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Entre o balde de caranguejos e a colmeia: alternativas para pequenos espaços de arte têm como base a coletividade - palestra com Vanessa Carlos e Stefan Benchoam

Por: Luciana Pareja Norbiato

 

DADO

PALESTRA 9/4 - 10H30

Por: Luciana Pareja Norbiato

Para falar de colaboração e novos modelos para galerias, foram chamados ao palco o artista e curador guatemalteco Stefan Benchoam (co-fundador do espaço independente de arte Proyectos Ultravioleta) e Vanessa Carlos (fundadora da Galeria Carlos/ Ishikawa e do projeto Condo). Diante do panorama da arte no mundo de hoje, a mesa é quase um manifesto de resistência, pois pequenas galerias e espaços independentes são a ponta da cadeia do mercado de arte e têm de batalhar cada centavo para sobreviver. Responsáveis por abastecer o mercado com novos nomes, nos quais investem quando ainda são talentos incipientes, esses agentes são prejudicados pela lógica comercial globalizada, que acaba empurrando os artistas para as grandes galerias exatamente quando começam a se provar valiosos cultural e financeiramente. Além disso, pequenos agentes muitas vezes acabam circunscritos ao cenário local, quando o mercado de arte hoje só se torna rentável a partir da internacionalização, já que a concentração de renda reduz o contingente de compradores de arte a um grupo estreitíssimo, ao qual poucos negociantes têm acesso.

 

Vanessa começa sua fala apresentando sua galeria, localizada em Londres, que completará sete anos em outubro e segue explicando o funcionamento do Condo:

“Ele começou em 2016 em Londres, e nasceu da minha frustração sobre como o mundo da arte reflete a pirâmide do neoliberalismo, onde tudo aponta para as corporações. Se você não é uma, é impossível crescer e ter diálogo, e a forma como querem que as galerias jovens participe compromete exposições experimentais”, disse a galerista. Graças aos elevados custos de exposições e participação em feiras, muitos galeristas pedem para artistas produzirem trabalhos mais vendáveis, em vez de inovadores.

 

No lugar de assumir as feiras como campos privilegiados de negócio por seus altos custos, Vanessa Carlos teve a ideia de fazer um programa em que as galerias locais de Londres, onde mora e atua, recebessem galerias de outros países, criando uma rede de intercâmbio que já acontece há três anos em Londres e ampliou-se para Nova York, arregimentando cerca de 50 galerias que se alocam em cerca de 20 espaços na cidade-sede. Neste ano, Xangai e México estreiam na iniciativa. Existem também as Condo Units, edições menores em um único espaço, como a Galeria Jaqueline Martins, que fez uma edição de 7 de abril a 12 de maio.

 

Mais do que possibilitar a exibição internacional de artistas, Vanessa crê que o trunfo do projeto é permitir um novo modo de trabalho que estimula a ideia de comunidade artística em vez de competição. Ela explica que a escolha dos parceiros ocorre de forma orgânica, não restringindo a participação de galerias maiores, porque o que une os integrantes é a mesma mentalidade de aproximação. A troca integral de mailings e a qualidade das conversas entre os espaços criam laços mais fortes do que os criados numa feira, segundo a galerista.

 

Nesse ponto, Stefan Benchoam inicia sua fala contando que começou suas iniciativas na Guatemala com mais três amigos, que não encontravam lugar para expor. Acharam um teatro abandonado e arrendaram o local, chamando-o Proyectos Ultravioleta. Mas para custear as atividades (já que segundo Benchoam na Guatemala não há nenhum tipo de financiamento público para as artes) os amigos davam festas, o que acabou se tornando mais um problema do que uma forma alternativa de financiamento, pois passaram a ser reconhecidos como empresários da noite, e não como artistas. Conseguiram do governo então de esquerda uma concessão por um ano para operarem como uma ONG e passaram a produzir muitos eventos nesse período, enquanto refletiam sobre o melhor modelo de negócio. Todos os artistas que representavam, como eles, não tinham dinheiro para se sustentar. “Decidimos por um modelo híbrido, pois queríamos ter esse formato não lucrativo, mas ao mesmo tempo aproximar os colecionadores e, internacionalmente, ter colaboradores para trazer visibilidade e gerar renda para o espaço e os artistas”, diz Benchoam.

 

Ele concorda que o formato das feiras não funciona para os pequenos, e é preciso repensar o modelo vigente. Para ele, o Condo oferece uma alternativa viável e é um passo na direção da colaboração, que atualmente está na agenda do mundo da arte. Um exemplo é a outra iniciativa de que participa com a Proyectos Ultravioleta, a Ruberta, uma pequena galeria de cerca de 25 m² em parceria com Galería Agustina Ferreyra (México), Lodos (México), BWSMX (México) e CARNE (Colômbia), aberta em 2017 em Los Angeles. Os cinco se revezam nas seis exposições anuais no espaço norte-americano. É outra forma de otimizar recursos para conseguir visibilidade no exterior.

 

Vanessa comenta que um dilema enfrentado pelas galerias menores é que, nas feiras, são cobradas no sentido de fazer apresentações e entreterem o público, mas não podem ser comerciais, o que se passa também com os artistas, que são estimulados a irem para uma galeria maior para ganhar dinheiro, num círculo de exploração mercadológica do capital cultural. Para Stefan, isso é o mesmo que a gentrificação de bairros abandonados: uma área está deteriorada e seus aluguéis são baratos, os artistas se mudam para lá e dão nova vida à região, valorizando-a, e acabam tendo de sair de lá porque não podem arcar com o novo custo de vida local. Mas recusar-se a participar das feiras não é solução, porque outras galerias entrarão no lugar deles, validando esse formato.

 

O desafio, comenta, é encontrar novos modelos que possibilitem o enorme networking do Condo, por exemplo.

Ao concordar com essa afirmação, Vanessa comenta que o esforço coletivo do Condo ainda é ignorado pelas majors. Já colecionadores e curadores aderiram desde o início, pois há um grande apetite pela nova cena. Para Benchoam, os agentes da arte estavam atentos para o movimento gerado pelo Condo porque entenderam que algo importante em termos de mercado estava ocorrendo. A preocupação de galerias em disponibilizar seus mailings foi tida como injustificada por Vanessa: “Quem mais ganha é a galeria anfitriã, porque seus contatos que não a frequentam mais voltam a ir, para ver novidade ali”.

 

Um participante da plateia aponta que outra dificuldade das galerias menores é perder artistas para as majors. Vanessa exemplifica com o caso de Oscar Murillo, com quem começou a trabalhar quando ele ainda estudava e agora é representado também pela David Zwirner Gallery, uma das maiores do mundo. Ela diz que a relação é injusta, pois mesmo com Murillo ainda em seu cast, sua atuação é controlada pela major e recebe poucas obras no ano. Essa situação impede que o pequeno espaço recupere o investimento de base no artista. Para Vanessa, única forma de tornar essa situação funcional para todos é a assinatura de um contrato regulando os procedimentos.

 

Benchoam argumenta que o preconceito contra contratos surge da percepção de que seria um instrumento de exploração, quando é o contrário. O mercado secundário também se beneficia dessa ausência de regulamentação, pois tem lucros astronômicos que não são repassados para os artistas, que poderiam ter uma comissão estabelecida por contrato. E isso é ensinado nos cursos de artes visuais, onde há um tabu em falar de mercado, como se o artista se corrompesse ao pensar em vendas.

 

Vanessa considera uma injustiça que as galerias sejam vistas como exploradoras, quando a diminuição dos recursos destinados às instituições as obrigam a buscar verba cortejando os mesmo clientes das galerias. Elas seriam centros de distribuição, pois pegam o lucro conseguido com artistas mais bem posicionados e investem nos iniciantes, que se tornam interessantes para a programação das instituições, poupadas desse trabalho de base. “O trabalho de galerias como a minha e a do Stefan não é tão diferente do do de uma instituição pequena”, ela declara.

 

Perguntada se sua formação como artista influenciou seu interesse pela ação coletiva, Vanessa responde que é a maneira como ela crê que o mundo deveria funcionar política e socialmente, e que tenta disseminar isso onde tem alguma influência. Benchoam explica que na minúscula cena da Guatemala é “cada um por si”, como se os artistas fossem caranguejos tentando sair de um balde, escalando a cabeça uns dos outros e se empurrando para baixo. Mais do que na faculdade, foi quando esteve em Porto Rico por três meses numa residência que experimentou a coletividade, com todos os artistas ajudando aos outros em suas exposições, e isso mudou sua mentalidade. Agora, na Proyectos Ultravioleta, tudo traz sempre a palavra “colaboração”, porque falar sobre isso muda o pensamento guatemalteco a longo prazo, como o Condo promove essa mudança internacionalmente.

 

Nesse momento, a galerista Jaqueline Martins, na plateia, pergunta se os palestrantes acham necessário fazer com que os artistas entendam o custo de funcionamento de uma galeria pequena, porque muitas vezes as exigências são grandes e o espaço não consegue se sustentar. Vanessa diz que é preciso transparência, pois há galerias menores que querem parecer ter mais dinheiro do que na realidade, e por isso muitos artistas não entendem como funciona o negócio e não querem arcar com custos de armazenamento e de promoção de seus trabalhos. Ela cita o livro-pesquisa sobre o mercado de arte contemporânea de Magnus Resch, que diz que uma galeria pequena deveria ter comissão de 70% sobre vendas, o que artistas acham absurdo.

 

Para Benchoam, o fato de as galerias pequenas investirem sem pensar em seus artistas faz com que haja essa incompreensão, como se qualquer investimento fosse fácil. Um exemplo foi quando pagou em uma feira nos EUA a exibição do trabalho de Bubu Negrón para angariar fundos para Porto Rico, de economia problemática e arrasado pela passagem de um furacão. Benchoam pagou pelos custos de exibição e conseguiu receber o dinheiro de volta com lucro destinado a Porto Rico, mas teria ficado com o prejuízo se não houvesse vendas. Ele não ganhou nenhum dólar, apenas recebeu de volta o que gastou.

 

Um dos modelos de negócio favoritos de Benchoam é o bear claws (garras de urso), em que as galerias guardam uma obra por ano de seus artistas como reserva financeira e, depois de 15 anos, as vendem para pagar tanto os autores quanto artistas mais jovens e os custos da galeria. Novamente, a colaboração é a alma desse modelo, pois é fato que os jovens artistas não rendem de imediato o mesmo que um nome estabelecido. A porcentagem de lucro da venda aumenta, e toda a galeria se beneficia.

 

Com a cena artística internacional de hoje operando no modelo globalizado, em que as corporações são privilegiadas e os pequenos negócios sofrem para sobreviver, Vanessa Carlos afirma que se corre o risco de, no futuro, vermos que o que se fixou da produção artística é ruim. Isso seria causado por um comportamento que começa com a queda no investimento público na arte, que obriga as instituições a pedirem para as galerias custearem as mostras, o que só as grandes podem fazer. Segundo pesquisa de 2017 do jornal britânico The Art Newspaper, o Guggenheim só fez mostras das mesmas três ou quatro galerias, declara Vanessa.

 

Com pouca verba, o curador institucional tem que buscar patrocínio em vez pesquisar e fazer contato com artistas, e os jovens nomes das pequenas galerias perdem inserção nessas plataformas, levando-os a procurar grandes galerias. Esse é o círculo vicioso da arte atual. “Todos têm que participar para mudar esse quadro, porque senão daqui a algum tempo o mercado de arte será só um mercado de luxo sem nenhum diálogo cultural e estímulo intelectual.”

 

Um participante da plateia pergunta se os debatedores crêm que a internacionalização é importante, como o exemplo de Jaqueline Martins, que faz um trabalho de inserção no exterior de nomes históricos brasileiros. Para Vanessa, isso é fundamental para acabar com o provincianismo e fazer com que todos conheçam realidades além de seu país. “Senão fica todo mundo importando os programas das grandes galerias internacionais, virando o Starbucks das galerias, todo mundo fazendo a mesma coisa.”

 

Benchoam aponta a internacionalização como alternativa aos poucos recursos locais e pela manutenção da história artística de cada país, pois a arte da América Central, por exemplo, ainda é pouco conhecida. Ele termina sua fala com uma pergunta: “Falando em termos de Brasil, a Jaqueline [Martins] faz um trabalho fantástico há 6 anos. Devemos pensar: por que ela tem que ir para fora e fazer isso internacionalmente para só então ser reconhecida em seu país?”

 

Ou seja, ainda há uma lógica valorativa nos países da América do Sul e América Central, sem falar na África, que aponta sempre para os grandes nomes dos EUA e Europa, subvalorizando os artistas locais até que estes sejam reconhecidos pelos centros internacionais de arte. Se Vanessa Carlos diz que o provincianismo deve ser combatido pela internacionalização de cunho coletivo, contra o corporativismo do modelo atual, como público e agentes de arte temos que fazer nossa auto-análise no sentido de evidenciarmos nossa própria cultura e, a partir dela, estabelecermos as pontes com os demais países.O provincianismo não está apenas na concentração de interesse em seu próprio entorno, o que acontece mais nos grandes centros de arte, mas também na necessidade de aprovação desse entorno pelos grandes centros de arte para então valorizá-lo, caso dos centros alternativos, como América Latina, África e Oriente Médio (que tem grandes colecionadores entre os milionários do petróleo saudita, mas ainda reconhecem poucos seus artistas). Se como espectadores temos o papel de apoiarmos e frequentarmos exposições de nomes nacionais tanto quanto a de artistas estrangeiros, como compradores e colecionadores, a responsabilidade aumenta. Num mercado de movimentação delicada, onde o que é valorizado é menos material que o ideário emanado pela obra, o tipo de arte em que os colecionadores apostam suas fichas acaba por definir as próprias configurações desse mercado. Se no futuro teremos conservado o espírito coletivo da arte experimental dos pequenos agentes ou apenas a produção mainstream com cara de boutique, só o tempo e o jogo da economia globalizada dirão. Mas empreitadas como as de Vanessa Carlos e Stefan Benchoam trazem novo fôlego e usam da melhor estratégia possível para tornar relevantes os pequenos agentes: a união de forças.