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Colóquio internacional: Cultura século XXI

Temas tratados: Ética da cooperação cultural internacional; Sociedade civil, cultura e política cultural; Educação desculturalizada. - Instituto Goethe São Paulo, 28 e 29 de junho 2004


Preliminar

Este colóquio foi realizado com base em três premissas:

  1. a cultura contemporânea tem a vocação e a necessidade do diálogo internacional mais amplo com o qual se desenvolve e se afirma;

  2. a possibilidade de tornar a cultura um instrumento do pleno desenvolvimento humano repousa antes de mais nada na sua plena integração ao processo educacional em todos os níveis, do inicial ao mais avançado;

  3. a sociedade civil é o ator contemporâneo privilegiado da cultura e da política cultural.

 

Os princípios a seguir enumerados resultam dos debates realizados no Instituto Goethe São Paulo sobre estes três tópicos:

A. A ética da cooperação cultural internacional

  1. As ações culturais unilaterais, feitas numa via de mão única no cenário internacional e exemplificadas pela prática de “levar ao outro o que é nosso”, foram substituídas pela idéia de reciprocidade: a cooperação está na troca, no diálogo, na exibição recíproca das culturas.

  2. As velhas estruturas político-administrativas não mais respondem à necessidade cultural contemporânea; devem portanto ser revistas a fim de potencializar a presença real e não retórica das instituições administrativas estatais. A cultura hoje encontra nas redes da sociedade civil sua condição de florescimento; essas redes são interlocutores privilegiados da cooperação internacional com os quais as instituições administrativas estatais devem aprender a trabalhar para que sua eficácia não se torne inexistente.

  3. Para que a cooperação se processe no pleno aproveitamento de suas possibilidades, é essencial que as partes tenham condição de gestão das ações envolvidas; assim, a formação para a gestão cultural é parte integrante da cooperação internacional.

  4. Entidades supra-nacionais de apoio à cultura, regionais ou de outro modo conformadas, são também atores importantes da cooperação internacional. É preciso que entre elas exista a cumplicidade e o trabalho conjunto que a cooperação demanda de todos seus atores.

  5. Como a busca da criatividade e a afirmação da diversidade cultural são dois princípios centrais da política cultural contemporânea, a cooperação internacional deve incluir em seus desenhos uma margem para o risco; a instrumentalização da cultura (o uso da cultura buscando fins imediatos e determinados) e a proposição de demasiadas normas cerceiam a experiência e a cooperação cultural naquilo que lhes é mais próprio.

  6. No espírito do exposto no item anterior, deve-se entender que a ênfase no produto cultural (a obra feita, acabada) a ser promovido pela cooperação deve compartilhar espaço com o destaque a ser dado ao processo de criação cultural, com a aceitação do risco de não se chegar, nos moldes do entendimento cultural arcaico, a uma obra específica e terminada; a cooperação com o processo torna-se tão ou mais relevante do que a cooperação com os produtos.

  7. Novos instrumentos de avaliação da cooperação cultural devem ser definidos de comum acordo em nível supra-nacional.

  8. A cooperação internacional deve levar em conta que o principal instrumento se não de formação pelo menos de informação cultural é hoje aquele que se apresenta sob a forma dos meios de comunicação de massa e da indústria criativa em geral.

  9. O “outro cultural” e o “mesmo cultural” são integrantes, com títulos iguais, dos programas de cooperação internacional; a conversa cultural se faz tanto com a diferença quanto com o idêntico, observação que visa relativizar a insistência na exploração do exotismo cultural entendido como sinal de diferença cultural; a cultura é uma longa conversa entre diferentes e iguais.

  10. A cooperação cultural começa em casa; só pode haver real cooperação cultural internacional quando a cooperação cultural entre as diversas realidades culturais no interior dos países, e não a intervenção cultural do Estado ou dos interesses privados em favor de uma ou outra, é uma realidade.

 

B. Sociedade civil, cultura e política cultural 

  1. A sociedade civil é o grande ator social emergente na contemporaneidade; em consonância com os termos da Agenda 21 para a Cultura – assinada em Barcelona em maio de 2004 e que reconhece, entre outros, que a identidade cultural de todo indivíduo é dinâmica; que a diversidade cultural é o principal patrimônio cultural da humanidade; que existe uma analogia entre as questões ecológicas e culturais; que a cultura deve ser vista em termos de direitos culturais, parte integrante dos direitos humanos; que na definição das políticas culturais deve prevalecer o equilíbrio entre o interesse público e o privado, entre a vocação pública e a institucionalização da cultura e que a iniciativa autônoma dos cidadãos, individualmente ou reunidos em entidades sociais é a base da liberdade cultural – à sociedade civil deve ser reconhecido o papel nuclear de promoção da cultura e da política cultural.

  2. Cabe ao Estado criar as condições para que a sociedade civil autonomamente invente e implemente seus fins culturais. O Estado deve ser acima de tudo um facilitador das experiências e propostas que surgem da sociedade civil, contribuindo para seu crescimento e seu maior desenvolvimento internacional. As políticas culturais em seu conjunto devem encontrar um ponto de equilíbrio entre interesse público e privado, vocação pública e institucionalização da cultura, sendo necessário, neste momento, a revisão do sistema cultural para adequá-lo à nova realidade social. Uma atenção especial deve ser dada, nesse sentido, às políticas culturais para os meios de comunicação e as novas tecnologias.

  3. Sob a inspiração, o monitoramento e a condução da sociedade civil, deve ser estimulada a criação de instituições nacionais e supra-nacionais, que zelem pelos direitos culturais e pela definição de políticas culturais capazes de contribuir para o desenvolvimento humano em seus termos contemporâneos e em consonância com documentos internacionais consolidados, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os sucessivos pactos que cobrem os direitos culturais e a Agenda 21 para a Cultura.

  4. Nas condições atuais de desenvolvimento cultural, e seguindo nos rumos descritos por este documento, cada país tem suas experiências históricas com entidades culturais promovidas pela sociedade civil – amplamente conhecidas e consagradas por sua atuação – que servem como modelos iniciais na definição desse espaço maior a ser aberto à comunidade organizada.

 

C. Educação e cultura

  1. Os recursos despendidos com a cultura em geral e com a cultura na educação não podem ser considerados gastos: são investimento.

  2. A cultura é peça central do processo de educação, não apenas do ponto de vista da formação do indivíduo, mas também como fonte de definição dos conteúdos dos novos meios sociais de informação e comunicação.

  3. A presença da cultura na educação é a condição para garantir os direitos das crianças, definidos em convenção internacional, e, de modo particular, a participação de todos no processo cultural contemporâneo, sabidamente exigente.

  4. A presença da cultura na educação deve ser entendida como elemento imprescindível para o conhecimento do patrimônio passado e para a compreensão das imagens do presente.

  5. A formação cultural do corpo docente é condição para o desenvolvimento da formação cultural dos estudantes.

  6. As transformações recentes de todos os paradigmas produzem alterações na linguagem, nos comportamentos, nos espaços humanos e nas relações que os corpos mantêm com esses espaços, razão pela qual a formação para a cultura deve ser feita não apenas dentro da escola mas, e sobretudo, nos ambientes e instituições especificamente voltadas para a cultura, como os museus e centros culturais.

  7. A instrumentalização da cultura, em todos os sentidos e aspectos – religiosos, econômicos, políticos ou sociais – deve ser amplamente evitada; a experiência cultural é antes de mais nada uma experiência do prazer, do questionamento e da descoberta.

  8. Em consonância com o tópico anterior, a formação cultural deve ser uma experiência de liberdade e de liberdade cultural, devendo ser garantida aos indivíduos a escolha do que ver e praticar; cada país tem suas experiências históricas consagradas neste campo e a elas se deve dar a maior difusão; a experiência cultural sem tutela, fruída fora da escola e a critério do indivíduo quanto a local, hora e conteúdo deve ser garantida e estimulada.


Participantes / Autores:

Aníbal Ford, ensaísta e escritor, professor da Universidade de Buenos Aires
Arnaldo Daraya Contier, Universidade de São Paulo e Universidade Mackenzie
Fernando Vicario, semiólogo e consultor internacional, Madrid
Laymert Garcia dos Santos, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
Nele Hertling, Programa Berlinense de Artistas do DAAD
Teixeira Coelho, Observatório de Políticas Culturais da ECA-USP
Wolfgang Schneider, Instituto de Política Cultural, Universidade de Hildesheim


* O Colóquio Internacional CULTURA SÉCULO XXI – Cooperação Internacional, Sociedade Civil, Educação e Cultura foi realizado em associação com o Fórum Cultural Mundial em 28 e 29 de junho de 2004 no Instituto Goethe São Paulo. O programa e os textos das palestras encontram-se em 
www.goethe.de/br/sap/kultur/cs21/pr_cs21.htm
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