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Projeto "São Miguel das Missões"

de Luiz Carlos Felizardo

O projeto "São Miguel das Missões", de Luiz Carlos Felizardo, constitui-se de uma exposição de 50 painéis de 1m x 1m, reunindo informações sobre a história, a estatuária e a arquitetura deste exemplar notável do patrimônio brasileiro e mundial a algumas das fotografias que Felizardo produziu lá nas muitas visitas que realizou ao longo de 35 anos, desde 1973.

Felizardo é um dos mais significativos fotógrafos brasileiros contemporâneos e sua produção sobre as ruínas de São Miguel ocupa lugar destacado em sua obra. Em 1987 foi convidado por Frederico Morais a participar da exposição "A Visão do Artista", parte do projeto "MISSÕES 300 ANOS", quando produziu o trabalho  "Como Cenário de Um Crime", cujas 8 fotografias serão novamente expostas.

A exposição será realizada  entre 1º e 31 de abril no  Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS).

Em dezembro passado, Felizardo esteve mais uma vez fotografando em São Miguel e pesquisando imagens antigas junto ao escritório do IPHAN nas ruínas. As fotografias que participarão da exposição estão quase todas digitalizadas e, atualmente, Felizardo trabalha na preparação dos arquivos que darão origem aos diversos painéis.

A etapa de produção dos textos que serão utilizados — de autoria de Armindo Trevisan, Briane e Paulo Bicca, Tabajara Ruas e Paula Ramos — já foi encerrada; aqui vão pequenos excertos de cada um deles, e algumas das fotografias que irão compor a exposição.

UMA ARTE MESTIÇA

(...) O que singulariza o Barroco Hispano-Guarani é certa saudade dos modelos atávicos de sua sensibilidade, que tendia mais à contemplação do que à ação, mais à visão mítica do que à visão estética.
Carentes de protótipos tridimensionais que lhes pudessem facilitar a confecção de imagens, e não dispondo os religiosos de “tempo a perder” com o ensino de técnicas artísticas, os improvisados artesãos de nossas coxilhas foram adaptando, progressivamente, tais técnicas às próprias exigências. (...) (Armindo Trevisan)


OS JESUÍTAS E O NOVO MUNDO — A REDUÇÃO DE SÃO MIGUEL

(...) Construída em pedra arenítica, a partir de um projeto que a diferencia de todas as demais igrejas missioneiras, a de São Miguel possui planta em cruz latina com três naves separadas por arcadas de pedra. Ao corpo principal somam-se o pórtico e a torre sineira. Sua fachada possui uma leve inclinação, acentuando a monumentalidade e corrigindo a perspectiva. Tinha o interior decorado com talhas, esculturas e pinturas em madeira policromada, cujos fragmentos podem ser vistos no Museu das Missões. (...) (Briane e Paulo Bicca)


O ENCONTRO

(...) As perguntas que o lugar sugere dividiram os homens que buscam as respostas. A mais grata delas coloca estas ruínas como corolário de uma utopia: a da Sociedade Perfeita.
Nada de posses materiais, nem governo autoritário, nem esperança infundada, nem solidão. Nada de novo. Apenas a velha e comum vontade humana de viver em paz e harmonia, estimulada pela ética dogmática, motor permanente da militância religiosa e política. (...) (Tabajara Ruas)


A FOTOGRAFIA DE LUIZ CARLOS FELIZARDO

(…) Em suas imagens, Luiz Carlos Felizardo organiza de tal modo os elementos, ajusta de tal forma o que deseja mostrar, que todos as coisas, mesmo as aparentemente mais díspares, encontram-se e articulam-se. Como poucos, Felizardo explora as áreas de sombra, os limites da imagem, as topografias do solo, o encontro fortuito de rochas, a interrupção súbita (será?) da parede, do rosto, da palavra. A extensão completa de suas imagens pulsa e dialoga, conduzindo o nosso olhar ora por meio do desenho sugerido pelas linhas de composição, ora pelas superfícies dos artefatos, situações e lugares que torna visível. Nesta operação, surpreende-nos com a capacidade de estesia de suas imagens, com as associações e metáforas sugeridas, proporcionando distintas interpretações e lembrando-nos que toda imagem, inclusive a fotográfica, é artifício, é ficção. (…) (Paula Ramos)



Fruto da experiência jesuítico-guarani, as ruínas de São Miguel Arcanjo, no noroeste no Rio Grande do Sul, constituem um dos mais importantes sítios arqueológicos do Brasil, estando inseridas no contexto de colonização da América Latina. Tombadas em nível nacional em 1938 e como patrimônio da humanidade pela Unesco em 1983, as ruínas são também o foco do projeto Missões Jesuítico-Guarani: as Ruínas de São Miguel, iniciativa do fotógrafo Luiz Carlos Felizardo (Porto Alegre, 1949).

Com formação em arquitetura, Felizardo vem se dedicando à fotografia desde os anos 70 e, pelo menos desde os 80, é uma das raras unanimidades no panorama da fotografia brasileira contemporânea, tendo participado de importantes exposições nacionais e internacionais e recebido duas das mais importantes bolsas de estudo para o desenvolvimento de seu trabalho: da Comissão Fulbright (1984-1985) e da Fundação Vitae (1990-1991).

Marcadas pelo rigor técnico e formal, as fotografias de Felizardo indicam uma das principais características de seu processo: o respeito absoluto pelo aparelho. Como há tempos apontou o historiador e crítico de arte Armindo Trevisan, “[...] ele sabe que sua máquina é uma máquina-de-ver; portanto, cumpre dar-lhe a importância que merece, como imagem e semelhança da máquina-de-ver natural: o olho”. Predominantemente em preto e branco, captadas por meio de máquinas de grande formato (4 x 5 polegadas ou 8 x 10 polegadas, ou seja, respectivamente: 10 x 12 e 20 x 25 cm), as imagens de Felizardo encantam e surpreendem por vários aspectos: desde a técnica apurada, que se projeta na composição precisa, na luz estudada e na admirável gama de cinzas, passando pelas várias sugestões que provocam no espectador. Suas fotografias não se colocam “prontas”, oferecendo uma visão sobre os objetos, paisagens e situações registradas; pelo contrário, são múltiplas, pautando-se em alusões e na metáfora.

Felizardo costuma ser visto como um fotógrafo de paisagem, ou – como certa vez o definiu o crítico Moracy de Oliveira no jornal O Estado de São Paulo, em 1980 – como um fotógrafo “clássico”, no melhor sentido da palavra. E entre as várias paisagens que registrou, naturais ou construídas pelo homem, está o complexo das ruínas de São Miguel Arcanjo. Elas são os principais resquícios da experiência jesuítico-guarani em território brasileiro, e se inserem no âmbito da colonização da América Latina, em que os jesuítas representaram a monarquia espanhola no trabalho de catequização e pacificação dos índios, reunindo-os em 30 povoados que foram chamados de missões ou reduções (do latim reducere = conduzir). Esse episódio se desenvolveu entre os séculos XVII e XVIII, por cerca de 150 anos, em áreas dominadas pela Espanha e que atualmente pertencem ao Brasil, à Argentina e ao Paraguai. A riqueza desse patrimônio é ímpar. Percorrendo-o, vivenciamos um pouco da história de lutas e conflitos surgida do encontro dessas culturas tão distintas: a guarani, indissociável da natureza, e a européia, que então emergia das conquistas humanistas e tecnológicas do Renascimento.

O presente projeto tem como cerne, justamente, o sítio arqueológico de São Miguel. A proposta, a ter lugar em março de 2008 no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, em Porto Alegre (RS), é de expor 50 painéis, sendo 40 com imagens e 10 com textos. As imagens, na sua grande maioria, são fotografias produzidas por Luiz Carlos Felizardo desde a década de 70 e serão exibidas no formato aproximado de 70 x 90 cm. Pelo menos oito delas participaram da mostra Missões 300 Anos – A Visão do Artista (1987), com curadoria de Frederico Morais. Na época, além de Felizardo, integraram o projeto capitaneado pelo então SPHAN e pelo Grupo Iochpe outros dez artistas do Brasil, da Argentina e do Paraguai, cujos trabalhos percorreram as seguintes capitais: Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Hoje, 20 anos após A Visão do Artista, as imagens serão reapresentadas, porém em número bastante ampliado: 40. Imagens que nunca foram exibidas nesse formato e, muito menos, nessa quantidade.

Preocupada em refletir acerca de aspectos como arquitetura, patrimônio, história e arte, a exposição contará com textos de pesquisadores que vêm se dedicando ao assunto: do Prof. Dr. Armindo Trevisan, autor de diversos estudos sobre a estatuária missioneira; dos arquitetos Briane e Paulo Bicca, ela responsável pelo Projeto Monumenta no Rio Grande do Sul, que discorrerá sobre arquitetura; do escritor e cineasta Tabajara Ruas; e da jornalista e crítica de arte Paula Ramos, que tem escrito sobre artes visuais e patrimônio no Estado. O diálogo entre as fotografias e os textos proporcionará não somente um novo olhar sobre as Missões, como uma oportunidade de conhecer mais a nossa própria história. A atualidade dessa proposta está, de um lado, na exibição desse conjunto de imagens, nunca antes exibidas em um número tão expressivo. E, de outro, na interação com textos de especialistas da área de artes, patrimônio e preservação. A mostra trará, desta forma, não somente a visão arguta e sensível de Felizardo, como um caráter também didático e de reflexão, fomentado pelos textos.