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Painel 1º. As memórias das cidades: museus, territórios e públicos

Por Julia Buenaventura – Relato do Painel 1º. As memórias das cidades: museus, territórios e públicos Marlen Mouliou (CAMOC) e José Guilherme Magnani (USP/NAU) Mediação: Maria Ignez Mantovani Franco (ICOM-Brasil)

Relato por Julia Buenaventura

Coordenadoria dos relatos por Beto Shwafaty

Intitulado “As memórias das cidades: museus, territórios e públicos”, o primeiro painel do 7o Encontro Paulista de Museus, foi composto por Marlen Moulin, presidente do Comitê Internacional de Museus de Cidade (Camoc/Icom), da Grécia, e Jose Guilherme Magnani, professor titular do Departamento de Antropologia (FFLCH) e coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana, na Universidade de São Paulo. Igualmente, a mesa contou com a presença de Maria Ignez Mantovani Franco, do ICOM-Brasil, como mediadora.

É possível afirmar que os assuntos trabalhados pelos dois palestrantes tiveram uma relação direta com o objetivo geral do Encontro, a saber: examinar as relações das instituições museológicas com as comunidades em que estão inseridas. Dessa forma, se Marlen Moulin abordou a relação entre o museu e a cidade; Guilherme Magnani expôs várias aproximações antropológicas onde o museu, mais do que guardar um histórico da cidade, faz da urbe seu laboratório de pesquisa.

Após saudar em português como um gesto de aproximação ao público brasileiro, Moulin começou sua intervenção questionando o papel do museu nas cidades e afirmou que essas instituições devem refletir sobre o futuro da sociedade urbana. Assim, questões sobre “como a cidade pode ser um lugar agradável para se viver?, que ingredientes são precisos para isso? e como pode contribuir o museu para esse bem-estar?” foram os eixos chave de sua participação.  Em resumo, seu questionamento apontou para como o museu pode ir além de seus muros, para atingir problemáticas propriamente urbanas.

Nesse contexto, Moulin enfatizou o termo sustentabilidade, explicando que sem esse elemento, a sociedade pode chegar a sua autodestruição. A cidade é um ecossistema complexo, afirmou Moulin, que deve calibrar seus fatores com o objetivo de aumentar a qualidade de vida de seus habitantes, e a possibilidade de serem felizes em seu habitat. Uma das tarefas do museu seria contribuir na construção de cidades felizes.

A palestrante trouxe vários exemplos para ilustrar o tema. Entre eles: o Museu de Amsterdam e Copenhagen, dando a conhecer projetos inovadores, como a proposta de participação cívica no primeiro e o Projeto Amor do segundo. Stam, museu da cidade de Ghent em Bélgica; Digie, projeto de imagens digitalizadas que conformariam um núcleo de identidade em El Paso, Texas; e o clássico Panorama de Rotterdam. Um conjunto de casos cujo denominador comum está na interação com os habitantes, constituindo-se como espaços de identificação para as pessoas que os circundam.

Da mesma forma, Moulin assinalou o fato da palavra economia não ter aparecido com especial ênfase no seu discurso, pois, afirmou que outras categorias como participação, diversidade e engajamento comunitário, seriam, em última instancia, o objetivo do museu; sua possibilidade real de participação na sociedade. Mais ainda, Moulin não enxerga na economia, hoje “distorcida e injusta”, uma saída para melhorar as condições urbanas; de fato, a partir de sua perspectiva, a economia parece ser obstáculo para progressos em termos de bem-estar.

Do meu ponto de vista, essa posição é necessária e urgente, pois nesse momento fica claro que as formas de geração e acumulação de capital, longe de trazerem bem-estar, são fonte de destruição da natureza e multiplicação da desigualdade. Do mesmo modo, o fato da palestrante vir da Grécia, país que está se negando a pagar uma dívida em termos legais justa, e em termos morais absolutamente injusta, chama a atenção; ainda que não seja preciso vir da Grécia para desconfiar dos modelos econômicos contemporâneos.

A intervenção de Moulin teve, porém, momentos pouco claros. De um lado, porque os exemplos de museus que tiveram uma interação com seus públicos ficaram sem ser explorados. De outro lado, porque o conceito de “felicidade”, “museu feliz” e “cidade feliz”, eixo de grande parte da sua intervenção, não foi esclarecido. Moulin citou o livro de Charles Montgomery, Happy City, como referente importante, mas não foi abordada a problemática sobre como é possível construir museus ou cidades felizes.

O livro de Montgomery compartilha a idéia do clássico da década de 60, Vida e morte das grande cidades de Jane Jacobs, texto que questiona o porquê dos urbanistas projetarem espaços para ficarem vazios, quando as pessoas gostam de lugares cheios, afirmação, sem dúvida, certa. E afirmação que carrega implícito o fato da interação humana ser uma fonte de prazer e bem-estar. Aplicar essas questões nos museus é afortunado, pois não há nada mais lúgubre que uma sala de exposição vazia (que é o estado natural da maioria das salas de museu). Contudo, o texto de Montgomery não enfrenta os problemas profundos da interação que ele mesmo propõe, mais ainda, faz parte de uma visão urbanista da antiga “nova direita”, o que acaba por entrar em conflito com a outra preocupação de Moulin: questionar os modelos econômicos[1].

Em resumo, a ideia de uma cidade feliz e de um museu feliz é bem-vinda e necessária, pois o objetivo de todos reside, de modos diversos,  na busca pela felicidade; porém, é preciso trabalhar em maior profundidade essas categorias para não entrar em contradições substanciais.

A intervenção de José Guilherme Magnani esteve centrada em como trabalhar com museus da antropologia; não com o intuito de guardar a memória, mas de interagir com o presente, com os comportamentos dos cidadãos, seus circuitos e aqueles tópicos – muitas vezes imateriais – que constituem identidades urbanas; ora um lugar, ora uma rede de relações.

Magnani começou descrevendo os modos em que a antropologia costumava trabalhar com o museu, isto é, o registro – a partir de uma perspectiva evolucionista, ou mesmo etnográfica – para, em contraposição, propor o museu como lugar de pesquisa, espaço público capaz de possibilitar o encontro das pessoas. Um museu que consiga sair dele próprio para olhar e pesquisar na cidade os costumes, o patrimônio imaterial, que precisa já não ser guardado, mas defendido e preservado.

Várias experiências de pesquisas antropológicas com comunidades foram apresentadas por Magnani, algumas delas desenvolvidas no Núcleo de Antropologia Urbana que o professor coordena. Assim, o público soube do estudo realizado em Santana de Paranaíba, lugar em que fatores sociais mesclam-se ao patrimônio histórico. Longe de enfocar no patrimônio material e arquitectônico, a pesquisa abordou as festas da cidade, isto é, um patrimônio contemporâneo que faz parte dos costumes da população atual. De igual forma, foi apresentado o caso do Parque do Povo em São Paulo, trazendo ênfase numa atividade tão importante quanto as festas de Santana de Paranaíba: o futebol de várzea, praticado nas segundas-feiras por times tradicionais no lugar. Certamente, essa classe de atividade é pouco comum na área, pois se trata de uma região nobre da cidade. Porém, na pesquisa surgiram dados relevantes, como o fato dos integrantes dos times serem trabalhadores de hotéis, pessoas que descansam justamente nesse dia da semana. Mais ainda, trata-se de uma prática que, na sua origem, acontecia nos meandros do rio Pinheiros, antes de ser retificado e destruído pela poluição. Em resumo, o futebol de várzea do Parque de Povo é uma memória viva de um rio que hoje está morto, e a pesquisa de Magnani é de uma importância enorme, pois carrega a possibilidade e a urgência iminente de ressuscitá-lo, desfazendo em certa medida a catástrofe do rio Pinheiros e de tantos outros rios de nosso continente.

A esses exemplos de pesquisa foram somados casos como o estudo da rua Londrina em Sergipe ou a Expedição São Paulo, em que 30 especialistas viajaram durante uma semana pela metrópole, registrando costumes, circuitos e comportamentos que regem a cidade e constituem sua cotidianidade. Finalmente, foi exposta a defensa do Cine Belas Artes pela cidadania; nesse caso, um prédio que não tinha possibilidade nenhuma de ser tombado como patrimônio arquitectônico, foi protegido como patrimônio imaterial, por ser um lugar de encontro que articula uma comunidade. Experiência que mostra, afirmou Magnani, as formas em que a cidade, ainda que possa parecer caótica e fragmentada, funciona a partir de uma série de regularidades e ordenamentos. Regularidades e ordenamentos que, do ponto de vista do palestrante, devem entrar no museu, serem expostos e apresentados na instituição. Um museu da cidade deve se encarregar de trazer essa carga de sentidos, para que o público visitante se sinta identificado, isto é, para que o público veja no museu um lugar próprio.

Após essa intervenção surgiram algumas perguntas e comentários. Porém o tempo era escasso e a mesa acabou em pouco


[1] Uma crítica extraordinária sobre livro de Jane Jacobs está no último capítulo de Tudo o sólido se desmancha no ar de Marshall Berman. Sobre Happy City, de Montgomery, vale dizer que se trata de um texto superficial, que toma por base cidades que o autor parece nunca ter visitado, como Bogotá, exemplo de “cidade feliz” que abre o livro.