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Uma Aventura no Rastro da Memória

Paulo Melo Sousa

A equipe de gravação do documentário Em Busca da Imagem Perdida saiu de São Luís com destino a Alcântara no último dia 16 de janeiro. A bordo de uma lancha, a equipe embarcou na Ponta da Espera, na ilha de São Luís do Maranhão em direção de Alcântara, cidade tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional desde 1948. Na mira, a captura da memória oral de vários moradores de povoados maranhenses. Chegando a Alcântara, a equipe contou com o apoio logístico da SEIR – Secretaria da Igualdade Racial do Maranhão e do MABE – Movimento dos Atingidos pela Base Espacial, além da colaboração de José da Purificação, guia local. A primeira conexão da viagem revelou a beleza e o aconchego da Ilha do Livramento, a apenas 5 minutos da sede. Ali, foi realizado contato com dona Mocinha e com José, que moram há anos na ilha, pessoas afetivas, acolhedoras. Ambos foram entrevistados pela equipe. Num rápido passeio pelo local, a nota triste é o abandono da Igreja do Livramento, que inspirou, no passado, a festa mais imponente de Alcântara. O prédio se encontra em ruínas, à espera de resgate. Recentemente, o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional retirou da fachada da igreja o brasão do primeiro donatário da Capitania de Cumã, em razão do perigo de roubo da peça, que se encontra guardada, atualmente, nas dependências do Museu Casa Histórica de Alcântara.

De volta a Alcântara, foram colhidos os depoimentos de dona Maria Ferreira, guardiã da pequena igreja do Desterro, e produtora cultural local (possui um Pastor e realiza a festa da Coroação de Nossa Senhora). Também na cidade a equipe colheu o depoimento de Maria Batisá, dona de restaurante, profunda conhecedora da história do lugar, e que trabalhou na lavoura e ainda como parteira.

Da sede do município, tomamos um transporte e logo chegamos ao povoado de Manival, comunidade rural remanescente quilombola. No local, encontramos seu Sebastião, um simpático lavrador que é, na verdade, a memória viva do lugar, um exímio griô, contador de histórias de mão cheia. Manival ainda carece de um saneamento básico adequado, e de soluções para problemas ambientais.
De Alcântara, a bordo um ônibus precário, a equipe dirigiu-se até Bequimão. Em Reimundo Sú, ainda em Alcântara, tomou-se uma Van e a cidade de Pinheiro foi alcançada. Ali, um micro-ônibus que se dirigia até Apicum-Açu levou a equipe até  Cururupu. Com o apoio providencial da Prefeitura local, atenta em relação às questões turísticas e culturais, nosso deslocamento foi bastante facilitado. Uma visita indispensável à Fazenda Aliança, importante referência do município, mostrou-nos os restos mortais de um famoso engenho local, anteriormente de propriedade do Sr. Godinho. Ali se fabricava açúcar de primeira qualidade, e a famosa cachaça Aliança, que era conhecida além das fronteiras do Estado. Hoje, uma comunidade de remanescentes quilombolas mora ali, com suas casas espalhadas em uma vasta área. No local, foi colhido o depoimento de dona Maximiliana, ou dona Maciça, como é mais conhecida ali. Outro povoado de Cururupu, Fortaleza dos Pretos, estava realizando a Festa de São Sebastião. A liderança local é de dona Estelita, que foi entrevistada pela equipe, exímia artesã que criou seus filhos graças ao trabalho com a cerâmica. Visitando o local, apreciamos uma apresentação de Tamborinho, da comunidade de Entre Rios.

Cururupu possui diversos grupos de Bumba-Boi, herdeiros do inesquecível amo seu Lulu. O sotaque característico do lugar é o de Costa de Mão. Manoel Rabo é amo de um desses grupos, e já está articulando os preparativos para colocar o Boi na rua. Ele também foi entrevistado pela equipe. Devoto de Santo Antônio, ele diz que “sempre eu coloco o meu Boi na rua no dia 12 de junho, quando ele brinca, mas no dia 13 de junho é que acontece o batismo. A morte do Boi é sempre no dia 07 de setembro”. Manoel Rabo se livra um pouco da inibição e desata seu canto: “Santo Antônio atendeu / este pedido que eu fiz / também sou filho de Deus / com isso eu me sinto feliz / cantei minha reunida / do jeitinho que eu quis (bis) / Eu vou guarnicê / que a hora é essa / tocando foguete / pagando promessa (bis)”. Sua toada repousa nos alicerces da simplicidade e sua interpretação é simplesmente comovente.

Em Cururupu, o destino turístico, cultural e ecológico mais cobiçado, contudo, é a paradisíaca Ilha dos Lençóis, com suas morrarias impressionantes, suas praias e lagoas maravilhosas, a sua gente hospitaleira e seus personagens indescritíveis. Dona Nini, uma albina que completou 90 anos no último dia 24 de janeiro, é a grande detentora da memória oral de Lençóis, com suas estórias sobre a encantaria, falando com incrível lucidez sobre a presença onírica de Dom Sebastião. O encantado está no imaginário de todos os moradores. Seu Zé Mário, que possui um terreiro de Tambor de Mina em Lençóis, informa que “antes, por aqui, era comum se encontrar muitas peças de ouro pelas morrarias, adornos, pires, imagens de santos, tudo isso pertencente ao encantado; se alguém escondesse algo em sua bagagem para levar embora, Dom Sebastião são permitia que a embarcação partisse”. No último domingo, 20 de janeiro, dia de São Sebastião, a equipe registrou uma impressionante apresentação de Tambor de Mina, em pleno coração da Ilha, numa prova de devoção e respeito ao padroeiro do lugar.

De volta a Cururupu, a equipe entrou em contato com seu Macieira, ex-morador da ilha de Lençóis, também albino, e que forneceu um depoimento rico, nas quais o universo lendário e mítico de Lençóis foi lembrado com vivacidade. Seu Macieira também forneceu um relato precioso sobre o seu trabalho como pescador na ilha supracitada. Finalizando o trabalho, foi colhido o depoimento de Pepeu , que trabalhou no extinto Cinema de Cururupu, desde as suas primeiras funções até seu crescimento dentro da empresa, relatando ainda suas memórias com relação aos filmes por ele apreciados no local. A equipe retornou a São Luís e, na capital maranhense, deu continuidade às gravações, entrevistando Jandir Gonçalves, diretor da Casa de Nhozinho, pertencente à Superintendência da Cultura Popular, dentre outros.