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ARTE COM DOWNLOAD, por Juliana Monachesi

A "web-art" e as novas possibilidades e dinâmicas de criação artística.

        A arte on-line segue a lógica de Oz. Ela está para os artistas assim como o Kansas estava para Dorothy: a garota podia voltar para casa em um piscar de olhos (ou, para ser exata, em um bater de calcanhares) ou podia mofar no encantando mundo de Oz porque estava deslumbrada demais para fazer o que precisava. Bem, a internet mostra-se um péssimo mágico aos artistas deslumbrados com a tecnologia. Já àqueles que a utilizam em favor de seu trabalho, para além da mera experimentação formal que o crítico de novos meios Lev Manovich denominou o “ideal do anti-sublime”, ela tem sido um meio de reinventar a “arte” como a conhecemos.

             Manovich não chega a desqualificar a produção que privilegia o mapeamento de dados; após citar exemplos como o mapa visual do conjunto de endereços de internet (Lisa Jevbratt), o modelo navegável 3D da Terra (John Klima), outro modelo 3D que ilustra o algoritmo utilizado em pesquisas do genoma (Fry) e os diagramas de relações de poder corporativo nos Estados Unidos (John On & Futurefarmers), todos apresentados na Bienal do Whitney de 2002, chama a atenção para o fato de que muito poucos artistas trabalhando em novas mídias (que, para o crítico, são apenas as obras que utilizam o computador como ferramenta) estão voltados “para um dos mais fundamentais e radicais conceitos associados com computadores digitais – aquele da computação em si (em lugar de interatividade, rede ou multimídia)”.

             Estes mapeamentos carregam a promessa de tornar tangíveis fenômenos irrepresentáveis, que estão além da escala dos sentidos ou da razão humana, o que faz deles “o exato oposto da arte romântica preocupada com o sublime”. Daí a data visualization art ser definida como de “ideal anti-sublime”. Manovich insiste que o verdadeiro desafio da arte de visualização de dados “não é sobre como transformar dados abstratos e impessoais em algo significativo e belo – economistas, designers gráficos e cientistas já estão fazendo isso razoavelmente bem”. O mais interessante e importante é como representar a experiência subjetiva de uma pessoa vivendo imersa na sociedade dos dados e da informação. “Se a interação diária com volumes de dados e inúmeras mensagens é parte de nossa nova "data-subjectivity", como podemos representar essa experiência de novas maneiras?”

             Um bom exemplo de trabalho desenvolvido para a Web que discute sua especificidade sem, contudo, deixar de lado a poética e a apreensão desta nova subjetividade, é a obra [search] (http://maryflanagan.com/search.htm), de Mary Flanagan, que se apropria de mecanismos de busca para investigar o desejo das pessoas por informação e conhecimento. A artista propõe flagrar estes desejos por meio de um aplicativo que monitora, em tempo real, os programas de busca da internet no mundo todo.

             Certa ambigüidade quanto a esse monitoramento acontecer de fato ou ser mera ficção fortalece o trabalho. Em uma visita ao site o usuário vê brotarem expressões como “maratona de Los Angeles”, “modelos de lingerie”, “imagens de Jane Austen” e “linguagem corporal em entrevistas orais”; em outra, depara-se com interesses mais esdrúxulos: “Ben Affleck”, “anthrax”, “como operar um scanner” e “a cultura protestante no século 19 em Ontário”; e assim por diante. Clicando em uma das expressões buscadas, palavras relacionadas aparecem "linkadas" às primeiras, sem contudo servirem de link para lugar algum.

             Em Catalogue:Nothingness, a artista Kate Armstrong constrói um inventário de anti-produtos e links para sites de compra por meio de palavras-chave que vão de “dor de cabeça” a “Boris Pasternak”. Os produtos oferecidos pelo site são acompanhados de imagens indiscerníveis. O item #601-44 é descrito como um produto que pode mudar seus sentimentos em relação à pressão cotidiana quando ostentado em seu corpo: “Você pode se perguntar, por exemplo, se sua abertura para novas idéias é adequada, considerando os tipos de fibras miraculosas em jogo na produção industrial hoje em dia”. No segmento “objetos” encontra-se o item #5766: “É realmente inacreditável quão pouco um objeto como este vai lhe custar, uma vez que você considere que é feito com o que existe de mais avançado em metais preciosos, e que nunca irá enferrujar. Considere o valor superior. Acredite na capacidade de tecnologias não-standard para enlevar você com o som da liberdade.” Faz pensar não só no vazio do consumismo, amplamente facilitado pela internet, como no vazio da fruição estética, amplamente questionada pela internet. O site oferece ainda uma ferramenta conveniente para procurar “itens compatíveis com seu mundo limitado, que nós criamos dia a dia”, entre outras, além de banners que substituem a publicidade por truísmos a respeito dela (http://www.catalogue-nothingness.org/).

             O projeto Nike Ground – Rethinking Space, do grupo 0100101110101101.ORG, uma ofensiva jogada de marketing em tudo aparentando ter sido empreendida pela própria empresa, consistia na compra de ruas e quarteirões inteiros nas maiores capitais do mundo pela Nike para a construção de gigantescos monumentos figurando seu famoso logo. Viena seria a primeira cidade a ter uma “Nike Square” (ou “Nikeplatz”). Na abertura do site (http://www.nikeground.com), um slogan resume a lógica: “You want to wear it, why shouldn’t cities wear it too?”; no ar desde setembro de 2003, o site foi objeto de um mandado judicial por violação de copyright, do qual a Nike teve de recuar uma vez comprovado tratar-se de um projeto artístico e não de concorrência ilícita.

             Além de obras que põem em questão a especificidade da internet, há obras de cunho mais efetivamente estético, como grande parte da produção on-line de artistas como Mark Napier (http://potatoland.com/) e Simon Biggs (http://hosted.simonbiggs.easynet.co.uk/mymenu.htm), obras que borram os contornos da ciberliteratura, como a produção do famoso web-artista Mark Amerika, ou ainda trabalhos ligados à realidade virtual (existe uma “categoria” de arte on-line chamada “game art”) e ao voyeurismo. Um exemplo (atualmente uma versão de arquivo) é a página VOYEUR_WEB, de Tina LaPorta (http://artport.whitney.org/commissions/voyeurweb/index.html), que conecta a planta baixa de um apartamento a imagens de webcam que permitiam  o acesso, em tempo real, no período em que esteve funcionando, à privacidade dos moradores do lugar.

Aviso aos navegantes: ninguém chega a Oz sem passar por certas tormentas. Uma frase como “If you do not have Shockwave you might like to download it” é o mais sutil dos avisos de impossibilidade de acesso às obras. Em geral, o usuário se vê entre uma mensagem de erro e sua impotência para fazer o computador funcionar. Macromedia Shockwave, Quicktime e Javascript, entre outros softwares mais estranhos e difíceis de conseguir na confusa malha da internet são requisitos básicos para a fruição estética plugada. Além de bons filtros ou “guias de viagem”, de que inclusive este artigo é devedor, como os sites rhizome.org e trópico/novo mundo.

                                                                                                                                                                         Juliana Monachesi