anos, com obras do minimalismo norte-americano, e apenas há cinco começou a colecionar arte latino-americana, após passar a integrar o comitê do MFAH. “Eu e minha esposa conhecemos um novo mundo. Começamos nossa coleção, com cuidado para não disputar com o museu, mas buscando artistas que interessavam ao museu”, afirmou ele, que começou comprando obras do abstracionismo geométrico de Jesús Rafael Soto e da fase neoconcretista de Hélio Oiticica. “A pergunta é: competimos com o museu? Não. Recentemente, adquirimos uma obra que interessava ao museu, com a condição de emprestá-la e doá-la ao museu, no futuro. O interessante desse acordo é que permite ao museu, por exemplo, evitar o tema da armazenação”, sugeriu Bucher.  

O compartilhamento de estratégias e informações, em prol de interesses comuns configurou-se, afinal, como principal foco de preocupação dos colecionadores. Esse foi o tema da palestra do colecionador Gonzalo Parodi, preocupado em dissipar qualquer suspeita sobre quebras de confidencialidade ou duplicidade de estratégias, em casos de “duplo agenciamento” – condição vivenciada por todos os componentes da mesa. “Estrellita comentou sobre as semelhanças entre as grandes coleções. Mas não há evidências de homogeneização nem de conflitos de interesses, hoje. Servimos a diferentes museus, com diferentes missões e processos de tomada de decisões”, começou ele. Na mais técnica das palestras, com uso de infografias, Parodi fez uma breve comparação entre os modelos de aquisição do MoMa e do MFAH. Segundo ele, a principal diferença entre as duas instituições reside no fato de o museu nova-iorquino ter constituído um Fundo.  

“Nós ponderamos sobre a aquisição de obras sugeridas pelo curador de arte latino-americana ou pelos seis departamentos que compõem o museu. O Fundo aprova a compra, mas não determina a decisão final. Essa é uma decisão superior”, explicou. A “diferença importante” em relação ao museu texano é que este não conta com um fundo permanente, mas com um sub-comitê para arte latino-americana, denominado “Mecenas latino”, que tem várias fontes de recursos financeiros. Em comum, os dois museus têm o fato de terem conseguido viabilizar seus departamentos especializados a partir de suas políticas de aquisição. Esse é, efetivamente, um bem comum criado pelo ingresso do colecionismo privado em coleções públicas. Os resultados são perceptíveis. Um exemplo é a aquisição da coleção Adolpho Leirner de arte concreta pelo museu de Houston, em março de 2007.   

Diante da competição que tradicionalmente determina a relação entre museu e colecionismo privado, “compartilhar” foi a palavra-chave, eleita pela mesa redonda “El museo sin paredes”. “Os museus têm hoje um novo conceito de compartilhamento de exposições. Há um novo modelo de aquisições conjuntas, o que nos faz compartilhar custos de produção, seguro etc. Além disso, colecionadores abrem suas próprias alas de museus. O modelo clássico de museu está em transformação”, disse Tiqui Atencio. 

Se as políticas de aquisições têm de alguma forma refletido as posições dos colecionadores, cabe ao colecionismo privado repensar sua relação não apenas com o museu, mas com o sistema da arte. Essa nova percepção é visível quando Estrellita Brodsky empresta seu nome não a uma ala de museu, ou uma coleção, mas a um cargo executivo. É ainda mais evidente quando Gonzalo Parodi sugere que o colecionismo deve apontar para a instituição de bens simbólicos. “Colecionar é um processo continuado. Hoje me dedico a colecionar menos objetos físicos e mais eventos. Idéias, conceitos artísticos, ao invés de adquirir objetos para guardar em minha casa. Mas, sim, invocar um diálogo ativo, que aponte para o futuro da arte. Educar em prol do museu, à parte de interesses pessoais”, afirmou Parodi em rápido debate travado com Estrellita Brodsky, no final do programa.  

Talvez nesse tipo de postura – extravasar a preocupação com os acervos e repensar o papel social do museu – resida o real sentido de um “museu sem paredes”. Tema para um próximo debate, já que neste as preocupações ficaram em torno dos benefícios mútuos entre colecionismo público e privado.