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Painel 6 – Itinerários possíveis no fazer Museológico

Por Thais Fernanda Alves Avelar – Relato sobre o painel 6: “Casos selecionados dos museus paulistas – Ações estruturantes”, parte integrante da programação do 6º Encontro Paulista de Museus, com Maria de Lourdes Marszolek Bueno e Ivy Freitas, Larissa Rizzatti Gomes e Neusa Fleury Moraes, em 04 de junho de 2014.

Relato por Thais Fernanda Alves Avelar

 

O presente painel, ao compor a programação do 6º Encontro Paulista de Museus, expõe a possibilidade de nos debruçarmos sobre algumas iniciativas museológicas que podem trazer novos olhares, possibilidades e perspectivas sobre as iniciativas desenvolvidas bem como favorece o compartilhar de experiências que possibilitem, através da reflexão sobre a prática de outros profissionais da área, ponderar perspectivas para nossos próprios processos.

É na generosidade da proposta dessa mesa, que empreende-se a exposição do projeto Museus da Baixada: valorizando a história do litoral paulista”, apresentado por Maria de Lourdes Marszolek Bueno e Ivy Freitas, compartilhando as experiências e premissas que permearam a edificação do presente projeto.

Sobre este processo, cabe destacar a sua concepção fortemente sedimentada na perspectiva da parceria entre as instituições museológicas, unidas não apenas em uma ação conjunta mas, norteadas principalmente pela construção de um ideal comum.

Para tanto, a concepção do projeto Museus da Baixada alicerçou-se sobre duas premissas principais: a criação de um órgão cultural e a realização de uma exposição itinerante de fotografia.

O mote central dessa iniciativa orbitou sobre o objetivo de que os museus envoltos nessa iniciativa se conheçam e divulguem-se simultaneamente, expondo os trabalhos que desenvolvem, como possibilidade de fortalecer o engajamento nessa parceria. Por este viés, a fotografia emergiu como a linguagem selecionada para mediar a divulgação das instituições museológicas envoltas nesse processo.

Beatriz Bueno e Ivy Freitas creem que um processo dessa natureza, de fato, é permeado por dificuldades, mas que em nada superam a possibilidade e os frutos que podem advir dessa união, expressos no engajamento pela qualificação e manutenção da formação dos profissionais e museus da baixada santista.

Enfatiza-se também que o concretizar deste projeto cujo desenvolvimento se deu por pesquisa de 17 museus da baixada santista a partir de 200 fotografias, não se fez sem a parceria estabelecida com a associação dos fotógrafos FAME.

O edificar dessa exposição, caracterizada pela itinerância, esteve fortemente vinculada ao mote de levar o litoral ao interior em uma construção poética que permitisse não apenas o divulgar dessas instituições, mas principalmente o estreitar de fronteiras geográficas e semânticas. O presente projeto, além de integrar um acervo de 200 fotografias, organizou-se, em termos de curadoria, a partir da composição de um painel para cada instituição museológica partícipe.

Logo, ambas atentam que o edificar de tal iniciativa não se constitui como um fim em si mesmo, esboçando apenas o começo desse relacionamento que tem a parceria como palavra-chave de um processo que se pretende contínuo e quiçá permanente.

Dando seguimento a proposta do 6º painel do encontro, se expôs também o projeto “Implantação de museu biográfico e reserva técnica” do Memorial Cairbar Schutel, localizado na região central de Matão/SP, apresentado por Larrisa Gomes.

O edificar da presente instituição tem duas questões que antecedem ou que preconizam a sua edificação, são elas: o fato de os pertences pessoais de Calibar atraírem o interesse das pessoas antes mesmo de serem expostas publicamente e de que a coleção particular formada pelos seus pertences terem adquirido um caráter público.

Para melhor compreensão da proposta do presente museu, marcado pelo seu caráter biográfico, cuja inauguração data do final de 2013 e a visitação se faz por agendamento, demanda-se compreender o ator social que dá nome ao museu em questão.

Nesse sentido, Larissa pontua que Calibar, além de ter sido o primeiro prefeito da cidade, evidenciando uma forte relação como o local onde está sediado o museu, também ficou conhecido pelo seu assistencialismo e pela sua atuação política, além de ter criado 2 periódicos.

Mais um ponto vital dessa trajetória intimamente relacionada as questões que permeiam o presente museu, consiste no fato de Calibar ser internacionalmente conhecido como o divulgador da doutrina espírita no século XX. Nesse episódio de sua trajetória, destacou-se também o fato de ter criado um centro espírita em uma cidade de maioria católica, esboçando um embate religioso com o catolicismo e trazendo à tona, ainda que não premeditadamente, o debate sobre a liberdade religiosa, delineando no cenário do museu uma demanda que pode ser discutida com base em seu acervo e na trajetória de Calibar.

Justamente por não ter tido filhos/herdeiros, seus pertences foram doados para o Centro Espírita Clarin que anteriormente chamava-se “Amantes da Pobreza”.

Destaca-se que o acervo da presente instituição compôs-se dos pertences, bens pessoais, mobilha e artigos farmacêuticos de Calibar, cujo memorial edificou-se em sua própria residência. Sobre o acervo, destacou-se que sua composição, além dos testemunhos materiais, compôs-se também de fragmentos de memória impressa nas transcrições radiofônicas feitas por Calibar, expondo um traço que o caracterizava, ou seja, o apresso pelo desenvolvimento tecnológico ligado sua formação enquanto farmacêutico.

No que tange a especificidade deste acervo, destacou-se a possibilidade do público consultar as receitas farmacêuticas que ele prescreveu e a partir do sobrenome, verificar se algum familiar se consultou com o mesmo. Exprimindo uma dupla possibilidade: a de consultar o quadro clínico de familiares e a de ver eternizado no acervo do museu o nome de algum familiar.

No que tange ao processo curatorial, através dos elementos interativos que constituem a exposição, é possível ouvir gravações de conferências realizadas por Calibar, ainda que o áudio não tenha sido gravado na voz do mesmo.

A reserva técnica do presente museu foi instalada onde antigamente existia o laboratório da editora, tendo sido reformado para abrigá-la.

Destacou-se como diferencial do presente museu, que 99% do público do presente museu declara-se espírita evidenciando não apenas um conflito, mas principalmente o desafio de desconstruir o imaginário de que o museu se destina ao público professante da fé espírita/kardecista.

Emerge, mediante o exposto, uma questão que diz respeito não apenas a este museu, mas a muitos museus de diferentes naturezas e especificidades, ou seja, o desafio de acessibilizar e dialogar com diferentes públicos para além dos que já tem cativo. Trazendo o mote da acessibilidade sobre outro viés e como desafio de dialogar com a heterogeneidade do público como efetivo compromisso do museu, enquanto instituição gestada no seio de uma sociedade igualmente plural.

O terceiro caso selecionado para ser apresentado no 6º painel, compreende o projeto “Ourinhos: memória em movimento”, cuja apresentação esteve a cargo de Neusa Moraes, mas que devido a um imprevisto não conseguiu comparecer ao evento. Contudo, cabe aqui destacar os alicerces e premissas que permearam a edificação do projeto em questão, realizado em parceria com o Ministério da Cultura, Instituto Brasileiro de Museus, Prefeitura Municipal de Ourinhos e a Associação de Amigos da Biblioteca Pública (AABiP) na qual se promoveu o lançamento do projeto.

Cabe destacar que o presente projeto constituiu-se pela digitalização de 18 mil páginas de documentos compreendidos por jornais, mapas e fotos, cuja disponibilização via internet, além do contato com tais documentos e informações, também possibilita a consulta à edição do documento audiovisual composto por depoimentos de ferroviários ourinhenses.

Põe-se em relevo, por conseguinte, que o projeto também é composto por uma exposição cuja abertura ocorreu simultaneamente ao lançamento do projeto. Exposição esta, estruturada a partir da disposição de 20 painéis  estruturados de forma a possibilitar ao público conhecimento sobre alguns dos principais jornais de Ourinhos e regiões adjacentes, os quais circularam por quase todo o século XX o “Correio do Sertão”, “Debate”, “O Progresso”, “O Contemporâneo”, “Diário da Sorocabana” e “A Voz do Povo” entre outros, compreendendo importantes veículos de comunicação e suporte de memória.

Sublinha-se que é possível assistir aos filme que compõem a narrativa do projeto intitulado “Arquivo de Lembranças” assim como conhecer o acervo de fotos de Francisco de Almeida Lopes, doado por seu filho José Carlos Neves Lopes.

No que concerne ao processo de edificação da exposição, vale destacar também que as páginas estampadas nos painéis são produto de reconstituições a partir de notícias veiculadas nos periódicos da época, retratando diferentes momentos de cada jornal. Dentro do processo curatorial primou-se por manter a grafia original, sempre atentando sobre a importância de informar a data de cada publicação. Observa-se que ao expor as narrativas de cada jornal/periódico possibilita-se ao público, subsídios para perceber as diferentes narrativas, posicionamentos, assuntos de interesse da época e temáticas abordadas por cada um desses veículos de comunicação, ofertando outras possibilidades de olhares não só sobre a cidade em questão,  mas também, sobre o momento histórico e a conjuntura política por eles retratada.

Observa-se nas diferentes matizes que compreendem tal projeto, uma enorme gama de linguagens e suportes materiais articulados na reconstrução de memórias que se somam não apenas na reconstrução de um passado, como também ofertam a possibilidade de refletir sobre o presente e principalmente, sobre quais bases edificaremos o futuro. Evidenciando que o ato de preservar não tem razão de ser em si próprio e só se justifica ao ter função social e se no seio dessa mesma sociedade se ressignificar como resposta à própria dinâmica social que a circunscreve.

No entrecruzar destes três projetos, observam-se como principais pontos de intersecção, o despontar da memória como um importante vetor, não apenas na reconstrução de narrativas, mas também por viabilizar a difusão das mesmas como fonte de conhecimento e subsidio à construção identitária e de laços de pertencimento. Outro ponto nodal entre ambos os projetos, refere-se a questão da abertura de um canal de comunicação entre as instituições museológicas, vislumbrando também o diálogo com a pluralidade de públicos.

Emerge, por este viés, advindo dessas intersecções entre ambos os projetos, a questão do enfrentamento de conflitos, no qual o museu, enquanto reflexo de uma conjuntura social, delineia-se também como arena de disputas e desponta como um importante ator social na mediação de tais debates e  que pode vir  a auxiliar na reflexão sobre possíveis conflitos.

Logo, o museu, ao emergir como aglutinador de narrativas que se gestam no passado e ao debruçar sobre elas com vistas as demandas do presente e do futuro, reafirma cada vez mais a ruptura com o estigma do museu sótão/depósito de coisas sem utilidade, em face da preponderância da sua vocação educativa e social, manifestada na iniciativa de estreitar o diálogo com os diferentes  públicos.

Cabe enfatizar que o enfrentamento de tensões e conflitos advindos da complexidade que reveste o tecido social com o qual o museu se propõe a dialogar, pode esboçar uma mudança de paradigma que imploda a pseudoneutralidade que se arrogava às instituições museais, quadro que se delineia tanto pelo enfrentamento de possíveis conflitos que se manifestam nas temáticas dos museus, quanto nas demandas advindas do público, como também pelo evidenciar de diferentes narrativas e, por conseguinte, diferentes memorias. Delineando-se assim, outra perspectiva para o museu, em um futuro onde o debate se manifeste de forma franca, aberta e não raro declarando-se como fruto de uma seleção, de um olhar que constitui o processo curatorial e que não esgota o tema.

Por fim, cabe pontuar, o quanto é importante o viabilizar de espaços como estes, onde a troca de experiências possibilita não apenas conhecer os diversos processos e itinerários museológicos como também refletir sobre nosso próprio processo. Assim, é no entrecruzar dessas experiências e do compartilhar generoso de tais vivências que podemos juntos pensar possibilidade de caminhos plurais e diversos materializados em um fazer museológico sempre pautado pelo diálogo com seu interlocutor, sejam os diferentes públicos e os profissionais de museus.