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Resenha: Luiz Camnitzer, “Agitación o Construcción” In “Didática de la liberación. Arte conceptualista latinoamerciano”

Por: Clara Ianni

Luis Camitzer, artista e acadêmico uruguaio, é uma figura importante dentro do campo da arte contemporânea. Baseado nos Estados Unidos desde a década de 60, Camnitzer tem produzido reflexões fundamentais no debate artístico contemporâneo.

No texto “Agitación o Construcción”, segundo capítulo do livro “Didática de la liberación. Arte conceptualista latinoamerciano”, de 2012, o autor busca problematizar a suposta oposição entre as operações de agitação e construção cultural dentro do campo da arte. Para Camnitzer, esta separação está manifesta na oposição entre abstração e realismo, que permeou as discussões sobre arte moderna e acabou consolidando estes dois campos como procedimentos antagônicos na história da arte canônica.

Já no início do texto, o autor nos provoca ao afirmar que somente a partir de uma perspetiva não formalista, e por isso divergente `a da história da arte, é que poderemos compreender o panorama artístico latino americano de uma maneira coesa.

Camnitzer sublinha a importância contextual para a compressão do conceitualismo latino americano, estabelecido a partir de uma ficção percebida como realidade, que relacionava-se diretamente aos anseios sociais e políticos da região - como por exemplo a crença na criação de uma “comunidade local”, de um continente transnacional, a esperança na consolidação do terceiro mundo como entidade autossuficiente e independente, que constituiria uma estrutura internacionalista e horizontal, capaz de fazer frente ao imperialismo globalizante.

Para o autor, apesar de facilitar a organização das práticas artísticas do continente frente `a taxonomia da história da arte, o termo conceitualismo latino americano une experiências muito divergentes. As multiplicidades étnico, religiosas, culturais, econômicas e políticas presentes na américa latina (tanto entre os países como dentro de cada país), levam o autor a afirmar que a própria América Latina é uma construção utópica, ou ainda, de maneira mais radical, de que a América Latina é uma obra conceitual.

Levando a provocação ainda mais adiante, o autor dirá que o Plano Condor, operação político-militar conduzida através da aliança dos regimes militares Chileno, Argentino, Uruguaio, Brasileiro e Paraguaio com a CIA dos EUA, talvez tenha sido uma das concretizações que, ironicamente, tratou de equivaler de maneira exitosa as diferenças do continente na empreitada transnacional de caçar dissidentes e opositores dos governos ditatoriais.

Essas variações e tensões, tanto culturais quanto políticas, fizeram com que o uma visão unificada sobre o continente se transformasse em uma tarefa difícil. Mas apesar das divergências, o autor afirma que os valores e o gosto, devido `a pressão do mercado, se tornaram homogêneos, e identifica as práticas artisticas como aquelas que exprimem um desejo de assimilação ou de oposição `a essas pressões.

Camnitzer dirá que a intensidade da carga política da vida cotidiana afeta diretamente a produção artística no continente. Isso se manifesta tanto na maneria como os trabalhos refletem essas tensões, quanto no modo como certos artistas acabam por expandir as definições tradicionais da arte para intervir diretamente nas dinâmicas políticas. Neste sentido, o autor identificará duas maneiras de interpretar as práticas artísticas latino americanas dentro do discurso canônico: o artista como agitador ou o artista como construtor. Mas o autor não faz essa distinção sem nos alertar para a insuficiência de tais categorizações.

Camnitzer argumenta que a abstração foi comumente interpretada como instrumento para realizar a utopia modernista de uma nova sociedade. Por isso, o anseio pela edificação de uma outra comunidade e o alinhamento `a uma “tendência correta” capaz de transcender os limites locais, fizeram com que a abstração fosse associada aos paradigmas de construção e universalismo. Por outro lado, o realismo, sendo uma forma visual de narrar histórias que prega através da ilustração, estaria, segundo a história da arte, mais abertamente vinculado `a agitação e melhor adaptado para aquilo que é local.

Partindo do diagnóstico da maneira como essas práticas adentraram a história da arte oficial, Camnitzer aponta que esta separação entre construção e agitação ou entre abstração e realismo, é insuficiente para descrever ou analisar o contexto artístico latino americano. Se observarmos o que foi produzido na américa latina, esta categorização só funciona se nos limitarmos a examinar o estilo formal das obras.

O autor, confrontando esta suposta divisão, argumenta que o conceitualismo latino americano se converteu em uma estratégica de unificação entre agitação e construção. Remetendo-se ao trabalho de Victor Grippo, Jorge Gamarra e A. Rossi, de 1972, “Construcción de un horno popular para haver pan” (Construção de um forno popular para fazer pão), feito em plena ditadura militar e no contexto da crescente pauperização da classe operária argentina, Camnitzer atesta que os artistas articularam, em uma só estratégia, preocupações ética e estéticas, fazendo com que a tradicional separação entre narrativa e forma tivessem uma importância menor.

O autor, desta maneira, nos levanta questionamentos não só  sobre a produção de arte na américa latina bem como sobre os esquemas interpretativos disponíveis para analisá-la. Se o que fazem os artistas no continente, frequentemente tencionam as fronteiras e limites do que é considerado arte, faz-se necessário também problematizar e reinventar os modos de interpretar essas práticas.

A arte e a política, frequentemente narradas em histórias distintas, são, segundo o autor, experiências indissociáveis na américa latina.

Para Camnitzer, a estética e a ética, a arte e a política, se polinizam superando a oposição canônica entre agitação e construção.