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Relato Mesa 3: História Oral, Memória e Subjetividade

1º Encontro das Ações Educativas em Museus da cidade de São Paulo - 15/08/2006, por Adriana Mortara
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Revelar e tornar visível o que insistentemente tentamos esquecer e/ou esconder. Essas são algumas das contribuições que a história oral e algumas exposições e ação educativa em museus têm trazido para a população tanto da cidade como de fora.

A terceira mesa do 1º Encontro de Ações Educativas da Cidade de São Paulo reuniu profissionais com larga experiência na pesquisa em história oral e na educação em museus. Em comum, eles têm a memória social como objeto / sujeito de suas atividades.

Ao introduzir a temática da mesa, Lucia Helena Gama enfatizou alguns marcos importantes do desenvolvimento e valorização da história oral desde os anos 1970: no início veio responder ao desejo de fazer a “história de quem não pode contar sua história”, valorizando o depoimento oral e a diversidade cultural contra a história “cartorial” das elites baseada em fontes escritas; os anos 1980 foram marcados pela busca de técnicas e formas de trabalhar as “histórias de vida” trazidas por meio de depoimentos e pela inserção destes depoimentos no que se denominava “memória social”; o Congresso “Direito à memória” realizado pela Prefeitura de São Paulo no início dos anos 1990 afirmou a importância da história oral como forma de valorizar e tirar do esquecimento a memória do cidadão comum.

Uma das questões que persegue os pesquisadores da área de história oral é a subjetividade, pois o depoimento oral é sempre singular, nunca se repete, mesmo que a mesma pessoa decida falar sobre o mesmo tema nunca será igual. Em suas pesquisas no Museu da Imagem e do Som e agora na Biblioteca Mário de Andrade, Daisy Perelmutter busca enfrentar a questão da subjetividade que é intrínseca ao processo de trabalho do historiador, mas ainda mais evidente quando se está no campo da história oral.

Daisy lembrou ainda que o depoimento é a somatória da narrativa falada com toda a polissemia corporal, das expressões faciais, os gestos, a postura, que comunicam muito além das palavras. Daí a importância do pesquisador participar de todo o processo de construção desde os depoimentos até a sua interpretação pelo depoente até a reinterpretação e análise do próprio pesquisador.

Felipe Torres destacou que o trabalho desenvolvido pela equipe da Divisão de Iconografia e Museus do Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo é voltado para o “resgate da cidadania cultural de sujeitos historicamente subordinados” no sentido de fazer com que a memória esteja entre os direitos dos segmentos sociais excluídos.

Por meio de projetos pilotos com comunidades os pesquisadores já constituíram um acervo de mais de 550 fitas cassete. Entretanto mais do que somente construir um acervo, a ação dos pesquisadores constitui-se em uma intervenção cultural que permite dar visibilidade para grupos sociais marginalizados da história. Nesse sentido há uma opção por trabalhar principalmente com oficinas de grupos nas quais as impressões pessoais são partilhadas e há uma construção coletiva.

Ana Lúcia Lopes e Denise Emerich apresentaram suas experiências como educadoras em dois novos museus da cidade de São Paulo. Ana Lúcia salientou que a ação educativa tem uma luta diária contra a visão hierarquizada da “memória sub-representada e inferiorizada” de tudo que se refere à matriz negra. Para esse combate, há uma clara opção de valorizar, prestigiar e reconhecer a competência de indivíduos e grupos negros que participaram e participam da construção da cultura, da economia e de diversos setores do país, representados no percurso da exposição de longa duração. A oralidade, disse Ana Lúcia, foi fundamental para as comunidades negras no Brasil manterem sua memória coletiva e suas formas de resistência e na visita monitorada ao Museu Afro-Brasileiro, todos os grupos de visitantes são acolhidos com uma história contada, seja da tradição brasileira, seja originária de reinos africanos. Os visitantes são introduzidos ao universo do Museu Afro por meio da oralidade tão importante para a memória dessas comunidades.

No museu mais recente da cidade de São Paulo (inaugurado em 20 de março de 2006), o Museu da Língua Portuguesa, a equipe de educação procura orientar os visitantes para a reflexão sobre as diversas leituras propostas pelas exposições. As exposições pretendem fazer que as pessoas se “surpreendam e descubram aspectos da língua que falam, lêem e escrevem, bem como a cultura do país em que vivem...”.

Pesquisadores, museus e educadores estão revelando, dando visibilidade para pessoas, grupos e elementos de nossa cultura que a “história oficial” sempre tentou esconder e esquecer.

Interessada em saber como seria a melhor maneira de divulgar essa “memória social” registrada em fitas, vídeos ou transcritas em exposições museológicas solicitei que os convidados se colocassem. Felipe considera que a ação / intervenção junto às comunidades que estão dando visibilidade às suas memórias é mais importante do que sua divulgação para grandes públicos. Eventualmente a disponibilização do banco de dados pela internet seja um dos caminhos para a divulgação. Já Lúcia Helena Gama sugere que sejam pensadas maneiras alternativas de musealização deste acervo e indica dois exemplos recentes que considera positivos: a exposição sobre o Teatro Arena baseada em depoimentos apresentada no instituto Tomie Othake e a inserção de depoimentos sobre São Paulo em alguns módulos da exposição Terra Paulista apresentada no Sesc Pompéia.

No debate, uma educadora da Divisão de Iconografia e Museus (DIM) quis se colocar como “cidadã, mãe e avó” ao perguntar a Ana Lúcia quais seriam os motivos da grande atração do público pelos instrumentos de tortura de escravos, relatada pela educadora. Estaria um sentimento de culpa por trás disso, ou seria a emergência da violência em nossa sociedade atual?

A visão do negro como inferior tão forte durante a escravidão parece ser uma dos motivos da atração por tais instrumentos, na opinião de Ana Lúcia. Os educadores, por sua vez, não se furtam a mostrar essa parte da exposição, mas fazem de forma rápida, para valorizar aqueles aspectos que prestigiam a produção inteligente e criativa dos negros.

A educadora da DIM também provocou Denise Emerich para explicar as razões da equipe de educação do Museu da Língua Portuguesa ter sido contratada apenas alguns dias antes da inauguração problema que havia sido bastante discutido na primeira mesa do Encontro sobre ação educativa em museus. Trata-se da necessidade de valorizar o trabalho do educador de museu e fazer com que ele participe do processo de concepção de exposições desde seu início, para que os aspectos pedagógicos sejam valorizados na versão final da exposição e de toda a programação que a envolve.

No caso do Museu da Língua Portuguesa, a diferente gestão explica, em parte, a situação: foi concebido e gerido pela Fundação Roberto Marinho até sua inauguração e depois passado para a tutela direta da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Antes da abertura, a Fundação realizou cursos para mais de 4000 mil professores da rede pública do Estado e agora é a equipe coordenada por Denise que executa a ação educativa. Sendo assim, ainda estão experimentando e aperfeiçoando as metodologias e conteúdos da ação educativa.

Muitos caminhos ainda têm que ser percorridos para a devida valorização da ação educativa e para as memórias sociais registradas e analisadas pela história oral nos museus, e eventos como esse no qual esta mesa se insere são parte deles.

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