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Painel 5 – Casos selecionados - ganhadores dos editais ProAC-SISEM-SP

Por Mariana Galera Soler – relato do Painel 5 do VI Encontro Paulista de Museus, realizado em 04 de junho de 2014 traz as experiências obtidas pelos museus ganhadores dos editais PROAC de Incentivo a Cultura, da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, no ano de 2012.

Relato por Mariana Galera Soler

 

Foram apresentados três projetos de pequenos museus do interior paulistano, que em suas propostas visavam a difusão de seus acervos e reconhecimento frente ao seu público. A eleição destes projetos como ganhadores, representa uma preocupação atual da Secretaria da Cultura de SP em incentivar ações de difusão, especialmente em museus distantes de grandes centros, quando o fundamental é a qualidade, estrutura e contrapartida presentes no projeto e não necessariamente a tradição museológica dos espaços proponentes.

A primeira apresentação relatou o projeto “Arquitetura e Técnicas Construtivas (1850-1950) no Circuito das Águas Paulista”, que culminou em um catálogo impresso do acervo do Centro de Memória de Monte Alegre do Sul, e foi realizada por Luís Gonzaga Truzzi, Presidente da Associação Pró-Memória de Monte Alegre do Sul (SP)[1] e Julio Abe Wakahara, museólogo responsável pelo projeto.

Monte Alegre do Sul está dentro do Circuito das Águas Paulistas, um conjunto de pequenas cidades do interior paulista, que tem como foco turístico roteiros com opções de fontes e balneários, gastronomia e turismo rural. A história e arquitetura da região, embora bastante ricas, ainda são pouco conhecidas pelos turistas e até mesmo pelos seus habitantes.

Na apresentação foi relatado a história da Associação Pró-Memória de Monte Alegre do Sul, que nos anos 2000, iniciou seu trabalho com um grupo de amigos que buscava uma abordagem mais acadêmica sobre a origem da cidade de Monte Alegre do Sul. Os trabalhos deste grupo começaram com as pesquisas do historiador e arquiteto Roberto Pastana Teixeira Lima, que subsidiaram o livro intitulado “Apontamentos para a história de Monte Alegre do Sul”. Após o lançamento do livro, o grupo seguiu por duas linhas: (i) arquitetura de tradição clássica, do final do século XIX, relacionada também a formação do historiador Roberto Lima, uma vez que ele também possui formação em Arquitetura e Doutorado em História da Arte, e esta linha está diretamente relacionada ao catálogo, que foi o projeto ganhador do PROAC 2012; e (ii) educacional, em que crianças da rede pública da cidade desenvolvem estudos de história através da arquitetura da cidade fotografias antigas pertencentes as famílias destas crianças.

Já diretamente relacionado ao catálogo produzido por meio do PROAC, Julio Wakahara afirmou que seu trabalho como museólogo foi dar um sentido a história da cidade, junto ao acervo do Centro de Memória. Assim, Wakahara contou parte da história de fundação da cidade por imigrantes do norte da Itália e como estes pioneiros deixaram suas marcas na arquitetura, que até hoje são encontradas em fragmentos de casas e fazendas.

O acervo do Centro de Memória de Monte Alegre do Sul abrange essencialmente estes fragmentos de arquitetura clássica do século XIX, por hora identificados por Roberto Pastana Teixeira Lima, e que dispõem de  colunas coríntias, colunas dóricas,  bases roliças romanas, entre outras. Além de registros fotográficos.

Assim, o catálogo construído traz estes fragmentos identificados e fotografados, de modo a criar um guia que se possa andar pelo Centro de Memórias ou pelas ruas de Monte Alegre do Sul e se possa identificar qual tipo de arquitetura e sua idade. O que parece antigo para estudos de arquitetura, mas é inovador ao se oferecer para uma cidade.

Luís Gonzaga Truzzi terminou sua apresentação sendo categórico ao afirmar que não deseja que o museu do Centro Pró-Memória “cresça”, a equipe deste centro espera que, por meio deste catálogo, as pessoas possam sair pelas ruas de Monte Alegre do Sul e demais cidades do circuito das águas paulistas e identificar as peças que estão no centro também nas construções vivas, que estão nas ruas e nas cidades.

A apresentação seguinte, abordou o projeto “Catálogo Digital do Museu de Psiquiatria do CAIS-SR[2]” e foi realizada por Cecília Soares Esparta. O projeto surgiu dentro de um contexto acadêmico, em que estava inserida a coordenadora do projeto Cecília Esparta, nos anos de 2010-11, em um curso de Gestão Cultural, em que foi identificado que o Museu de Psiquiatria do CAIS-SR possuía acervos relevantes à memória da saúde brasileira e que este já havia sido um equipamento cultural de atuação marcante na cidade, mas que no momento encontrava-se estagnado. O acervo deste museu representa parte da história dos cuidados em saúde mental no Brasil, registrando os diversos momentos que da Psiquiatria por meio de instrumentos médicos, mobiliário, documentos, fotografias e até mesmo discos de vinil e livros.

O CAIS-SR é uma sigla que designa o Centro de Atenção Integral a Saúde na cidade de Santa Rita do Passa Quatro (SP), e que se constitui como uma unidade pública de saúde, integrante da Secretaria de Saúde do Estado, que conta com cerca de 600 funcionários que prestam assistência especializada na área de saúde mental e atende usuários de álcool e outras drogas.

Construído dentro de um modelo de construção pavilhonar, em uma antiga fazenda de café, foi inaugurado como Sanatório da Colônia de Santa Rita, em 1950, para tratar da tuberculose. No início da década de 70, com a tuberculose controlada no estado, o CAIS-SR foi convertido em hospital psiquiátrico, com o intuito de deslocar um pouco do contingente de internados do Departamento Psiquiátrico II do Juqueri, em Franco da Rocha (SP). Desde 1972, em meio a ditadura militar no país, o período manicomial do CAIS-SR durou até a início da década de 90, marcado por preceitos de isolamento e confinamento e estigmatização com a doença mental.

Atualmente, pautada em humanização, inclusão e individualidade, o CAIS-SR representa uma mudança de paradigma no tratamento de saúde mental do Brasil. Durante este período de humanização, surge o Museu Psiquiátrico, em 2000, proposto por um grupo de funcionários, que buscavam além do registro de memória daquela unidade de saúde, utilizá-lo também como equipamento terapêutico propondo ações para os pacientes e atividades lúdicas e cognitivas a partir do seu acervo.

O Museu Psiquiátrico ocupa o Pavilhão 7 do CAIS-SR, um edifício de importância histórica, arquitetônica e cultural que dispõe de cerca de duas mil peças entre mobiliário, equipamentos médicos, utensílios, objetos de uso pessoal e acervos pessoais e fotográfico. Contudo, o edifício necessita restauro e melhores condições para acondicionamento de seu acervo e o acesso é restrito as visitas monitoras. Diante de dificuldades estruturais do espaço museológico, a distância da equipe proponente do projeto (profissionais alocados em São Paulo  e espaço museológico em Santa Rita), orçamento e prazo limitados no prêmio do edital PROAC, a equipe coordenada por Cecília Esparta optou pela criação de um catálogo digital.

Assim, o objetivo do projeto foi catalogar uma parte do acervo museológico do Museu do CAIS-SR e compor um registro fotográfico atual, individualizado e a cores dos objetos mais importantes que o constituem, acompanhado de ficha catalográfica contendo os dados técnicos e descritivos das peças2.

O produto que está disponível on-line2 simula uma vista ao museu, com parte de suas peças registradas por meio de fichas catalográficas, com informações sobre medidas, nome e usos.

A apresentação final deste painel foi feita por Maria Angela Savastano,  que trouxe os resultados da montagem da Brinquedoteca do Museu do Folclore de São José dos Campos (SP).

Este projeto resgata parte das origens do grupo de estudos que fundou o Museu do Folclore, que buscava entender o que “ainda pulsava na cultura popular de São José dos Campos?”, sendo um espaço de convergência e discussão da cultura popular da região. No entanto, por se tratar de uma brinquedoteca, criou um canal de comunicação com o público infantil, que era um desafio para a equipe desse museu. Assim, desde o início do projeto a equipe teve a orientação de um museólogo e admitiu a concepção de museu como espaço educativo.

Além da construção a brinquedoteca, os educadores que atuam neste espaço foram capacitados a trabalhar com o público infantil e, embora a brinquedoteca seja estrita a uma pequena sala, esta ganhou uma nova dimensão, pois as crianças entram e saem pela janela desta sala com os brinquedos para uma grande área externa que circunda o museu.

Os adultos, por sua vez, também tem acesso a esta sala e brincam, um resultado inesperado deste espaço, mas que evidencia uma outra capacidade da brinquedoteca, um espaço para o exercício de memória e afetividade dos adultos.

Diante das três experiências apresentadas neste painel é possível refletir sobre “onde se faz a museologia?”  e o museu da atualidade.

Se partimos de uma paradigma contemplativo e de exercício de poder, característicos dos museus até o início do século XX, o que vemos nos museus do século XXI é o seu caráter essencialmente voltado a cidadania, onde se reconhecem questões identitárias, de território e comunidade, e também seu caráter educativo, que muito mais do que uma extensão do ensino escolar, possui uma dimensão educativa própria, baseada em tempo, objeto e espaço e que faz parte do próprio exercício da cidadania.

O incentivo a museus longe dos grandes centros urbanos, tornam acessível a prática museológica, tanto da documentação, preservação e aquisição do acervo, bem como a sua comunicação e extroversão, a todos aqueles que reconhecem a importância da preservação do patrimônio, que não necessariamente está institucionalizado, mas que possui vínculos com a comunidade e referência onde está inserido. Não se tratam de projetos meramente experimentais no âmbito museológico, são projetos estruturados que trazem como resultados o exercício da memória de um povo em seu território.

No que tange os projetos vencedores, a Brinquedoteca no Museu do Folclore cria novos públicos, e o brincar também torna-se uma relação possível entre acervo (objeto) e visitante. Já o Museu Psiquiátrico do CAIS-SR  ressiginifica seus instrumentos médicos, que foram do uso terapêutico para acervo museológico e, agora, o acervo volta a ter uso terapêutico, mas por meio de ações educativas e local de memória. Por fim, o catálogo arquitetônico de Monte Alegre do Sul expande o museu para as ruas das cidades do Circuito das Águas Paulista, tornando explícita sua importância identitária para a população da região. Desta forma, os projetos relacionados neste painel, tornam palpáveis as palavras de Mario Chagas “já não se trata apenas de democratizar o acesso aos museus instituídos, mas sim de democratizar o próprio museu compreendido como tecnologia, como ferramenta de trabalho, como dispositivo estratégico para uma relação nova, criativa e participativa com o passado, o presente e o futuro”[3].

 

 

 



[1] http://promemoriamontealegre.com.br

[2] http://museudocais-sr.org/imagens/catalogo.pdf

[3] Chagas, M. 2011. Museus, memória e movimentos sociais. Cadernos de Sociomuseologia. 41: 5-16.