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Relato Crítico: Diálogo e abraço como formas de interseccionalidade

Conferência Internacional Feminismo Negro e Interseccionalidade​: desafios para a luta das mulheres negras nos EUA e no Brasil contemporâneos Museu Afro Brasil e Defensoria Pública do Estado de São Paulo Realização: 29 de novembro de 2018 – Por Marla Fernanda dos Santos Rodrigues

Por Marla Fernanda dos Santos Rodrigues

 

 

 

A conferência internacional "Feminismo negro e interseccionalidade: desafios para a luta das mulheres negras nos EUA e no Brasil contemporâneos", promovida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em parceria com o Museu Afro Brasil, contou com a participação das professoras Patrícia Hill Collins, do departamento de Sociologia da Universidade de Maryland (EUA), ÍsisAparecida Conceição (UNILAB/UFBA) e Eunice Prudente (USP). Mediada pela coordenadora do Núcleo de Diversidade e Igualdade Racial, Isadora Brandão, a conferência já em seu início contou com uma dinâmica de empatia em que se propôs às pessoas presentes darem um abraço naquelas que estavam sentadas ao seu lado, movimento que foi ao encontro do conteúdo da fala das participantes do debate.

Patrícia Hill Collins abordou o tema do encontro a partir da importância de fazermos perguntas em relação a nossas práticas cotidianas e comportamentos, questionando-nos se nossas ações promovem uma abertura para o diálogo. Atenta ao momento político atual tanto

nos Estados Unidos quanto no Brasil, Patrícia Hill repensa seu trabalho e o debate sobre o feminismo negro em paralelo com as transformações contemporâneas. Ao analisar e reavaliar as estratégias de ação adotadas pelo movimento feminista negro, Patrícia Hill recria e propõe novas possibilidades de comportamento e diálogo para a ampliação do debate e da erradicação do racismo, sugerindo revisitarmos nossos modos de pensar. Diante dos atuais cenários políticos que reforçam a polarização de posicionamentos em ambos os contextos, norte-americano e brasileiro, a professora acredita no caminho contrário, defende a expansão do diálogo e do lugar de fala com o objetivo de ampliar e reforçar as redes de atuação.

O diálogo, elaborado a partir da solidariedade, da interseccionalidade e da justiça social, foi constantemente sublinhado como fundamental para a ampliação e fortalecimento das redes de discussão e ação sobre feminismo negro. A interseccionalidade está profundamente enraizada na abertura à comunicação proposta por Patrícia Hill Collins, já que o feminismo negro, atravessa diferentes grupos, uma vez que uma pessoa não é somente mulher negra, mas é dotada de diversas outras características que a enquadram em mais grupos identitários. Desta forma, ao discutir sobre a expansão do lugar de fala para além das pessoas que sofrem diretamente os prejuízos do racismo, a professora propõe o atravessamento do debate por diferentes grupos, o que contribui para a ampliação do entendimento e da tomada de estratégias para a promoção de mudanças.

A reflexão evocada sobre o lugar de fala, parte da visão de que é necessário o diálogo e a compreensão das questões relacionadas ao feminismo negro por pessoas que não necessariamente sejam somente as mulheres negras, já que o racismo se refere não apenas a um indivíduo, mas a uma coletividade. Podemos compreender a coletividade do ponto de vista dos atingidos, mas também do grupo que exerce a opressão, de modo que discutir o racismo é uma responsabilidade de todos, inclusive dos reprodutores de estruturas que legitimam a continuidade de sistemas discriminatórios e racistas. A professora Eunice Prudente fala sobre as diversas formas de cativeiros que nos aprisionam física, mental e psicologicamente, com isso, somos convidados a pensar quais são, onde estão, a quem atinge e quem são os opressores que reproduzem esses cativeiros, uma vez que para tratar e erradicar o problema é preciso identificá-lo. Estes questionamentos são propostas de reflexões em esferas macro e micro-políticas, pois nos convidam à revisar nossos pensamentos e comportamentos enquanto sujeitos e enquanto coletivo.

Ainda conforme o posicionamento de que o feminismo negro pode e deve ser debatido também entre aqueles que não fazem parte deste grupo, Patrícia Hill defende que as pessoas sensibilizadas e informadas sobre as questões do feminismo negro devem abordar o

assunto nos espaços que ocupam, já que existem lugares não ocupados por mulheres negras e que, no entanto, são passíveis de transformações uma vez que se construa este diálogo. Mesmo que não atingidas diretamente pelo racismo, estas pessoas seriam braços de atuação do movimento feminista negro, ao expandir canais de comunicação sobre o tema. Isis Aparecida, ao mencionar a existência de grupos de discussão sobre negritude na Suécia, relembra que não somente corpos, mas que ideias viajam, posicionando-se de acordo com a estratégia apresentada por Patrícia Hill.

As estratégias delineadas pela professora norte-americana de Sociologia, propõem ações que não se restrinjam somente ao movimento feminista negro, mas alcancem o debate de outros grupos reunidos em função de preconceitos de identidade. Neste sentido, sua própria fala está carregada de um pensamento interseccional, que não polariza, mas pelo contrário, acredita na conexão de grupos com aspectos em comum, mesmo que com posicionamentos diferentes, considerando que o racismo se manifesta sob diferentes formas conforme as múltiplas camadas identitárias a que pertencem os indivíduos. Um exemplo utilizado pela socióloga Núbia Regina ilustra esta situação, que é: quando uma mulher negra acadêmica circula no espaço da universidade ela é lida de uma determinada maneira pelo grupo ali presente, já quando esta mesma mulher está no transporte público, são outras camadas de identidade que atravessam a leitura de seu corpo, pela das pessoas que ocupam este lugar. Este exemplo apresenta a necessidade e urgência da discussão sobre feminismo negro ampliando as possibilidades de olhar e compreensão sobre os corpos.

Quando se posiciona em relação a uma necessária abertura da discussão atravessada por uma diversidade identitária, Patrícia Hill fala de uma ‘solidariedade flexível’, que se refere à flexibilidade para trabalhar de maneira fluida com pessoas ou grupos de ideologias diferentes. Esta é uma abordagem que busca pensar a flexibilidade como uma possibilidade para a solidarização e criação de alianças a partir de aspectos e interesses que se interseccionam, estimulando a articulação e conexão entre lutas intelectuais, políticas, culturais e sociais mais amplas. Em correspondência com a ideia de justiça social, a solidariedade flexível convida ao aprendizado pela escuta de pessoas que não se sentem autoridades de suas próprias vidas. Deste modo, tanto a Patrícia Hill quanto a professora Eunice Prudente, abordam a necessidade de uma ação política de descolonização, a criação de discursos que sejam acessíveis às pessoas, para transformar dimensões de compreensão de si e da realidade. Neste sentido, Patrícia comenta sobre a importância sobre a liberdade de se produzir reflexões teóricas não necessariamente ligadas à universidade, mas que possam dialogar com outras pessoas.

Quem são as pessoas que precisam ouvir novas ideias, ver novas imagens, pensar suas vidas de uma maneira nova? Ao lançar estes questionamentos, Patrícia Hill aborda a marginalização de pessoas em relação à reflexão sobre o feminismo negro, tanto por mulheres negras, que socialmente excluídas não acessam outras possibilidades de repensar suas vidas, quanto por pessoas não atingidas pelo racismo, que por razões diferentes, não têm contato com os debates sobre o assunto. Como ampliar os espaços e as formas de discussão sobre o feminismo negro de modo que pessoas possam repensar suas existências, revisitando suas atitudes e percepções sobre a realidade? Este pensamento, reforçado constantemente na fala de Patrícia Hill Collins e abordado por Eunice Prudente e Isis Conceição, vai ao encontro da empatia proposta na dinâmica realizada no início da conferência, em que o abraço foi a comunicação universal, uma metáfora para um pensamento estratégico que propõe a ampliação do diálogo sobre feminismo negro com mais pessoas a partir de diferentes canais, ou seja, de forma interseccional.