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Encontros com artistas e arquitetos: Fórmulas utópicas para o MAM

Relato de Mesa de debates que integra o programa do 33º Panorama de Arte Brasileira do MAM.

Por Joana Barossi

 

Encontros com artistas e arquitetos
Fórmulas utópicas para o MAM 1/3
participantes: Marcelo Morettin e Rodrigo Cerviño
mediação: Lisette Legnado

A curadoria do 33º Panorama apresenta três mesas redondas com a participação dos arquitetos que propuseram projetos utópicos para a nova sede do Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM. Esta iniciativa de certa maneira provoca a instituição a se posicionar criticamente frente ao lugar e a maneira como opera, mas também pretende ir além do MAM e discutir a natureza do museu hoje.

Por que envolver arquitetos no Panorama? Segundo a curadora, a exposição já cumpriu alguns ciclos, não é mais um meio de aquisição para a coleção como era em 1969 quando o museu foi criado, não é mais separado por linguagens – gravura, pintura, tridimensionalidade – e tampouco é voltado apenas para a arte brasileira. O que faltaria ao museu? Os arquitetos, portanto, entram para alimentar a discussão sobre a instituição e seu programa, a natureza de sua coleção e a relação desta com o parque e com a cidade.

Marcelo Morettin, sócio do escritório Andrade/Morettin, dedicou seu preâmbulo a argumentar que o desígnio do projeto apresentado é a congregação de pessoas e por esse motivo faria sentido que a nova sede do museu permanecesse no parque, reafirmando seu valor histórico e de permanência, e deveria ser um edifício consolidado e único, não diluído. Este prédio teria o propósito de conectar a estrutura paisagística ao complexo de edifícios modernos e seria um articulador da programação cultural do parque. Aproveitando-se da topografia, a nova sede do museu se implantaria no terreno subterraneamente, com um pátio central aberto, inundado por um espelho de água. Retangular, paralelo ao prédio da Bienal, se conectaria numa extremidade à marquise moderna e na outra se abriria para o lago num mirante. As galerias de exposição e os outros programas estariam dispostos de forma flexível ao redor do pátio. Segundo o arquiteto, o edifício não se comportaria como um volume mas como um vazio, não se revelaria como forma, mas como espaço.

Comentou também que dedicou parte relevante do trabalho para fazer desse projeto um objeto de exposição e assim comunicá-lo com o público.

Rodrigo Cerviño, por sua vez, descreveu o partido do projeto desenvolvido pelo escritório Tacoa a partir da ligação da marquise do parque com a nova sede do Museu de Arte Contemporânea – MAC. A ambição do projeto, segundo o arquiteto, é juntar novamente, do ponto de vista físico, as três instituições, MAC, MAM e Bienal. O edifício promenade proposto pelo escritório teria três entradas, sendo uma delas implantada onde hoje está o MAM – o que implicaria sua demolição–, se desenvolveria numa galeria enterrada, passando por um edifício de pé direito altíssimo, reservado às exposições de grandes instalações, e terminaria saltando sobre a avenida 23 de maio e culminaria num edifício administrativo conectado ao MAC.

Provocados pela curadora a respeito do purismo nas formas apresentadas e difícil visualização da vivência nesses espaços, os arquitetos contestam que o maior determinante das qualidades espaciais de um lugar será sua ocupação. Argumentam que o museu deve ser suficientemente neutro, ter um grau de indefinição que possa acolher as muitas demandas futuras. Ao fim do debate, foram discutidas algumas questões a respeito da presença da arquitetura – neutra ou afirmativa – nos espaços dedicados à exposições de arte, os percursos internos dos edifícios e a função do desenho expográfico.

Os dois projetos apresentados dialogam com o parque, com a localização atual do MAM e deliberadamente ignoram os empecilhos legais que o as leis patrimoniais representam. São autênticas experimentações arquitetônicas visuais e espaciais, há uma desejo ideal de museu, sem dialogar diretamente com a situação política institucional do MAM.

 

Encontros com artistas e arquitetos
Fórmulas utópicas para o MAM 2/3
participantes: Ângelo Bucci e Anne Save de Beaurecueil
mediação: Ana Maria Maia

 

A seguinte mesa, segundo a mediadora Ana Maria Maia, tem uma dimensão mais discursiva e dialógica, visto que ambos participantes têm uma atuação arquitetônica pautada também pela experiência como professores.

O escritório Subdv, representado por Beaurecueil, apresenta a proposta de um museu mutante; não se trata de um edifício, senão de um processo, uma série de alternativas que pudessem ampliar as possibilidade de conversa tanto com a curadoria quanto com o público da exposição.

O processo consiste na análise dos elementos arquitetônicos – circulações, acessibilidade, superfícies etc. – dos edifícios do MAM de São Paulo, Rio e Salvador. Segregam-se esses elementos e de maneira hiper-didática, os reagrupam numa nova configuração espacial: a esta operação o escritório dá o nome de arquitetura genética. Utilizam-se dos princípios da genética, de cujos genótipos – informações hereditárias dos três museus existentes –, através de um ménage à troi, derivariam infinitas possibilidades de fenótipos, de edifícios que pudessem responder as novas perguntas, contextos e problemas. Após as análises dos elementos físicos de cada museu, Anne comenta sobre a experiência achatada que propicia o atual MAM São Paulo, escondido sob a marquise, desarticulado do entorno. O escritório ao final propõe um fenótipo, que parte do pressuposto de que o MAM deveria expandir os seus limites físicos e visuais a partir de “movimentos topológicos”, com uma arquitetura que se acoplaria ao museu transformando-o. Reforçando o eixo vertical e valorizando o espaço público, o novo museu estaria no subsolo onde poderia expandir sua área expositiva atual. O térreo seria totalmente público, à exceção dos acessos das rampas que propõe uma continuidade espacial entre o exterior e o interior, que levariam tanto ao museu quanto a um terraço sobre a marquise.

Já o escritório de Ângelo Bucci é ambicioso a respeito do Ibirapuera como um todo, como um parque urbano, construído, que tem sua vitalidade também por conta dos edifícios. Lembra que atuar sobre este parque é difícil por conta da herança patrimonial que ele carrega – mais pela presença imponente de seus edifícios do que pela inviabilidade legal. Para Bucci, a nova sede do MAM teria que entender seus precedentes e por isso as premissas do projeto resultam desse contexto específico do parque, pensam um edifício que acumule experiências arquitetônicas e se misture com o que havia antes. Bucci descreve, sobre uma foto aérea, a implantação dos edifícios de Niemeyer e as várias réguas que eles representam. A partir dessa implantação, identifica um quadrado perfeito cuja aresta teria 750m, que circunda todos os prédios. Este quadrado seria um grande edifício-percurso que se eleva do piso sobre um pilar e atravessa o parque na altura das árvores, sobre o lago, beirando os prédios, gerando uma nova vista ou experiência do parque. Segundo Bucci o prédio se afirma pelo que preserva, tem em seu acervo permanente as obras de Niemeyer e Burle Marx.

As duas propostas desta mesa talvez tenham como gesto comum uma natureza discursiva e até pedagógica, que tem o desenho como organizador e fundador do projeto.

 

Encontros com artistas e arquitetos
Fórmulas utópicas para o MAM 3/3
participantes: Lucho Oreggioni, Isadora Guerreiro e João Sodré
mediação: Felipe Chaimovich


Lucho Oreggioni, representante do Y Arquitetura, de Montevideo, Uruguai, apresenta o “MAM enterrado, MAM portátil”, como duas noções que se complementariam, um museu fixo e outro que se espalharia.

O museu enterrado, segundo Lucho, surge de algumas tensões com as quais os integrantes do escritório se defrontaram, a primeira delas foi o embate com o poema visual de Ferreira Gullar chamado “Poema enterrado”, que deu uma aproximação poética à ideia de enterrar o museu. Essa hipótese, além do mais, seria uma resposta aos empecilhos legais patrimoniais que inviabilizam muitas das propostas que pretendem interagir com os edifícios pré-existente do ibirapuera. Outra das indagações que acentuam o argumento, se relaciona com a questão infra-estrutural de uma cidade do porte de São Paulo, cujo mundo subterrâneo de túneis, metrôs e tubulações é imensamente explorado e fascinante. Valendo-se das ferramentas da infra-estrutura urbana, decidem implantar o edifício sede há 25 metros da superfície do parque, distribuído em alguns andares subterrâneos, iluminados e ventilados por grades chaminés. A sede abrigaria o acervo, exposições, administração, biblioteca etc., enquanto que haveria uma distribuição do programa de exposições em rede, conectando a sede do museu a outras partes da cidade, distribuindo a programação simultaneamente pelo mapa de São Paulo.

Isadora Guerreiro, do coletivo USINA, inaugura sua fala dizendo que sua presença não representa apenas aqueles que trabalharam junto a ela nesse projeto senão também toda a tradição crítica, envolvimento comunitário e prático que o escritório se propôs nos últimos 25 anos.

A proposta do escritório é um programa, uma intenção critica. Não há edifício físico. A arquiteta diz que gostaria de resgatar do inicio do movimento moderno seus principais pilares. Baseado nos princípios vitruvianos da Bauhaus, retomar a união entre o pensar e o fazer. E provoca: os arquitetos entregam produtos bem acabados, estéreis, que não mostram o trabalho por trás deles. Em resposta a isso a obra exposta, resultado de oficinas que aconteceram dentro do USINA e que se estenderam em parceria com o educativo do MAM, é o processo, não é a resposta mas a formulação de perguntas. Nas oficinas o público é instigado a pensar possibilidades para o museu através de técnicas como a colagem, desenho, texto, debate etc. A arquitetura, como prática política.

O GrupoSP, representado por João Sodré, apresenta uma outra aproximação à questão. Sodré argumenta que tanto o MASP como o MAM se originaram em lugares onde tiveram de se adaptar a edifícios já existentes e têm suas histórias marcadas por isso. Sendo assim, o escritório propõe que haja uma diluição do museu na cidade, em espaços residuais, abandonados, térreos e comerciais, especialmente na área central da cidade, ligados à história da arte. Um museu difuso e urbano, que propusesse roteiros alternativos e inusuais. O centro do projeto seria um volume técnico, implantado num edifício proposto, num vazio do centro, onde se concentraria a administração, acervo, biblioteca e as residências de artistas. Os outros programas como pequenas exposições e intervenções estariam diluídos em outras edificações pré-existentes como o edifício Esther, Guilherme Guinle e outras galerias comerciais.

Tanto o projeto do GrupoSP como do Y Arquitetura seguiram num mesmo caminho reflexivo sobre centralidade e dispersão, percurso e apropriação. No entanto, foi a proposta do USINA, segundo Felipe Chaimovich, que mais dialogou com as questões atuais do MAM, não só do lugar do museu mais também da maneira como opera.

A proposta curatorial de um modo geral dava certa liberdade para os arquitetos pensarem o projeto sem as limitações institucionais, políticas ou do cliente, criando espaço para que as discussões utópicas pudessem se desenvolver. Houve em certa medida uma variedade de propostas para um mesmo programa de museu, isso confirma que a arquitetura pode não ter uma única porta de entrada obrigatória e que os tópicos delirantes podem convocar possibilidades de discussão sobre a arte, o legado moderno, o papel do museu na cidade e na contemporaneidade.