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Resenha: Aracy Amaral, “História da arte moderna na América Latina (1780 -1990).” in: Textos do Trópico de Capricórnio – Artigos e ensaios (1980 – 2005).

Por Carolina C. M. Lucio

AMARAL, Aracy. História da arte moderna na América Latina (1780 -1990). IN: AMARAL, Aracy. Textos do Trópico de Capricórnio – Artigos e ensaios (1980 – 2005). Vol.2: Circuitos de arte na América Latina e no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2006, p.128-137.

 

Aracy Amaral (São Paulo, BR, 1930) é uma das mais importantes profissionais do universo das artes - tanto no Brasil quanto na América Latina. Com mais de cinquenta anos de atuação, Amaral soube dialogar com as atividades de crítica, historiadora, professora, curadora e diretora de museus[1], o que resultou em uma extensa e diversificada trajetória profissional.

O presente texto foi redigido por Amaral em ocasião da Reunião de Oaxaca, México (janeiro/fevereiro de 1996), a convite doInstituto de Investigaciones Estéticas[2] dirigido por Rita Eder[3]. O encontro possuía como objetivo refletir sobre a produção da história da arte latino-americana. Em seu artigo, Amaral buscou revisar a historiografia da arte produzida no continente entre as décadas de 1960 a 1990, refletindo sobre os problemas da construção de uma história da arte que englobe todo o continente e propondo soluções para essa questão.

Na introdução é apresentada a problemática da produção historiográfica no continente. Para a autora, foram produzidos dois tipos de bibliografias sobre a América Latina: as resultantes de estudos de pesquisadores independentes e universidades de todo continente; e as produções originadas majoritariamente de exposições realizadas por europeus e norte-americanos a partir da década de 1970. Amaral faz uma crítica as obras estrangeiras, que ignoram sumariamente as publicações produzidas no continente.

Ao finalizar a introdução, a autora volta-se para produção historiografica no continente, focando em publicações que possuam como objetivo a formulação de uma história da arte da América Latina moderna e contemporânea. Amaral, retoma a busca de uma identidade coletiva, citada por Leopoldo Castedo na introdução de seu livro “History of Latin American Art and Architecture” (1969); e passa para a crítica de Damian Bayon a “moda” latino-americana que atraía europeus e norte-americanos, discutida em sua obra “Aventura Plástica de Hispanoamérica” (1974). Para o historiador argentino, o interesse é fruto de três questões: as ditaduras civil-militares que assolavam a região, a música popular do continente e a literatura contemporânea que ganhava o mundo. No entanto, Amaral nos lembra que o interesse externo pela região advém desde 1966 com a Conferência Geral da UNESCO em Paris e seu projeto de estudar a cultura latino- americana através de suas artes e literatura.

A problemática de como produzir uma história da arte do continente, levanta uma outra questão: existe uma arte Latino-americana ou devemos pensar como é a arte na América Latina? Seria, a produção poética abaixo do Rio Grande homogênea? Com esse questionamento, Amaral tece uma genealogia da ideia de América Latina, lembrando que para Bayon no livro “Arte Moderno en América Latina” (1985), a alcunha era uma expressão convencionada pela Europa, com objetivo de incluir todos os países do continente. O autor rememora Charles Wagley, que afirmou em seu livro “The Latin America Tradition” (1968), que os países latino-americanos em um primeiro momento possuem em comum apenas a religião católica e as duas línguas impostas. No entanto, Amaral retoma outra ideia de Wagley: os pontos de contato do continente são maiores que as diferenças.

A autora acredita que existe uma escassez de estudos – e interesse em realiza-los - sobre a América Latina, visto a dimensão da produção poética do continente. A culpa em parte é a percepção de não nos entendermos como um continente homogêneo, - coisa que a autora também não enxerga que sejamos -, mas esse dado quando enraizado nos pesquisadores é limitador. Outro problema, é que parece existir uma tendência – e desejo – dos pesquisadores em primeiro dar conta da história da arte da sua própria região antes de pensar a poética continental.

Contra essas amarras, são citados os trabalhos de Juan Acha e Nestor Garcia Canclini. Este último, com sua viagem da Argentina ao México, onde teve a oportunidade de refletir e compreender a produção artística na América Latina, em suas diferenças e semelhanças. Um contraponto as publicações externas, vinda da Europa e Estados Unidos, que se impõe aos pesquisadores do continente, sem que os escritores dessas obras tenham colocados os pés aqui.

Amaral pondera que realmente conhecer a produção poética do continente e escrever sobre ela, não é das tarefas mais fáceis. Ela cita o Brasil como exemplo da diversidade, sua extensão territorial abarca diferenças, climáticas, étnicas e culturais diversas. Além da matriz afro, indígenas e europeia, soma-se a vinda de imigrantes de todos os cantos do mundo – desde árabes até japoneses – tornando a ideia de uma cultura única ou pura impossível, assim como em qualquer outro país da América Latina.

Um exemplo no artigo, diz respeito de como essas questões da diversidade operam no campo artístico. Se é entendido que a expansão do construtivismo e arte conceitual por todo o país, teria homogeneizado a arte brasileira, na verdade ao se olhar de perto, pontos de resistência ou contaminação são percebidos na produção das regiões do Nordeste e Norte do país, assim como no estado de Minas Gerais.

Esses dados são inseridos pela autora para chegar na sua ideia – e possível - resolução dessa questão da produção de uma história da arte da América Latina. Ainda que para Amaral não sejamos homogêneos em nossas produções artísticas, existem pontos de encontro muito importantes. Como as tendências Construtivas que ocorreram na Argentina, Brasil, Uruguai, Venezuela, e mais tardiamente no México. Assim como a figuração metafórica, saída dos artistas nas décadas de 1960 e 1970, para burlar a censura impostas pelas ditaduras militares em países como Argentina, Brasil, Chile e até mesmo Cuba décadas depois. A influência do México e o seu muralismo na América Latina, durante as décadas de 1930 e 1940, é outro desse momento de afinidade. Outro ponto de contato é a produção e a criatividade do povo, entendida como o fenômeno da arte popular.

Outra possibilidade de estudos sobre o continente, seria analisar a cultura através das regiões: o Caribe, como região isolada; depois México e os demais países da América Central; a Colômbia e Venezuela formando outro núcleo; os Países Andinos, uma região formada pelo Peru, Equador e Bolívia; a região do Cone Sul com Argentina, Paraguai, Uruguai e sul do Brasil (até o Rio de Janeiro); e por fim, separadamente, o Chile e o restante do Brasil.

Entretanto, o problema se apresenta logo na região do Caribe, onde a diversidade da produção artística imporia aos pesquisadores buscar metodologias para dar conta de produções populares, arte urbana e suburbana e as manifestações religiosas como formas artísticas. O fluxo de artistas por todo continente, que causam uma certa “contaminação” nas poéticas, sem contar as contribuições externas de orientais, africanos e europeus - para lembrar que a arte na América Latina vai além da produção indígena – são elementos que impossibilitariam essa divisão por regiões. Amaral cita o autor japonês Yotani Toshio (1995), para afirmar que nenhuma cultura é pura e como essa ilusão é problemática, pois nos focamos nela, ao invés de assumir o caráter híbrido de qualquer produção – até mesmo a japonesa, entendida como isolada e livre de influências externas durante anos.

Ao final do artigo, Amaral levanta a questão da falta de uma disciplina de História da Arte da América Latina nas universidades do continente como forma de incentivo a pesquisa. Sua crítica volta-se também a falta de incentivos econômicos que deem conta da manutenção de um curso que precisa constantemente de manutenção com atualização das bibliografias, diapositivos (os famosos slides do período) e viagens dos professores aos países do continente. Uma situação que na atualidade permanece semelhante ao cenário encarado por Amaral na década de 1990.

A leitura do texto de Aracy Amaral, nos mostrou como os estudos sobre a história da arte na América Latina são insipientes. Não há nas universidades uma disciplina voltada para esses estudos e durante a discussão foi possível perceber que vários autores, críticos e historiadores da arte latino-americanos, em especial cubanos, são desconhecidos pela academica brasileira. Podemos perceber, que Amaral neste artigo e no texto Críticos da América Latina Votan contra una Bienal de Arte Latinoamericano (1981) – também discutido em sala -, representa uma vida dedicada a um projeto de

compreensão da arte na América Latina. O próprio artigo escrito para Oaxaca traz um projeto historiográfico, que Amaral delineou, mas infelizmente não pode concretizar.



[1] Foi diretora da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1975-1979) e Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) (1982-1986), professora da Universidade de São Paulo. Uma de suas últimas curadorias foi o “34a Panorama da Arte Brasileira – Da pedra Da terra daqui” no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 2015.

[2] Fundado em 1936 o  Instituto de Investigaciones Estéticas faz parte da UNAM e tem como objetivo realizar pesquisas sobre a arte mexicana. resultando em livros com percepções muitas vezes equivocada sobre a produção poética latino-americana.

[3] Rita Eder (México) , é escritora e crítica de arte, licenciada em História pela UNAM (Universidade Nacional Autónoma do México) em 1969; mestrado em História da arte pela Ohio State University em 1973 e doutorado em História da arte pela UNAM em 2012. Em 1975 ingresso no Instituto de Investigaciones Estéticas da UNAM, da qual foi diretora entre os anos de 1990 a 1998.