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A legitimação do artista

Por Eladia Martín

O debate em torno do livro “Entre Carnes e Mares, Adriana Varejão”  revelou-se um  encontro  altamente didático. Contou com a participação do curador Agnaldo Farias,  da  antropóloga Lilia Schwarcz (uma das autoras do livro), e de Rodrigo Moura, curador do Inhotim, que abriga a Galeria Adriana Varejão.

            Agnaldo Farias foi o primeiro a tomar a palavra. Com um verbo fluido e sem texto preparado, assumiu o papel de um espectador privilegiado, conhecedor  da obra de Varejão,  e, como se tratasse de uma conversa descontraída com a artista (que se encontrava presente entre o público, algo pouco comum neste tipo de evento),  trouxe uma infinidade de referências  pessoais e genéricas que vê em sua produção, citando de Drummond de Andrade a Dante Alighieri, passando por escritos de Ítalo Calvino. Começou por se referir ao modo como a presença constante dos materiais cerâmicos e o azulejos, em seus diferentes usos no cotidiano, deixam em sua memória uma marca indelével. Analisou as sensações que a obra de Adriana Varejão provoca sensorial e psicologicamente no espectador, justificando sua escolha de abrir com uma peça dela - uma destas paredes carnosas - a exposição “80/90 Modernos pós-modernos”,  realizada no Instituto Tomie Othake no ano de 2007, curada por ele. Sua intenção era partilhar com o público esse “soco” que nele produz o trabalho de Adriana Varejão, definindo sua obra como um “trabalho difícil de conviver”, embriagador e  letal ao mesmo tempo. Terminou sua apresentação agradecendo à artista pelo seu trabalho, esperando ter despertado no público a vontade de enfrentá-lo.

            A partir de outro estilo discursivo, mas na mesma linha didática, a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz,  leu seu texto, que integra o livro  apresentado no evento. Percorreu a obra da artista através de seus referentes históricos, trazendo ao discurso uma nova nomenclatura e formando a metáfora nominativa “uma nova língua azulejo com o seu verbo azulejar”. Falou da história do azulejo, de origem árabe e das tipologias do azulejo português, assim como da criação do termo, fazendo um paralelo entre o caráter da artista e o conteúdo mais sutil das sua obra: a hibridez que contém, os diálogos que estabelece com o passado colonial e a utilidade do material que simula as obras da artista. Resumindo, o que a palestrante chamou de  “operação de pouso”, o eixo da  sua conversa, foi o azulejo com a sua raiz etimológica no azul, passando pelo verbo azulejar e terminando com um novo termo criado pela própria Lilia Schwarcz, que dê conta da incorporação desse passado colonial até o panorama da arte contemporânea brasileira, assumindo as suas funções mais  evidentes  como a de recobrir e simular, para serem incorporadas no verbo VAREJAR,  que define a forma de criar de Adriana Varejão .

            Tendo como referência o historiador Sérgio Buarque de Holanda, Schwarcz nos mostrou cronologicamente a evolução da obra de Adriana Varejão até chegar ao seu trabalho atual. Partiu de novo da descoberta do Brasil, mas desta vez ultrapassando a memória colonial e adentrando-se no século XIX e inícios do XX  através da vasta obra do  artista Bordalo Pinheiro, criador de um dos símbolos da terra Lusa: a caricatura do Zé Povinho (símbolo do povo português).

            A referência mais direta ao livro que estava sendo apresentado foi o elogio que o último participante, Rodrigo Moura, fez à editora Cobogó, responsável pela publicação que, nas suas palavras, “preenche um espaço vazio no campo editorial de livros de arte do Brasil”.  O curador do Inhotim mostrou o desenvolvimento deste grande projeto arquitetônico, no qual a artista teve papel bastante ativo dialogando permanentemente com o artífice do espaço, o arquiteto Rodrigo Cerviño Lopez, de forma que a obra se integrasse perfeitamente ao pavilhão. O proprietário, Bernardo Paz, marido da artista, é possuidor de uma das coleções de arte contemporânea  mais interessantes da atualidade, e proporciona aos artistas o luxo de criar um espaço adequado para suas obras. Rodrigo Moura nos apresenta este espaço em que está envolvido desde o papel, já que sofreu poucas modificações uma vez planejado, e se diz testemunha da fluência na relação da arquitetura com as obras da artista.

            As três  intervenções coincidiram na prolixidade das citações e em sublinhar a satisfação que sentiam ao falar na frente da artista, o que a levou a fazer uma breve intervenção. Agradeceu as palavras dos três palestrantes e introduziu parte do trabalho que está desenvolvendo sobre o artista português Bordalo Pinheiro. Só se referiu, contudo, as cerâmicas de Bordalo,  e ficamos sem saber se também se interessará pela forte implicação política que tiveram as caricaturas que realizava e publicava nos pasquins da época em Lisboa.

Um evento como este, onde a importância do trabalho artístico fica obliterado pela projeção publica do artista e a visibilidade que a sua vida privada alcançou, nos faz pensar nas estratégias que o próprio mercado da arte tece em torno de suas vítimas, os artistas e o público.

Quem impõe ao artista a repetição de maneira incansável e insaciável da fórmula que o levou ao êxito? Será o próprio artista, por medo de perder o que alcançou? Ou o mercado, que lhe nega a possibilidade de explorar outras linguagens e caminhos já que aquele se encaixa bem nos ganhos esperados? Não concordávamos todos, na dessacralização da arte, na democratização desta e da multidisciplinaridade do artista contemporâneo?

Depois de ouvir o discurso eloqüente dos amigos de Adriana Varejão, ficamos com vontade, mesmo, é de conhecer o Taj Mahal Brasileiro construído em Inhotim.