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João Sayad, um economista na cultura

Davidson Panis Kaseker em LinkedIn, em 06/09/2021.
João Sayad, um economista na cultura

João Sayad (1945-2021)

Fonte: https://www.linkedin.com/pulse/jo%C3%A3o-sayad-um-economista-na-cultura-davidson-panis-kaseker/

Faleceu neste último dia 5 de setembro em São Paulo, aos 75 anos, o economista João Sayad. Ex-secretário estadual da Fazenda de São Paulo nos dois primeiros anos da gestão de Franco Montoro (1983 - 1985), foi ministro do Planejamento no governo de José Sarney, tendo participado da elaboração e implementação do Plano Cruzado junto a João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo. Desapegado às amarras partidárias, também foi secretário municipal de Finanças da cidade de São Paulo na administração de Marta Suplicy (2001 - 2004).

Embora tenha se notabilizado por sua brilhante carreira acadêmica coroada com o doutorado em Economia em Yale (USA) e a livre-docência pela FEA-USP, Sayad teve uma significativa passagem pela área cultural como secretário estadual de Cultura no governo de José Serra (2007 - 2010), tendo sido, ainda, presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura (2010-2012).

Homem culto, não chegava a ser um especialista em política cultural, embora carregasse uma sólida experiência com políticas públicas. Foi chamado à gestão cultural pelo governador Serra para consolidar no Estado de São Paulo um novo modelo de financiamento e gestão cultural baseado no gerenciamento em parceria com Organizações Sociais (OS), cuja implantação havia sido iniciada a partir do ano de 2004.

Em geral à época, como de certa forma ainda hoje, o modelo enfrentava grande resistência do ponto de vista ideológico por ser associado ao modelo neoliberal de política cultural, cuja ênfase é dada aos mecanismos de mercado para o financiamento das ações culturais, baseando-se majoritariamente na concessão de isenção tributária, por meio da qual os doadores privados – sejam eles empresas ou pessoas físicas – deduzem dos seus impostos os investimentos que serão destinados ao financiamento público da produção cultural, exercendo o poder discricionário de definir o destino destes financiamentos.

Seguindo, contudo, a perspectiva social-democrata que historicamente visa associar a garantia de direitos culturais por meio da criação de programas e ações estatais, o desafio de Sayad era garantir uma boa gestão dos recursos públicos e assegurar a formatação das políticas culturais com base em resultados e não prioritariamente em procedimentos normativos e administrativos. Na prática, sua gestão transitaria por duas vertentes deste modelo. A primeira, de origem francesa, caracterizada por apoiar-se em grandes equipamentos culturais com proeminência da ação direta do poder público, com o centro de decisão concentrado nos gestores dos órgãos públicos. A segunda, associada ao modelo inglês, que busca a excelência por meio da administração à distância (arm’s lenght), singularizada pelo apoio às ações culturais e artísticas da sociedade civil, selecionadas em geral por meio de editais públicos e por processos de avaliação em poder de órgãos colegiados, compostos por especialistas.

No período em que esteve à frente da Cultura de São Paulo, o orçamento público obteve um salto extraordinário, ultrapassando pela primeira vez o patamar de 1% do orçamento do Estado. Com o vento a favor na macroeconomia, o orçamento da Pinacoteca de São Paulo passou de R$ 6,5 milhões em 2006 para R$ 25 milhões em 2011, somando-se as receitas operacionais e o percentual de recursos incentivados captados pela renúncia fiscal. Com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), o orçamento anual saltou de R$ 43 milhões para R$ 68,5 milhões em 2011, para citar apenas dois equipamentos de referência, institucionalmente legitimados no circuito organizacional da cultura paulista.

Dentre suas realizações, conta-se a criação a Virada Cultural Paulista, a Assessoria de Gênero e Etnias, o Festival Paulista de Circo (Piracicaba), a São Paulo Companhia de Dança, o Prêmio São Paulo de Literatura, o programa Viagem Literária, a Biblioteca de São Paulo no Parque da Juventude, a SP Escola de Teatro, a Orquestra do Theatro São Pedro, o Programa Ópera Curta e o programa Pontos de Cultura.

Na área de museus, nasceram na sua gestão o Museu Catavento, o Museu do Futebol, a estadualização do Museu do Café e do Museu Afro Brasil, além do Encontro Paulista de Museus, onde protagonizou um episódio controverso quando do seu pronunciamento na solenidade de abertura do I EPM ao sustentar que não precisávamos de mais museus no Estado em detrimento de uma melhor estruturação dos já existentes. A afirmação causou certo desconforto ao não ser discutida com maior profundidade. Afinal, é latente ainda hoje em cada cidade, por menor que seja o seu porte, o desejo de institucionalizar a memória local.

A manifestação de Sayad traduziu neste episódio ao menos duas de suas características pessoais: a franqueza e a objetividade. Neste caso, a tese amparava-se numa visão eminentemente de caráter gerencial de olho nas questões orçamentárias, mas nem de todo desvinculada de seu aspecto conceitual-metodológico. Afinal, para se estruturar e manter um museu de modo a atender a contento suas principais funções de preservação, pesquisa e comunicação há que se prover recursos minimamente adequados, o que nem sempre se encontra em disponibilidade nas gestões municipais.

Claudinéli Moreira Ramos, selecionada por Sayad em processo seletivo via outplacement para coordenar a reestruturação da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico (UPPM) e consequentemente o Sistema Estadual de Museus de São Paulo (SISEM-SP), em recente artigo publicado no e-book Panorama Reflexivo – 11 anos de Encontro Paulista de Museus[1],  aponta como um dos principais legados desse período a adoção como método de trabalho de uma “construção participativa da política de museus, ancorada em diálogo, aprendizado conjunto e busca da superação de divergências e conflitos pela construção do melhor consenso possível para mitigar carências e viabilizar melhorias”.

Segundo ela, a combinação com o secretário Sayad sustentava as diretrizes da reorganização da UPPM de maneira a garantir que funcionasse com eficiência e agilidade: “ trabalhar com planejamento e foco no resultado, contribuindo para a desburocratização de processos e para a eliminação de velhos vícios do serviço público, e fazer o que fosse preciso para a área funcionar melhor no cumprimento de suas finalidades, com ética e respeito ao interesse público”.

Mais de dez anos depois, o reconhecimento desse legado é consenso entre os profissionais de museus e o público de um modo geral. Os quase 500 museus paulistas constituem uma das mais qualificadas redes de museus estaduais em âmbito nacional e os museus da Secretaria de Cultura e Economia Criativa estão entre os mais visitados e reconhecidamente figuram entre os mais importantes museus brasileiros.

Encerro esse breve depoimento em homenagem à contribuição de Sayad à cultura paulista fazendo coro com Claudinéli: “Há ainda muito por construir e por consolidar e não são pequenas as ameaças e dificuldades, num país que vê seu setor cultural sob ataques e difamação". O grande desafio para as políticas públicas de cultura continua sendo o de avançar de políticas de governo para políticas de estado de modo a contribuir para qualificar nossos processos e resultados em favor do interesse público, do desenvolvimento cultural e do bem comum.

#cultura #museus #políticas públicas

 

[1] GROSSMANN, M. et auli (orgs). Panorama Reflexivo – 11 anos de Encontro Paulista de Museus. São Paulo: Sisem-SP/Acam Portinari/Fórum Permanente, 2021. Disponível em https://www.sisemsp.org.br/publicacoes-do-sisem-sp/

 

Fonte: https://www.linkedin.com/pulse/jo%C3%A3o-sayad-um-economista-na-cultura-davidson-panis-kaseker/