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Mesa 11 - Imagem e produção de imagem como responsabilidade

Relato por Tina Montenegro

Palestra Peter Schneemann

O título da palestra de Peter Schneemann foi “Imagem e produção de imagem como responsabilidade”. Com ela, ele buscou continuar uma linha crítica de posições que, segundo ele, já haviam sido apresentadas no simpósio. Recorreu à arte contemporânea para tratar da ligação entre o poder da imagem e seu contexto social, a prática cultural. Focou, sobretudo, na recepção como prática social. Ele apresentou formas radicais de reação à inundação do mundo por imagens.

Disse que apresentaria essencialmente a posição artística de Alfredo Jaar, cujo trabalho trata de conhecimento como responsabilidade. A experiência das imagens seria apenas resultado. Segundo o palestrante, a referida obra trata da compreensão do mundo de hoje, em que a imagem é informação e meio de comunicação. A apoteose da pictorialidade e iconicidade que vivemos também pode ser interpretada como uma desvalorização da imagem isolada e de sua percepção.

Schneeman contou que, durante a conferência anual organizada pela German Assembly of Art Historians, em Bonn, a apresentação do projeto global icons por Lygia Haustein foi seguida de uma discussão acalorada a respeito do uso analítico da base de dados, que é uma referência remota ao atlas de Aby Warburg. Se todas as imagens, de imprensa, da cultura de massa, da propaganda, as reproduções e a arte têm a mesma importância, a história da arte restringe muito seu campo: passa a ser uma análise de temas, argumentou. Segundo ele, os historiadores da arte devem considerar estratégias artísticas mais complexas. Ele considera que há três delas.

A primeira é a tentativa de reganhar a imagem e o significado da imagem que está dissolvido na trivialização. É representada por vários pintores como Gehard Richter e Luc Tuymans. Eles transferem representações de um meio para o outro. Do meio de massas para os quadros. Nessas transferências, os meios são analisados e recebem qualidades auto referentes. Isso nos aproxima das memórias. Schneemann disse que Tuymans, por exemplo, enfatiza a distância da representação, quebrando-a como imagem de uma outra imagem e uma parte de um mundo de imagens. O palestrante leu uma citação de Tuymans em que o artista diz que quer mostrar o mundo como memória, pois não seria possível pintar aquilo que não se experimenta. Ele pinta a partir de fotos. Diz que a distância é necessária e dá como exemplo o quadro que pintou a partir de uma aquarela feita num campo de concentração. Havia uma questão ética, mas o quadro de Tuymans, segundo o próprio pintor, servia para mostrar como o holocausto é parte da cultura, parte do mundo de imagens.

Para representar a segunda estratégia, o palestrante serviu-se de coleções que trazem a perda do status da imagem única e de sua aura. Referiu-se a Hans-Peter Feldmann, que já nos anos 1960 havia desafiado a heróica imagem singular no seu arquivo de quadros e anunciado programaticamente que novas imagens não seriam necessárias. Era uma estratégia de apropriação e de sistema de classificação, que também pode ser vista, de acordo com Schneemann, nos trabalhos de Christoph Weber. Este último fez um livro intitulado Desejo, Riqueza e Felicidade, que contém uma coleção de imagens em duas mil duzentas e cinqüenta páginas de papel fino. Só a primeira página tem algo escrito e informa a respeito do conteúdo do livro. Depois do índice, há páginas que simplesmente detalham, por imagens, os conceitos específicos. Embora o formato das imagens tenham sido inicialmente diferentes, ele as padronizou e deu ao livro um caráter documental. Schneemann afirmou que Weber não está interessado na relevância da imagem para uma idéia específica, ou nas origens dessas imagens, mas na seleção do processo indexador da internet (World Wide Web). Disse que o artista retira radicalmente o significado ligado à função de cada imagem e que, ao imprimir as imagens sem documentação, reforça a descontextualização e transfere a elas novas conexões, atributos e interpretações. Aquele que vê as imagens conectaria cada uma delas com a narrativa. Scheemann entende que esse tipo de exame artístico da imagem traz de volta uma autoria.

A terceira estratégia de que o palestrante tratou é aquela que é capaz de formar o modo de ver, dissolvendo o estranhamento entre os indivíduos e as imagens múltiplas. Alfredo Jaar, de acordo com Schneemann, dedicou-se a uma pintura no presente em que a imagem aparece como meio relativo aos interesses econômicos e políticos e se torna altamente problemática em termos de conhecimento. Afirmou que Jaar representa um tipo de artista comprometido e sábio, que encara o mundo global, viaja e visita lugares para fazer fotos e pesquisas. Ele é artista e testemunha. Nas suas instalações sobre o genocídio no Ruanda em 1994, Real Pictures (1995), ele mostrou justamente o esconder das imagens. Várias fotografias foram escondidas e não usadas de forma informativa para o mundo.

O palestrante referiu-se a uma outra instalação de Jaar, em que contava a história de uma fotografia de guerra e de seu fotógrafo, The sound of silence (2006). A narrativa acontece através de sentenças curtas e projetadas, em letras brancas que vão e vêm. Nesse trabalho, uma foto de 1993 é significada. O foto-jornalista Kevin Carter ganhou com essa foto o prêmio Pulitzer de 1994. Na foto, uma criança faminta do Sudão, caída no chão, é ameaçada por um urubu. Carter falou muito dos 20 minutos durante os quais ficou esperando que o urubu abrisse as asas, o que não fez. O fotógrafo se suicidou em 1994. A agência de Bill Gates, Corbis, comprou os direitos.

Schneemann acha que o artista tem responsabilidade como testemunha, e que essa questão da responsabilidade é espelhada na forma de recepção. Par ele, o visitante pode ser crítico, consumidor, filósofo ou homem leigo; a arte tem o poder de indicar como deve ser vista. Disse que a questão dos modelos de recepção é tão proeminente na arte contemporânea porque ela precede a relevância social da arte. Assim, exemplificou Schneeman, Jaar contextualizou a foto que foi espalhada um milhão de vezes como informação e, além disso, ele exigiu que se leia antes de ver e, ao mesmo tempo, ele colocou uma condição de recepção de enorme efeito retórico. Jaar não queria ser visto acidentalmente: o acesso à caixa era regulado precisamente; o início era marcado por uma contagem regressiva. O artista exige uma análise crítica que segue o modelo de recepção que usa a cenografia e busca a concentração e a leitura exata. Quer criar uma esfera utópica, onde se é ciente da integração em um paradigma sem exceções de uma nova pluralidade dentro do mundo consumista.

O palestrante voltou à instalação de Jaar, Lament of the Images (2002), apresentada na Documenta XI. O trabalho explorava os interesses e o controle econômica e politicamente motivados de imagens. A primeira sala era escura e nela havia textos que informavam o visitante a respeito de imagens ausentes. O primeiro tratava da libertação de Nelson Mandela, descrevendo o momento em que ele saiu da prisão. É também a história do cegamento de Mandela nas pedreiras. A dialética entre a luz e o escuro. Entre o que é visto e o que não é visto. O segundo texto falava de Bill Gates e de sua empresa Corbis, que já possui algo como 65 milhões de imagens, uma grande parte das quais, por motivos de conservação, é mantida enterrada, no escuro. As imagens da prisão de Nelson Mandela são parte desse arquivo. O terceiro texto dizia respeito aos ataques aéreos noturnos que os americanos fizeram ao Afeganistão. Todas as visões aéreas desse país foram compradas. A estratégia é hoje conhecida como Whiteout. Com essa informação ampla o visitante entrava numa segunda sala, onde era cegado por uma luz forte e fria que vinha de uma construção de luzes. Não havia imagens mas, ao mesmo tempo, era quase como se fosse uma imagem abstrata. A instalação trabalhava ainda em outro nível, pois levava a um intercâmbio entre os visitantes. Para Schneemann, havia três aspectos muito interessantes nessa instalação: a ausência da imagem da mídia, a imagem representacional, e sua substituição por um campo de luz abstrato. O espectador passava por um espaço escuro, chegava em um espaço em branco, sentia falta da imagem e sentia a crueldade da sua própria exposição. Os espectadores desenvolviam um sentido da contemplação em silêncio.

Schneemann então passou a uma comparação com o artista californiano, James Turrell, que, no final da década de 1960, teve a oportunidade de trabalhar em um projeto que ligava arte e tecnologia. Ele ofereceu suporte para laboratórios para a realização de experimentos de psicologia e fisiologia. [Art and Tecnology Project NASA, 1967] Trabalhou com percepção visual. Era um quarto iluminado em 360º, que deixava o espectador mergulhar na experiência de luz e cor. Mais uma vez a intensidade está na dialética dupla, a exageração da estética afetando o que acontece e a redução do aspecto sensorial através de estratégias específicas do campo de visão. A situação que o artista criou era de conflito entre as informações que se tinha e os sentidos. Era uma experiência livre de discurso. Entretanto, continuou Schneemann, o discurso de Turrell é cheio de vocabulário místico. A arte de Turrell oferece projeções que levam a atitudes místicas, religiosas ou contemplativas mais gerais.

O palestrante diagnosticou que é empolgante e problemático que o sublime como modelo de recepção na arte contemporânea possa oscilar entre a projeção vazia e o esconder do significado. Para ele, há aí um risco pois as obras que seriam realizadas sem qualquer articulação com a história da percepção poderiam ter ambições existenciais kitsches.

É aí que se insere um desenvolvimento paralelo que Schneemann passou a descrever. O primeiro exemplo que deu foi a possibilidade oferecida no site da Tate Britain de fazer vários arranjos da coleção. Por exemplo, pode-se fazer sua coleção feliz ou deprimida. O palestrante ressalvou a ironia disso, mas disse achar que a questão estava sintomaticamente ligada à sucessão da idéia histórica de quem vê, que foi seguida pela idéia de grupo alvo. O termo grupo alvo implica o papel do consumidor. Ele acha que a recepção focada no grupo alvo tem preocupações econômicas. Apresentou como prova o número de livros para colecionadores que estão no mercado. São livros cuidados e bonitos, quase objetos. Trazem citações, aforismos isolados de textos, ou entrevistas com donos de galerias e colecionadores. Um deles é um guia para colecionadores de arte contemporânea, tratando inclusive dos aspectos práticos de se possuir arte. A atitude desejável nesses casos é de lidar com arte, segundo Schneemann. Ele ressaltou a palavra inglesa “to deal”, que também significa negociar. Referiu-se à coleção de François Pinault no Palazzo Grassi, que foi o grande assunto na última Bienal de Veneza. Schneemann mencionou também Christian Boros, dono de uma agência de propaganda e de uma coleção de arte contemporânea, cujo aforismo é: “Eu coleciono arte que não entendo”. A negação da compreensão, de acordo com o palestrante, implica uma significação diferente. Essa atitude que consiste em falar de sua coleção de arte é um modelo de recepção. O possuir e lidar com o objeto substitui a necessidade de entender arte.