Sobre o museu do futuro

relato da palestra de Marcelo Araujo, por Fernanda Albuquerque


Como pensar o museu do futuro? Como incorporar a ele práticas artísticas contemporâneas em que a obra não se reduz a um objeto – e que muitas vezes não são pensadas para serem apresentadas em instituições? Como expor tais produções e, mais do que isso, como conservá-las? Questões como essas pautaram a palestra de Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, em sua participação no II Simpósio Internacional de Arte Contemporânea, promovido pelo Paço das Artes.

Se esses desafios vêm acompanhando os museus de arte desde, pelo menos, as décadas de 1960 e 1970, quando um sem número de artistas pôs em xeque as noções de obra de arte, artista e espectador – e a tradicional relação existente entre esses três elementos –, transformando de maneira radical a produção artística, não há dúvidas de que eles permanecem atuais. Ainda mais se levarmos em conta a grande quantidade de propostas artísticas contemporâneas a privilegiar a ação, o projeto, a experiência ou o processo em detrimento da construção de objetos.

Como bem apontou Marcelo Araújo, a resposta a esses desafios não deve, necessariamente, se resumir à consagrada estratégia de apresentar registros, documentações ou objetos que testemunhem essas produções. “Trata-se de pensarmos como poderia o museu, por meio de procedimentos de salvaguarda e comunicação, ou seja, da utilização de recursos de sua própria linguagem, buscar a reativação do potencial criativo das memórias das práticas artísticas, recolocando-as no seu papel de fomentador de novas poéticas”, observou.

Nesse sentido, o museólogo retomou a proposta curatorial de Suely Rolnik para a exposição Lygia Clark: Da obra ao acontecimento. Somos o molde, a você cabe o sopro, apresentada na Pinacoteca, em 2006. A fim de fugir da simples apresentação de material de arquivo, a curadora buscou construir uma “memória viva” das experimentações corporais realizadas por Lygia na fase final de sua carreira, entre os anos 1970 e 1980, por meio da realização e apresentação de uma série de entrevistas. Como enfatiza Rolnik no catálogo da exposição, o “desafio expositivo” lançado pela obra da brasileira não é uma particularidade de Clark, mas um aspecto comum aos artistas “cujo trabalho permanece irredutível à sua apresentação por meio de documentação das ações que implicam e nas quais a obra se realiza; mais inacessível ainda pelo simples deslocamento das próprias ações para o espaço museológico – quando muitas delas ocorrem por princípio fora deste contexto como parte de sua estratégia – ou ainda pela mostra dos objetos criados para este fim (sejam eles originais intocáveis ou réplicas a serem tocadas)”(1).

É com base nessa constatação que a curadora defende, como apontou Marcelo, “a superação do simples trabalho de organização e exposição da documentação, em busca de soluções que serão sempre pontuais e específicas, mas que permitam, a partir de outros sentidos de memória, a reinstauração da ‘vitalidade crítica’ dessas produções artísticas ‘e de seu potencial de diálogo com o contemporâneo’”.

Quanto à preservação desse tipo de trabalho – ou de outras propostas contemporâneas que, a exemplo da arte digital, também oferecem dificuldades de conservação devido, por exemplo, à rapidez com que suas mídias se tornam obsoletas –, o museólogo enfatizou a necessidade do diálogo entre a instituição e o artista a fim de estabelecer as bases dessa preservação. Seja em termos práticos, seja em termos teóricos. Trata-se de conservar os materiais originais a todo custo ou de manter, fundamentalmente, a idéia do trabalho?

Ao apontar a necessidade “premente e inadiável” de os museus desenvolverem uma reflexão sobre problemáticas como essas, buscando responder aos desafios colocados pelo mundo contemporâneo sem, no entanto, perder de vista a especificidade do museu enquanto local de preservação (constituição de patrimônio) e de educação (construção e comunicação de valores), Marcelo Araújo também chamou a atenção para a temporalidade particular desse tipo de instituição. Trata-se de uma temporalidade que, embora possa ir de encontro ao ritmo acelerado dos dias de hoje, chocando-se com prazos administrativos, políticos, mercadológicos e publicitários, é fundamental aos seus processos operacionais internos, bem como ao tipo de relação que um museu deve buscar instaurar junto ao público.

(1) “Afinal, o que há por trás da coisa corporal?”, in: Lygia Clark: da obra ao acontecimento. Somos o molde, a você cabe o sopro. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2006. p. 9