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Relato Crítico: Conferência Internacional Luigi Di Coratto, Diretor da Fondazione Brescia Musei

Relato por Beto Shwafaty
Coordenação: Gilberto Mariotti

19/07/2018 | 11h30 |  Auditório Simón Bolívar

Conferência Internacional

Luigi Di Coratto, Diretor da Fondazione Brescia Musei

 

Luigi Di Coratto, diretor da Fondazione Brescia Musei inicia sua fala apontando a dificuldade de criar relações entre as esferas publica e privada em relação a gestão de bens culturais, e coloca que o objetivo de sua apresentação é complexo, sendo dividido em quatro partes:

 

 

  • Uma exposição sobre as oportunidades de desenvolvimentos estratégicos nos museus;(uma metodologia novo, que possui 20 anos de existência e não é sistematicamente utilizado nos museus);

 

  • Abordar as boas práticas entre público e privado na Europa (ampliando sua fala para outras experiências do continente europeu);

 

  • A reforma do Ministero per i Beni, Attività Culturale e Turismo;

 

  • E por fim a experiência da BresciaMusei (Fundação de Museus em Brescia), na Italia.

 

 

Assim, Luigi passa a tratar dos objetivos dos museus hoje, desde a definição de que esse deve estar a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento[1], até uma noção de desenvolvimento multidimensional mais ampla, que aborde as áreas da educação e da cultura assim como também as dimensões econômicas e sociais (incluindo questões ambientais) dos contextos que o atravessam. Ele frisa serem esses os eixos primordiais a serem desenvolvidos pelas entidades museológicas, pois em caso contrário, o museu corre o risco de tornar-se um depósito de coisas bonitas, e talvez bem organizadas.

 

Di Coratto frisa que o emprego de metodologias ligadas à noção de Desenvolvimento Estratégico é de extrema importância hoje, o que significa entender o museu como uma das alavancas de crescimento para uma determinada comunidade, principalmente a respeito de traçar objetivos internos e externos, definidos e partilhados em função de um desenvolvimento coletivo desejado para longo prazo. Desenvolver estrategicamente é então, desenvolver sistemas amplos, onde pode-se incluir aqui os museus.

 

Na Europa, Luigi cita as mudanças que vem ocorrendo nos sentido de planejamentos estratégicos em diversos museus. Um dos fatores ligados a tal prática, por exemplo é o fato de muitos museus não serem mais concebidos como locais para experts, que se baseavam em experiências e narrativas estéticas fechadas em si mesmas, mas sim aparelhos públicos abertos às comunidades. Hoje, segundo Luigi, o museu é chamado a  ampliar-se para fora de seus contextos mais imediatos, e a gestão estratégica pode auxiliar exatamente nesse desafio, e ainda mais, na construção das relações inerentes à essas instituições que englobam os diálogos entre esferas pública e privada. Ele aponta ainda que não há modelos fixos a seguir, e sim, deve-se trabalhar como um alfaiate que ajusta e modela cada situação, sempre tendo no horizonte os objetivos, tanto de longo como de médio e de curto prazo.

 

Ele diferencia o Desenvolvimento Estratégico do Planejamento Estratégico[2], sendo que o primeiro esta mais conectado à ideia de definir um tema ou campo unificador de atividades, um campo que de coerência e unidade às direções e ações de uma organização. Luigi também aponta que o desenvolvimento estratégico se relaciona a uma consciência do contexto externo no qual uma organização opera e do ambiente interno que a mesma coloca em prática para alcançar os objetivos traçados. Ou seja, é um instrumento para alcançar sinergias e objetivos comuns e transversais.

 

De Coratto cita um projeto que esta tentando realizar, que se relaciona com a grande crise humanitária dos imigrantes que cruzam o mediterrâneo. Ele aponta que a entidade o faz, não porque “queremos ser bons” mas porque “somos públicos”, e assim devemos estar disponíveis e acessíveis à todos, sem nenhum tipo de exclusão. Ele aponta ainda que o foco das atividades e programas dos museus não deve-se restringir apenas `aqueles que vem ao museu, mas à toda a sociedade, pois é essa e os cidadãos que a compõem que financiam a vida das instituições públicas.

 

Assim, o desenvolvimento estratégico parece ser uma nova forma organizacional, um exercício de pensar (e agir) através de um instrumento de cunho corporativo que traz todo um sistema de práticas para fomentar a conscientização do papel e da atividade do museu como lugar público, para assim, atingir os objetivos públicos primeiros dessa tipologia de instituição.

 

Por fim, ele faz um paralelo entre o desenvolvimento estratégico no âmbito das empresas e da cultura. No primeiro caso, as sinergias são voltadas para ampliar a capacidade da própria empresa, sua atuação, eficiência e lucros. No caso da cultura, as atividades voltam-se para os diversos contextos que atravessam o museu no sentido de fomentar o desenvolvimento de comunidades, de valores a serem partilhados, de narrativas públicas que abordem temas de interesse coletivo. Pois, aponta Luigi, ao final a grande capacidade do museu não está apenas em administrar a vida de objetos e histórias, mas reside sim na gestão de conhecimento, dos significados e valores gerados por esses. É na potencialidade de transferência de significados para as comunidades que participam do território – a fim de trazer maior consciência e criar um valor comum de civilidade – que reside um dos pontos chave da atuação de museus, como destacados por ele.

 

Em sua fala subsequente, Luigi também trata das parceiras com os entes privados, esfera que ele incluí também os cidadãos. A esse respeito ele aponta que é necessário encarar essa esfera não apenas sob a ótica da fonte de financiamento (mencionando os patrocínios de empresas, as campanhas de marketing), mas sim, como um campo no qual pode-se estabelecer parcerias mais sólidas, numa espécie de economia de colaboração entre formas de gestão direta e indireta no âmbito dos museus.

 

Para ilustrar sua fala, que até esse ponto baseava-se em diversos eixos teóricos (e por vezes um pouco genéricos), De Coratto apresenta alguns casos concretos sobre os modelos que ele mencionou, apresentando alguns casos relativos a outros museus europeus, como o Rijiks Museum[3] da Holanda cuja gestão foi privatizada no passado recente, ou o Kunsthaus Zurich[4] na Suíça que surgiu oriundo de uma associação de artistas no século XVIII.  Não adentrarei nos detalhes de cada caso, mas basta apontar que os casos trazidos ilustravam de forma muito linear e clara os conceitos teóricos trazidos pelo palestrante. E em alguns dos casos, pudemos ver a explanação dos problemas, limites e desafios que surgem na implementação das metodologias citadas, das formas de planejamento assim como nas relações entre as esferas pública e privada.

 

A segunda parte da apresentação focou em dois outros assuntos: a reforma do Ministero per i Beni, Attività Culturale e Turismo que permitiu a constituição de uma nova direção de museus dentro do próprio Ministério, e posteriormente, ele tratou de alguns pontos sobre o que vem sendo desenvolvido no âmbito da Brescia Musei, fundação de museus da qual ele faz parte.

 

No primeiro tópico, ele forneceu um panorama sobre a organização, localização geográfica e de atuação cultural dos museus e localidades similares (que englobam parques arqueológicos, museus, castelos, burgos e similares) na Italia. Luigi frisa que a reforma ministerial produziu um fato importante, a constituição de uma direção geral de museus cujo foco principal seria a possibilidade de administrar de forma independente o grande patrimônio cultural nacional, outrora gerido por entidades publicas locais e sem muito contato ou dialogo entre as mesmas.

 

No caso da Brescia Musei, Luigi apontou o importante trabalho realizado em conjugar a cultura e o patrimônio tradicional da cultural italiana antiga à outras vertentes culturais, sejam essas modernas ou mesmo atuais. Ele contextualiza economicamente o contexto sociopolítico onde se encontra a cidade de Brescia, região que concentra boa parte da industria de armas do país, assim como é um polo produtor de alimentos e de aço. Ele então passa a tratar da Fundação Brescia Musei, que se tronou uma entidade privada, uma S/A  (sociedade anônima) com cotas e ações entre entidades e outros atores, sejam públicos ou mesmo privados (citando, por exemplo, a participação de outras fundações, da câmara de comércio, entidades do setor industrial, de energia e bancos). Após alguns anos, dada a dificuldade desse modelo S/A em captar recursos junto ao setor privado, essa entidade tornou-se uma fundação, que passou a administrar muitos do museus da região. É importante lembrar, diz ele, que esse modelo esta sendo bastante difundido na Italia: comumente denominado “gestão de patrimônio cultural com controle público e participação privada”, sendo que cada região possui uma forma de gestão e participação muito particulares, por vezes contando com atores públicos e outras, apenas com atores ou entidades privadas.

 

No caso especifico de Brescia, estão sob tutela da fundação inúmeros aparelhos culturais, como Museus, Castelo, Cinemas e ate mesmo um Giardino (Jardim publico). Luigi apresenta os números dos resultados da gestão da Fundação, que impactou de forma “positiva” os mais variados setores, como serviço educativo, o aluguel de espaços, o fund raising, o número de visitantes, quantidade de obras de restauro, assim como aumento das receitas oriundas da livraria e  bilheteria. Ele também aponta os desafios de gerir os museus, em uma região que não é reconhecida pelo mercado como potencial polo turístico. Ainda dificultam a atuação a falta de divulgação da cultura local por parte da imprensa, assim como um certo imediatismo dos tempos dos programas culturais que por vezes são alinhados aos tempos mais curtos das gestões políticas, fato que prejudica os planos de longo prazo e coloca muitas vezes o planejamento em descompasso com as necessidades das comunidades e dos demais interessados.

 

Toda a apresentação de Luigi pode ser lida sob a ótica da implementação de métodos gerenciais e organizacionais utilizados no âmbito de empresas, adaptados e transformados para atingir objetivos específicos voltados à natureza das atividades culturais dos museus e órgãos afins. Termos como gestão compartilhada, construção de redes, privatizações, organismos autônomos, entrega de serviços, voluntariado, empresas, associações, fornecimento de expertise e conhecimento administrativo surgiram inúmeras vezes. Apesar de muito clara, teoricamente embasada, com informações e detalhes sobre os elementos em jogo, sua fala seguiu um padrão mais positivista e pouco surgiu em termos de problemas e desafios reais mais concretos que pudessem tornar, talvez, toda a narrativa metodológica um pouco mais concreta e palpável para um público mais amplo, expandindo a discussão para além do universo especializado dos gestores de museus.

 



[1] http://archives.icom.museum/definition.html

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Planejamento_estrat%C3%A9gico

[3] https://www.rijksmuseum.nl/en

[4] http://www.kunsthaus.ch/en/